Controle das Políticas Públicas pelo Poder Judiciário

Resumo: Este estudo teve como propósito verificar a possibilidade do Poder Judiciário em interferir nas políticas públicas sem violar o princípio da separação dos poderes para diante das omissões Estatais garantir o mínimo existencial que a pessoa humana necessita. Utilizando pesquisas bibliográficas em doutrinas jurisprudências e sítios da internet. O presente trabalho inicia-se discorrendo sobre as características e dimensões dos direitos fundamentais bem como os direitos sociais e políticas públicas passando-se a discorrer sobre a separação e função dos poderes e atos administrativos. E finalmente conclui com o controle dos atos administrativos vinculados a possibilidade do controle de mérito do ato administrativo discricionário o mínimo existencial reserva do possível e a possibilidade do controle das políticas públicas pelo Judiciário. Obtendo como resultado que é possível ao Judiciário intervir e controlar as políticas públicas desde que observados certos critérios visando garantir os direitos fundamentais fazendo com que se cumpra o que foi previsto constitucionalmente.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais Evolução dos Direitos Fundamentais Separação dos Poderes Controle do Mérito Administrativo Controle das Políticas Públicas.

Abstract:ThisstudyaimedtoverifythepossibilityoftheJudiciary interfere withpublic policies withoutviolatingtheprincipleofseparationofpowerstofacedwithStateomissionsensurethe existencial minimumthathumanpersonneedsusingliteraturesearches in doctrinesjurisprudenceand internet sites. The presentworkbeginsdiscoursingaboutthefeaturesanddimensionsof fundamental rights as wellas socialrightsandpublic policies goingtodiscourseabouttheseparationandfunctionofpowersandadministrativeacts. Andfinally it concludeswiththecontrolofthebindedadministrativeactsthepossibilityofthemeritcontrolofthediscretionaryadministrativeactthe existencial minimumpossible reserve andthepossibilityofthecontrolofthepublic policies bytheJudiciaryobtaining as resultthat it ispossible for theJudiciarytointerveneandcontrolthepublic policies as long as observingcertaincriteriaaimingtoguaranteethe fundamental rightscausing it tofulfillwhatwasconstitucionallypredicted.

Keywords: Fundamental RightsEvolutionofthe Fundamental RightsSeparationofPowersControlofAdministrativeMeritControlofPublic Policies bytheJudiciary.

Sumário: 1. Introdução.2. Direitos fundamentais.2.1. Características.2.2. Classificação.2.3. Evoluções dos Direitos Fundamentais.2.4. Direitos Sociais e Políticas Públicas.3. Separação dos poderes e atos administrativos.3.1. Teoria da Tripartição dos Poderes.3.2. Função Típica e Atípica.3.3. Atos Administrativos.3.3.1. Discricionariedade e Vinculação do Ato Administrativo.3.3.2. Vedação do Controle Jurisdicional do Mérito Administrativo.4. Controle das políticas públicas pelo poder judiciário.4.1. Controle dos Atos Administrativos Vinculados pelo Poder Judiciário.4.2. Possibilidade do Controle de Mérito do Ato Administrativo Discricionário.4.3. Mínimo Existencial.4.4. Reserva do Possível.4.5. Controle das Políticas Públicas pelo Poder Judiciário.5. Conclusão.Referências.

1 Introdução

Este estudo teve como propósito verificar a possibilidade de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Para tanto, foram utilizadas pesquisas bibliográficas em doutrinas, jurisprudências, e sítios da internet.

O presente trabalho inicia-se com discorrendo sobre as características e dimensões dos direitos fundamentais, bem como os direitos sociais e políticas públicas, em seu primeiro capítulo, passando-se a discorrer sobre a separação e função dos poderes e atos administrativos no capítulo dois.

E, finalmente, o capítulo três fala do mínimo existencial, reserva do possível e a possibilidade do controle das políticas públicas pelo Judiciário.

A partir dessa pesquisa constatou-se que, desde que observados certos critérios é possível ao Judiciário intervir e controlar as políticas públicas, visando garantir os direitos fundamentais, fazendo com que se cumpra o que foi previsto constitucionalmente.

Os direitos fundamentais, entendidos como os direitos humanos positivados na Constituição de cada país, podem, segundo uma perspectiva histórica, serem divididos em gerações ou dimensões de direito.

Os direitos sociais, culturais e econômicos correspondem aos direitos de 2ª dimensão, que são classificados como direitos prestacionais, pois exige do Estado uma atuação positiva para que sejam efetivados.

A forma de efetivação desses direitos é realizada através de implementação de políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Executivo, ou seja, pelo Administrador Público, o qual a faz por meio de atos administrativos.

Os atos administrativos são as ações, as condutas de afirmação de vontade das prerrogativas públicas, realizadas por um agente investido no cargo de administrador, que leva em consideração a vinculação a limitação legal ou quando discricionários age com margem de liberdade sem deixar de observar a circunscrição da lei.

É incumbência do Poder Judiciário o controle de legalidade dos atos administrativos, podendo, inclusive, adentrar, de forma excepcional, na análise do mérito do ato administrativo discricionário, quando este apresentar alguma ilegalidade.

A problemática a ser enfrentada no presente trabalho se refere à possibilidade do Poder Judiciário realizar o controle e intervenção das políticas públicas, o que precipuamente seria uma tarefa do Executivo, considerando ainda que o tema envolve a disponibilidade de orçamento público.

O presente tema apresenta relevância na medida em que, em não raros casos, vemos diversas ações judicias buscando exigir do Estado a concretização dos direitos sociais constitucionalmente previstos.

2 Direitos fundamentais

2.1 Características

Os direitos fundamentais, entendidos como os direitos humanos positivados na Constituição de cada país, ou seja, no plano interno, possuem como características: a historicidade, universalidade, limitabilidade ou relatividade, concorrência, irrenunciabilidade, inalienabilidade e a imprescritibilidade.

A historicidade quer dizer que esses direitos possuem cunho histórico, ou seja, eles surgem dentro de um determinando contexto histórico, de acordo com a necessidade e a possibilidade política, econômica e social daquele momento.

A universalidade significa que esses direitos destinam-se a todos os seres humanos de forma indistinta, pois em todas as sociedades deve haver um núcleo mínimo de proteção a dignidade da pessoa humana, ainda que se devam respeitar as peculiaridades culturais.

A limitabilidade ou relatividade se refere ao caráter não absoluto desses direitos, vez que encontram limitação em outros direitos igualmente consagrados constitucionalmente, podendo haver no caso concreto conflito entre eles, o que será resolvido ora pela própria Constituição, ora pelo aplicador de direito, que deverá decidir qual direito prevalece.

Conforme explica Lenza (2011, p. 864):

“Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição.”

Concorrência significa dizer que esses direitos podem ser exercidos de forma cumulativa.

A irrenunciabilidade, por sua vez, trata-se da impossibilidade de renúncia pelo seu titular, não devendo, entretanto, a renúncia ser confundida com o não exercício de um direito.

Novelino (2009, p. 361) explica, ainda quanto à possibilidade de limitação voluntária, em seus dizeres:

“Não se deve admitir a renúncia ao núcleo substancial de um direito fundamental. Todavia, a limitação voluntária deve ser considerada válida sobcertas condições, sendo necessário verificar na análise da validade do ato a finalidade da renúncia, o direito fundamental concreto a ser preservado e a posição jurídica do titular (livre e autodeterminada). A autolimitação voluntária está sujeita, a qualquer tempo, à revogação.”

Portanto, a característica da irrenunciabilidade não impede a limitação voluntária de um direito, desde que observados a finalidade, o direito fundamental concreto e a posição jurídica do titular.

A inalienabilidade traz que esses direitos são indisponíveis, vez que não possuem conteúdo econômico patrimonial.

Também esses direitos não podem ser atingidos pela prescrição, o que constitui a característica da imprescritibilidade. Conforme Lenza (2011, p. 865) “[…] Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição”.

2.2 Classificação

Dentre as diversas classificações existentes, tem maior relevância ao presente trabalho aquela apresentada por Jellinek (1905), segundo a qual os direitos fundamentais dividem-se em direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação.

Nos direitos de defesa exige-se do Estado uma prestação negativa, ou seja, um dever de abstenção, impedindo que o Estado interfira na autonomia dos indivíduos. Desse modo, logrando preservar as liberdades individuais, os direitos de defesa abalizam o poder do Estado, obrigando-o a não interferir, não intrometer.

Os ensinamentos de Lenza (2011, p. 867) trazem que “O indivíduo por possuir personalidade goza de um espaço de liberdade diante das ingerências dos Poderes Públicos. Nesse sentido, podemos dizer que a autoridade do Estado se exerce sobre homens livres”.

Ao contrário dos direitos de defesa, os direitos prestacionais exigem uma ação positiva do Estado, ou seja, um dever de agir, fazer, realizando prestações a favor do indivíduo.

Nesse ponto, leciona Novelino (2009, p. 361):

“Os direitos a prestação possuem um caráter essencialmente positivo, impondo ao Estado o dever de agir. Objetivam a realização de condutas ativas por parte dos poderes públicos, seja para a proteção de certos bens jurídicos contra terceiros, seja para promoção ou garantia das condições de fruição desses bens. Englobam o direito a prestações materiais e jurídicas.”

Por sua vez, os direitos de participação exige ação positiva e passiva do Estado, referem-se ao direito do indivíduo de participar da formação da vontade política, por exemplo, pelo exercício do voto.

2.3 Evoluções dos Direitos Fundamentais

A doutrina classifica os direitos fundamentais, segundo o momento histórico em que estes foram reconhecidos, em gerações ou dimensões de direito. Conforme ensina Lenza(2011, p. 860) Em um primeiro momento, partindo dos lemas da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade, anunciavam-se os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensão e que iriam evoluir segundo a doutrina para uma 4ª e 5ª dimensão”.

Assim temos, inicialmente, os direitos fundamentais de 1ª dimensão, os quais estão ligados à ideia de liberdade. Tais direitos foram precipuamente reconhecidos com o surgimento das primeiras constituições escritas, o que ocorreu no final do século XVIII, com as revoluções burguesas ou liberais.

Durante essas revoluções o que se buscava era a limitação da intervenção estatal na vida privada e a garantia das liberdades públicas, passando-se, assim, do Estado absoluto para o Estado liberal.

 Portanto, tratam-se esses direitos dos chamados direitos civis e políticos, os quais compreendem, por exemplo, os direitos à liberdade, a vida, propriedade, liberdade de religião, liberdades de expressão coletiva, igualdade e os direitos de participação política.

Esses direitos exigem do Estado um dever de não fazer, ou seja, um dever de abstenção, conforme leciona Bonavides (1997), segundo Lenza (2011, p. 860):

“Os direitos de primeira geração ou direito de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.

Os direitos de 2ª dimensão, por sua vez, estão ligados à ideia de igualdade e tem como marco histórico inicial a Revolução Industrial europeia, ocorrida a partir do século XIX. Durante esse período tínhamos a luta dos proletariados que reivindicavam melhores condições de trabalho e normas de assistência social.

Diferente do que ocorreu nas revoluções liberais, a luta já não era mais entre nobreza e burguesia, mas sim entre burguesia e proletariados.

Já no início do século XX temos a ocorrência da primeira guerra mundial que influenciou na fixação dos direitos sociais.

Além disso, também nessa época surgiu uma maior consciência quanto a necessidade de se preservar as instituições, abandonando-se a tradicional visão do individualismo, ou seja, do homem de forma isolada, e passando a dar maior valor aos direitos de titularidade coletiva.

Nos ensinamentos de Novelino (2009, p. 363):

“Direitos de titularidade coletiva (direitos coletivos) e com caráter positivo fizeram despertar a consciência sobre a importância de se proteger as instituições, dando origem ao descobrimento de um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais. As proteções constitucionalmente asseguradas a determinadas instituições de direito público e privado, fundamentais para a sociedade, têm por escopo principal assegurar sua permanência e a preservação de sua essência contra qualquer tipo de lesão, sobretudo, pelo seu principal destinatário: o legislador.”

Assim, os direitos de 2ª dimensão referem-se aos direitos sociais, culturais, econômicos e aos direitos coletivos.

Tais direitos exigem uma prestação positiva do Estado, uma obrigação de fazer, ou seja, de propiciar um bem estar social, o que demanda a implementação de prestações materiais, a realização de políticas públicas visando a melhoria das condições de vida da sociedade.

Assim, conforme ensina Novelino (2009, p.363) “[…] por dependerem em grande medida de disponibilidade orçamentária do Estado (“reserva do possível”), faz com que estes direitos tenham menos efetividade que os direitos de primeira dimensão”.

Passamos, então, aos direitos de 3ª dimensão, os quais estão relacionados ao valor fraternidade ou solidariedade. Esses direitos vieram com a constatação da necessidade de diminuir as desigualdades existentes entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. Lenza (2011, p.861) observa que:

“Os direitos fundamentais da 3ª dimensão são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), identificando-se profundas alterações nas relações econômico-sociais.”

Assim, dentre os direitos dessa dimensão incluem-se os direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, o direito de comunicação, dentre outros. Tratam-se, portanto, de direitos que visam à proteção do gênero humano, tratados pela doutrina como direitos transindividuais.

Temos, ainda, os direitos fundamentais de 4ª dimensão que segundo Bonavides (1997), citado por Lenza (2011), decorreriam da globalização política correspondente à derradeira fase da institucionalização do Estado social. Destarte, estariam nesse rol os direitos a democracia, informação e pluralismo.

Diferente do entendimento de Bonavides (1997), Bobbio (2004, p. 6) entende que referida geração de direitos estaria ligada aos avanços no campo da engenharia genética.

Entretanto, conforme discorre Sarlet (2000), citado por Lenza (2011, p. 863):

“A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade.”

Portanto, temos como doutrinariamente mais aceita a proposta formulada por Bonavides, de que os direitos a democracia, informação e pluralismo, correspondemaos direitos de 4ª dimensão.

Bonavides traz, ainda, a existência de uma 5ª dimensão de direitos, que seria o direito à paz. Nesse ponto, Lenza traz que (2011, p. 863): “Contudo, Bonavides entende que o direito à paz deva ser tratado em dimensão autônoma, chegando a afirmar que a paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade”.

2.4 Direitos Sociais e Políticas Públicas

Segundo o conceito apresentado por Moraes (2005, p. 177):

“Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal.”

Nos termos do artigo 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988:

“Art. 6°, da CF – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988)

Lenza (2011) explica que esses direitos são desdobramentos de um Estado social de Direito que teve como importante marcos histórico a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) e, ainda, a Constituição Brasileira de 1934.

Como já visto, os direitos sociais estão enquadrados nos direitos fundamentais de 2ª geração, os quais demandam do Estado uma obrigação positiva, de fazer, de agir, daí serem chamados de direitos prestacionais.

Ressalte-se que os direitos sociais previstos constitucionalmente, assim como todos os demais direitos fundamentais, possuem aplicação imediata, conforme prevê o artigo 5º da Constituição Federal.

Assim, cabe ao Executivo, o qual possui como função típica praticar os atos de Administração Pública, a implementação de políticas públicas que visem dar maior efetividade a esses direitos.

Segundo os ensinamentos de Appio (2005, p. 136):

“As políticas públicas podem ser conceituadas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos.”

A implementação de políticas públicas exige do Estado a disponibilidade de recursos orçamentários, que por vezes são escassos, sendo necessário elegerem-se prioridades frente à diversidade de demandas que são igualmente resguardadas constitucionalmente.

Discorrendo sobre o tema Novelino (2009, p. 482) traz:

“A relação entre o grau de concretização e as limitações orçamentárias do Estado faz os direitos prestacionais (caráter positivo) terem uma efetividade menor que os direitos de defesa (caráter negativo), tendo em vista a necessidade de se eleger as prioridades a serem atendidas entre demandas legítimas e igualmente contempladas no texto constitucional. Ainda que não seja uma característica exclusiva dos direitos sociais, o “custo” especialmente oneroso aliado à escassez de recursos orçamentários impedem uma realização em grau máximo ou, às vezes, até em um grau satisfatório. Em um quadro de escassez, pondera Daniel SARNENTO, “cada decisão explicitamente alocativa de recursos envolve também, necessariamente, uma dimensão implicitamente desalocativa”.

Por certo, a implementação e proteção de qualquer espécie de direito fundamental envolve – direta ou indiretamente – uma significativa alocação de recursos materiais e humanos. Todavia, ainda que presente em todas as espécies de direitos fundamentais o “fator custo” nunca se constitui em um elemento impeditivo da efetivação, pela via jurisdicional, dos direitos de defesa. É justamente neste sentido, observa Ingo SARLET, que deve ser considerada a “neutralidade” econômico-financeira dessa espécie de direito.”

Portanto, os direitos sociais são efetivados mediante políticas públicas que devem ser desenvolvidas pelo Poder Executivo, demandando certos custos, o que por vezes inviabiliza a sua concretização.

Por fim, outro aspecto importante que envolve os direitos sociais é o princípio da vedação do retrocesso social ou da proibição da evolução reacionária. Esse princípio consiste que uma vez estabelecido um direito social fica vedado que este seja diminuído ou retirada da ordem jurídica.

Segundo Canotilho (1993, p. 468) citado por Lenza (2011, p. 985):

“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia que expressa também tem sido designada como proibição “contra revolução social” ou da “evolução reacionária”. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjetivo.”

A proibição do retrocesso advém de princípios como o da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade e do princípio do Estado democrático e social de direito.

3 Separação dos poderes e atos administrativos

3.1 Teoria da Tripartição dos Poderes

A clássica teoria da “tripartição de poderes” foi apresentada pela primeira vez na antiguidade grega por Aristóteles na obra Política em que este distinguiu a existência de três funções estatais, quais sejam a de legislar, a de administrar e a de julgar, as quais eram exercidas pelo poder soberano.

Posteriormente, John Locke, em sua obra Segundo Tratado do Governo Civil, também vislumbrou a existência de três funções distintas, dentre elas a executiva e a federativa, esta última referia-se a manter relação com outros Estados, através de alianças.

Tempos depois, Montesquieu na obra O Espírito das Leis apresentou-nos a divisão e distribuição clássica, inovando o pensamento já apresentado por Aristóteles ao afirmar que referidas funções estariam ligadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Assim, cada órgão apenas poderia exercer a sua função típica, não podendo mais um único órgão exercer as três funções.

Diversos Estados modernos adotaram de forma relativa à teoria apresentada por Montesquieu, adequando-a as realidades sociais e históricas, passando-se assim a permitir certa interpenetração dos poderes, criando-se um mecanismo de controle recíproco, denominado de “freios e contrapesos”.

Sobre o tema Moraes nos ensina (2005, p. 370):

“Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da ideia de Tripartição de Poderes, já entende que esta fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checkand balances).”

A própria Constituição Brasileira de 1988 adotou de forma abrandada essa teoria, dispondo em seu artigo 2º que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

3.2 Função Típica e Atípica

A cada um dos três poderes do Estado foi dado o exercício de uma função predominante, porém que não lhe é absolutamente exclusiva. Assim, cada um exercerá funções típicas (predominantes) e atípicas (que precipuamente seriam funções típicas de outro órgão estatal).

O Legislativo tem como função típica as atividades de legislar e fiscalizar, porém de forma atípica poderá administrar e julgar. Moraes (2005, p. 372) explica que:

“A primeira ocorre exemplificativamente, quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalidade interna, provimento de cargos, promoção de seus servidores; enquanto a segunda ocorrerá, por exemplo, no processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade.”

O executivo, por sua vez, possui como função típica a administração dos bens públicos, o que é feito por meio de atos administrativos, e como funções atípicas: legislar, o que pode ocorrer através da edição de Medidas Provisórias, por exemplo, e julgar, como nos casos de processos administrativos.

Já o Judiciário possui como função típica julgar, chamada função jurisdicional, e como funções atípicas a função de administrar, como, por exemplo, a concessão de férias aos seus serventuário, e a de legislar, como por exemplo, a edição de seus regimentos internos.

Ressalte-se que mesmo no exercício de uma função atípica não haverá usurpação da função que caberia tipicamente a outro.

Preceitua Lenza que “[…] mesmo no exercício da função atípica, o órgão exercerá uma função sua, não havendo aí ferimento ao princípio da separação de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário” (2011, p. 435).

Portanto, temos que cada um dos poderes é detentor de uma parte da soberania estatal, devendo atuar de acordo com as competências constitucionalmente previstas.

3.3 Atos Administrativos

3.3.1 Discricionariedade e Vinculação do Ato Administrativo

Por estarem abarcados pelo princípio da legalidade, os atos administrativos estão limitados às disposições legalmente constituídas, pois essas limitações visam impedir que os administradores públicos, pratiquem abusos na edição e execução dos atos administrativos.

Deste modo os atos administrativos são restritos a lei e devem ser exercidos de forma literalmente vinculada a sua estipulação, conforme a norma exija, ou com margem de liberdade adstrita ao fundamento do juízo de oportunidade e conveniência.

Assim, é possível classificar os atos administrativos de acordo com o grau de liberdade da Administração quando os pratica, podendo ser estes vinculados ou discricionários.

Os vinculados são, conforme leciona Mello (2009, p. 424), “os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos”.

Já em relação aos discricionários, Marinela (2010, p. 235), preceitua como:

“Aqueles em que a lei prevê mais de um comportamento possível a ser adotado pelo administrador. Contudo, há margem de liberdade para que ele possa atuar com base em um juízo de conveniência e oportunidade, porém, sempre dentro dos limites da lei.”

Enquanto nos atos administrativos vinculados não é dada nenhuma liberdade ao administrador, que deve executar a norma de forma única e literal, nos atos administrativos discricionários ocorre um declive de liberdade ao administrador, que deve exercer essa margem de liberdade adstrita ao fundamento do juízo de oportunidade e conveniência, sendo esta uma imposição da lei.

Logo, ressaltasse que a discricionariedade não pode nunca ser confundida com a arbitrariedade, sendo aquela exercida com a faculdade de adotar uma ou outra ação, sempre em concordância com a oportunidade e conveniência da situação fática, privilegiando o interesse público e os princípios inerentes ao direito administrativo, isto sem se esquivar da determinação das normas.

Para Carvalho Filho (2010, p. 136), é possível observar a discricionariedade quando “a lei permite ao agente proceder a uma avaliação de conduta, ponderando os aspectos relativos à conveniência e à oportunidade do ato”.

A essa margem de liberdade conferida ao administrador através do juízo de conveniência e oportunidade é chamada de Mérito Administrativo.

Consequentemente o Mérito Administrativo avalia a conveniência e a oportunidade relativa a alguns dos elementos do ato administrativo, quais sejam o motivo e objeto, guiados pela discricionariedade, e restringe-se a qualquer julgamento quanto aos demais elementos.

3.3.2 Vedação do Controle Jurisdicional do Mérito Administrativo

O Mérito Administrativo é o juízo de conveniência e oportunidade, realizado nos atos administrativos que podem ser exercidos com margem de liberdade adstrita a lei, sendo estes atos, por conseguinte, os discricionários.

Ensina Carvalho Filho (2010, p. 137) “como o sentido de Mérito Administrativo importa essa valoração, outra não pode ser a conclusão senão a de que tal figura só pode estar presente nos atos discricionários.”.

Dessa forma, nos atos vinculados todos os seus elementos, ou seja, a competência, a forma, o motivo, o objeto e a finalidade são vinculados. Já nos atos discricionários há elementos vinculados e outros discricionários.

Como nos ensina Marinela (2010, p. 256):

“Nos atos discricionários, encontram-se elementos vinculados como é o caso do sujeito competente, da forma e da finalidade. Esses elementos estão definidos em lei e, em regra, o administrador não pode modificá-los, não tendo opção de escolha. Todavia, nesses atos, o motivo e o objeto são discricionários. É na análise desses elementos que o administrador deve avaliar a conveniência e a oportunidade, realizando um juízo de valor, sem desrespeitar os limites previstos pela lei.”

Assim, apenas o motivo e o objeto do ato discricionário é que são elementos discricionários, ou seja, que admitem a realização do juízo de conveniência e oportunidade pelo Administrador.

“Registre-se, que não pode o agente proceder a qualquer avaliação quanto aos demais elementos do ato – a competência, a finalidade e a forma, estes são vinculados em qualquer hipótese.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 136).

Igualmente, não se pode confundir motivo, objeto e Mérito Administrativo, os unindo de modo que um se confunda em outro, visto que eles são distintos entre si.

“Vale ressaltar que mérito não é igual a motivo e objeto, apesar de estar presente neles. Conforme já visto, o motivo é o fato e fundamento jurídico, enquanto, o objeto é o resultado prático do ato e, por fim, o mérito é a liberdade do Administrador” (MARINELA, 2010, p. 257).

Elucidasse, que o que foi conveniente e oportuno hoje, pode não ser amanha, podendo haver mudança na valoração da conduta, e por novas razões de conveniência e oportunidade acorrer à extinção do ato, conforme será explanado a seguir.

4 Controle das políticas públicas pelo poder judiciário

4.1 Controle dos Atos Administrativos Vinculados pelo Poder Judiciário

Como já visto no capítulo anterior, todos os elementos do ato vinculado são também vinculados, ou seja, não confere liberdade ao administrador, devendo ele atender de forma rigorosa à prescrição legal. O legislador preestabelece todos os requisitos do ato e estando eles presentes, cabe à autoridade administrativa somente editá-lo, sem apreciação da conveniência e oportunidade.

É certo que os atos administrativos tanto podem ser anulados pela própria Administração Pública como pelo Poder Judiciário. A anulação e revogação dos atos administrativos pela própria administração já foi objeto de análise no presente trabalho.

Do exposto acima, fica evidente que o ato vinculado não pode ser revogado pela Administração Pública, exatamente por ser todo calcado na lei, assim, a revogação de que trata a súmula 473 do STF é tão somente para os atos discricionários, pode, entretanto, ser invalidado, tanto pela Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário, por motivos de ilegalidade, ou seja, pelo desrespeito ou não observância das prescrições legais.

No caso dos atos vinculados não há discussão quanto a sua apreciação pelo Poder Judiciário, sempre que este não observar o que ficou definido em lei poderá ser invalidado.

4.2 Possibilidade do Controle de Mérito do Ato Administrativo Discricionário

Ao contrário do que ocorre no ato vinculado, o ato discricionário possui alguns elementos vinculados e outros discricionários, permitindo, portanto, o juízo de conveniência e oportunidade. Exatamente por existir tal margem de liberdade dada ao Administrador é que se questiona se o Poder Judiciário pode analisar tal ato adentrando nesse juízo.

Segundo Cunha Júnior (2007, p. 105), tratando da fundamentação da invalidação do ato administrativo, diz que: “[…] se a invalidação ocorrer por decisão do Judiciário, o fundamento dirá respeito à sua função mesma exercida no controle de legitimidade de todos os atos do Poder Público”.

Se por um lado o Poder Executivo tem como função a Administração Pública e, portanto, praticar atos administrativos, por outro lado, o Judiciário tem o poder de controle de legitimidade desses atos. Entretanto, o ponto relevante para o presente trabalho é saber se ao fazê-lo o Judiciário pode adentrar no juízo de conveniência e oportunidade dada ao Administrador.

A esse respeito sustenta Gasparini (2007, p. 914):

“Limita-se o controle jurisdicional, nos casos concretos, ao exame de legalidade do ato ou da atividade administrativa. Escapa-lhe, por conseguinte, o exame do mérito do ato ou da atividade administrativa. Assim, os aspectos de conveniência e oportunidade não podem ser objeto deste controle. A Autoridade jurisdicional pode dizer o que é legal ou ilegal, mas não o que é oportuno ou conveniente e o que é inoportuno ou inconveniente.”

De forma mais completa e precisa Marinela (2010, p. 258) leciona que:

“No que tange ao controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, este é possível em qualquer tipo de ato, porém, no tocante à sua legalidade. Vale lembrar que tal análise deve ser feita em sentido amplo, abrangendo a análise das regras legais e normas constitucionais, incluindo todos os seus princípios. De outro lado, não se admite a análise da conveniência e oportunidade dos atos administrativos, ou seja, não se pode reapreciar o mérito dos atos discricionários.”

E no ensinamento de Pietro (2008, p.709):

“O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerias ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade. Quanto aos atos discricionários, sujeitam-se à apreciação judicial, desde que não se invadam os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, conhecidos sob a denominação de mérito. Não há invasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário.”

Também leciona sobre o assunto Moraes (2004, p.135):

“O mérito do ato administrativo, que somente existe nos atos administrativos discricionários, deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do administrador, que poderá, entre as hipóteses legal e moralmente admissíveis, escolher aquela que entenda como a melhor para o interesse público. Mérito, portanto, do ato administrativo é o juízo de conveniência e oportunidade, dentro da legalidade e moralidade, existente nos atos discricionários. Dessa forma, enquanto o ato administrativo vinculado somente será analisado sob o amplo aspecto de legalidade, o ato administrativo discricionário também deverá ser analisado por seu aspecto meritório. (…) Assim, mesmo o ato administrativo discricionário está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Chevalier, ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito’.”

Ao analisarmos o tema, podemos pensar se o Judiciário ao adentrar no mérito do ato administrativo, não estaria violando o princípio da separação e independência dos poderes.

“[…] E está de todo acertado esse fundamento: se ao juiz cabe à função jurisdicional, na qual afere aspectos de legalidade, não se lhe pode permitir que procedesse a um tipo de avaliação, peculiar à função administrativa e que, na verdade, decorre da própria lei.” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 138)

Nesse mesmo sentido podemos citar a seguinte jurisprudência do STJ:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRTIVO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. No âmbito do processo administrativo disciplinar, ocorre ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório na criação de obstáculos ao acusado ou a seu representante legalmente constituído a fim de lhes negar o acesso aos autos, à apresentação de contestação, à produção de contraprovas, ou ainda, à presença nos autos instrutórios. 2. O processo administrativo disciplinar transcorreu, porém, na espécie, em estrita obediência aos preceitos contidos no art. 5º, LV, da Constituição Federal, com a comissão processante franqueando ao acusado todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. 3. Ao Poder Judiciário compete apenas o controle da legalidade do ato administrativo, ficando impossibilitado de adentrar na análise do mérito do ato, sob pena de usurpar a função administrativa, precipuamente destinada ao executivo. 4. Recurso a que nega provimento”. (BRASIL, 2006) (original sem destaque).

De acordo com Novais (2004, p. 34):

“A divisão de poderes é agora essencialmente entendida como um processo de distribuição e integração racionalizadas das várias funções e órgãos do Estado, de forma a limitar as possibilidades de exercício arbitrário do Poder e garantir, por outro lado, as condições da maior eficiência da atuação estatal, sem prejuízo, todavia, do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. (…) Em segundo lugar, e por ventura de importância decisiva para a compreensão da natureza do Estado Social e Democrático de Direito. Verifica-se o reforço da separação, independência e relevância do poder judicial no conjunto dos poderes do Estado.”

Em não raros casos, o Administrador utiliza-se da prerrogativa que lhe foi dada pelo legislador de exercer o mérito administrativo, para encobrir uma ilegalidade, conforme adverte Carvalho Filho (2009, p. 139):

“É claro que, a pretexto de exercer a discricionariedade, pode a Administração disfarçar a ilegalidade com o manto de legitimidade do ato, o que não raro acontece. Tal hipótese, entretanto, sempre poderá ser analisada no que toca às causas, aos motivos e à finalidade do ato. Concluindo-se ausentes tais elementos, ofendidos estarão os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, justificando, em consequência, a invalidação do ato. Tais princípios, como já tivemos a oportunidade de consignar, refletem poderosos e modernos instrumentos para enfrentar as condutas eivadas de abuso de poder, principalmente aquelas dissimuladas sob a capa da legalidade.”

Nessa hipótese poderá o judiciário invalidar o ato, vez que este não obedeceu à lei e os princípios do direito administrativo e estaremos diante de um abuso de poder praticado pelo Administrador.

A discricionariedade, conforme já explanado no presente trabalho, não se confunde com arbitrariedade e nos casos de omissão ilegal da Administração Pública, poderá o Judiciário intervir para determinar que o Administrador realize o ato. Nessa linha de pensamento podemos citar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ENSINO SUPERIOR. PÓS-GRADUAÇÃO. RESIDÊNCIA MÉDICA. OFERECIMENTO DE ALOJAMENTO E ALIMENTAÇÃO PELO PODER PÚBLICO DURANTE O PERÍODO DA RESIDÊNCIA (AUXÍLIO IN NATURA). LEI 6.932/81. DIREITO À TUTELA QUE ENVOLVE A ADEQUAÇÃO DOS PROVIMENTOS JUDICIAIS. TUTELA ESPECÍFICA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 461, §1º DO CPC. CONVERSÃO EM MEDIDA QUE GARANTA RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. AUXÍLIO EM PECÚNIA. 1. Trata-se de recurso especial em que se discute se a secretaria de saúde do Estado do Rio Grande do Sul tem o dever legal de oferecer alojamento e alimentação aos residentes de Medicina e, em não fazendo, se é cabível a conversão da obrigação em pecúnia. 2. É a seguinte a redação do art. 4º, § 4º, da lei nº. 6.932/81: “As instituições de saúde responsáveis por programas de residência médica oferecerão aos residentes alimentação e moradia no decorrer do período de residência”. 3. Há limites para a discricionariedade administrativa, especialmente quando o dispositivo legal é peremptório a respeito da obrigatoriedade no fornecimento de alojamento e alimentação. 4. Se o Poder Público insiste em desconsiderar a norma, fazendo dessa previsão letra morta, caberá controle e intervenção do Judiciário, uma vez que, nestes casos, deixa-se o critério da razoabilidade para adentrar-se a seara da arbitrariedade, fato que, em último grau, caracteriza a omissão como ilegal. 5. A partir do momento em que opta pela inércia não autorizada legalmente, a Administração Pública se sujeita ao controle do Judiciário da mesma forma que estão sujeitas todas as demais omissões ilegais do Poder Público, tais como aquelas que dizem respeito à consecução de políticas públicas (v., p. ex., STF, AgR no RE 410.715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJU 3.2.2006). 6. É óbvio que o Judiciário não tem o condão de determinar que a Secretaria de Estado competente forneça pontualmente moradia e alimentação (i.e., de força que este órgão crie um mecanismo bastante para atender a um residente específico), pois isso seria contrariar uma premissa pragmática inafastável, qual seja a de que o magistrado, no exercício de sua função, não possui condições para avaliar, no nível macro, as condições financeiro-econômicas de certo Estado-membro para viabilizar tal e qual política de assistência. 7. Contudo, a simples inexistência de previsão legal para conversão de auxílios que deveriam ser fornecidos in natura em pecúnia não é suficiente para obstaculizar o pleito recursal, pois é evidente que se insere dentro do direito constitucional individual à tutela jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República vigente) a necessidade de que a prestação jurisdicional seja adequada. 8. É por isso que o Código de Processo Civil, em seu art. 461, §1º, dispõe que, na impossibilidade de tutela específica, é dado ao Poder Judiciário determinar medidas que garantam um resultado prático equivalente – ou mesmo se que converta a obrigação em perdas e danos. 9. Na inicial, a recorrente pede que os magistrados fixem um percentual sobre a bolsa de estudos em substituição ao dever estatal de prestação de alojamento e alimentação. Nada obstante, esta instância especial não tem poderes para analisar questões fático-probatórias para auxiliar a fixação desses valores, sob pena de violação à Súmula nº. 7 desta Corte Superior. 10. Recurso especial provido, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que lá seja determinado um valor razoável que garanta um resultado prático equivalente ao que determina o art. 4º, § 4º, da Lei 6.932/81.” (BRASIL, 2009) (original sem destaque).

Frise-se que nesse caso também há uma ilegalidade e esta ocorreu exatamente porque a Administração deixou de praticar o ato que a lei prescreveu que ela deveria praticar, ou seja, trata-se de uma ilegalidade por omissão.

Entretanto, o Judiciário ao analisar as regras legais e os princípios constitucionais pode, excepcionalmente, acabar adentrando no mérito e atingindo o juízo de conveniência e oportunidade feita pelo administrador. Conforme admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1.  O Ministério Público está legitimado para proporá ação civil pública para proteger interesses coletivos. 2. Impossibilidade de o juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infraestrutura sejam realizadas em conjunto habitacionais. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano. 3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O Judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas. 4. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não tem força de quebrar a harmonia e independência dos poderes. 5. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. 6. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração dependem de dotações orçamentárias prévias e de programas de prioridades estabelecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente. 7. Recurso provido. (BRASIL, 1998).” (original sem destaque)

Sobre o assunto, ensina Marinela (2010, p. 258):

“No atual cenário do ordenamento jurídico, reconhece-se a possibilidade de análise pelo Judiciário dos atos administrativos que não obedeçam à lei, bem como daqueles que ofendam princípios constitucionais, tais como: a moralidade, a eficiência, a razoabilidade, a proporcionalidade, além de outros. Dessa forma, o Poder Judiciário poderá, por vias tortas, atingir a conveniência e a oportunidade do ato administrativo discricionário, mas tão somente quando essa for incompatível com o ordenamento vigente, portanto, quando for ilegal.”

Portanto, pode o Poder Judiciário fazer o controle de mérito do ato administrativo discricionário, inclusive de implementação de políticas públicas, mas somente em casos excepcionais, evitando assim, abusos pela Administração Pública e exercendo a sua função de fiscalizar o cumprimento da lei e dos princípios, bem como de aplicá-los.

4.3 Mínimo Existencial

O mínimo existencial é corolário da dignidade da pessoa humana, refere-se ao dever do Estado de propiciar ao cidadão o mínimo necessário para que se tenha uma vida digna. Conforme explica Novelino (2009, p. 487) “O mínimo existencial consiste em um grupo menor e mais preciso de direitos sociais formados pelos bens e utilidades básicas e imprescindíveis a uma vida humana digna”.

Também Ricardo Lobo Torres, citado por Cabral e Rezende (2012, p.), no artigo O Mínimo Existencial e a Tutela dos Hipervulneráveis traz que "O mínimo existencial não é um valor nem um princípio, mas o conteúdo essencial dos direitos fundamentais".

Num Estado ideal, todas as pessoas teriam igualdade de condições de ver atendidas não só suas necessidades básicas, mas de desenvolver suas potencialidades, aprimorando as habilidades congênitas e adquirindo outras, conforme os seus desejos e necessidades.

Por impossibilidade do Estado de garantir de forma ampla os direitos sociais, e considerando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que assegura um mínimo de segurança social, surge a ideia do chamado mínimo existencial entendido como a garantia estatal de que cada indivíduo terá acesso a recursos materiais mínimos.

Em outras palavras, valendo-se dos dizeres de Ricardo Lobo Torres, citado por Cabral e Rezende (2012, p.), no artigo “O Mínimo Existencial e a Tutela dos Hipervulneráveis”, pode-se definir o mínimo existencial como "um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas".

Desse modo, o ente estatal não deve praticar atos que venham a restringir qualquer dos direitos que assegurem o mínimo existencial, devendo sim, adotar medidas que garantam a sua fruição, através de ações positivas visando sua implementação.

O mínimo existencial tem referência legal expressa, condito no art. 1º da Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social:

“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.” (BRASIL, 1993)

Também faz alusão a esse princípio a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no item 1 de seu art. 25:

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.” (ONU, 1948)

A maior parte dos direitos fundamentais sociais que compõem o mínimo existencial tem previsão constitucional expressa, conforme disposição dos arts. 6º e 7º da Magna Carta.

É de conhecimento público que no Brasil as Políticas Públicas não oferecem esse mínimo indispensável às necessidades básicas, já que os enxutos e depauperados orçamentos mostram-se insuficientes para atender necessidades básicas, como: alimentação, educação primária gratuita e de qualidade, saúde pública, moradia digna, entre outras ações positivas.

Nesse aspecto, Novelino (2009, p. 487), citando Sarlet (2007) e Sarmento (2009) explica que:

“Há quem sustente que deva ser atribuído ao mínimo existencial um caráter absoluto, não o sujeitando à reserva do possível (Ingo Sarlet). Todavia, SARMENTO pondera que “em sociedades pobres, nem sempre é possível assegurar de maneira imediata e igualitária as condições materiais básicas para a vida digna de todas as pessoas”. Por essa razão, entende não existir um direito definitivo ao mínimo existencial, mas sim a necessidade de um ônus argumentativo pelo Estado tanto maior quanto mais indispensável for o direito postulado.”

Assim, apesar da previsão legal expressa, no texto normativo de maior importância do país, o Estado Brasileiro não dispõe de recursos necessários para garantir o mínimo existencial, e razão disso, garantir uma vida digna às pessoas que habitam em seu território.

4.4 Reserva do Possível

Conforme conceitua Novelino (2009, p. 484) “A reserva do possível pode ser compreendida como limitação fática e jurídica oponível, ainda que de forma relativa, à realização dos direitos fundamentais, sobretudo os de cunho prestacional, pelo Estado”.

Trata-se de uma construção jurídica surgida a partir de uma ação judicial proposta na Alemanha por estudantes que não haviam sido admitidos no curso de medicina de Munique e Hamburgo, pois o número de vagas existentes era menor que o número de candidatos, fundamentando o pedido no direito de livre escolha do trabalho, ofício ou profissão, previsto constitucionalmente.

Nesse caso, a Suprema Corte Alemã, em decisão que ficou conhecida como numerusclausus, entendeu que o indivíduo somente pode exigir da sociedade aquilo que seja racionalmente razoável, tendo em vista a reserva do possível.

A reserva do possível traz que se devem levar em conta as condições econômicas, fáticas e financeiras ao se exigir do Estado o cumprimento de direitos sociais que demandem prestações positivas.

Novelino (2009, p. 485) citando Sarlet (2007, p. 304-305) explica que “observa que a reserva do possível apresenta uma tríplice dimensão, abrangendo: I) a disponibilidade fática; II) a disponibilidade jurídica; e, III) a razoabilidade e proporcionalidade da prestação”.

Assim, a disponibilidade jurídica refere-se à previsão orçamentária, em virtude do princípio da legalidade das despesas.

A disponibilidade fática, por sua vez, refere-se à existência de recursos materiais, conforme pontua Novelino (2009, p. 485):

“Dentre as dimensões apontadas, certamente a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais é a mais delicada e controvertida. A limitação e escassez dos recursos materiais disponíveis para o atendimento das infindáveis demandas sociais condicionam, em certa medida, a realização das prestações impostas pelos direitos sociais ao volume de recursos susceptível de ser mobilizado pelos poderes público”.

Tem-se, ainda, que deve ser proporcional à razoabilidade da prestação exigida pelo indivíduo ao Poder Público e a disponibilidade financeira do Estado para implementá-la. Sobre o assunto Novelino (2009, p. …) traz que:

“Na perspectiva do demandante do direito social, devem ser analisadas a proporcionalidade da prestação e a razoabilidade de sua exigência. Nesse sentido, o Min. Celso de Mello deixou consignado em seu voto que a realização prática dos direitos prestacionais depende da presença cumulativa de dois elementos: a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e a existência de disponibilidade financeira para tornar efetivas as prestações positivadas reclamadas do Estado. As limitações orçamentárias que dificultam ou impedem a implementação dos direitos fundamentais sociais por parte do Estado só poderão ser invocadas com a finalidade de exonerá-lo de suas obrigações constitucionais diante da ocorrência de justo motivo aferível.”

Dessa forma, resta clara a imposição da observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na análise da reserva do possível.

4.5 Controle das Políticas Públicas pelo Poder Judiciário

O Judiciário possui tipicamente a função jurisdicional, cabendo a ele velar pelo fiel cumprimento das regras e princípios constitucionais e legais. Por outro lado, é do Executivo a função de administrar a coisa pública, inclusive realizando políticas públicas que visem dar efetividade aos direitos sociais, enquadrados como direitos fundamentais de 2ª dimensão.

Conforme já explanado no presente trabalho, cabe ao Poder Judiciário o controle dos atos administrativos quanto a sua legalidade (esse termo aqui utilizado em sentido amplo, abrangendo as regras e princípios constitucionais e legais).

Temos ainda que, não obstante a polêmica acerca do tema é possível ao Judiciário, de forma excepcional, adentrar no mérito do ato administrativo discricionário, sem que isso fira o princípio da separação dos poderes.

Cabe agora analisar, se também lhe é possível o controle das políticas públicas, quando esse controle e intervenção serão justificados e o ponto de equilíbrio.

Sobre o tema, Grinover (2010) diz que:

“Para que o Estado atinja seus objetivos, os Poderes Públicos, mesmo que independentes, devem estar harmonizados. Ao Judiciário cabe investigar o fundamento dos atos estatais a partir dos objetivos fundamentais inseridos na Constituição. É certo que não é uma de suas funções formular e implementar políticas públicas. Tal incumbência só surge quando os órgãos estatais competentes vierem a comprometer a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos.”

A implementação de políticas públicas é o instrumento pelo qual os direitos sociais são concretizados, ou seja, o meio pelo qual o Estado dá efetividade a esses direitos. Portanto, a omissão do Estado nesse sentido acarreta o desrespeito a tais direitos fundamentais e é daí que advém a possibilidade do Judiciário intervir na formulação e implementação das políticas públicas.

No Brasil, durante um longo período de tempo os Tribunais entenderam não ser possível a análise pelo Judiciário sobre tais atos, entretanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre o assunto, ao julgar a medida cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45, entendendo ser possível esse controle/intervenção, assim, vejamos:

“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). DECISÃO: Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental promovida contra veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material:

“§ 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.” O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.[…]

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciados de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.[…]

Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. […]” (BRASIL, 2004) (original sem destaque).

Extrai-se, portanto, que a possibilidade de intervenção do Judiciário nas políticas públicas está condicionada a determinados critérios a serem analisados pelo julgador, quais sejam, a observância do mínimo existencial garantido ao indivíduo, a razoabilidade da prestação exigida do Estado e a disponibilidade orçamentária da Administração Pública para concretizar a prestação reclamada.

5 Conclusão

O controle pelo Poder Judiciário alcança todos os atos administrativos, sejam eles vinculados ou discricionários, vez que a discricionariedade encontra limite na lei e nos princípios que regem o direito administrativo, haja vista que quando se fala em legalidade do ato administrativo, esta deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo todos os princípios e normas constitucionais.

Apesar de haver uma corrente que sustenta a impossibilidade do Judiciário em fazer o controle de mérito dos atos administrativos discricionários, este pode sim ser realizado, mas apenas de forma excepcional.

Para os autores que sustentam tal posição, a principal alegação é a de que o Judiciário ao fazê-lo estaria usurpando a função dada ao Executivo, entretanto, no Estado Democrático de Direito em que vivemos, essa atuação do Poder Judiciário serve exatamente para que não haja abusos ou arbitrariedades pelo Poder Público, sendo assim, não há por parte do Poder Judiciário uma usurpação, mas tão somente uma limitação, permitindo o equilíbrio decorrente da interação entre as funções estatais.

O controle do juízo de conveniência e oportunidade do ato administrativo discricionário pelo Judiciário poderá ser feito quando o gestor público praticá-lo em discordância com a lei ou com qualquer dos princípios inerente, especialmente o da razoabilidade, proporcionalidade e moralidade.

Essa apreciação do Poder Judiciário poderá recair inclusive no tocante a implementação de políticas públicas, pois estas possuem como finalidade dar efetividade aos direitos sociais, culturais e econômicos, resguardados constitucionalmente para assegurar o mínimo de existência da pessoa humana e que muitas vezes o gestor público se omite no dever de suas funções.

Assim, quando a Administração privar seus Administrados de direitos individuais e/ou coletivos resguardados em nossa Constituição Federal, os quais são chamados de “mínimo possível” e claro sendo devidamente consideradaa possibilidade de recursos para tal implementação, denominada “reserva do possível”, bem como a razoabilidade da prestação exigida do Estado, poderá o Judiciário realizar o controle e intervenção nas políticas públicas, visando assegurar o cumprimento desses direitos.

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Informações Sobre o Autor

Luan Ricardo Medeiros de Freitas

Graduado em Direito pela Universidade de Rio Verde – Rio Verde – GO Advogado


Equipe Âmbito Jurídico

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