Resumo: A pesquisa aborda a forma de vinculação da Administração Pública para com o princípio da constitucionalidade e a eventual contradição com a infraconstitucionalidade e, como forma de viabilizar a juridicidade de seu atuar, o controle de constitucionalidade exercido pela Advocacia Pública. Em vez da dúvida entre submeter-se ou não à lei inconstitucional, a análise dos tipos de ato possíveis enseja a visão de quatro tipos de atos, com três conseqüências possíveis (descumprir a lei, recorrer ao Judiciário, cumprir a lei) e cinco hipóteses a considerar.
Palavras-chave: Hermenêutica constitucional; Controle de Constitucionalidade; Administração Pública; Advocacia Pública
Sumário: 1. A inconstitucionalidade do desvio da função fiscalizadora da Advocacia Pública. 1.1 Supremacia Constitucional e moralidade administrativa. 1.2 A contribuição da hermenêutica constitucional e veículos de interpretação institucional. 1.3 A Advocacia de Estado como garantia institucional. 2. Tipos de atos sujeitos a controle e a forma de exa forma de exercê-lo. 3. Referências bibliográficas.
1 A INCONSTITUCIONALIDADE DO DESVIO DA FUNÇÃO FISCALIZADORA DA ADVOCACIA PÚBLICA
1.1 Supremacia Constitucional e moralidade administrativa
O tema do controle de constitucionalidade no Brasil não pode ser apenas reduzido à tradicional bipartição: controle judicial difuso e controle judicial concentrado. Com efeito, sua perfeita compreensão irá primeiro evidenciar a distinção entre o dever geral de subordinação à Constituição de todos os particulares e agentes públicos[1] e o controle institucionalizado. Ambos a merecer igual consideração face não só à sua importância para a manutenção da ordem constitucional, mas também em razão das inúmeras conseqüências que podem trazer para o regular desenvolvimento das relações jurídicas que surgem no meio social.
Para o prosseguimento do raciocínio, é preciso, acima de tudo, a compreensão de que o Poder Público, em nome do princípio da moralidade, tem de agir, em todas as suas instâncias, com o objetivo de manter a ordem constitucional. Não pode ele, por exemplo, decidir o processo administrativo de qualquer maneira, com grau superficial de propriedade jurídica, sob o argumento de que o importante é que a questão possa ser levada ao Judiciário para solução final. É preciso redimensionar as instâncias administrativas e legislativas para solução de conflitos[2].
O processo administrativo não deve ser mais superficial que o judicial nem se limitar a impor a vontade da Administração, pois não bastasse essa não se confundir com a vontade do administrador, o papel do processo que nela se desenvolve é formar a decisão do Estado para o caso concreto. Não pode, assim, limitar-se a impor a manutenção de um ato, como a manifestar uma suposta coerência da Administração e remeter o cidadão para composição noutro órgão do mesmo Estado: o Judiciário.
Ele é uma oportunidade de se compor a lide com certeza e segurança e atenção aos ditames constitucionais[3], com resultados práticos como reduzir as demandas judiciais, seja por aceitação do direito do administrado ou por convencimento deste da ausência de direito. E os que compõem a Administração, os servidores públicos, cuja designação talvez seja uma das mais belas do Direito ao lado do “promotor de Justiça”, devem ter em mente o seu papel. Eles são os que servem o povo; aqueles que se dispuseram ao desempenho de uma tarefa, um “voluntariado” profissional, em prol da coletividade.
E foi em garantia do cidadão, de que não haveria uma estrutura à disposição do arbítrio e do abuso de poder, que o servidor público passou a gozar de garantias como a estabilidade. E, mais do que isso, o direito a não se submeter a ordens juridicamente ilícitas[4]. Ele não está em seu cargo para ser um cego cumpridor das ordens de seu superior. Para isso são as garantias de defesa em processo disciplinar e o dever de representar contra ilegalidades.
Ou seja, não se pode entender, em termos hermenêuticos, que a Constituição conceda a seus agentes públicos a faculdade de agir em contrário a ela ou admitir que tal se faça. E, como já mencionado, pelo princípio da moralidade, não pode um órgão público simplesmente deixar de guardar a higidez dos atos estatais sob o argumento de que não é de sua alçada.
1.2 A contribuição da hermenêutica constitucional e veículos de interpretação institucional
Nesse sentido, a Constituição de 1988 e suas possibilidades interpretativas representam um coroamento de toda uma evolução conceitual, sem empecilho da possibilidade de progressos nas mais diversas direções. Não apenas se preocupou com o controle de todos os atos estatais, em que pese a limitação do alcance da argüição de descumprimento de preceito fundamental operada pela Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999[5], como buscou disponibilizar mecanismos a tanto. É o caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, do mandado de injunção, do mandado de segurança coletivo, da ampliação de legitimidade para interposição da Ação Direta Genérica de Inconstitucionalidade, dentre outros.
Porém, em muitos momentos, é reclamada a atividade integradora e de completude da hermenêutica principiológica constitucional. Isso, não só para compreender o alcance desses dispositivos, mas também para conciliá-los entre si no que toca aos diversos objetos aos quais se dirigem. Tarefa da qual o Supremo Tribunal Federal é constantemente instado a se desincumbir (é o caso da subsidiariedade da argüição de descumprimento, da impossibilidade de ação civil pública com efeitos de controle concreto, da colisão entre normas municipais e a Constituição Federal etc.).
Do mesmo modo que o controle difuso, o qual ingressou no ordenamento brasileiro com o Constitucionalismo Republicano, é preciso observar os valores e a estrutura de proteção aos direitos fundamentais e ao modelo de Estado adotado pela Carta de 88.
Não pode escapar de análise a estrutura decisória do Estado. É preciso avaliar o modo dele se conduzir perante a ordem jurídica, notadamente, o Executivo.
Nota-se então que, ao contrário da tradição nacional de que um direito só tem proteção na medida em que há um procedimento adequado a ele no Judiciário (Poder que sempre representou o único meio de busca de direitos pelo cidadão, já que é natural, em nosso meio social, que tanto o Executivo quanto o Legislativo – às vezes compostos pelo mesmo grupo político – sejam exatamente os responsáveis pelos abusos ou regras inconstitucionais e, assim, não se disponham a defender o direito do cidadão), houve um acréscimo nos mecanismos estatais que têm esse objetivo controlador. Não só o Tribunal de Contas conta com composição mais democrática e novas atribuições, mas há a criação de um Ministério Público voltado para atividade fiscalizatória, o estabelecimento de um caráter interno da Advocacia Pública, a criação da Defensoria Pública (cuja não implementação é um verdadeiro crime dos governantes que condenam a Carta Constitucional à elite) e a proteção da Advocacia privada em sede constitucional[6].
Então, no avanço do controle do Estado, a Advocacia Pública – instituição que foi apenas nominalmente criada na Carta de 88, mas que, em seu modo de ser existe desde o Império, pois o que foi criado em 88 foi o Ministério Público como o temos – seria o controle predominantemente preventivo dos atos estatais. Ademais, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, em seus artigos 9º e 10, editado pelo Conselho Federal da OAB, declara o intento de participação da advocacia pública dos cânones gerais da advocacia. Isso implica a aceitação da natureza institucional da função, o que implica a defesa da Constituição, da democracia, dos direitos humanos, da justiça social, da boa aplicação das leis e da rápida administração da justiça (Lei 8.906/94, artigo 44)[7].
Não é doutro modo que o artigo 131 da Constituição dispõe caber à Advocacia Pública “as atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo.”
Nessas atividades advocatícias resta clara a missão institucional do órgão, a qual, assim, o constrói como garantia institucional, destinado a assegurar a permanência do modelo de Estado brasileiro. E, enquanto garantia institucional, é verdadeiro princípio constitucional extensível, dito hoje na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de motivo de simetria das normas de organização do Estado[8]. Pode mesmo ser considerado, no caso dos Estados, princípio constitucional estabelecido como limitação expressa mandatória ao Constituinte Estadual face às prescrições relativas às Procuradorias, Consultorias e Advocacias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (CF 132 e ADCT 69)[9].
Trata-se da garantia de que os atos do governante serão passíveis de averiguação do seu compromisso para com o Direito e de que o administrado não terá alguém que o persiga ou permita privilégios a alguns. Sem falar na defesa do patrimônio público, da educação, da previdência etc. De modo que se revela inconstitucional a sua extinção ou não instituição pelos Estados e Municípios.
Assim, é tarefa que se revela de Advocacia de Estado, não podendo seus membros serem considerados advogados do governo ou no governo, entendido como a transitória gestão política da coisa pública por determinada pessoa ou grupo[10]. Estes são, respectivamente, aqueles profissionais encarregados de assessorar o administrador conforme a conveniência política e ideologia programático-partidária do mesmo ou defendê-lo, respectivamente.
1.3 A Advocacia de Estado como garantia institucional
Por outro lado, a Advocacia de (do) Estado é inerente à estrutura do Estado Democrático de Direito e responde pela defesa do Estado em juízo e pelo assessoramento das ações públicas. “Os Advogados do Estado são agentes públicos que recebem institucionalmente o mandato que os habilita à tutela judicial do interesse público […] e significa o atendimento de um novo patamar de exigências, revelador de um estágio mais avançado da juridização do Estado.”[11]
Todavia, em que pese essa destinação institucional e a distinção existente, verifica-se uma contradição estrutural. Independentemente das pessoas que ocupam o cargo, fato lamentável é que, a despeito do papel de Advogado de Estado da Advocacia Pública de carreira, a Constituição Federal, em seu artigo 131, § 1º, estabelece o modelo de “livre nomeação” do dirigente maior da advocacia pública entre cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada (no caso, o Advogado-Geral da União).
Enquanto que na Lei Complementar 73/93 (Lei orgânica da Advocacia-Geral da União – AGU) o cargo é descrito com atribuições condizentes com o até agora exposto, pela dicção constitucional surgem problemas de ordem teórica e prática. No plano teórico, é o suficiente para José Cretella Júnior defender que “o Advogado-Geral da União, em cargo de chefia, é pessoa de confiança do Presidente da República, a quem assessora. Suas funções de consultor e de assessoramento do Poder Executivo acompanham, pari passu, o Presidente. De livre nomeação e demissível ad nutum, exerce funções em defesa ‘de seu cliente’, não sendo de modo algum, agente político.”[12]
Consoante o que já foi exposto, tal afirmação não procede. Primeiro, porque ele não é advogado do governante, mas do Estado, que o remunera. Depois, porque o atuar advocatício tem compromisso com o Direito e com a Constituição Democrática, não com atos eventualmente desprovidos de juridicidade.
Independentemente dos nomes de escol que têm desempenhado esse papel institucional, é de se reconhecer a fragilidade do modelo democrático que a não observância desses aspectos representa.
O Advogado-Geral da União não é instrumento de assessoramento político, para o que já há o Ministério da Justiça e os cargos próprios da Casa Civil, mas garantia institucional do Estado Democrático de Direito. Repita-se, são inconstitucionais, em interpretação sistemática, o desvio de função tão elevada para fins de assessoramento do governo e o impedimento de seu papel fiscalizador da probidade administrativa do chefe do Executivo da União, papel que até mesmo a referida lei não lhe nega ao colocá-lo em cooperação com a Corregedoria-Geral da União (artigo 6º-B, § 3º) ou como auxiliar no controle interno de legalidade dos atos administrativos (artigo 8º). Mas sempre com a função de assessorar o presidente e apresentar as informações para defesa quando de intimação judicial a tanto (o que também está no artigo 4º, V, da Lei Orgânica da AGU). Neste caso, ao menos a Portaria AGU nº 538, de 9 de julho de 2002, acrescenta “afetos a atividades da Instituição”.
Com efeito, quando a Constituição quis determinar a livre exoneração, ad nutum, fê-lo expressamente, como no artigo 37, II[13]. No caso, a Constituição apenas se referiu a livre “nomeação”[14].
Esse é o modelo adotado pela Constituição Federal para o Procurador-Geral da República (denominação afeta à advocacia pública que permaneceu no Ministério Público atual mas que bem demonstra a unicidade ontológica das instituições essenciais à Justiça), com o acréscimo de que este apenas pode ser exonerado antes de findo o mandato se houver a autorização da mesma maioria absoluta do Senado Federal (artigo 128, §§ 1º, 2º e 4º).
E, no caso, na medida em que o capítulo referente ao Ministério Público é como uma parte geral das funções essenciais à Justiça e há um compartilhamento de missões, resta claro que a única interpretação que preserva a teleologia constitucional é aquela que determina que, uma vez nomeado o Advogado-Geral da União, ele apenas pode ser exonerado antes de findo o mandato presidencial (de modo anômalo) com a autorização da maioria absoluta do Senado Federal (ou da Assembléia Legislativa, no plano estadual, para a exoneração do Procurador-Geral do Estado). Isso respeita a expressa liberdade de nomeação e a não imposição de mandato.
Apenas nisso é que se pode realmente ver concretizado o desígnio legal de o Advogado-Geral fixar a interpretação da Constituição e das leis (LC 73/93, 3º, X, 11, III) [15].
Quando o título do capítulo constitucional mencionou as funções essenciais à Justiça vê-se, portanto, que a expressão tem dúplice significado: valor e judiciário. Apenas como aspecto retórico é que se vê a expressa menção à “função jurisdicional do Estado” limitada ao Ministério Público e à Defensoria Pública (artigos 127 e 134). A se levar adiante tal entendimento (de que apenas estas funções poderiam ser tidas por jurisdicionais), não haveria como explicar a ausência da União na enumeração federativa do artigo 1º, ou a competência legislativa dos Municípios em matéria financeira e ambiental (artigo 24).
São, na verdade, atos de manutenção da ordem jurídica em estruturas externas ao Judiciário. Verdadeiras funções atípicas.
2 TIPOS DE ATOS SUJEITOS AO CONTROLE E A FORMA DE EXERCÊ-LO
Como já mencionado, o Direito verdadeiramente científico não se compraz com respostas simplistas de pode ou não pode em termos generalizantes. O binômio lícito-ilícito, de acordo com a probabilidade científica, apenas pode ser apurado diante do caso concreto.
Portanto, para serem fixados critérios gerais, é preciso ver que a Administração lida com uma análise combinatória de normas de variegadas naturezas. Há leis que disciplinam aumentos, portarias acerca do funcionamento de órgãos, decisões sobre pedidos de benefícios etc. É preciso analisar a forma de se controlar a constitucionalidade em cada caso.
Nesse sentido, apuram-se as seguintes espécies de atos legislativos dirigidos ao Estado-Administrador:
Normas que tratam de |
Poderes (atribuem competências) |
Deveres (poder-dever) |
E, dentro dessa sistemática, tem-se o seguinte quadro de possíveis vícios:
Poderes | a) Lei que atribui poder inconstitucionalmente |
b) Lei que inconstitucionalmente revoga um poder | |
Deveres | c) Lei que impõe dever inconstitucional |
d) Lei que inconstitucionalmente desobriga o Estado |
Para essas situações, podem ser aventadas as seguintes soluções:
a) atribui: Trata-se de hipótese na qual é possível não fazer uso do específico comando inconstitucional. Caso em que caberia a eventual interessado argüir que se trataria de uma omissão inconstitucional. Um veículo que pode ser útil ao caso é a interpretação conforme a Constituição.
b) revoga: Salvo a possibilidade de a conduta ser extraída diretamente e de modo positivo da Constituição, é hipótese na qual se está na ausência de autorização do Poder Legislativo para a atuação do Poder Executivo. Para ser mais exato, uma revogação expressa de uma autorização, significa, teoricamente, uma decisão dos representantes do povo no sentido de são se agir naquele sentido. Como é caro ao Estado de Direito o agir consoante a vontade do povo, é necessário nesse caso que seja inserida ou reinserida no ordenamento norma que autorize a ação estatal. Para tanto, além das espécies legislativas, a Constituição oferece ao Estado a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário. Será, portanto, necessária a edição de norma concreta judicial (caso este seja o caminho escolhido) que autorize a Administração a praticar o ato que deseja.
c) impõe: Neste caso bastará, em regra, a omissão. Não se pode descartar que determinados casos podem exigir também ações concretas do Estado em sentido contrário ao dever imposto. Esta espécie assemelha-se à abordada na acima colocada alínea “a”.
d) desobriga: o ato de desobrigar expressamente o Estado a agir em determinado sentido não implica na proibição de agir (hipótese que se equivale à letra “b”, acima). Nesses termos, e em consonância com a ordem constitucional, bastará a manutenção da política anterior ou a oportuna adoção de conduta no sentido de cumprir a Constituição Material. Também poderá ser o caso de se omitir da prática de determinado ato, como a revogação de uma norma interna que estivesse de acordo com o que foi desobrigado. Pois, quem obriga é a Constituição, a lei apenas adquire sentido na ordem jurídica na medida em que serve para concretizá-la.
Em todos os casos, não se mostra obstaculizada a procura pelo Judiciário, o qual, preventivamente, poderá ser acionado pela Administração. Registre-se que também não se pode deixar de notar a íntima correlação do tema com os estudos de desobediência civil.
E, acaso não sejam providenciados os procedimentos aqui descritos pelo Estado, fica claro que incide em conduta inconstitucional e, conseqüentemente, pode vir a ser responsabilizado nos termos e limitações aplicáveis ao caso concreto[16].
Enfim, extrai-se que a inconstitucionalidade é uma contradição ou contrariedade de uma norma ordinária ou regulamentar com a Constituição, seja uma divergência de caráter procedimental ou conteudístico. É uma antinomia especial com solução pelo critério hieráquico.
Repudia o pensamento científico considerações generalizantes que não tenham meramente finalidade classificatória, mas que já impliquem em atribuição de efeitos. Noutras palavras, não se pode conceber, na temática da possibilidade de recusa ao cumprimento de ato normativo com sede constitucional, a simplicidade: a Administração pode ou a Administração não pode.
Entre essas duas opções há diversas espécies de atos que reclamam análise apropriada. Afinal, este é o trabalho do jurista dogmático: submeter ao Direito a organização das formas de coercibilidade num dado Estado.
De pronto, reafirme-se a necessidade de pronunciamento prévio da Advocacia Pública, na forma da lei (pareces, súmulas administrativas, orientações etc.), ou de órgão decisório cujos componentes sejam detentores de cargos providos mediante a aferição de conhecimentos especificamente jurídicos (isso em caráter excepcional, de urgência e relevância, conforme artigo 62 da Constituição Federal, analogicamente aplicado, sob pena de usurpar competência da Advocacia Pública) e, máxime, com riscos ao princípio, decorrente da isonomia (dispensar tratamento eqüânime aos administrados), de uniformidade das decisões administrativas.
Por isso foi preciso esboçar classificação dos atos legislativos de modo pertinente ao exame que ora se procede, para daí analisar seus efeitos.
Em tudo, já considerada a impossibilidade de ato que venha a ter por efeito a retirada completa de efeitos da lei no ordenamento, o que representaria violação do sistema de competências instaurado pela Constituição de 1988. Em regra, esse seria o ato do Advogado-Geral da União que, numa norma voltada exclusivamente para o Poder Executivo, determinasse sua não aplicação sob a pecha de inconstitucionalidade. Para tais casos valeriam os argumentos no sentido de que, em nome do vetusto princípio da separação dos poderes[17], apenas após o exercício do direito de ação perante o Supremo Tribunal Federal e subordinado aos pronunciamentos deste[18]. O mesmo que ocorre com a ação civil pública e o mandado de segurança, que não podem substituir os meios próprios de controle abstrato de constitucionalidade, quando nem o próprio Judiciário pode suplantar aquela prerrogativa (STF MS 23.809/DF, Reclamação 1.733/SP, dentre outros)[19].
Restam os atos, então, que atribuam ou especifiquem o sentido do texto e aqueles direcionados a casos concretos no dia-a-dia administrativo.
De fato, conforme já detalhado,
se a norma obriga inconstitucionalmente, cabe não observar. Se a norma permite inconstitucionalidades (casos em que atribui poder ou desobriga), cabe manter a conduta constitucional E se o caso for de proibição (revogação de capacidade de agir), é mister buscar permissão legal ou judicial.
Não pode a Administração, que é Estado, proferir uma decisão menos certa, justa ou segura. Dentro de suas possibilidades tal tem de ser buscado ao máximo. Até para diminuir o número de ações judiciais e contribuir para o convencimento do administrado acerca de seus direitos. Isso equivale a não se preocupar se os atos a serem adotados causarão ou não dano às pessoas atingidas. Seria iludir o cidadão com perspectivas de procedimento para depois remeter tudo a outra repartição estatal. Nesse caso, melhor seria instituir apenas o “decisor”, encarregado de ser amigo do rei e proteger quem quisesse e extinguir o servidor. Depois, bastava buscar o Judiciário, órgão cuja democracia é garantida pela possibilidade de acesso aos seus cargos por concurso público.
Afinal, adotando-se a idéia de que o preâmbulo integra a normatividade constitucional (e ainda que se entenda, ao menos, que explicita seu conteúdo, dada a magnanimidade do texto que lhe segue), lá está dito que a sociedade brasileira é comprometida na ordem interna “com a solução pacífica das controvérsias”. Por “pacífica”, entenda-se, numa hermenêutica constitucional, não apenas o oposto a guerra ou uso de força armada, mas, excluindo-se esse direcionamento de conteúdo, que seja “amigável”, extrajudicial; esta uma forma de conflito com o uso da força do Estado (violência institucionalizada, imperatividade da sentença). Portanto, é determinação constitucional.
Pois, não há como entender o direito aos litigantes em processo administrativo a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (Constituição, artigo 5°, LV), se o cidadão não puder argüir a Constituição e, se podendo fazê-lo, a Administração não puder apreciá-la[20] [21].
No Brasil, a não atenção aos parâmetros de controle de constitucionalidade aqui expostos pode, conforme o caso, conduzir à devida análise de responsabilidade patrimonial e, ou, política e penal. Inclusive, com o vislumbre da improbidade administrativa por desatenção, até mesmo, a princípios constitucionais (Lei 8.429/92, artigo 11). A título de exemplo, pode ser mencionada a legislação espanhola, cujo Código Penal (Lei Orgânica 10/95) concebe os “delitos contra a Constituição” (contra a ordem institucional, divisão dos poderes, direitos fundamentais, garantias constitucionais etc), onde se colacionam os diversos aspectos relativos ao descumprimento de seus deveres pelos agentes públicos e quando os particulares violam princípios básicos do Estado, como o artigo 542 que prevê a inabilitação especial para cargo ou emprego (1 a 4 anos) daquela que impeça a alguém o exercício de direitos cívicos reconhecidos pela Constituição[22].
Essa esfera de atuação constitucionalizante encontra obstáculos políticos na medida em que, pelo princípio da vinculação dos atos administrativos à fundamentação exposta nos pareceres (motivação), o administrador fica vinculado a adotar o posicionamento do órgão jurídico. Se é certo que tal pode resultar em óbice ao desenvolvimento de programas políticos (=choque Direito-Política; temática das judicialização da política, por exemplo), não é menos certo que é lícito ao administrador adotar posição contrária, desde que devidamente fundamentado e lastreado em parecer de autoridade competente.
As preocupações aqui expostas, por fim, têm o objetivo de propor adequado caminho para o aperfeiçoamento dos caminhos administrativos, ciente de que a muitos não interessa o desenvolvimento de meios de controle do exercício do poder. Porém, é caminho que tem de ser cada vez mais trilhado para a escorreita evolução do constitucionalismo brasileiro eficiente.
Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE).
Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal.
Professor de Direito Constitucional e Direito Econômico nos cursos de graduação e pós-graduação (Especialização e Mestrado) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Professor da ESMARN.
Procurador Federal.
Membro do Instituto Potiguar de Direito Público.
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