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Corrupção e Provão

Chega aos jornais a
notícia de que o Superior Tribunal de Justiça negou liminar a uma estudante,
impedida, em razão de cursar Faculdade catalogada com nota  “E” no Provão,
de obter bolsa para continuar os estudos. Paga a jovem, assim, indiretamente,
pelo abastardamento dos preceitos que deviam nortear a fiscalização do ensino
no Brasil, com relevo para os cursos de Direito. Realmente, há anos,
metodicamente, venho alertando as autoridades em geral, a Ordem dos Advogados,
as Associações de classe, o Conselho Nacional de Educação, a Câmara Superior de
Ensino, a Presidência da República, o Senado, Câmara de Deputados e quejandos, sobre a irresponsabilidade, no mínimo, com que
se vem enfrentando a indiscriminada criação de institutos de ensino superior no
Brasil. Sob Paulo Renato, a cornucópia de distribuição de benesses a
universidades e faculdades particulares piorou. Além disso, bastou o ministro
sair por alguns dias para que a interina liberasse as vagas para cada ano do
curso de Direito, parecendo, inclusive, que  aproveitava oportunidade
dourada ao esmaecimento das poucas reservas éticas ainda vigorantes. À margem
disso,  teci críticas contundentes à conduta de integrantes do Conselho
Nacional de Educação, apontando a enorme influência exercida naquela instituição
por universidades particulares paulistas. Tinha razão inteira, antecipando,
apenas,  o resultado do combate interno existente. Explodiu há poucos
dias, em matéria paga, uma briga acentuada entre associações formadas por dois
potentíssimos grupos, um acusando o outro de  ilicitude em eleições 
e assentamento  de conselheiros no Conselho Nacional de Educação. É mais
ou menos o que acontece  a frutos apodrecidos por dentro. Chega um dia em
que a podridão extrapola as barreiras opostas pelas cascas.

Curiosamente, o Conselho Nacional de
Educação é constituído por criaturas apontadas pelas próprias universidades,
disfarçando-se o domínio sob a crosta de entidades juridicamente constituídas.
No vai-e-vem das interferências, sobra a calamidade em que se transformou o
ensino universitário no país:  um lamaçal feio, posto aos olhos de
todos.  Pior do que isso é  a conformação  das entidades que
procuram limpar  rotineiramente, agora, as vertentes desse
vomitar lodoso. O Ministério Público Federal, cavaleiro andante na luta
pela moralização do comportamento dos denominados homens (e agora mulheres)
públicos, não sabe por onde começar, se é que pretende iniciar alguma coisa. A
Ordem dos Advogados parece ter perdido a luta, até  porque as comissões de
ensino jurídico, embora vetando a criação de novas instituições, não se valem
das denominadas ações civis públicas para a tentativa de coerção das
imoralidades visualizáveis. Os advogados não ligam. Reclamam, obviamente, mas
perderam condição de raciocinar que a dificuldade de sobrevivência tem estreita
ligação com a inflacionária  produção de bacharéis. Enquanto ocorre tal
fenômeno histórico, o Ministério da Educação persiste na infeliz política do
“provão”,  punindo-se,  em relação direta de causalidade, o aluno que
não teve possibilidade de cursar uma escola séria. Pagam os moços pela incúria
dos responsáveis pela educação.

Há no dicionário um vocábulo curioso:
“cooptação”.  Existe espécie de vasos comunicantes em tudo.  Funciona
assim: as faculdades são  instituídas com ou sem autorização,
procurando-se  professores da terra (advogados proeminentes, membros das
diretorias da OAB, promotores públicos e juízes atuantes). Às vezes, a criação
é  feita a poder de  franquias,  como se faz  na instalação
de restaurantes aptos ao fornecimento de  “esfihas”. 
Cria-se círculo vicioso: os fiscais se transformam em professores. Estes,
de seu lado, não se põem contra a instituição, pois perdem o emprego. Uns
poucos “medalhões,” bem remunerados, arrastam os tacões pelos corredores. E
tudo continua como dantes.

A briga entre os grupos apontados não
lhes serve. Hão de perceber que despertam demônios entre pouquíssimos
inconformados. Enfiarão a viola no saco. Farão acertos e acordos por baixo dos
panos. O Conselho Nacional de Educação continuará como está,
provido de representantes dos grupos que dominam. Paulo Renato, ultimado o
governo, vai para casa. Restarão milhares de jovens imensamente frustrados,
largados à beira das calçadas, incapazes de competir e impedidos, pelo próprio
Poder Judiciário, de obter bolsas de estudo, na medida em que estudando em
cursos desprovidos de condições mínimas de aceitação. Terrível, mesmo, não é
isso: é a aceitação do mesmo lodaçal posto à  visão de todos. É
incompreensível, mas é verdade absoluta.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


Equipe Âmbito Jurídico

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