Crime ambiental & justiça penal universal: Exigência de uma nova ordem jurídica

Alguns segmentos da sociedade atual deparam com questões que, forçosamente, conduzem-os a refletir sobre si e o  mundo à sua volta, e, diante da complexidade e dimensão dos problemas que se-lhes apresentam, aspiram à uma análise global dos fatos e, conseqüentemente, o enfrentamento destes a um nível também mais amplo.

O homem vê-se em um conflito, um embate que trava consigo mesmo, em seu “habitat”  por, dentre outras questões, não ser capaz de conciliar valores que o conduzam à felicidade sem ser culpado pela infelicidade de outros. Este conflito encontra maior relevo diante da impossibilidade de se harmonizar Ecologia com Economia. Aliás,  esta última tem  demonstrado, fartamente, que é a maior inimiga da primeira.

Curioso é que ambas possuem a mesma raiz grega, ekos, Oikos = Eco (nossa casa). É exatamente nesta Casa que o homem tem se convertido em um perigo para si mesmo e para a biosfera, conduzido pela cobiça extremada, o egoísmo, o eucentrismo.

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Mas qual seria o recurso que poderia ser empregado para coibir a depredação ambiental? Chegamos nós a um limite onde se faz necessário, e urgente, buscar  soluções a nível global, considerando que o problema ambiental é também global?

Ora, claro que em praticamente todos os países civilizados existem legislações ambientais de âmbito interno. É também certo que  iniciativas de alcance internacional também foram empreendidas, como o Protocolo de Kioto, por iniciativa das Nações Unidas. Entretanto um e outro não passam, presentemente, de boas intenções não tendo saído do plano teórico ou do discurso oportunista de políticos e pseudos-ecologistas.

Em muitos rincões da Terra, enquanto a degradação segue à galope, a impunidade dos que detêm o poder econômico chega à patamares tão escandalosos que se tem a impressão de que a devastação ambiental é estimulada (e às vezes até premiada) pelo Poder Público. Cite-se como bizarro exemplo o que ocorre mais próximo de nós, em Goiás. Lembro-me bem de uma cena deprimente onde o Presidente da República, juntamente com o Governador do Estado, desfilam em uma  máquina colheitadeira ao lado de um grande produtor de soja, na propriedade deste, responsável por um dos maiores processos de desertificação do Cerrado brasileiro. Dizem até que premios e honrarias foram concedidos ao distinto proprietário, como expressão de uma Nação “agradecida”, pelo “progresso e riqueza”  que este produz na região e pela geração de divisas econômicas.

É em razão, basicamente, desse conforto frente à certeza da impunidade que a Humanidade necessita, urgentemente, de mecanismos dissuasivos de eficácia internacional de repressão aos crimes ecológicos.

É impossível conceber interesses econômicos ignorando valores humanos e direitos fundamentais. Os detentores do capital bem que têm tentado romper com essa Lei Natural de eficácia historicamente demonstrada. Mas não vêm obtendo unânimes sucessos, felizmente.

Exemplos disso, para ficarmos só com os mais recentes, citamos o processo de criação da União Européia e o Fórum Econômico Mundial. Nestes dois casos a finalidade básica era tão-somente dar atenção à interesses econômicos.

Do primitivo interesse econômico de uns poucos países na Europa, com a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço – CECA, em 1951, – e após algumas mutações, passando por dieversos Tratados – surgiu a União Européia, com o Tratado de Maastricht, em 1992, como necessidade cogente e inarredável de se agregar interesses econômicos com desenvolvimento social.

Por sua vez, também o Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos, na Suíça, ao deter-se ao debate de interesses econômicos sem levar em conta que suas riquezas, da forma selvagem como são auferidas, à medida que crescem, produzem cada vez mais misérias, e que o eco dos gritos dos excluídos vem tornando-se a cada ano insuscetível de ser ignorado. Graças à iniciativas louváveis como a do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o Forum de Davos teve que incluir em sua Agenda um espaço para que se pudesse discutir sobre questões sociais e os problemas que assolam o Planeta. Tendo, na última Edição, contado com a representação de diversos segmentos da sociedade: artistas, representantes de países pobres, dirigentes de ONG´s,  empresários, etc.

Não resta mais a menor dúvida de que a questão do meio-ambiente é um problema global que reclama a responsabilidade de todos, indistintamente.

Na ausência de mecanismos políticos-jurídicos que enfrentem com seriedade e eficácia a degradação ambiental a nível interno, de suas fronteiras, faz-se necessária a adoção de medidas de alcance além-fronteiras.

É impossível entender o problema ambiental como uma mera questão local. A Terra é um todo orgânico e, o sendo, uma enfermidade de um órgão sem quaisquer providências profiláticas, provocará conseqüências maléficas em toda a sua dimensão.

Ninguém em boa razão é contra o progresso, a produção de riquezas. Sem embargo, os recursos naturais devem ser aproveitados de forma racional, de maneira sustentável. Pois não pertecem exclusivamente àqueles que os exploram. É um bem de interesse e necessidade de toda a Humanidade e é esta a titular do Direito essencial e indisponível aos seus recursos necessários à sobrevivência, à preservação das espécies humana, animal, mineral ,vegetal e de todo o ecossistema.

Desenvolvimento sustentável se define como sendo a satisfação das necessidades das gerações presentes e próximas, sem comprometer a capacidade de gerações futuras para satisfazer às suas.

A felicidade das gerações presentes e próximas (no Brasil, uma minoria delas) não pode ser construída às custas da infelicidade de gerações futuras.

Não obstante, qual seria o critério ou a forma de avocação de competência para julgamento e imposição de sanções penais, econômicas ou políticas às entidades de direito público ou privado?

Como restaria a questão da Soberania das Nações ante à iminência ou efetivamente quedar-se como ré perante um Órgão jurisdicional fora dos limites de seu território?

Naturalmente que diversar teorias surgem atinentes à esta questão. Umas pró, outras (muitas) contra.

De antemão, para adentrar-se na abordagem sobre à quem caberia tal competência, é necessário fazer-se uma distinção entre Jurisdição Universal e Jurisdição Internacional.

A primeira, Jurisdição Universal, decorre da simples implementação no ordenamento jurídico de um País da pretensão punitiva de determinadas naturezas de crimes. Prescinde de Acordos entre Nações ou de Tratados Internacionais. Justifica-se tão-somente, da vontade, da disposição de um País em punir práticas criminosas, perpetradas por instituição pública ou privada. Ou, ainda, por governantes que tenham praticado determinados crimes no exercício irregular de suas funções, como corrupção, crime contra o meio-ambiente, terrorismo, crimes contra os Direitos Humanos, etc.

Comumente, os crimes mais correntes compreendidos nessa modalidade são os contra os Direitos Humanos.

Muitos países já dispõem em seus ordenamentos dessa previsão legal. Entretanto, diversos são os critérios utilizados para se invocar o Princípio da Jurisdição Universal.

Na Espanha adotam-se os critérios da nacionalidade e o da territorialidade.  De acordo com o princípio da nacionalidade o Estado espanhol é competente para conhecer e julgar autores de crimes perpetrados contra cidadãos espanhois, independentemente de onde tenha ocorrido o crime. Pelo critério da territorialidade, a lei penal espanhola inclui novas exceções ao princípio da extraterritorialidade para punir os crimes de pedofilia, pirataria, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, prostituição, terrorismo, desde que esteja relacionado ao território espanhol, como ramificações, escalas, rota, céluas, etc. Posteriormente, a Lei Orgânica do Poder Judicial ampliando os pressupostos do chamado princípio de “Justiça Universal”, previstos na Convenção das Nações Unidas para prevenção do crime de Lavagem de Capitais (Convenção de Viena de 1988), alberga exceções ao princípio de extraterritorialidade, aduzindo: art. 301.4 – El culpable será igualmente castigado aunque el delito del que provieneren los bienes, o los actos penados en los apartados anteriores hubiesen sido cometidos, total o parcialmente en el extranjero.

A Bélgica, por sua vez, adota o critério da natureza do crime.  Considera-se competente para julgar os casos de crime grave contra a Humanidade ou que estejam relacionados com graves violações aos Direitos Humanos. A Bélgica tem legado importantes contribuições pertinentes à Jurisdição Universal. Muitos defendem que é precisamente na Bélgica onde o Princípio de Jurisdição Universal é uma realidade efetiva.

As experiências belgas mais emblemáticas nesta matéria, têm sido o caso Bélgica v. República Democrática do Congo e o caso Sabra-Shatila v. Ariel Sharon. Deste último caso resulta uma Ordem de Prisão contra o premier isralense (donde defendo que Ariel Sharon deveria visitar Bruxelas ou qualquer outro país da União Européia).

Estas são iniciativas a nível dos Estados para algumas modalidades de crimes. Entretanto, em nenhum caso existe uma previsão de pretensão punitiva para os graves danos ao meio-ambiente.

Desta forma, atos bárbaros contra a Natureza seguem sendo perpetrados sem que haja mecanismos jurídicos efetivos para coibí-los. E crimes como a caça às baleias pelo Japão, a matança das focas para comercialização de peles no Canadá, a devastação das florestas no Brasil pela ganância desenfreada dos madeireiros, a desertificação do Cerrado brasileiro, seguem impunes e gerando altos lucros.

Existem diversos intrumentos de iniciativa de entidades internacionais ou ONG`s, que reclamam providências de uma Justiça universal. São iniciativas como o Projeto Princeton sobre Jurisdição Universal, a Cruz Vermelha Internacional, a Lawyers Committee for Human Rights e mesmo a ONU (Organização das Nações Unidas) que, ao elaborar a Carta da Terra, traça planos e conservação e delineia Princípios e valores éticos que justificam a instituição de uma Corte ou Órgão Internacional com competência para julgar crimes contra o meio-ambiente.

O Princípio 2 das Normas de Princeton estatui que para efeitos dos presentes Princípios, se entenderá por crimes graves sob o Direito Internacional a pirataria, a escravidão, os crimes de guerra, os crimes contra a paz, os crimes contra a Humanidade, o genocídio e a tortura.

O Estatuto de Roma contém uma enumeração dos delitos sujeitos à Jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Constitui-se, desta forma, em um verdadeiro código criminal internacional.

São os seguintes os crimes previstos no Estatuto: o genocídio, os crimes de guerra, a agressão e os crimes contra a Humanidade. É justamente nesta última figura criminal, em seu artigo 7, do Estatuto que defendemos a ampliação do seu conceito para incluir os crimes graves contra o meio-ambiente.

O Preâmbulo da Carta da Terra conduz-nos a este entendimento. Ipsis litteris: “a Humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única. Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando..:”

Depreende-se que a Carta da Terra, baseada em Princípios e valores fundamentais, que norteam pessoas e Estado no que se refere ao desenvolvimento sustentável, servindo como um código ético planetário, é uma legítima fonte formal de lei positiva. Conceitua a Humanidade como parte de um todo orgânico.

Desta forma, como é dotada de Princípios e valores universais, expondo que a preservação ou uso racional dos recursos naturais é condição essencial para a conservação da espécia humana, resulta que atentar contra a biodiversidade é atentar contra a própria vida humana em escala global, constituindo-se, assim, um crime contra a Humanidade, tipificado no artigo 7, e alíneas, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Entendo que em razão da cobiça pelos recursos naturais que o Brasil dispõe, submeter um governante (ou ex-governante), um cidadão brasileiro ou mesmo uma pessoa jurídica (responsabilidade penal objetiva da pessoa jurídica) ao desejo de outro País em processá-lo e julgá-lo seria por demasiado perigoso. Nestas circunstâncias sim, o risco à Soberania do Brasil de ser subjugado ao talante de outra Nação seria inconteste. Governantes não muito escrupulosos poderiam lançar-se numa aventura jurídica contra o Brasil, por exemplo, estimulados por critérios falhos para dissimular outros objetivos como interesse econômico, represálias políticas, etc., em grave prejuízo à ordem e a segurança internas e aos interesses nacionais.

Entretanto, estes pontos negativos revelam os riscos que podem acarretar de um Estado pretender julgar outro Estado ou pessoa por eventual prática de crime ambiental, virtualmente compreendido como crimes contra a Humanidade.

Todavia não excluiria, a meu ver, o julgamento por um Órgão Internacional criando pela Nações Unidas, com a devida sujeição dos países signatários ao seu império, como o Tribunal Penal Internacional, dotando-o de competência para julgar crimes graves contra o meio-ambiente.

Muitas opiniões surgem diante de uma proposta como esta. Algumas favoráveis, muitas contrárias. É natural. A maior característica daquilo que é novo é assustar e incomodar aquilo que é velho.

Dentre tantos argumentos que surgem contra a instituição de uma Jurisdição Internacional com competência para se julgar crimes contra o meio-ambiente, destacamos dois deles. Primeiro, de que fragilizaria as instituições nacionais. Segundo que afrontaria a Soberania do País.

O primeiro argumento, de que fragilizaria as instituições nacionais, não merece maiores considerações pois o Órgão Internacional somente poderia proceder com base no Princípio da Complementariedade. Ou seja, funcionaria como um complemento à Jurisdição nacional do Estado que não tenha tomando providências efetivas, sérias, contra um ou vários crimes de grave dano ambiental ou, ainda, no caso de esgotadas as instâncias jurídicas nacionais.

Desta forma, o Órgão de Jurisdição Internacional não seria, em absoluto, uma ameaça às instituições nacionais. Ao contrário. Fortaleceria-as. Só agiria em caso de ter-se verificada a negligência ou prevaricação de Jurisdição Interna, diante de fatos que caracterizam dano ambiental grave, tipificado como crimes contra a Humanidade.

Mutatis mutandis, doutrinariamente entende-se que o Tribunal Penal Internacional, para efeito de competência e instância, compreende uma extensão da jurisdição dos Estados-Partes.

O segundo argumento contrário à uma Justiça Internacional, para conhecer e julgar os crimes graves contra o meio-ambiente é o de que atentaria contra a Soberania do País.

Refutando este argumento, para ater-se especificamente no caso brasileiro, citarei como exemplos dois episódios ocorridos no Brasil. Um mais distante de nossos dias, mas de grande efeito na transforção de nossa cultura e de nossa sociedade; o outro, mais recente, igualmente tem refletido considerável “ajuste” de mentalidade, especialmente junto à grandes segmentos do Judiciário brasileiro.

O primeiro episódio foi citado inicialmente em Semináro realizado em Brasília, durante palestra proferida brilhantemente pelo doutor Francisco Rezek, Juiz do Tribunal Penal Internacional, em Haia.

Joaquim Nabuco em sua cruzada, para que o Brasil se libertasse da chaga da escravidão, repeliu o uso da soberania como escudo para a manutenção do tráfico; O Brasil revoltou-se na primeira metade daquele século, contra as medidas tomadas contra as embarcações brasileiras, incluindo os navios de guerra, pelos ingleses, para evitar o tráfico de escravos. Aquilo, na ocasião, era considerado uma violação ao Direito Internacional.

Hoje em dia, ao contrário, já se reconhece que, naquela época, aquele tráfico já era um crime contra a Humanidade, contra os conceitos morais de justiça.

O segundo episódio é mais recente. Porém, igualmente, tem o mérito de transpor conceitos que privilegiam o status quo e, uma vez assimilado com mais serenidade, passa a ser admitido na cultura geral.

Todos sabem que a tão decantada reforma do Judiciário brasileiro estava sempre em debate, no discurso, mas nunca era levado a cabo. Era um velho anseio dos advogados militantes e de diversos segmentos da sociedade.  Entretanto, permaneceu emperrada no Congresso por mais de década e nunca era levada a efeito pois, além da falta de vontade política, encontrava ferrenhas resistências por parte de magistrados retrógrados e reacionários, acomodados com a característica elitista e soberba da Justiça brasileira.

Com a visita da relatora especial das Nações Unidas sobre execuções sumárias no Brasil, Asma Jahangir, recomendando uma inspeção da ONU no Judiciário brasileiro, apontado por ela como um dos responsáveis pela impunidade no País, vozes do conservadorismo no Judiciário brasileiro fizeram eco de descontentamento, acusando a relatora de intromissão nas questões internas de um País soberano.

Nomes de relevo do Judiciário brasileiro, como o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Mauricio Corrêa, reclamaram veementemete. Para Mauricio Corrêa a proposta era “estapafúrdica”.

O Ministro Nilson Naves a rotulou de “infeliz e inoportuna”.

Durante o 62° Encontro do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça, ocorrido em Porto Alegre, em outubro de 2003, a preocupação e indignação foi geral. Na época, elaboraram um texto, batizado de “Carta de Porto Alegre”, aprovada por unanimidade, onde se repudiava a sugestão da relatora da ONU, por entenderem (alegar como pretexto) que significaria uma “violação da soberania nacional”.

De nada adiantou o berreiro. A ONU enviou um perito para avaliar o Judiciário. O relator especial para independência de Juízes e Advogados, Leandro Despouy, avaliou o Judiciário em diversas regiões do Brasil e a conclusão, em seu relatório, não causou surpresa a ninguém pois não expôs nenhuma novidade: justiça morosa, elitista, inacessível aos mais carentes, juízes corruptos, etc.

O resultado foi que, mantendo a tradição brasileira de políticos oportunistas, desengavetaram o Projeto de Reforma do Judiciário e o aprovaram a toque de caixa, sem uma discussão ampla e democrática, sem a abordagem mais detida de pontos relevantes, etc.

De certo que com a Reforma não houve mudanças substanciais que refletissem positivamente os sonhos dos jurisdicionados, especialmente dos proscritos socialmente. Não obstante, rompeu, ainda que de maneira tímida, com conceitos sarcófagos das mentalidades mumificadas de um grande segmento do Judiciário brasileiro.

E nada do terrorismo que apregoavam – o de violação à Soberania do Brasil -, ocorreu.

Acreditamos que o maior óbice ao que se propugna, isto é, uma Justiça Internacional com competência para julgar crimes graves contra o meio-ambiente, seja a arcaica concepção do conceito de Soberania.

É preciso adeqüar essa mentalidade à realidade mundial dos nossos tempos.

Com a globalização, a criação de blocos econômicos e a integração comunitária de pessoas e serviços, v.g., a União Européia, o conceito de Soberania sofreu e vem sofrendo profundas modificações. Nem vou aquí, por ser inoportuno, adentrar no debate de que ela, a Soberania, há tempos foi substituída por uma moderna forma de “poder”, aquilo que convencionalmente se chama de “mercado”.

 Com propósitos à uma integração econômica e de pessoas, mesmo as constituições nacionais vêm sofrendo mudanças até a pouco tempo inconcebíveis, com vistas à adequarem-se à uma amplitude extraterritorial. E com isso, forçosamente, sofre alterações substanciais o conceito clássico de Soberania.

Para concluir, vimos que sempre que se tenta implementar medidas que visassem o respeito e a dignidade da pessoa humana, tendo que romper com  arcaicos conceitos, os refratários sempre contestam, sofisticamente, de que tais mudanças são impossíveis pois violariam a Soberania. Eles nunca estavam certos. Conforme demonstramos nos dois episódios acima citados.

Defendemos, sim,  a ampliação do conceito de crimes contra a Humanidade, tipificado no artigo 7 e suas alíneas, do Estatuto de Roma, de modo a alcançar os crimes graves praticados contra o meio-ambiente. Não é possível conceber a Humanidade sem o seu Habitat, fora do seu ambiente natural, o seu Ekos.

Se temos que reviver a velha discussão (interessada e mal intencionada)  sobre a Soberania, a experiência tem nos demonstrado que a cada vez que flexibilizamos seu conceito, o resultado é o ganho de mais cidadania.

O ser humano, no afã de ter um ambiente onde possa viver dignamente e assegurar a preservação da própria espécie, abre mão do conceito clássico, abstrato e embusteiro de Soberania, em troca de  mais cidadania, dignidade humana e da preservação do meio-ambiente, como condições de assegurar-lhe um Direito ainda maior: a própria vida.  A vida desta geração e de gerações futuras.


Informações Sobre o Autor

Manoel Leonilson Bezerra Rocha

Advogado Criminalista em Goiânia (GO); Professor de Direito Penal e de Prática Jurídica Penal; Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Mestrando em Direito pela Ecole de Criminoligie “Jean Constant” da Université de Liège, Bélgica; Pesquisa de Campo sobre Crime Organizado e Lavagem de Capitais em França, Inglaterra, Bélgica e Espanha; Pesquisa de Campo sobre Criminalidade Urbana em Paris e Inglaterra; Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Burgos, Espanha; Autor de diversos artigos.


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Equipe Âmbito Jurídico

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