Resumo: O objetivo deste artigo é criticar a literatura que associa maior crescimento a regimes ditatoriais, baseada quase sempre na retórica de que “o bolo cresce e depois podemos dividi-lo”, em oposição ao fato de que esse crescimento muitas vezes se faz às expensas de violações aos direitos humanos. O hoje já tradicional estudo de John Helliwell, economista de Harvard, propôs, em 1992, com base em aparentes evidências estatísticas, que países com regimes ditatoriais apresentavam maiores índices de crescimento que países com regimes democráticos. A este trabalho seminal seguiu-se uma série de outros estudos que conformam uma literatura volumosa.[i] Ainda antes dele, Przeworski também já propunha reflexões nesse mesmo sentido.[ii] A hipótese que este trabalho pretende confirmar é a de que a retórica econômica e de dados estatísticos mascara uma troca ou “trade-off” entre crescimento e democracia herdeira de uma estrutura jurídico-econômica inadequada para abarcar a dimensão humana da cidadania. Embora esta literatura seja inadequada para lidar com a inteireza do fenômeno dos direitos humanos, ela persiste em redutos argumentativos da academia e, por vezes, das lideranças políticas de todo o mundo, abrindo os flancos da proteção aos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, crescimento econômico, autoritarismo
Sumário: 1. Introdução – A retórica do crescimento. 2. O esgarçamento dos Direitos Humanos no Brasil sob o argumento da retórica econômica. Conclusão. 3. Bibliografia complementar
1. INTRODUÇÃO – A RETÓRICA DO CRESCIMENTO
É delicada a relação entre crescimento econômico e democracia. A literatura acadêmica sobre o tema demonstra três tendências em antagonismo. A primeira delas sustenta que a democracia é capaz de promover crescimento econômico estimulando, ao mesmo tempo, a redistribuição de renda; a segunda, que defende que a aceleração de crescimento demanda a implantação de reformas econômicas duras, o que só poderia ser feito em um regime autoritário; e a terceira, que sustenta não haver nenhuma relação entre democracia e crescimento.
A década de 1960 encontrou o Brasil num nível de renda baixo e de grande desigualdade. O regime ainda democrático, através da implementação do chamado Plano de Metas (1957-1961) do governo Kubitschek, deu azo a um período de grande crescimento econômico. O plano baseava-se na rápida instalação de um conjunto amplo e diversificado de setores industriais, modificando radicalmente a estrutura produtiva do país. Isso foi "realizado por meio da expansão dos investimentos das empresas estatais (energia elétrica, petróleo, rodovias, portos etc.), das companhias de capital privado nacional (autopeças, têxteis, alimentícias etc.) e das corporações multinacionais (setor automobilístico, farmacêutico, metal-mecânico). Os investimentos das multinacionais concentraram-se, na década de 1950, em setores voltados para o mercado interno e acabaram tendo efeito líquido negativo em termos de geração de divisas. A capacidade de importar tornou-se dependente do dinamismo das exportações concentradas em commodities minerais e agrícolas, e ainda enfrentou o protecionismo dos países centrais."[iii]
Findo o ano de 1961, esse crescimento diminuiu, acrescido de significativo aumento da inflação. Com a ascensão da autocracia militar ao poder em 1964, seguiu-se um período de novo crescimento econômico que durou até fins de 1967, acompanhado, contudo, de alargamento da desigualdade social e da desigualdade na distribuição de renda.
A assunção do poder pelos militares fez com que a economia nacional se recuperasse e passasse a ter crescimento econômico em taxas notáveis de cerca de 9% ao ano.
Ocorre, contudo, que, conforme assevera O'Donnell e Schmitter[iv], "[…] os regimes autoritários deixam, tipicamente, um difícil legado econômico. Eles frequentemente se comportam como agentes de transnacionalização, abrindo a economia ao comércio e ao investimento estrangeiros, aumentando-lhe a vulnerabilidade a impactos gerados externamente e hipotecando pesadamente os futuros ganhos aos credores externos. Ocorre nesses regimes igualmente ter aumentado o escopo da intervenção tecnocrática, através do planejamento governamental, controles monetários e/ou criação de empresas estatais. Os projetos faraônicos de desenvolvimento, a elevação das despesas militares, o arrocho salarial, a rígida adesão a doutrinas econômicas da moda e/ou as custosas aventuras externas são outras facetas desse legado. Entretanto, independentemente da magnitude das mudanças estruturais ou da gravidade das circunstâncias que caracterizam cada transição, é virtualmente inconcebível que os responsáveis pela transição sejam capazes de adiar a tomada de importantes decisões de ordem social e econômica."
O golpe militar de 1964 se deu sobretudo sob a justificativa de evitar que o país fosse tomado pela “onda comunista” que então se “alastrava” pelo mundo, aliada ao anseio de promover a estabilização econômica nacional, até então dificultada pelo acúmulo de dificuldades criadas décadas antes.
Afastado o risco do comunismo e recuperada a economia, seu crescimento atinge ápice em 1972, legando como herança na transição democrática uma grande desigualdade de renda e uma inflação novamente galopante.
2. O ESGARÇAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL SOB O ARGUMENTO DA RETÓRICA ECONÔMICA
Coincidentemente, em 1972 iniciaram-se as violações aos direitos humanos durante a chamada Guerrilha do Araguaia pelo regime autocrático militar, que com isso deixou também um difícil legado de desrespeito aos direitos humanos. Teria este sido um preço a pagar-se pela estabilidade ou pelo crescimento econômico?
Sabbadini[v] propõe, em estudo breve, que "o impacto de democratizações sobre o crescimento econômico depende da desigualdade de renda dos países. Para países com baixa desigualdade de renda, democratizações (ou melhoras nas instituições democráticas) estão positivamente relacionadas à taxa de crescimento econômico. Na pior hipótese, nestas sociedades, uma democratização não leva a uma queda da taxa de crescimento. Porém, em economias marcadas pela elevada desigualdade de renda (do quartil superior da nossa amostra, com índice de Gini acima de 45 pontos), a democratização tem uma correlação negativa com o crescimento econômico. Esse achado é consistente a visão […] de que a democracia, ao mesmo tempo em que melhora a segurança dos direitos de propriedade ao restringir ações do governo através de um mecanismo de checks and balances, também permite maiores níveis de distribuição de renda, podendo assim inibir o crescimento."
Sabbadini conclui que "a cooperação entre os agentes é maior quando a alteração que a torna possível é escolhida democraticamente do que quanto é imposta."
Assim, os estudos têm sugerido uma relação entre democracia, crescimento econômico e distribuição de renda.
Existe uma evidente relação de consequência entre o regime ditatorial militar e o aumento às violações dos direitos humanos por parte do Estado brasileiro. Da mesma forma como o regime autocrático fez implementar no Brasil um crescimento econômico, implementou também desnecessariamente o incremento das violações aos direitos humanos sem que isso tivesse realmente sido uma necessidade para evitar-se a estabilização social violenta e forçada que um eventual regime político comunista – diga-se, en passant, nocivo, já que também autoritário – fatalmente implementaria, considerando que tais regimes instituem, pela sua própria natureza, uma distribuição de renda igualitária em critérios quase absolutos.
A observação da história permite perceber que baixos índices de civilidade, republicanismo e autossuficiência conduziram várias sociedades a governos autoritários, e que o aumento desses traços conduzem a regimes democráticos, onde o Estado é levado a menor intervenção, e onde a desigualdade na distribuição da renda é mitigada pelas condições de empreendimento do próprio povo. No comunismo, ao revés, essa desigualdade na distribuição de renda é dada não como uma conquista e sim de forma artificial, como uma outorga do Estado.
Vê-se, pois, que a distribuição da renda é fator essencial na composição do crescimento econômico e no desenvolvimento social, na medida em que, quanto melhor a distribuição de renda, maior a circulação da riqueza. Cabe analisarmos se o preço dessa distribuição é maior em Estados em que uma reestruturação econômica é precedida de democracia ou se é maior em Estados onde tal reestruturação é imposta por um regime autoritário.
Diante da censura, das perseguições, dos desaparecimentos forçados e das mortes, vê-se que a erradicação dos direitos civis e políticos da população foi um alto preço a pagar pelas reformas econômicas que, afinal, resultaram em novo declínio do crescimento econômico e elevação astronômica dos níveis inflacionários antes mesmo de a transição para a democracia haver se operado.
Ademais, é de considerar-se que o "milagre econômico" operado pelos militares foi possivelmente uma continuidade temporária do plano dos "50 anos em 5" do governo Kubitschek. Portanto, o panorama brasileiro revela que houve o período das reformas econômicas se iniciou sob o pálio de um regime democrático, e que a assunção, reestruturação e consecução dessas reformas pelo regime autoritário resultou em um crescimento temporário, seguido de uma forte desaceleração e de uma recessão, além de ter proporcionado aumento da desigualdade na distribuição de renda em razão do "pleno emprego" e do êxodo rural. Assim, no caso brasileiro, se não se pode concluir que houve bons resultados pela predecessão da democracia às reformas econômicas, também não se pode dizer que o governo autocrático tenha favorecido a realização de reformas robustas e nem na redução das desigualdades de renda, acrescida do elevado custo humano que implicou na violação de direitos civis e políticos dos cidadãos. A realidade brasileira do período 1960-1980 parece, portanto, não se enquadrar em nenhum dos modelos analisados por Sabbadini.
As causas dessa violação foram, portanto, não só a herança oligárquica e opressora herdada do período colonial português como também a ausência da formação de uma cultura de educação econômica na população em geral que lhe permitisse atuar como agente colaboradora ativa de um processo de reconstrução econômica nacional. Não fosse isso, quiçá a história teria sido diferente, e não teria havido a violação aos direitos humanos por parte dos militares. Qual a maior tragédia? A econômica, a social ou a cultural? Qual o maior preço a pagar. Do mesmo modo, não se pode conceber uma reforma política ou uma transição pacífica que não proteja os direitos humanos.
Nesse ponto, vemos que a Lei de Anistia outorgada pelo regime militar foi inaceitável, pois desconsiderou a violação perpetrada aos direitos dos que, no exercício de direitos políticos, foram mortos ou violentados ao discordarem do regime então em vigor.
Observando a experiência sob uma perspectiva estruturalista, pode-se imaginar o envolvimento bem sucedido das instituições democráticas na implementação de reformas políticas mesmo em países com muita desigualdade social e de renda. Ainda que falha, ainda que mais demorada no tempo, ainda que de processo de maturação mais longo, democracias são meios de cultura mais eficientes para reformas econômicas duradouras do que governos autoritários, e nada justifica que, em condições normais e em tempo de paz, o cidadão tenha que perder seus direitos civis e políticos em nome da economia de um país em prol de reformas econômicas.
CONCLUSÃO
Em março de 2013, em cerimônia comemorativa aos 35 anos da Embrapa, o então Presidente Luís Inácio Lula da Silva elogiou os governos Geisel e Médici como aqueles que teriam promovido um grande crescimento econômico ao Brasil.
Reprodução de sua manifestação é a de que “o Brasil não ganhava os espaços internacionais que o Brasil tem que ganhar (…) Pois é com muito orgulho que às vezes as pessoas falam que o Lula elogia os governos Geisel e Médici. Pois bem (…) eu agora afirmo que um dos presidentes que permitiu que a gente vivesse um dos momentos mais críticos do Brasil, o Presidente Médici, foi o homem que assinou a Embrapa e foi o homem que assinou Itaipu (…)”[vi]
O fato de um presidente da República proveniente de classe econômica pobre, cuja história relata violações de direitos humanos decorrentes tanto de sua origem nordestina, quanto de sua pouca escolaridade e trabalho nas atividades sindicais é a prova cabal de que o mito de que o crescimento econômico se associa aos regimes não-democráticos está difusa e perigosamente espalhado pela sociedade brasileira, até mesmo nos mais altos cargos.
O objetivo deste artigo, como se pretendeu demonstrar, foi o de atacar a retórica econômica como critério que mina a supremacia dos direitos humanos. Sua inabalável conclusão é a de que os direitos humanos, sem qualquer ressalva ou justificativa, podem ser restringidos, ainda que o argumento econômico prometa tentadoras benesses.
Qualquer proposta de transação entre crescimento e democracia se configura em uma tentativa de limitar os direitos humanos. O argumento que não pode prosperar é o de que os direitos humanos podem receber algum tipo de limitação, por mais benéfico, confortável ou “eficiente” que isso possa ser ao implementar melhorias individuais, sociais ou econômicas. Qualquer nova estrutura econômica e de poder que venha a ser erigida para reformas econômicas e políticas deve necessariamente proteger os direitos humanos em seus processos.
Defensor Público Federal em São Paulo, Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo
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