Resumo: A busca pela efetividade da prestação jurisdicional vem pautando diversas mudanças no processo civil e a Lei nº 11.232 de 22 de Dezembro de 2005, que consagrou a nova sistemática de execução de sentenças – sincrética –, provocou calorosos debates doutrinários e jurisprudenciais acerca de inúmeras questões, toda nova lei, apesar dos avanços que traz, sempre suscita controvérsias e dúvidas. Umas das mudanças que provocou algumas polêmicas na doutrina foi o art. 475-J do Código Processo Civil, que versa sobre a aplicação de multa de dez por cento sobre o valor da condenação para o devedor que não cumprir a obrigação de dar quantia certa dentro do prazo trazido pela lei, que é de quinze dias. O citado artigo é omisso em relação ao início da contagem do prazo para cumprir sem a aplicação da multa, nem a natureza jurídica da multa prevista consegue unanimidade. O objetivo do presente trabalho utiliza a pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, descritiva, exploratória, teórica e dedutiva, para analisar criticamente as diversas opiniões acerca do art. 475-J do Código de Processo Civil, em busca da interpretação mais consentânea com o arcabouço constitucional do processo. Destarte, conclui-se que não há entendimento doutrinário pacífico, o Superior Tribunal de Justiça apresentava divergência de entendimentos em seus julgados, uniformizando seu entendimento recentemente. Dessa forma, torna-se de fundamental importância a análise e a pesquisa de todos os argumentos utilizados.[1]
Palavras-chave: Cumprimento de sentença. Art. 475-J. Multa. Início da contagem do prazo. Natureza Jurídica.
Sumário: 1.Introdução 2.Referencial Teórico 2.1.As Mudanças Trazidas pelo art. 475-J 2.2.Início do prazo para aplicação da multa 2.3.Natureza Jurídica da Multa do art. 475-J 3.Metodologia da Pesquisa 4. Análise dos Resultados 5.Conclusão 6. Referências.
1 Introdução
O Poder Judiciário atravessa uma crise de credibilidade em decorrência da sua lentidão para efetivar direitos, muitas vezes líquidos e certos. A burocratização e a complexidade do procedimento, altamente preocupado com segurança jurídica, fazem com que tais direitos só sejam alcançados após anos de espera, então é preciso repensar o procedimento.
Assim, atualmente paulatinas reformas vêem em busca da efetividade do processo, ou seja, garantir o funcionamento do meio estatal de solução de conflitos como um instrumento eficaz do direito material no mundo real e não apenas no mundo das idéias. É o processo civil de resultados, que para ser alcançado dota o juiz do poder geral de efetivação, autorizando o uso de meios de execução indireta ou direta a depender do que se revelar mais eficaz no caso concreto.
O sincretismo processual, que tornou a execução uma simples fase do processo, sem a necessidade de um processo autônomo, é um reflexo dessa necessidade de celeridade e efetividade do processo, pois condensa a condenação e a execução – e eventualmente liquidação –. Dessa forma, a sentença proferida no processo de conhecimento é autoexecutável, sem a necessidade de uma nova demanda para tal.
Instaurada a execução de título judicial de natureza condenatória transitada em julgado, nas obrigações de dar quantia certa, o Código de Processo Civil, em seu art. 475- J, prevê o prazo de 15 dias para que o devedor executado realize o pagamento, sob pena de incidência de multa de 10%, sobre o valor da condenação. Tal inovação, em 2005, foi trazida pela Lei nº 11.232, finalizando a modificação da sistemática de executar as sentenças, que se iniciaria ainda na década de 90.
A partir daí, surge a polêmica em relação ao momento de aplicação de tal multa. A lei é omissa e suscita inúmeras questões. Não menos controvertida é a natureza jurídica da referida multa. O presente estudo tem a finalidade de analisar tais questões e elucidá-las, com fundamento na doutrina e na jurisprudência.
2 Referencial Teórico
2.1 As Mudanças Trazidas Pelo Art. 475-J
A moderna processualística na ânsia de salvaguardar o direito fundamental à tutela adequada, tempestiva e efetiva, tem centrado suas preocupações em busca de meios que viabilizem um deslinde mais célere das demandas e a concretização dos ditames exarados pelo judiciário. Pode-se vislumbrar como marco inaugural de uma nova sistemática da execução de títulos judiciais a modificação do artigo 461, com a lei 8.952/1994, e como consagração do processo sincrético a introdução do 475-A e ss, pela lei 11.232/05. Assim, no Brasil a preocupação com os resultados do processo constituem ápice da nova ordem processual.
Originalmente a execução se fundava no princípio da autonomia, segundo o qual a execução deveria ocorrer obrigatoriamente em processo autônomo, com lógica e procedimentos próprios. Mas, tal princípio, frente ao processo sincrético, foi relativizado, uma vez que, apesar de manter lógica e procedimento próprios, são poucas as hipóteses em que será necessário o uso obrigatório da execução autônoma de título judicial.
Logo, sendo a execução realizada no mesmo bojo do mesmo processo, como fase após a etapa de conhecimento, não será mais necessária a nova citação do réu, ocorrendo apenas a intimação do seu advogado no caso do inadimplemento da multa. Dessa forma, é assegurada maior agilidade e desburocratização ao processo, também mais efetividade, uma vez que o direito do credor será alcançado mais depressa.
Sendo iniciada a execução, o devedor terá quinze dias para cumprir a obrigação reconhecida pela sentença. Findo tal prazo restará configurado o inadimplemento da obrigação e causará a incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação. Assim, para a aplicação da multa, não será necessário o requerimento da parte, nem decisão judicial; o mero decurso do prazo para cumprimento espontâneo sem o adimplemento do devedor faz que seja aplicada multa automaticamente. Conforme percebe-se da redação do caput, do art. 475-J, que dispõe: “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento”.
Assim sendo só há peça processual necessária para que se instaure a segunda fase da execução – requerimento de cumprimento de sentença –, ou seja, é a requerimento do credor que o magistrado dará início à utilização dos meios expropriatórios, de execução forçada (direta), que dispõem a lei, expedindo mandado de penhora e avaliação.
A multa contida no art. 475-J, bem como seu quantum e seu prazo de incidência, é prevista ope legis, ou seja, o próprio legislador já a determinou, não sendo necessário nenhum ato do juiz para aplicá-la, sendo uma decorrência direta e imediata do inadimplemento.
“A multa não precisa ser imposta pelo juiz, porque já foi imposta pelo legislador, diante do dever jurídico de pagamento espontâneo da obrigação, cabendo ao magistrado apenas cumprir, de ofício, a regra do dispositivo legal. Observe que ainda que o magistrado não o faça expressamente – na intimação não conste o aviso da multa para o caso de não efetuar o pagamento –, ela será devida porque a sua existência e incidência estão expressas no dispositivo legal”.[2]
Se o devedor cumprir na etapa de cumprimento não será devido honorários advocatícios[3], o que consiste em incentivo ao devedor em adimplir logo a obrigação estatuída ou reconhecida na sentença, mas caso seja instaurada a etapa de execução forçada, aqueles incidirão. O problema que suscita divergências é saber quando se inicia a fase de cumprimento espontâneo, ou seja, quando tem inicio a contagem do prazo de quinze dias para que o devedor cumpra a obrigação sem a incidência da multa.
2.2 Início do Prazo para Aplicação da Multa
Como o legislador foi omisso sobre o momento em que se inicia a contagem do prazo para cumprimento espontâneo, prevista do art. 475 do CPC, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram três entendimentos sobre o dies a quo do referido prazo.
De acordo com o primeiro entendimento, o momento correto para começar a correr o lapso temporal do artigo supracitado seria o da intimação pessoal do devedor, uma vez que os atos processuais dependem de “ciência prévia e inequívoca do devedor em cada caso concreto”[4]. Ocorre que exigir a intimação destoaria da própria sistemática de processamento das intimações no ordenamento pátrio, além de esvaziar em parte a celeridade pretendida com o processo sincrético. Aliás, rapidamente pacificou o STJ ser desnecessária a intimação pessoal, como se pode verificar in verbis
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. LEI N. 11.232/2005. REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO.RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO QUE NÃO SE VERIFICA. ART. 620 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 38, 236, 237 E 475-J DO CPC. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 83/STJ. […omissis…] 3. A aprovação da Emenda Constitucional n. 45/2004 implementou a primeira parte da reforma do Poder Judiciário e possibilitou novos debates a respeito da elaboração de mecanismos que pudessem imprimir maior celeridade à prestação jurisdicional, em prestígio à cláusula constitucional imodificável que assegura a razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal). 4. A Lei n. 11.232/2005 trouxe novo paradigma ao Processo Civil brasileiro, que, a despeito de anteriormente segregar o processo executório do cognitivo e sujeitar o credor a outro processo verdadeiramente de conhecimento (embargos de devedor), passou a admitir que o cumprimento da sentença fosse efetivado no bojo da ação de conhecimento. 5. Essa novel característica simboliza o sincretismo entre o processo de conhecimento, em que o juiz condena, e a execução, na qual o mesmo juiz possibilita o cumprimento da obrigação, no sentido de que o processo de conhecimento goza de “executividade intrínseca”. 6. Logo, tendo em conta que o cumprimento da sentença nada mais é do que uma fase do processo cognitivo, revela-se desnecessária a intimação da parte, quer pessoal, quer pelas vias ordinárias, para esse mister, máxime porquanto a satisfação da obrigação é subjacente ao trânsito em julgado da sentença, cuja comunicação é obrigatória. Precedentes. 7. Compete ao devedor cumprir espontaneamente a obrigação no prazo de quinze dias (art. 475-J), sob pena de, não o fazendo, pagar multa pecuniária de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. 8. O acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência desta Corte, sendo aplicável ao presente caso o óbice contido na Súmula 83/STJ. 9. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1080716/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 21/10/2009)
A segunda corrente capitaneada Fredie Didier entende que “a melhor interpretação é a que exige a intimação do devedor, que pode ser feita pela imprensa oficial, dirigida ao seu advogado”[5]. Intimar o advogado para dar ciência a necessidade da prática de um ato ou de início de um prazo é a regra geral, ou seja, esta é a interpretação mais consentânea com o CPC, além de ser a que assegura celeridade, sem descuidar da segurança jurídica.
O terceiro entendimento, apoiado por Athos Gusmão Carneiro e Araken de Assis, compreende que o momento correto seria o trânsito em julgado da sentença ou acórdão que fixe a condenação, independentemente da comunicação ao devedor.
O Superior Tribunal de Justiça era pacificamente contrário a necessidade de intimação pessoal do devedor, mas isso não o fazia apresentar um entendimento unânime quanto ao momento de aplicação da multa, havendo julgados em que defendia o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão como momento correto, e em outros casos defendia que deverá ocorrer a intimação pessoal do devedor.
Assim, havia precedentes, como o da terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendia não se fazer necessária a intimação do devedor ou de seu advogado para que o devedor cumpra a obrigação; pois, a partir do trânsito em julgado, já nasce, para o devedor, a obrigação de cumprir sentença ou acórdão.
“LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.” (REsp 954.859/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Terceira Turma, julgado em 16/08/2007, DJ 27/08/2007, p. 252) (grifo inexistente na fonte)
Já a quarta turma do mesmo Tribunal entendia que o mero trânsito em julgado não constituía não daria inicio à contagem do prazo para cumprimento, entendendo ser necessária a intimação do advogado do devedor, conforme se pode verificar abaixo:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CPC. LEI N. 11.232/05. PRAZO DO ART. 475-J DO CPC. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DIA ÚTIL POSTERIOR À PUBLICAÇÃO DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DO ADVOGADO. 1. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 2. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exeqüendo, o não-pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência sobre o montante da condenação de multa no percentual de dez por cento (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil posterior à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado. 3. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no REsp 1109629/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 14/09/2009).
Seguindo o entendimento da quarta turma, em Recurso Especial julgado no dia 07 de abril de 2010 o STJ pacificou seu entendimento, conforme seu Informativo nº 429, no sentido de que o momento correto para iniciar a contagem do prazo da multa do art. 475-J do CPC é a intimação do advogado do devedor, após o trânsito em julgado do processo e eventual baixa nos autos.
“CUMPRIMENTO. SENTENÇA. INTIMAÇÃO.Tratou-se de REsp remetido pela Terceira Turma à Corte Especial, com a finalidade de obter interpretação definitiva a respeito do art. 475-J do CPC, na redação que lhe deu a Lei n. 11.232/2005, quanto à necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento de sentença referente à condenação certa ou já fixada em liquidação. Diante disso, a Corte Especial entendeu, por maioria, entre outras questões, que a referida intimação deve ser feita na pessoa do advogado, após o trânsito em julgado, eventual baixa dos autos ao juízo de origem, e a aposição do “cumpra-se”; pois só após se iniciaria o prazo de quinze dias para a imposição da multa em caso de não pagamento espontâneo, tal como previsto no referido dispositivo de lei. Como destacou o Min. João Otávio de Noronha em seu voto vista, a intimação do devedor mediante seu advogado é a solução que melhor atende ao objetivo da reforma processual, visto que não comporta falar em intimação pessoal do devedor, o que implicaria reeditar a citação do processo executivo anterior, justamente o que se tenta evitar com a modificação preconizada pela reforma. Aduziu que a dificuldade de localizar o devedor para aquela segunda citação após o término do processo de conhecimento era um dos grandes entraves do sistema anterior, por isso ela foi eliminada, conforme consta, inclusive, da exposição de motivos da reforma. Por sua vez, o Min. Fernando Gonçalves, ao acompanhar esse entendimento, anotou que, apesar de impor-se ônus ao advogado, ele pode resguardar-se de eventuais acusações de responsabilidade pela incidência da multa ao utilizar o expediente da notificação do cliente acerca da necessidade de efetivar o pagamento, tal qual já se faz em casos de recolhimento de preparo. A hipótese era de execução de sentença proferida em ação civil pública na qual a ré foi condenada ao cumprimento de obrigação de fazer, ao final convertida em perdas e danos (art. 461, § 1º, do CPC), ingressando a ora recorrida com execução individual ao requerer o pagamento de quantia certa, razão pela qual o juízo determinou a intimação do advogado da executada para o pagamento do valor apresentado em planilha, sob pena de incidência da multa do art. 475-J do CPC. Precedentes citados: REsp 954.859-RS, DJ 27/8/2007; REsp 1.039.232-RS, DJe 22/4/2008; Ag 965.762-RJ, DJe 1º/4/2008; Ag 993.387-DF, DJe 18/3/2008, e Ag 953.570-RJ, DJ 27/11/2007.” REsp 940.274-MS, Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/4/2010.
O informativo 429 veio em boa hora, pacificando no Superior Tribunal de Justiça corretamente a questão, pois o mais consentâneo com os princípios basilares do processo e com a proteção de ambas as partes é intimar a pessoa do advogado do devedor, para que se inicia a contagem do prazo.
A intimação pessoal do devedor traria morosidade e afrontaria a finalidade de efetividade e celeridade almejada pela reforma, obstaria na realidade a própria perspectiva defendida pela Constituição Federal, que alçou à condição de direito fundamental a tempestividade na prestação jurisdicional.
Por seu turno, se considerássemos o trânsito em julgado como momento correto, poderia se tornar frágil a segurança jurídica do processo, pois a contagem dos prazos processuais nem sempre é matéria tão simples e quando o processo se encontra em tribunal superior há um lapso temporal considerável até que chegue ao juízo onde se processará a execução. Assim, como poderia o devedor juntar o comprovante do adimplemento a contento tempore quando os autos não se encontram no juízo competente.
Na prática forense, a intimação do advogado se revela célere e eficaz, sem dispêndio excessivo de tempo ou dinheiro, pois se processa pela publicação no diário oficial. Não obsta, assim a celeridade e efetividade desejadas e garantidas ao credor, mas, também, não olvida o direito fundamental do credor à segurança jurídica.
O termo inicial do prazo para cumprimento espontâneo não é a única controvérsia trazida pela nova sistemática. Há outra discussão, de cunho mais doutrinário, mas não menos acalorada, que também decorre das previsões da 11.232/05 é saber qual é a natureza jurídica da multa.
2.3 Natureza Jurídica da Multa do Art. 475-J
Há celeuma na doutrina em relação à natureza jurídica da multa do art. 475-J, e alguns doutrinadores entendem que tal multa cria mecanismo de coerção indireta, no entanto, para outros, ela tem a natureza de sanção punitiva.
As formas de execução por coerção indireta são tendência no processo civil atual, relativizado, o princípio da tipicidade das medidas executivas, segundo o qual apenas poderiam ser aplicadas sanções ao devedor se as mesmas estivessem expressas na lei, pois o juiz pode e deve de ofício aplicar multas para garantir o cumprimento de suas decisões.
O referido princípio enrijecia a liberdade do juiz de aplicar sanções efetivas a cada caso concreto, de acordo com a necessidade, atualmente, há uma relativização desse princípio, podendo o juiz utilizar todos os meio necessários para efetivar a execução. Contudo, não existe previsão expressa da atipicidade das medidas executórias no nosso ordenamento para o cumprimento de sentença de dar dinheiro, sendo inclusive a previsão do art. 475-J uma forma típica de sanção, com previsão legislativa para sua incidência.
O poder geral de efetivação confere ao juiz a possibilidade de fazer uso de todas as medidas que julgar necessário para fazer valer suas decisões. Destarte, o magistrado poderá de ofício, independentemente de provocação das partes, conforme prevista no art. 461, §5º, do Código de Processo Civil, aplicar a multa na periodicidade e valor que entender devidos. Pode, ainda, cumular meios de coerção direta, com meios de coerção indireta.
“§5.º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.”
A finalidade da aplicação e medidas coercitivas indiretas é pressionar o devedor a efetivar o decisum, o magistrado conhecendo o caso concreto é quem pode obtemperar a utilidade ou não de determinada medida, tem ela assegurado a observância das suas decisões ou não.
Hodiernamente, qualquer tempo pode, então, rever o valor ou a periodicidade da multa se estes se revelarem ineficazes. Confirma, o §6º, do artigo 461, a possibilidade de uma postura mais ativa do magistrado para garantir a tutela tempestiva e adequada ao prever que ele “poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva” [6].
Aqueles que defendem a previsão do art. 475-J como coerção indireta entendem que tal multa é forma executiva que depende da participação do executado para o adimplemento da prestação, é um meio de pressão psicológica. A coerção indireta é forma de “incentivo”, que pode ocorrer tanto por incidências de multa quanto por sanções premiais.
Cássio Scarpinella Bueno e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos são defensores de tal teoria, segundo o doutrinador “o art. 475-J, caput, quer criar uma forma de incentivar o devedor a cumprir voluntariamente a ordem judicial” [7].
Contudo, outra parte da doutrina, como Marcelo Abelha Rodrigues e Evaristo Aragão Santos, entende que a multa teria caráter punitivo, pois ela só será aplicada como pena face o inadimplemento transcorrido o prazo in albis.
“Não se aproxima, portanto, das astreintes, cuja aplicação, segundo parcela da doutrina, propiciaria a execução indireta da obrigação. Isso justamente porque, ao contrário do que acontece nas obrigações específicas, a multa do art. 475-J não pode ser “calibrada” pelo juiz com a pressão que entender necessária para forçar o cumprimento da obrigação.”[8]
Caso o devedor pague o valor relativo à condenação, não haverá multa. Para Fredie Didier, a multa teria um caráter duplo, que condensaria a execução indireta e a multa como forma de punição.
“O legislador instituiu uma multa legal com o objetivo de forçar o cumprimento voluntario de obrigação pecuniária. Trata-se de medida de coerção indireta prevista em lei, que dispensa manifestação judicial: é hipótese de sanção legal pelo inadimplemento da obrigação. A multa tem, assim, dupla finalidade: servir como contramotivo para o inadimplemento (coerção) e punir o inadimplemento (sanção).”[9]
Destarte, entendemos pelo caráter híbrido da multa, uma vez que além de forma de coerção indireta, com todos os requisitos, também é uma maneira de punir o devedor pelo inadimplemento. A ideia da multa punitiva não necessariamente exclui a coercitiva, ambas poderão ser aplicadas, cada uma em seu momento mais adequado.
Caso o devedor efetue apenas o pagamento parcial do valor devido segundo a condenação, a multa incidirá apenas sobre a parte que não foi adimplida, nos termos do art. 475-J, §4º, do CPC.
3 Metodologia Da Pesquisa
O presente trabalho emprega a pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, descritiva, pois descreve e narra a realidade; exploratória, também, por ter fundamento da aplicação do artigo 475-J na realidade jurídica; teórica, uma vez que se baseia em estudos já realizados e dedutiva, pois parte da norma geral para as aplicações individuais.
4 Análise Dos Resultados
Não existe entendimento uníssono em relação aos temas discutidos neste trabalho Na realidade todas as reformas processuais em prol da efetividade processual se circundam de muitas controvérsias. O que podemos defender e perceber é que finalmente o legislador tem se preocupado com o direito ao crédito, sobretudo, aqueles reconhecidos pelo estado-juiz. Não pode ser afirmado que existe um entendimento majoritário. O informativo do Superior Tribunal de Justiça é um feixe de esperança por um caminho de pacificar a discussão.
Em relação à natureza jurídica da multa do art. 475-J a doutrina apresenta divergências, alguns autores defendem que sua natureza seria punitiva, outros entendem que sua natureza é coercitiva, alguns ainda defendem que a multa teria um caráter mestiço.
5 Conclusão
A ânsia de agilidade e da efetividade do processo encontra resposta no sincretismo processual, procedimento que permite que a execução ocorra no mesmo processo, sendo desnecessária nova citação do réu, como mera fase processual.
O sincretismo processual torna as sentenças condenatórias autoexecutáveis, de forma que o juiz poderá, na sentença do processo de conhecimento, tomar as providências necessárias para a execução da sentença, e o art. 475-J já prevê as consequências da contumácia do devedor.
Apesar das divergências existentes acerca da inteligência do art. 475-J do Código de Processo Civil, o comentado artigo trouxe avanços indubitáveis, com a proteção significativa da celeridade processual e da efetividade do direito do credor.
Em relação ao momento em que se inicia a contagem do prazo para a aplicação da multa, a maioria da doutrina se divide em dois grupos. O primeiro grupo entende que o momento correto é o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, pois, a partir daí, ela se torna pública, sendo desnecessária a intimação pessoal ou pelo advogado do réu.
O segundo grupo de doutrinadores entende ser apropriada a aplicação após a intimação pessoal do devedor, devendo este tomar conhecimento pessoalmente de que o prazo começou a correr contra ele para o adimplemento do valor condenatório.
O STJ, com entendimento hoje uniformizado, traz o terceiro entendimento, segundo o Tribunal, que utilizou o entendimento já utilizado pela quarta turma, o momento correto é a intimação do advogado da pessoa do devedor.
A natureza jurídica contida no artigo objeto desse trabalho também é objeto de discussão na doutrina, muitos doutrinadores, entre eles Cássio Scarpinella Bueno e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, defendem a natureza da multa como coercitiva indireta.
Para Marcelo Abelha Rodrigues e Evaristo Aragão Santos a multa tem natureza punitiva, e há ainda Freddie Didier que defende o caráter híbrido da multa, que teria tanto natureza de coerção indireta como de punição para o devedor.
Advogada. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Unichristus e Pós Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá
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