Resumo: A sociedade de risco tem produzido ações de desenvolvimento que, por vezes, conduzem a situações de descontrole quanto aos danos delas decorrentes. O processo de responsabilizaçãoatualmente aplicado, centrado na existência do dano, quando quase nada poderá ser feito, parece estar bem ilustrado no caso Césio 137, demonstrando forte despreparo dos profissionais e riscos enfrentados pela falta de informação e preparo da sociedade e Defesa Civil, desafio a ser enfrentado. Antes da possibilidade de "exposição à radiação" deve-se construir um sistema em que haja uma responsabilização adequada ao comando constitucional, que articule de um lado esta mesma sociedade de risco e seus interesses e de outro o comportamento subjetivo exigível ao agente. [1]
Palavras-chave: Dano ambiental – Sociedade de Risco – Responsabilização – Democracia – Intersubjetividade – Defesa Civil
Abstract: The risk society has been producing development actions which sometimes lead to lack of control conditions as to the damage arising therefrom. The accountability process currently in effect, centered on damage existence, when almost nothing can be done to repair, seems to be well illustrated in the case Caesium 137, demonstrating a great inability of the professionals and risks faced due to lack of information and training of the society and Civil Defence, a challenge to be faced. Before happening the "exposure to radiation", there should be built a system containing an accountability proper to the constitutional command that articulates, on one side, this very risk society and its interests and, on the other side, the subjective behavior required from agent.
Keywords: Environmental damage – Risk Society – Accountability – Democracy-Intersubjectivity – Civil Defence
Sumário: 1- Introdução; 2- Desenvolvimento; 2.1 A situação fática que norteia a análise; 2.2–Elementos: A modernização e a evolução na sociedade de risco; 2.3- Análise Jurídica; 2.3.1 Porque a questão envolve o elemento subjetivo; 2.3.2 O sistema garantidor que não garante; 2.4 – A hipótese de uma equação social de estabilização; 2.4.1 – O risco como elemento imprescindível da responsabilização pela precaução; 2.4.2 – O Sistema do Entendimento; 3- Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
O final do século XX e início do século XXI levou a sociedade a refletir sobre um novo sistema: o ecossistema. A relação homem–meio passa a fundamentar-se em um complexo sistema que considera todas as relações físicas, biológicas e sociais. Agrega-seao homem tudo o que se encontra ao seu redor e percebe-se uma ampliação dos conceitos.
No mesmo passo, as relações jurídicas devem passar a contemplar essa complexidade, e assim não foi diferente no direito pátrio. A partir da Constituição Federal de 1988, além da colocação do direito ao meio ambiente como direito fundamental, expande-se o conceito para a presente e futuras gerações, incorporando-se o conceito de sustentabilidade. Esta também é uma vertente complexa e sistêmica, que, por um lado considera o homem e seu meio e, por outro, estabelece diretrizes norteadoras da própria ação do homem, tais como limite e necessidade.
Estas relações do homem com a natureza estão agora normatizadas em toda a sua amplitude, através do movimento conhecido como a “Constitucionalização do Direito”, a releitura de todo o ordenamento jurídico.
Paralelamente, o histórico da Defesa Civil no Brasil começana Segunda Guerra Mundial, tendo suas raízes ligadas às forças Armadas. Todavia, surge e sobressai a partir de 1960, vinte anos antes desta lei, em consequência de uma grande enchente, onde passa a atender às catástrofes locais, sem nenhuma normatização voltada para a prevenção e muito antes das orientações previstas na Constituição de 1988.
Seguindo a linha do tempo, a proteção ambiental é inaugurada a partir da década de 1980, através da Lei nº6938/81, com sua exigibilidade prévia de análise de impacto e responsabilidade independente de culpa, sobretudo na forma dos artigos 9º e 14º § 1º.
Na realidade, a organização sistêmica da defesa civil no Brasil se deu pela criação do Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), em 1988, sendo reorganizado em agosto de 1993 e atualizado em 2005.
Para atender o compromisso firmado na Resolução 44/236, o Brasil elaborou um plano nacional de redução de desastres para a década de 90 que estabelecia metas e programas a serem alcançados até o ano 2.000 conhecido como Política Nacional de Defesa Civil – PNDC estruturada em quatro pilares: prevenção, preparação, resposta e reconstrução.
A tentativa de tão amplo aparato legal visava tambéma uma articulação e resposta aos crescentes danos ambientais, consignados e visualizados pós-Conferência de Estocolmo (1972). Ainda no meado de 1985, outro diploma vem em auxílio da lei e estabelece direito substantivo público capaz de ampliar ainda mais essa dinâmica de defesa: a ação civil pública, Lei nº7347/85. A partir de então, diversos complexos normativos regulamentam a Carta Maior de forma a consolidar os dispositivos protetivos do ambiente. Estes diplomas legais vêm sendo atualizados.
Importante, portanto, deixar registrado que, em princípio, o panorama legal atende a uma vontade de proteger o meio ambiente e de responsabilizar o agente pelos danos causados numa sociedade de risco. Porém, o que se tem percebido é que o objetivo da lei não vem obtendo êxito. Pelo contrário, na medida em que são criadas diversas leis, maiores têm sido as agressões ambientais: novas e antigas agressões. Resta a dúvida sobre a motivação.
A ocorrência de importantes eventos, social e ambientalmente danosos, como no caso do Césio 137, tem levado a sociedade a se questionar quanto ao despreparo legislativo quando da ocorrência do dano ambiental. Amplia este questionamento, perguntando-se porque não agir antes do dano. A fragilidade do sistema protetivo evidencia-se antes e após a ocorrência do dano.
Pretende este trabalho, amparado em breve análise fática, apresentar, a partir da crítica, patamares de reflexão, se não para enfrentar o atual panorama legislativo de responsabilização, ao menos que conclua pela necessidade de uma maior proteção.
Assim não pretende esgotar o tema, mas reiniciá-lo sob um novo paradigma de responsabilização.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A SITUAÇÃO FÁTICA QUE NORTEIA A ANÁLISE
O Brasil, apesar de diversas opções já avançadas na ciência, optou por um modelo de desenvolvimento em que o risco da atividade tem sido a regra, a instalação tecnológica, as armas de fogo, os esportes radicais, os meios de transporte, as usinas nucleares ou as indústrias químicas, e mesmo o fumo. De fato, União, Estados e Municípios visam à promoção de ações a partir da efetiva exploração destas atividades.
Estes procedimentos requerem tecnologias avançadíssimas e específicas, e que muitas vezes sobrevém a dúvida sobre a real segurança das ações, sobretudo no que tange a procedimentos ambientalmente nocivos. Assim, enorme é o risco destas e outras atividades fruto do desenvolvimento sem estudo prévio destes riscos, da própria sociedade, aumentando a possibilidade de que algo possa dar errado.
O melhor exemplo foi o ocorrido em Chernobyl em 26 de abril de1986, ainda hoje considerado opior acidente nuclear da história, tendo recebido a classificação 7(sete), nível máximo na escala da Agência Internacional de Energia Atômica. A radiação que vazou do reator número 4 da usina de Chernobylfoi 200 vezes maior do que a das bombas de Hiroshima e Nagasaki juntas. Cerca de 200.000 km² de terra foram contaminados. A estimativa é de que cerca de 4 mil pessoas devem ter morrido de câncer na Bielo-Rússia, Ucrânia e Rússia.
No Brasil, em Goiânia, o acidente com o Césio-137, ocorrido em 13 de setembro de 1987, foi o maior acidente radioativo do Brasile o maior do mundo ocorrido fora das usinas nucleares.
Uma cápsula contendo o césio foi encontrada nos escombros do Instituto Goiano de Radioterapia e vendida a um ferro-velho. O brilho azul emitido pelo césio atraiu a atenção de moradores da região que o passaram de mão em mão. Mais de 800 pessoas foram contaminadas e pelo menos outras 200 morreram devido aos efeitos da radiação. As manchetes, além de evidenciarem os danos ambientais, trazem um aspecto importante, e até então despercebido dos analistas e dos operadores do direito em geral. Diz a manchete: “O caso césio revela crime contra o povo"[2]
A matéria pretende, sem sucesso, que o conteúdo jornalístico amplie sua abrangência no sentido de trazer parâmetros legais em nível internacional, mas termina por restringir-se ao panorama legalnacional. Feito o registro, detendo-se mais na matéria jornalística e adotando o chamado inicial como parâmetro, o conteúdo segue na tentativa de manter a visão preventiva da ação danosa, ex vi: “Os 20 anos da tragédia com o Césio 137, em Goiânia, revelam, além do descaso do Estado com as vítimas, a ausência de um projeto de tecnologia nuclear para o país.”[3]
Na mesma vertente, 25 anos após, e depois de, com novo acontecimento de vazamento de Petróleo em Campus, RJ, o governo brasileiro comprometeu-se a elaborar um Plano Nacional de Contingência (PNC), abrangendo todos os tipos de acidentes, conforme noticiaram os jornais na época: "Legislação brasileira para lidar com vazamentos é mais punitiva do que preventiva"
Lembra ainda a notícia de 21/3/2012, Jornal O Globo, que dois anos após o acidente na Bacia Petrolífera no Golfo do México, e 05 meses após o primeiro vazamento da Chevron, o Brasil não conseguiu pôr em prática o seu Plano Nacional de Contingência (PNC), e ainda hoje não é dada atenção à prevenção de acidentes. Mais adiante, afirmam os jornalistas[4]:“A legislação concentra o seu foco na punição”.
No interior da matéria há o desenvolvimento de uma linha de raciocínio muito interessante. Trata-se, conforme o título ”Depois do óleo derramado”[5], de breves observações quanto à falta de uma legislação que atue na prevenção e na reparação de danos. Expõe as fragilidades da indústria no país, que se apresenta como a mais nova potência energética do mundo”[6].
O Plano Nacional de Contingência deve prever outros casos, além dos narrados na matéria, como os casos de vazamento nuclear, ocorridos em Goiânia. Fazendo a ponte com outro país, mais avançado na questão nuclear, a notícia revela a fragilidade da sociedade diante de tão importante assunto: “A empresa estatal japonesa, Power Reactorand Nuclear FuelDevelopment (PNC), responsável por ter ocultado informações a respeito de acidentes nucleares revelou que, desde o fim de 1994, houve 11 vazamentos de trítio radioativo que não foram denunciados na usina onde ocorreu o acidente mais recente. Segundo executivos da PNC, os acidentes não foram revelados porque as quantidades de material radioativo liberadas ficaram abaixo do nível de risco mínimo, ou seja, aquele que a direção seria obrigada legalmente a informar às autoridades. Entretanto, as autoridades do distrito de Fukui suspeitam de outro acobertamento, pois alguns dos vazamentos fizeram disparar alarmes automáticos.
O acordo entre a PNC e os governos locais diz que a usina precisa informar todos os acidentes "graves", o que significam todos os acidentes que disparem os alarmes automáticos. Comparativamente, o Brasil não possui um plano estruturado e “vê uma reação desencontrada e sem firmeza de emergência”[7].
Ainda na mesma direção, o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura – CBIE, empresa de Consultoria e Informação especializada em Serviços de Inteligência e Gestão de Negócios no mercado de energia, Adriano Pires, afirma que há defasagem na legislação. Para o dirigente seria oportuno seguir o modelo americano, em que um fundo financeiro deve lidar com os acidentes, com mecanismos de autofinanciamento, sendo que a cada barril produzido, a empresa contribui com US$ 0,08 (oito centavos de dólar) para o fundo, tratando-se de vazamento de petróleo. O fundo tem por objetivo a reparação de danos[8].
Também como participante deuma entrevista sobre o assunto, o coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, professor Emilio La Rovere, informa ter enviado em 2006, ao Ministério do Meio Ambiente, um levantamento de experiências internacionais que podem auxiliar o Plano Nacional de Contingências brasileiro a “sair do papel”. E ainda, que faltam medidas de prevenção diante do aumento da exposição dos riscos frente à grande ampliação da exploração e produção.
Diante dos relatos acima, percebe-se que ainda hoje existem dificuldades na aplicação das diretrizes Constitucionais e infraconstitucionais, principalmente nas questões que envolvem a prevenção, punição, a informação e o preparo dos profissionais responsáveis por questões que envolvem riscos ambientais, e neste caso, a Defesa Civil foca suas ações baseadas somente no pós- acidente.
A CNEN, Comissão Nacional de Energia Nuclear, responsável pela segurança e fiscalização das atividades nucleares no Brasil, reagiu de forma improvisada, no caso do Césio 137. Por exemplo, contratou trabalhadores para executar a descontaminação do local sem nenhum preparo ou mesmo conhecimento do perigo que corriam. E hoje, como seria sua atuação?
Em conclusão preliminar, pode-se afirmar que o acima exposto tem ligação e assemelha-se a casos ocorridos no Brasil, com relação a acidentes nucleares. Casos como estes devem envolver diversos níveis de conhecimento e de distintos agentes sociais, opiniões de cientistas, pesquisadores, doutrinadores e operadores do direito, além daqueles diretamente envolvidos nos eventos danosos. A questão envolve várias áreas, devendo haver uma interdisciplinaridade que envolva estudiosos de distintas áreas do conhecimento, possibilitando o intercâmbio de opiniões.
O que chama a atenção no debate neste tema é aconstatação de que o sistema legislativo pátrio não possui uma resposta adequada na temática da proteção ambiental. E mais, as investigações ocorrem sempre a partir do dano, o que de certa forma implica propostas de solução que estão diretamente articuladas a sua existência, tais como, a busca da reparação, o seguro ambiental e a incriminação dos autores. Não se observa uma resposta às possibilidades de atuação no campo da prevenção ou da precaução. Nem mesmo o denominado Plano de Contingência que se refere a uma atuação dos responsáveis após o dano, inclui a preocupação com a prevenção.
Para melhor entender, e possível adequação do relato fáticoà análise que se pretende, passa-se a dar sequência às reportagens e à pesquisa desenvolvida na dissertação da professora Elaine Campos Pereira em relação ao mesmo evento danoso, de forma a compreender a evolução dos fatos e os desdobramentos jurídicos que vão sendo colocados no caso concreto cotidianamente, e que tende a reforçar as afirmações já verificadas.[9]
No dia 28 de setembro de 1987, a CNEN, que tem sede no Rio de Janeiro, foi acionada pelas autoridades. O grupo de emergência da comissão era treinado para atender acidentes em reatores nucleares. Uma cápsula de Césio-137 aberta em uma capital brasileira era novidade.
Na época, o controle foi feito a partir da retirada dos materiais das áreas que estavam contaminadas. Tudo foi embalado. Para armazenar os rejeitos, foram usados tambores metálicos de 200 litros, caixas de um metro quadrado (mil litros) e até um contêiner marítimo, devido à grande quantidade de material. Os recipientes passaram por testes físicos e de resistência para garantir a segurança.
Inicialmente, os rejeitos foram estocados de forma provisória no mesmo lugar onde hoje funciona a unidade da CNEN no então recém criado município de Abadia de Goiás, porém, de forma provisória, naquele momento. Controlado o acidente, um projeto feito longo prazo definiu o local onde os rejeitos seriam definitivamente guardados.[10].
A sociedade foi surpreendida com a decisão da CNEN de provisoriamenteestocar os rejeitos na própria cidade, gerando revolta local. Percebe-se, diante das notícias da época e mesmo hoje, a falta de esclarecimento dos profissionais que lidam com substâncias altamente perigosas, como também da própria população.
Para melhor ilustrar a atuação dos agentes e os comandos das chefias imediatas, é importante registrar o relato da moradora Francisca Pereira Cardoso Cruz, de 79 anos, que viveu de perto o drama dos moradores de Abadia:
“Invadimos a BR-060 (rodovia que liga Goiânia a Abadia) e tentamos bloquear a vinda do césio. Foi um presente de grego que recebemos naquela época. As manifestações duraram uns três dias ou mais. Passamos a noite às margens da BR, em vigília. Mas fomos surpreendidos porque para cada morador tinha o dobro de policial e eles ficavam na porta das casas para nos vigiar. Lutei muito para o césio não vir para a Abadia”[11].
O depósito definitivo foi construído em 1997, mesmo ano em que foi inaugurado o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO), unidade da CNEN em Goiás. O local fica dentro do Parque Estadual Telma Ortegal, que tem 1,6 milhões de metros quadrados. A estrutura que abriga os rejeitos foi projetada para resistir 300 anos, intacta e preparada para desastres como tremor de terra e queda de avião. O depósito do Césio-137 tornou-se, então, o único depósito de lixo radioativo definitivo do Brasil.[12]
As consequências e falta de informação ainda hoje se manifestam, seja na saúde ou mesmo nas alterações sociais, comportamentais, ambientais, vividas pela população.
Recentemente veiculou-se a seguinte notícia: “Veículo foi roubado com selênio 75. Material é usado em aparelhos de raio-x e soldas"
Segundo a polícia, o roubo do material foi informado também à Comissão Nacional de Energia Nuclear. “Em contato direto com a pele, a radiação é capaz de causar danos em células e produzir mutações genéticas. Mas dificilmente ocorre o contato direto, pois sua forma de transporte é em cápsulas blindadas”, explica Ellen Guimarães Dias, presidenta da Associação Brasileira de Química (ABQ- RJ).[13]
A empresa Arctest Serviços de Manutenção e Inspeção Industrial, responsável pelo veículo, minimizou os riscos de contaminação. Segundo Mário de Boita, supervisor de proteção radiológica, o produto radioativo estava dentro de uma caixa metálica presa com cadeado no porta-malas do veículo. O que não impediu o seu furto e o total desconhecimento da sociedade dosriscos provenientes de um possível manuseio desta substância.
Até a presente data, estes são os fatos principais que norteiam a análise que se pretende. De antemão, deve-se adiantar que a conclusão a que se chega é que, pelo modelo de gestão de risco vigente na sociedade, se novos fatos surgirem, estes dificilmente serão capazes de reverter a curva que se impõe há mais de duas décadas.
2.2 ELEMENTOS DA MODERNIZAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO NA SOCIEDADE DE RISCO
Segundo Beck[14], os riscos evoluíram no século XX e possuem agora uma nova arquitetura social e dinâmica política, que pode ser resumido em teses.
Os riscos são apresentados articulados comdesenvolvimento de forças produtivas, que escapamà percepção humana e atinge a todos, são invisíveis e em sua maioria produzem danos irreversíveis; podem ser aumentados e diminuídos ou mesmo alteradose, assim podem ser interpretados segundo processos sociais de definição. Melhor exemplo: radioatividade.
Há uma relação entre as situações sociais de ameaça e o incremento e distribuição dos riscos. Todos ao final são atingidos, independentemente de classes sociais. Registre-se que os riscos além de atingir a saúde humana, também o fazem em relação à propriedade, ao lucro e à desapropriação ecológica. Melhor exemplo: fluxo de poluentes que escapam à competência do Estado Nacional.
Os riscos da modernização são também um excelente negócio, um novo estágio com sua expansão e mercantilização, sem limites, interminável, infinito, dada a sua necessidade, passando a ser um reforço à lógica capitalista do desenvolvimento. Esta mesma sociedade industrial produz as situações de ameaça e o potencial político da sociedade de riscos.
As riquezas podem ser possuídas, porém, quanto aos riscos, são afetados. Assim é preciso que os riscos sejam conhecidos, disseminando uma teoria sociológica assumida pelo potencial político da sociedade de riscos.
Por fim há um forte ingrediente político dos riscos que são socialmente reconhecidos, o que faz com que haja uma aproximação do público com o empresarial. Passa a atingir não somente à saúde humana, mas os efeitos colaterais são sociais, econômicos e, sobretudo, políticos. Melhor exemplo: o desmatamento e a perda de mercado, a depreciação do capital. Trata-se, assim, do potencial político das catástrofes, que é um estado de exceção e que pode tornar-se uma normalidade.
Conclui o autor que "o efeito social das definições de risco não depende, portanto, de sua solidez científica." E explica: a constatação de risco e a modernização devem ser analisadas sob o parâmetro do conhecimento científico. A alegação generalizada tem levado a conclusões de insegurança científica. Assim, ingrediente importante a ser contemplado diz respeito à ética, aproximando-se a filosofia, a cultura e a própria política
Nesta linha de desenvolvimento das sociedades, os parâmetros teóricos devem ser objetos de pesquisa, tanto nas concepções habermasianas, quanto nas sociedades contemporâneas, seu desenvolvimento sócio, político, econômico e cultural, posto que o risco produzido a partir deste desenvolvimento considera novas plataformas temáticas transnacionais.
Para tanto, nesta releitura das sociedades, Beck[15], que toma como referência em seus estudos a evolução e feitos da sociedade de risco, tem muito a contribuir ao presente debate, de quem se tomam emprestadas as ideias norteadoras.
De início, o autor conclui que o conceito de modernização contribui na concepção da sociedade de risco:
“Modernização significa o salto tecnológico de racionalização e a transformação do trabalho e da organização, englobando para além disto muito mais: a mudança de caracteres socais e de biografias padrão, dos estilos e formas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das concepções de realidade e das normas cognitivas”.[16]
Da mesma forma que as sociedades industriais passaram anos a debater como distribuir riquezas de forma desigual e ao mesmo tempo "legítima", a sociedade de risco está centrada num novo paradigma: como é possível que as ameaças e riscos produzidos a partir desta modernização sejam evitados ou minimizados, ou se inevitáveis como efeitos colaterais, sejam redistribuídos de forma a não atingir o limite do aceitável?
Assim, além de tratar de libertar socialmente as pessoas através da modernização e do desenvolvimento econômico social, há que se preocupar e refletir sobre os efeitos desta modernização quanto aos riscos. A modernização passa a ser ao mesmo tempo solução e problema. Na realidade, a tendência tem sido de que o emprego de tecnologias se sobrepõe aos riscos apresentados considerando a relevância econômica, de onde encerra um sistema de normas públicas que possa ser o único.
Importante considerar, nesta linha de análise, que ambas as sociedades, industrial e de risco, possuem o mesmo paradigma a enfrentar sob óticas diferentes: a desigualdade. E da mesma forma articulados pelo tema da modernização, nesta em posições distintas, mas sempre em relação à riqueza produzida.
2.3 ANÁLISE JURÍDICA
Após o relato fático apresentado, bem como dos princípios constitutivos da noção de sociedade de risco, passa-se ao mérito que se pretende ressaltar, tendo como fio condutor a análise crítica da responsabilidade pelos danos ambientais.
Para melhor compreender a crítica que tenta esclarecer a irresponsabilidade do Estado e da Sociedade em relação à proteção dos recursos naturais, é necessário o aprofundamento temático no processo de responsabilização, no conceito de dano estrito, dano real e dano potencial, e no meio ambiente como um direito fundamental.
Assim, parece que o ponto de partida é a análise comportamental da sociedade, e principalmente das instituições e dos profissionais diretamente ligados a acidentes nucleares. Conceitualmente, a defesa civil caracteriza-se porum conjunto de medidas permanentes que visam evitar, prevenir ou minimizar as consequências dos eventos desastrosos e a socorrer e assistir as populações atingidas, preservando seu moral, limitando os riscos e perdas materiais e restabelecendo o bem-estar social. São aspectos subjetivos da ação do homem pertencente a uma sociedade de risco[17] que vem sendo construída aleatoriamente e que se pretende reinventar.
De início, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas, que o processo de responsabilização inserido na legislação pátria tem o dano como seu requisito necessário. Portanto, o agente somente será responsabilizado na hipótese de existência do dano, nas diversas espécies de responsabilidades. Observa-se que na contramão do aparato legal, os princípios que norteiam o direito ambiental exigem a atitude prévia e precavida do agente e, para tanto, deve responder na inexistência do comportamento protetivo. Assim, teoricamente, sem a devida atitude prévia exigida, a hipótese é de responsabilização.
Especificamente em relação ao dano ambiental, duas características marcantes têm sistematicamente abraçado discussões doutrinárias e jurisprudenciais: a irreparabilidade e a quantificação do dano.
De longa data, questiona-se se é possível a represtinação. A doutrina é unânime[18] ao concluir que, uma vez atingido o meio ambiente com um dano, seria impossível o seu retorno ao status quo ante. Até mesmo as chamadas medidas mitigadoras, constantes nos estudos de impacto ambiental, têm demonstrado, em sua maioria, ineficácia quanto ao restabelecimento da lógica ambiental, podendo nascer uma nova e diferente cadeia no ecossistema, mas biologicamente, o que se perdeu com o dano é irrecuperável. Não só o ambiente, mas também os aspectos sociais envolvidos nele.
Por óbvio, parece que qualquer que seja a ação antrópica, sempre trará algum impacto, podendo ser este absorvido ou não pelo meio ambiente, e este é o mérito do comportamento subjetivo. A questão relevante é que, na defesa de um desenvolvimento, busca-se a implementação de tecnologias por vezes inadequadas e que conduzem aos danos ambientalmente não absorvidos. Nas áreas urbanas, essas distorções se repetem, ao largo dos planejamentos estratégicos e dos instrumentos de controle, sempre por interesses de empreendedores e financeiros.
Nesta sociedade de risco, não há outro caminho que não seja a aproximação de proteção ao meio ambiente com a proteção à vida. A Defesa Civil assimpode ser percebida comoinstituição estratégica para redução de riscos de desastres. Sua funcionalidade está definida no Sistema Nacional de Defesa Civil, conforme Decreto nº 97.274, de 16.12.1988, uma de suas finalidades é o dever de prevenir e minimizar os efeitos dos eventos desastrosos.
Ao abordar tal raciocínio no relato fático apresentado, verifica-se de pronto que as tecnologias disponíveis não foram suficientes para evitar o dano. Começa aqui a demonstração concreta de que este elemento subjetivo comportamental, ou seja, a ação do agente é de fundamental importância para a questão ambiental, sem desejar ser, desde já, conclusivo, mas ressaltando como ponto importante a ser retomado adiante.
2.3.1 – Porque a questão envolve o elemento subjetivo?
De fato, procede ao questionamento, sobretudo, em se tratando da espécie de responsabilização da matéria em questão. Ocorrendo o dano ambiental, impõe-se sua reparação, é o que determina a Carta Magna em seu artigo 225, §3º, bem como a Lei nº 6938/81, em seu artigo 14 § 1º, que acrescenta a inexistência de culpa na relação jurídica obrigacional. Logo, volta-se aqui para o dano, objetivamente e a sua simples comprovação, na melhor corrente[19], gera a obrigação de indenizar. Portanto, necessita-se do dano. Se acrescentarmos a essa objetividade a dificuldade de represtinação e de reparação indenizatória, chega-se à conclusão de que a simples existência do dano não deveria ser a condição primeira exigível, mas sim o comportamento prévio precavido do agente, mas como mensurá-lo, ou mesmo apontar a sua existência?
Novamente aproximando a temática da proteção ambiental e da defesa civil e seus objetivos de estudar, definir e propor normas, planos e procedimentos que visem à prevenção, socorro e assistência da população e recuperação de áreas, é possível verificar a necessidade do mesmo comportamento prévio. Assim a gestão de risco possibilita que as ameaças ou fatores adversos poderão sugerir obras e medidas de proteção com o objetivo de prevenir ocorrências graves. E este é um comportamento exigível da sociedade. Poderá ajudar, ainda, a promoção de campanhas educativas junto às comunidades e estímuloao seu envolvimento.
Na busca destes objetivos, quando do exame dos aspectos múltiplos que envolvem a reparabilidade, seja o quantum indenizatório no caso da impossibilidade de se tentar a represtinação, seja o dano à saúde humana ou mesmo o seu atingimento psicológico, não há como quantificá-los.
Assim, nem sempre é possível calcular o dano ambiental, justamente em virtude de sua irreparabilidade. ÉdisMilaré[20] salienta que essa característica ficou mais complexa com o advento da Lei nº 8.884/94 que, em seu art. 88, alterou o caput do art. 1º da Lei nº 7.347/85, ensejando que também os danos morais coletivos sejam objeto das ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais.
No caso concreto apresentado, há um quanto que pode até ser estimado, mas sem qualquer parâmetro ou exatidão. E ainda, quais organismos vivos deveriam ser repostos? Este ecossistema está inteiramente identificado e classificado? Dificilmente se chegaria a uma conclusão. Em relação ao quantum indenizatório, como valorar as perdas? Igualmente impossível.[21]
A legislação pátria, sem dúvida é bastante rigorosa na objetivação da responsabilidade, incluindo-se aqui a espécie integral (de risco da atividade), mas sempre nas situações de existência de dano. Não só no Brasil, mas em todo o mundo há a exigibilidade do dano. Até mesmo a idéia do dano potencial, rechaçada pelos tribunais brasileiros, é aceita em alguns países da Europa e Japão.
O ser humano, sujeito de direitos e obrigações para presentes e futuras gerações, exige medidas comportamentais. Assim, para quem atua colocando em risco a sociedade como um todo e seus interesses, a reação pode ser repressiva da lesão consumada ou preventiva de uma consumação iminente. O que se espera é que com toda a fundamentação legal existente, possa a precaução de forma efetiva vir a fundamentar uma nova atitude do Estado e da Sociedade.
A precaução e a prevenção são duas faces da prudência que se colocam frente a situações quando há existência ou possibilidade de dano. Os princípios da precaução e da prevenção norteiam toda a política de proteção ambiental e estão relacionados às teorias de uma sociedade de risco. Estes preceitos deveriam fundamentar as políticas de gestão de riscos e, sobretudo, estarem presentes nas propostas e nas ações da Defesa Civil, por ser seu dever atuar nas situações de risco. A seguir apresenta-se como se configuram esses princípios, a relação que mantêm com o contexto de atuação da Defesa Civil e a vinculação dos mesmos com a jurisprudência nacional.
A precaução é de ordem hipotética de risco específico e fático, envolve casos concretos relativos ao meio ambiente, evitando a atividade no caso de dúvida, avaliando sempre o fato concreto que aconteceu ou está para acontecer. Nesse processo, cumpre aferir em que medida é necessário evitar certa atividade ou acompanhar de perto os movimentos de determinados equipamentos pelos responsáveis por seu manuseio. Seu universo é incerto, exigindo ações particulares, avaliação de riscos, podendo haver ações para diminuí-los, com base na comparação entre diversas possibilidades para se optar por uma, de menor risco. Há, ainda, a possibilidade de se ter que optar por uma nãoação, baseado no grau de desequilíbrio em relação ao custo-benefício.
Já a prevenção é de ordem abstrata e generalista, não reclamando a presença de um fato, embora requeira um aparato legislativo protetivo, a funcionar como estimulante negativo para a prática de agressões. Se as opiniões nacionais ou estrangeiras, após inventário, concluírem pela possibilidade de haver dano denota-se a prevenção, ou seja, há o que ser prevenido.
Quanto à certeza científica, aqui abordada como elemento de fundamental importância para a aplicação do princípio da precaução, deve ser recolocada na sua amplitude e não aplicada exclusivamente em questões pontuais. Este princípio em sua integralidade ainda terá um caminho árduo a percorrer, sobretudo na jurisprudência nacional. Neste sentido, parece estar firmada a concretização da prevenção, o que é importante, seja pela exigibilidade do próprio Estudo de Impacto às atividades de risco, seja por seu abrigo no sistema legislativo nacional.
A questão da dúvida quanto aos danos, ou mesmo em relação aos possíveis danos potenciais parece ainda distante de ser amadurecida. O próprio Estado não vincula o ato administrativo a uma atitude precavida onde considere o recuo da decisão de fazer quando persiste a dúvida dos efeitos danosos. Há uma hesitação sobre a decisão, pois o dano potencial para a jurisprudência, não é dano, deixando-se advir sua efetivação para buscar a reparação, o que pode ser irreversível.
Retornando ao relato fático apresentado e comparando aos conceitos doutrinários e fundamentos legais apresentados, observa-se que a tônica é a possibilidade de indenização civil quanto aos danos. Mas até que ponto este fato contribui para a reversão do quadro de ações de risco, sobretudo em empresa que manipula vultosas quantias? 10 bilhões? 100 milhões? Que diferença faz, até mesmo e porque, conforme verificado, a represtinação e o quantum a reparar são matérias de dificílima definição e abordagem, quanto aos resultados a que se propõe.
Os fatos demonstram questões e conceitos que abordam sempre o tema do dano. A própria legislação somente possibilita qualquer imputação ao agente na sua ocorrência. Mas esta trajetória sabe-se como se inicia e quais são os resultados finais. A simples observância no relato fático apresentado demonstra uma curva de responsabilização que tende a irresponsabilidade.
Os paradigmas trazidos pela nova ordem constitucional e sua reflexão apontam uma proteção integral e assim há um descompasso com o processo de responsabilização vigente, apoiado na legislação. A intenção do legislador é que o agente responda pelo dano havido, ou seja, se houver danos, responderá de forma objetiva sem análise da culpa, em situações de risco.
Estas hipóteses aceitas e desenvolvidas na doutrina e praticadas na jurisprudência não acompanham o que determina o princípio internacional da precaução, consagrado em âmbito internacional através da edição como Princípio 15 da Conferência Rio/92.[22]
Porém, o que de fato se exige, através dos princípios constitucionais, tendo o direito a um meio ambiente de qualidade como ícone primeiro, é que o agente atue de forma preventiva e precavida e isto se refere a um comportamento subjetivo, internalizado a partir de um processo de socialização de regras de conduta e normas sociais, adequados e condizentes com o espírito protetivo numa sociedade de risco.
Assim, a hipótese seria de que para o agente, ao não agir dentro dos parâmetros exigíveis do princípio da prevenção e da precaução, haveria também uma responsabilização. Caso não, impossível enquadrar a relação jurídico-obrigacional, conforme determina o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88. Não se trata aqui de tão somente utilizar-se dos meios disponíveis para o melhor resultado possível, pois este não é o sistema imposto. O que se espera deste comportamento subjetivo é a garantia de que com determinado comportamento subjetivo previamente estabelecido, o risco de ocorrer o dano é diminuto. E para estes procedimentos há a garantia do agente de sua ocorrência como elemento garantidor.
Observe-se que no fato narrado as abordagens são inteiramente descabidas neste sentido. Osresponsáveis na CNEN trataram o evento danoso comofalta de cuidado do laboratório, se eximindo da sua própria responsabilidade de prevenção e precaução. Ora, se há imprevisibilidade, a determinação obrigacional é que não faça.
Se para o direito penal o elemento culpa ou dolo é princípiológico e de substancial referência, para a responsabilização civil ambiental ocorre o oposto, e os operadores permanecem utilizando um pelo outro por sua conveniência processual. Há que ser afastada a tese patronal.
O que se espera é o não fazer diante da incerteza e, portanto, a hipótese é de que poderá haver responsabilização quando não se atua conforme o esperado, mesmo considerando a inexistência do dano real. A falta de atitude prévia poderia conduzir à responsabilidade do agente e ainda, se há um dano potencial, porque não responsabilizar-se o agente pela falta de atitude prévia?
2.3.2O sistema garantidor que não garante
A primeira garantia do sistema remete à responsabilização objetiva ou responsabilidade integral, centrada exclusivamente no dano, sem o nexo causal, tal como afirma ÉdisMilaré[23]. Desta forma, numa sociedade de risco, em existindo dano, há a garantia de que este será reparado. Conforme já abordado, a crítica a este sistema é que em havendo dano a reparabilidade e a represtinação impossibilitam tal garantia. Neste passo, os tribunais vêm decidindo na exigibilidade do dano real de forma geral, afastando-se dos princípios constitucionais que embasam a atuação precavida exigida em lei.
A outra garantia é de que o agente deve atuar fundado dentro do princípio da precaução. Ao se examinar a natureza jurídica da precaução, há que se percorrer um estreito caminho entre a norma jurídica e o princípio. O que se busca, ao final é a força e a efetivação daquele princípio.
Alguns autores, como RobertoAndorno[24], em visão ilustrativa, demonstram que se trata de um pleno exemplo de formação de uma regra de direito. Portanto, o que mais se adapta à precaução é o seu enquadramento como um princípio político-jurídico[25]: é político, pois inspira a atuação governamental em medidas protetivas da ação pública pró-sociedade; é jurídico, pois trata de força obrigatória em normas jurídicas nacionais e internacionais, além do reconhecimento da própria jurisprudência, sobretudo na Europa. Afirma o autor que as jurisdições internacionais são unânimes em reconhecer no princípio da precaução um estatuto de regra de direito diretamente aplicável, na ausência de regulamento particular.
Como consequência, decorre a conclusão de que somente poderá alcançar esta amplitude se a sua eficácia estiver atrelada a uma responsabilização, conduzindo a um valor jurídico geral. Assim, a garantia deveria estar no atuar precavido do agente. Mas este processo de responsabilização garantista fundado na precaução não possui respaldo legal no direito pátrio. Aqui também o sistema é precário, pois apresenta um fundamento constitucional, mas não concede meios de sua aplicação.
A análise deste elemento subjetivo comportamental do agente parece ser o único caminho a percorrer que poderá trazer respostas para este processo de responsabilização.
Tomando-se o caso concreto, hoje a sociedade discute, opina e lamenta a contaminação radioativa que ocorreu a partir de procedimentos desprecavidos. Mas a hipótese poderia ser: se o procedimento garantista não estivesse correto e não houvesse danos, responderia o agente? Certamente que não, pois este elemento subjetivo é comportamental e exige outra espécie de abordagem que não seja pelo aparato legal objetivo.
Se há um risco a enfrentar, o encaminhamento deveria examinar se o agente agiu de forma precavida. Alguns autores contribuem com o debate. Hans Jonas[26], em 1980, formulou o princípio da responsabilidade, aprofundando-se no conceito de risco e da necessidade da comunidade científica produzir conhecimentos de maneira responsável. Já Gerd Winter[27] inverte a abordagem em relação ao risco. A pergunta não seria se a atuação do agente causaria dano, mas se é necessária a atuação arriscada do agente.
Assim procedendo, retira-se o fundamento da identificação do risco, cujo cerne está centrado no campo político e técnico científico, para abrigar-se na razão final da própria atividade: o bem-estar social da comunidade. Portanto há autores que trabalham o conceito e seus mecanismos, mas seria preciso melhor categorizar a sociedade de risco e este comportamento subjetivo exigível. E neste aspecto o aparato legal e o comportamento subjetivo da sociedade são insuficientes.
Assim, a garantia que está posta não responde como elemento garantidor de proteção, posto que se por um lado ocorreu o dano, rompido estará todo o sistema irreparável, por outro há um elemento subjetivo comportamental que até aqui é não exigível e que sem ele todo o sistema ficará exposto.
2.4 A HIPÓTESE DE UMA EQUAÇÃO SOCIAL DE ESTABILIZAÇÃO
O sistema jurídico de direitos e deveres apoia o indivíduo em sua exigência quanto ao exercício de direitos. Porém, também traz ao horizonte um “comando social” que determina que este mesmo indivíduo sujeito de direitos, em reação reflexiva, deverá arcar com seu papel social por inteiro, o que impõe obrigações mínimas do que fazer e como fazer. Esta é uma condição primeira, posto que, pela regra geral, a cada direito caberá um dever.
Da mesma forma, nesta equação social, se o indivíduo faz jus a direitos fundamentais, mais ainda, a mínimos sociais, há que se exigir a contraprestação social que se traduz no comportamento mínimo subjetivo, ou dever social.
Mas onde está este “comando social” que assim determina? Quem o legitima? O que faz com que o indivíduo entenda uma contraprestação como um comportamento subjetivo exigível de parte de um todo?
A premissa que sustenta esta obrigatoriedade é de que cada indivíduo deverá arcar com sua parte, fortalecendo instituições justas promovendo a estabilidade social. Importante observar que as instituições injustas não podem impor obrigações, pois o dever seria também natural de justiça.
Pelo que parece, o contraponto do exercício dos direitos fundamentais é um comando normativo como dever comportamental imposto àqueles sujeitos de direitos, pela construção do bem maior da coletividade. As limitações impostas a sua conduta de forma fundamentada estão diretamente relacionadas à sobrevivência do grupo, e por conseqüência do indivíduo.
Compreendido este dever comportamental, deve ser examinada a forma de se fazer preponderá-lo na sociedade. Na realidade, poderia se afirmar que este movimento na sociedade estaria articulado a partir do somatório de vontades individuais. Mas a caracterização também poderá partir da idéia da ação coletiva que promoveria este conjunto de vontades individuais. Kant[28], em sua obra sobre o Esclarecimento (Aufklärung) aborda a libertação do homem e sua projeção para as decisões de razão autônoma. Afirma a dificuldade de o homem fazer isto por si só e construir a sua liberdade. Conclui que será na democracia que se construirá uma sociedade justa, a partir do conceito de uso público e de uma opinião pública crítica.
Portanto, é conclusivo que haja um dever obrigacional exigível pela sociedade e imposto ao homem que determina o agir integradamente com a coletividade como condição para se ter o exercício de direitos fundamentais. É razoável que este dever possa estar na interseção do campo do dever moral com o dever obrigacional.
A compartimentalização de ações e a retaliação deste dever centrada no homem para o homem, não têm surtido os efeitos desejados, pois o que se verifica é a prevalência do individualismo e do interesse particularizado. As tentativas de simples normatização, portanto, esbarram na natureza do direito àvida de qualidade, o que se faz refletir a possibilidade de um novo paradigma que reinvente este subjetivo comportamental exigível.
2.4.1O risco como elemento imprescindível da responsabilização pela precaução
Qualquer sistema que se pretenda hábil a incorporar ações comportamentais exigíveis em prol da sociedade deverá considerar a análise permanente do risco. Ou seja, diante de situações que possam trazer uma única hipótese de dano, haverá a adoção de um comportamento, que seria exigível, amparado numa análise estrutural do risco. Assim, risco e responsabilidade do Estado e da Sociedade caminhariam juntos.
O que se tem percebido, em geral é que na medida em que as ameaças a danos não se convertem em ações, diminuem ainda mais as medidas preventivas de superação deste risco, o que aumenta a possibilidade de dano.
A questão que deve ser abordada é o conceito de sociedade de risco e os deveres dela decorrentes. Assim, sem esgotar o tema, pretende-se alinhavar duas frentes do conhecimento, abrangendo conteúdos da Sociologia e da Filosofia de forma a alicerçar esta relação social sobre o comportamento subjetivo ideal ou esperado.
De início, o processo de responsabilização voltado para a aplicabilidade do princípio da precaução encontra perspectivas analíticasno enfoque da Teoria do Risco de Ulrich Beck[29]. O autor apresenta a necessidade de um desenvolvimento de ações intersubjetivas calcada em negociações capazes de encontrar soluções para as ameaças auto-infligidas. Exemplifica os problemas ambientais segundo tal pressuposto teórico, que somente podem ser enfrentados a partir destas negociações. A ação intersubjetiva, na hipótese, parte da comunhão da ameaça na sociedade do medo.
Neste ponto, parece que os estudos da teoria da sociedade de risco de Beck[30] ajudam na materialização da hipótese. Segundo o autor, os riscos, teriam um viés democrático, afetando nações e classes sociais sem respeitar fronteiras de nenhum tipo. Assim, devem se estabelecer regras e as bases em que são tomadas decisões, reinaugurando o processo decisório, o que Beck passou a chamar de subpolítica[31], reconhecendo ainda a ambiguidade e a ambivalência dos processos sociais como inevitáveis, sem se procurar soluções definitivas.[32]
Diante de situações de risco, democraticamente, há que se articular Estado e Sociedade para que possam estar cientes dos riscos que precisam ser divididos e administrados. Portanto, esta coletividade que de início parecia ser composta do somatório de decisões individuais, passa a ter um papel protagonista na construção desta intersubjetividade, o que de certa forma explica a sua influência e importância do indivíduo no processo de construção das sociedades de risco.
O indivíduo nesta modernidade possui características ímpares, poisao mesmo tempo em que se configura por um processo de formação social não amparado em certos aspectos pelas tradições, produz novas coletividades sócioculturais.[33]. Esta liberdade individual conviverá cada vez mais com riscos, e é neste aspecto que deve ser construído o conceito de proteção integral que poderá incorporar o já identificado comportamento subjetivo exigível.
Em sua proposta, Beck considera ainda a alternativa de formação de fóruns de negociação que procurariam não só o difícil consenso, mas uma postura individual que possibilitaria medidas de prevenção e de precaução, integrando e eliminando conflitos ou perigos fora de controle.
Quais riscos que se deseja ou que se precisa correr? Esta é a análise pontual do comportamento subjetivo exigível, observando-se a construção no coletivo e para a coletividade. O autor afirma que a democratização dos riscos faz o diagnóstico da sociedade de risco; por sua vez, a democratização das decisões, faz a sua profecia. Em última análise, trata-se de um cenário de conflito global em torno dos riscos.
Quanto à aplicação do princípio da precaução, haverá dificuldades para se construir alicerces quando se enfrenta os projetos desenvolvimentistas, o risco e a exigibilidade de conduta precavida, sobretudo na jurisprudência.
Neste sentido, parece estar firmada o que Habermas desenvolve como teoria da sociedade, o agir comunicativo orientado pelo entendimento[34], como a permanente tensão entre faticidade e validade que se opera de forma intersubjetiva num conjunto de ações que materializariam procedimentos de precaução e de prevenção. Tal perspectiva analítica será desenvolvida a seguir.
2.4.2 O sistema do entendimento
O agir comunicativo fundamentaria a exigibilidade da intersubjetividade na inserção do comando normativo de responsabilização pela ausência de procedimentos precavidos, ou seja, aplicando-se a temática da democracia desenvolvida por Jünger Habermas[35] poderia ser construída e incorporada à vontade social de exigir esta atitude preventiva e precavida. Desta forma, seria desenvolvido o conteúdo normativo, deslocando-se do eixo da eticidade para a base validativa da análise da ação. Com a aplicação da teoria do discurso sobregras de argumentação[36], propõe-se o exercício de direitos intersubjetivos para a formação da vontade política, fugindo da exclusividade da conduta ética dos cidadãos.
Em estreita síntese, seria o cruzamento destas bases do conhecimento, sociológica (BECK) e filosófica (HABERMAS), que se conformaria um processo coletivo de exigibilidade de procedimentos individuais cabíveis na adoção da efetiva proteção ao bem de uso comum do povo, como direito fundamental. Em princípio, parece que o agir comunicativo se somaria aos procedimentos sociológicos exigíveis e apontados pela sociedade de risco.
Dentre estes procedimentos estão àqueles vinculados ao comando normativo, internacionalmente reconhecido como princípio protetivo da precaução.
Assim, em Habermas, busca-se reconstruir a autocompreensão entre pretensões normativas democrático-constitucionais e a facticidade de seu contexto social. Parte-se dos direitos dos indivíduos, a que se tem que contemplar uns aos outros, regulando a vida social de forma legítima, o que caberia ao direito positivo. Há assim, uma tensão entre facticidade e validade que permeia o sistema dos direitos.
A construção do consenso, e da intercompreensão acontece em termos gerais, através de um processo cultural específico que ocorre a partir de seu aspecto geral, onde um horizonte de conhecimentos pré-interpretados e pressuposições culturais promovem a estabilidade necessária das regiões específicas na interação entre os indivíduos. Ou seja, aquilo que gera a diferença e promove a individualização deve ser articulado enquanto processo de consensualização, interpretado pelo o que lhes são comuns previamente e talvez seja isto que vá promover a legitimação necessária.
Contudo, há outro elemento a acrescentar e que possui fundamental importância nesta breve análise: o bem e uso comum a ser protegido – o bem estar social. Até aqui, não foi possível deixar explicitado que tal bem possui características particulares e que devem ser consideradas e incorporadas ao processo de legitimação. É possível que estas características nasçam a partir do sistema obrigacional de direitos e deveres impostos enquanto direito humano fundamental. Ou seja, é de todos, porém todos devem zelar por ele.
É uma idéia de movimento da sociedade e somente isto poderá gerar energia para a engrenagem obrigacional se efetivar. Pois bem, é conclusivo que este sistema obrigacional somente poderá obter sua validade se efetuado a partir da ideia do consenso, bem apresentada tanto por Habermas como por Beck. Seria a forma de explicar como este comando protetivo, originado num sistema positivo obtém sua legitimidade.
Cabe aqui a observação, a partir das luzes em Kant[37], desta consciência coletiva que é o uso público do bem e traduz-se na própria libertação, alcançando-se o esclarecimento lentamente, através das revoluções silenciosas. Prisioneira como está do próprio modelo de desenvolvimento, somente deslocando-se o eixo da razão para a construção intersubjetiva, tem-se a chance de alcançar pela liberdade esta conduta exigível de proteção. Novamente, percebe-se um movimento social por direitos e para resguardar direitos ao uso do bem comum ao povo, impondo a todos o dever de proteção. Caso não se efetive, continuaria o estado de heteronomia, prisioneiros do modelo escolhido, exterminando, por consequência, aquilo que mais se precisa: a vida.
Portanto, a exigibilidade do que se pretende como contraprestação social deverá ser legitimamente construída a partir do consenso, decisão esta individual a partir da legitimidade coletiva que abrigará as possibilidades ético-existenciais.
Por fim cabe observar que não se pretende aqui, a partir de pressupostos e considerações, uma vez mais, delinear normativas absolutas que possam dar forma a esta contraprestação social, como comportamento subjetivo exigível. Se assim fosse, seria mais uma tentativa frustrante de interferência autoritária nos processos sociais, carente de legitimidade perante a sociedade.
3 CONSIDERAÇÔES FINAIS
O presente trabalho tem a pretensão de, a partir de um relato fático que tem como base um acidente social e ambiental, possibilitar a reflexão sobre o sistema de responsabilização e sua operacionalização. Demonstra, ainda, que as garantias constitucionais a um ambiente de qualidade estão distantes exatamente devido a um processo de responsabilização que não se presta ao que se propõe.
O relato fático bem demonstra que há uma curva perversa de desinformação à sociedade, inteligentemente trabalhada pelos operadores do direito e que ao longo do tempo foi se esvaindo até cair no esquecimento da impunidade.
Diante de tais fatos, onde estão as incongruências? Numa responsabilização que recai verticalmente sobre a exigibilidade do dano, na ausência de um efetivo sistema preventivo e precavido e, sobretudo, na ausência de compreensão de um sistema obrigacional que efetiva um movimento democrático de responsabilização.O indivíduo, protagonista deste sistema obrigacional, jamais compreenderá tal sistema se não se colocar dentro dele, tanto como credor, quanto como devedor a um ambiente de qualidade. Há aqui uma exigibilidade de um comportamento subjetivo que se pretende preventivo, precavido e que se impõe, mas que deve “nascer” como um movimento da sociedade.
Observe-se que esta afirmativa vale tanto para o operador de um equipamento radiológico como para o presidente da empresa responsável pela fiscalização de equipamentos que contêm substâncias sob sua responsabilidade. Todos são igualmente responsáveis, diz o comando subjetivo exigível. Esta atitude preventiva e precavida deve ser o alicerce maior da responsabilização, é o que se deve à sociedade.
Portanto, o caminho a seguir do exercício pleno do direito fundamental a uma vida de qualidade deve considerar o equilíbrio dinâmico da equação social. O rompimento do estado de individualização poderá ser contraposto à busca do consenso como ferramenta democrática de construção da necessária ambiência social ao que se adota como contraprestação.
É possível que o senso comum de ajuda e a interdependência entre os indivíduos de uma sociedade sejam ferramentas preciosas no enfrentamento deste processo de individualização, firmando-se a partir de regras essenciais para a vida em sociedade, caracterizando o conceito de solidariedade social.
Advogada professora graduada pela UNESA Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UNESA e Mestranda pela UFF – RJ. Atualmente Coordenadora do Curso de Direito na UNESA unidade Barra – Tom Jobim e professora de Direito Civil e Ética
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