Crimes abstratos face ao princípio da ofensividade

Resumo: O artigo trata sobre o tema da criminalização de condutas abstratas, denominadas de crimes de perigo abstrato. Resultado do fenômeno de prevenção do poder estatal, frente ao dever de proteção que este assume em relação à sociedade, em momento de grande exposição ao perigo e à violência. Contudo, ao considerar como criminosas as condutas que não produziram resultados materiais e na maioria das vezes, representa somente uma possibilidade de concretização de resultados naturalísticos, demonstrando na verdade um perigo possível de ofensa a um bem juridicamente tutelado, tal ação acaba por gerar debates sobre a possível afronta ao princípio constitucional da ofensividade.


Palavras-chave: CRIME DE PERIGO ABSTRATO; PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE;


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Abstract: The article discusses the issue of criminal offenses of abstract behavior, named crimes of abstract risk. Consequence of the phenomenon of precaution to the state force, protecting the society as a duty regards, at moment of substantial exposure to danger and violence. However, considering as a criminal behavior that did not produce any material results and most of times represents only possibility realizations of naturalistic results, truly demonstrating a possible risk of offense to legally-protected property, such action causes discussion about a possible affront to the constitutional character of offensive.


Keywords: crime of abstract danger; character of offensive.


Sumário: 1. Direito Penal e o Estado Democrático de Direito. 2. Princípio da Ofensividade no Direito Penal. 3. Os Crimes de Perigo: concreto e abstrato. 4. Crimes de Perigo Abstrato: atentado ao princípio da ofensividade. 5. Considerações finais.


1. DIREITO PENAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


A ciência jurídica é essencialmente dinâmica, nasce em meio à sociedade e tem por base as suas relações. Ao observar que a sociedade está em constante mutação, inúmeros debates são travados cotidianamente no âmbito jurídico, suscitando temas atuais, muitos dos quais revestidos de polêmica. Dentre os vários, considerarei como objeto de análise, tratado neste estudo com brevidade, o que se refere aos crimes de perigo abstrato face ao princípio da ofensividade, considerando aspectos do direito penal na perspectiva do Estado Democrático de Direito e sua aplicabilidade segundo os princípios basilares no Direito Constitucional.


O homem sendo um ser social busca viver em grupos, estabelecendo relações de convívio baseados em princípios éticos e morais. Neste processo, nasce o conceito de justiça e sua aplicação através do direito, expressos através dos normativos. As normas, segundo lição de Maria Helena Diniz (2009:342) “são os mandamentos dirigidos à liberdade humana no sentido de restringi-la em prol da coletividade, pois esta liberdade não pode ser onímada, o que levaria ao caos”, assim, tendo em vista a manutenção da ordem social e controle das relações, o homem confere à sociedade o direito de regular suas ações, principalmente privando-o do direito natural da liberdade. Este poder de manutenção da ordem, a partir do advento das sociedades modernas é repassado para o Estado.


O Estado brasileiro, conforme disposto na Carta Constitucional em seu artigo 1º, “constitui-se como um Estado Democrático de Direito”, sendo, portanto o Estado imbuído do dever garantidor da paz social, promovendo justiça e igualdade.


Pode se afirmar que o Estado Democrático de Direito é uma evolução do então Estado de Direito, concepção positivista moderna surgida em oposição ao absolutismo monárquico. Nesta diferenciação podemos recorrer à lição de SILVA (2008: 314):


“Estado de Direito é a organização de poder que se submete à regra genérica e abstrata das normas jurídicas e aos comandos decorrentes das funções estatais separadas embora harmônicas. A expressão ‘Estado Democrático de Direito’ significa não só a prevalência do regime democrático como também a destinação do poder à garantia dos direitos.”


Reside, na garantia dos direitos e no respeito aos princípios fundamentais, o exercício do Estado como regulador das relações sociais. Contudo, em meio à evolução de conceitos a respeito das funções do Estado, Luiz Flávio Gomes tem se referido ao Estado com a expressão de “Estado Constitucional Humanitário de Direito”, demonstrando a função deste como ator no processo de garantia do bem-estar social. Segundo GOMES (2007): “O valor-meta do Estado Constitucional Humanitário de Direito é a justiça; seu valor síntese é a dignidade humana”. Destarte, é com base no respeito aos princípios fundamentais e na garantia da justiça que se espera o cumprimento da função social do Estado.


É mister considerar o questionamento sobre como exercer a função punitiva estatal diante da função social humanitária suscitada pelo Estado Democrático de Direito. Contudo, se o dever de punir cabe ao Estado, necessário se faz que as punições impostas aos cidadãos sejam revestidas de caráter humanitário e social. Por isso, há de se considerar na aplicação do Direito Penal a observância dos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, decorrendo dele todos os demais princípios, sendo o principio fundante do próprio Estado Democrático.


Fernando Capez (2008:7) ao tratar sobre este princípio leciona que:


“Podemos, então, afirmar que do Estado Democrático de Direito parte o princípio da dignidade humana, orientando toda a formação do Direito Penal. Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado.”


Consoante a este pensamento, compreendemos que o Direito Penal não pode se eximir da tarefa principal do Estado e desrespeitar os princípios constitucionais. Destarte, cabe ao legislador criar tipos penais que realmente causem lesividade aos bens juridicamente tutelados. A não observância desse princípio pode provocar confronto entre os interesses sociais e a ação do Estado.


Como dito anteriormente, do princípio da dignidade humana decorrem demais outros, sejam orientadores ou limitadores do Direito penal, expressos de maneira explícita ou implícita em nossa Constituição, mas presentes no Código Penal. Dentre esses podemos citar: insignificância e bagatela, alteridade e transcendentalidade, confiança, adequação social, intervenção mínima, proporcionalidade, humanidade, necessidade e idoneidade, ofensividade, dentre outros.


Nesse estudo, nos deteremos à análise do princípio da ofensividade, recorrendo aos demais quando necessário.


2. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE NO DIREITO PENAL


O Direito Penal brasileiro, consoante aos princípios constitucionais e de acordo como os fundamentos de um Estado Democrático de Direito, assume, a postura de instrumento de proteção aos bens jurídicos. Onde, o Estado não pode usá-lo como mero instrumento punitivo e coercitivo. Há de se considerar também que o Direito Penal somente pode ser recorrido quando o Estado não dispuser de outra forma de coibir atos, ou seja, a função penal do Estado deve somente ser utilizada em último caso, “ultima ratio”, ou em situações excepcionais.


Quando não usado para este fim, O Direito Penal acaba por se maximizar, adotando postura em que qualquer conduta assume caráter lesivo. Neste caso, GRECO (2009:16) atenta para o fato de que:


Os adeptos, portanto, do movimento da Lei e Ordem, optando por uma política de aplicação máxima do Direito Penal, entendem que todos os comportamentos desviados, independentemente do grau de importância que se dê a eles, merecem o juízo de censura a ser levado a efeito pelo Direito Penal.


Na verdade, o numero excessivo de leis penais, que apregoam a promessa de maior punição para os deliquentes infratores, somente culmina por enfraquecer o próprio Direito Penal, que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta, da impunidade.”


Assim, o Direito Penal deve circunscrever-se à proteção dos bens juridicamente tutelados. Qualquer ofensa a estes é passível de ação através do poder punitivo. Para tanto, o Direito Penal deve observar princípios como o da ofensividade.


Ao definir o princípio da ofensividade, CAPEZ (2008:22) afirma que: “não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico”. Para GOMES (2007) “o Direito Penal só pode atuar quando a conduta do agente ofender um bem jurídico, não sendo suficiente que essa se mostre apenas como imoral ou inadequada”.


Seguindo este linha de entendimento, GRECO (2009:26) ao tratar sobre o princípio da lesividade, afirma que:


“Por mais importante que seja o bem, que a conduta seja inadequada socialmente, somente poderá haver a criminalização de comportamentos se a conduta do agente ultrapassar a sua esfera individual, atingindo bens de terceiros. Por intermédio, do principio da lesividade, proíbe-se a incriminação de pensamentos, de modos ou de formas de ser e de se comportar, bem como de ações que não atinjam bens de terceiros.”


Assim, conforme doutrina, a conduta somente pode ser considerada criminosa quando ofender concretamente a um bem jurídico. Este princípio atua como limitador do poder punitivo estatal, por não considerar lesiva uma conduta que não produziu resultado e que não causou lesividade ao bem tutelado.


O Direito Penal não pode considerar como ofensiva uma conduta que ainda não produziu resultado naturalístico, pela simples consideração de que possa acontecer, pois, pode incorrer no erro de punir condutas não realizadas. Este princípio se relaciona ao da alteridade, em que, os pensamentos e ideias, quando puramente existentes no campo imaterial, não constituem perigo real e concreto. Sobre este tema bem explicita KAZMIERCZAK (2007) em artigo sobre o princípio da ofensividade. Segundo ele:


“Em um Estado Constitucional que se define, com efeito, como democrático e de direito, e que tem nos direitos fundamentais seu eixo principal, não resta dúvida que só resulta legitimada a tarefa de criminalização primária quando recai sobre condutas ou ataques concretamente ofensivos a um bem jurídico, e mesmo assim não são todos os ataques, senão unicamente os mais graves, devido ao princípio da fragmentaridade”. (grifo nosso)


Ao criminalizar condutas o Estado deve observar aquelas que realmente produzem resultados nocivos à sociedade e que concretamente atingem os bens tutelados. Em acordo ao exposto supra citado, vale considerar que nem todas as condutas são consideradas nocivas. Caso o Estado venha a agir dessa forma, incorre no erro de atentar ao próprio fundamento democrático e contra o princípio da dignidade humana, assumindo postura de uma Estado Penal Máximo.


É sobre a égide do princípio da exclusiva proteção dos bens que o Estado não pode adotar postura de proteção a bens outros que não somente os já tutelados pelo direito constitucional, não se detendo a considerar condutas abstratas como nocivas à sociedade. Quando isso não ocorre, fere-se o princípio da ofensividade, no qual o direito somente pode considerar como delito aquela conduta que ofende diretamente e concretamente a um bem jurídico. Como bem elucida CAPEZ (2008:23) ao citar GOMES: “a função principal do princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos é a de delimitar uma forma de direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma penal em si etc”. Destarte, conforme lição anteriormente referida, se não houver ofensa concreta ao bem jurídico não há infração penal, se o Estado assume postura diferente pode incorrer no erro de hipertrofiar o Direito Penal, ou seja, introduzir temas ao Direito Penal que seriam facilmente tratados por outros ramos.


3. OS CRIMES DE PERIGO: CONCRETO E ABSTRATO


Para melhor compreendermos a atuação no Direito Penal a partir do princípio da ofensividade, façamos uma breve abordagem sobre os tipos de crime, partindo da diferenciação entre os crimes de dolo de dano e de dolo de perigo.


Os crimes de dolo são aqueles em que o indivíduo age com vontade de provocar o mal, atingindo diretamente o bem jurídico de outro, havendo então uma ação intencional. Assim, os crimes de dolo de dano correspondem àquelas condutas em que o autor do fato, por ação ou omissão, atenta contra um bem protegido juridicamente, com manifestada vontade de atingir um resultado. Quanto aos crimes de perigo, são aqueles em que o autor do fato põe em perigo um bem jurídico, ou assume o risco da produção, tendo intenção de provocar resultado danoso.


Ao tecer lição sobre os crimes de perigo, ROMERO (2004) afirma que o “Crime de perigo é, pois, aquele que, sem destruir ou diminuir o bem jurídico tutelado pelo direito penal, representa uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos valores tutelados, uma vez existir relevante probabilidade de dano a estes interesses”(grifo nosso). Conforme lição, podemos compreender elementos essenciais para considerar uma conduta como de crime de perigo. Primeiramente a relevância do bem jurídico tutelado. Em segundo, importa considerar o quanto à conduta representa de perigo ao bem jurídico, sendo ponderável, ou seja, se realmente pode causar dano ou não, verificando a provável causa de perigo ao bem jurídico.


Quanto aos crimes de perigo, estes podem ser classificados em de perigo concreto ou de perigo abstrato.


Os crimes de perigo concreto são aqueles em que o agente assumiu o risco, consciente, da produção de um resultado danoso a um bem tutelado, sendo esse resultado passível de ser atingido, comprovadamente a partir da execução da conduta. Ou seja, o perigo é real, possível, em que somente com a execução da conduta o resultado já se torna previsto e inevitável. Reside, pois, na probabilidade da concretização do resultado o tipo do crime. Nesse ínterim, a conduta além de configurar um provável dano, pode fazer surgir no agente passivo o temor ou expectativa de concretização do dano, gerando um resultado antecipado no âmbito psicológico.


Os crimes de perigo abstrato constituem aqueles que possuem perigo residente somente na conduta, na descrição do ato, em que a probabilidade do resultado se dá pela observação de casos particulares em que a lógica aponta como possível um resultado danoso. BORBA (2005) elucida a questão ao afirmar que “nestes tipos de crime, o perigo não é elementar do tipo, ao contrário dos crimes de perigo concreto, sendo apenas a motivação para sua criação”. Assim, não necessariamente a conduta ofereça uma provável consequência e tão somente configure uma possibilidade de resultado, já se constitui crime. Salientando, conforme afirmação anterior, que o perigo se encontra na motivação, na simples exposição e não na geração de um perigo concreto.


Muitos dos crimes de perigo abstrato são tipos incorporados ao direito penal, mas sua finalidade primeira é a de proteger bens jurídicos que são matérias de ramos como o administrativo, econômico, ambiental e civil. Tais matérias passam a ser tratadas pelo direito penal tendo em vista a proteção de bens a partir da criminalização de condutas nocivas à sociedade. Neste caso, a conduta delituosa caracterizada por crime de perigo abstrato traz em seu cerne uma nocividade que atinge à ordem social, independente de resultado concreto no mundo material.


Entre os crimes de perigo concreto e os de perigo abstrato reside uma diferenciação muito tênue. Aceita-se a ideia de que está na tipificação da conduta pelo legislador o fato deste considerar como nociva uma conduta que tenha um resultado esperado e possível, ou simplesmente considerar como nociva uma conduta, sem que o resultado seja possível, não importando sua materialização. Vale considerar análise de PEREIRA (2003) a respeito da diferenciação, ao afirmar que “Outra diferença corresponde ao fato de que nos delitos de perigo abstrato basta uma vítima potencial, já nos delitos de perigo concreto torna-se necessária a existência efetiva de uma vítima no raio de ação perigosa do autor e que esta corra um perigo real de lesão”. Assim, em regra, os crimes de perigo abstrato não se dirigem a um bem de uma vítima em potencial, muitas vezes estes tipos são dirigidos a bens sociais ou coletivos, como os de crime ambiental e econômico.


Exemplo da ofensividade num crime de perigo abstrato é no que se refere o Artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, que tipifica como crime o porte de arma ou munição. Importante evocar a lição de GOMES e DAMÁSIO (2009) em análise sobre o tema, ao questionar o bem tutelado no referido artigo(:)


“Qual é o bem jurídico protegido no art. 14? Bens individuais (vida, integridade física etc.) e supra-individuais (incolumidade pública). Esse bem jurídico só pode ser afetado quando a conduta concreta o coloca em risco concreto. Arma desmuniciada, quebrada etc. não provoca risco concreto para ninguém. Por isso que não serve para a configuração do delito.”


Conforme o exposto, o fato de conduzir munição, sejam vários projéteis ou apenas um, já se configura crime. A questão está no quanto nocivo pode ser a condução de apenas um projétil, sem que o indivíduo apresente no momento uma arma ou uma conduta que ofereça perigo. Neste caso, não haveria também um bem em perigo concreto, mas somente um potencial ofensivo subjetivo ligado à ordem pública.


4. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO: ATENTADO AO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE


Com base nas ideias aqui expostas, podemos tecer uma análise sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, dada a relevância que este tema tem adquirido nos debates jurídicos.


Principal ponto de análise e discussão deste estudo reside na caracterização dos crimes de perigo abstrato que se posicionam contra os princípios constitucionais, principalmente ao da ofensividade. Como nos referimos anteriormente, este princípio define que as condutas somente podem ser tratadas pelo Direito Penal quando atentarem ou oferecerem perigo real aos bens tutelados juridicamente. Muitos doutrinadores, mencionados nesse artigo e dos quais somos concordes, defendem que ao tipificar condutas como crimes sem que ofereçam perigo concreto, o legislador atenta diretamente ao princípio da ofensividade.


Acredita-se que tal fenômeno pode ser fruto de um momento em que a sociedade virou refém da violência. Em que os recursos estatais de proteção social não oferecem a devida segurança e o poder punitivo do Estado tende a se inflar. Neste caso, o Estado que deveria agir na garantia da proteção e prevenção, acaba por agir com conduta fim, de apenas punir. Mesmo que esta punição seja de conduta meramente abstrata e subjetiva.


A respeito dessa postura do Estado ROMERO (2004) afirma que


“A definição jurídica de tal modalidade delitiva dependerá não da previsão de uma conduta com probabilidade concreta de dano, isto é, de um resultado perigoso para a vida social, mas da prática de um comportamento simplesmente contrário a uma lei formal, em outras palavras, a simples realização de um ato proibido pelo legislador, sem causar necessariamente dano ou sequer um perigo efetivo à ordem jurídica. Ou seja, pune-se ainda que não ocorra o dano efetivo do bem jurídico, ou, ao menos, sua possibilidade concreta. Pune-se, pois, a oura violação normativa”.


Como demonstram os argumentos apresentados, o Estado na tentativa de proteger a sociedade e agir com prevenção ao crime, acaba por tornar como crime atitudes sem devida comprovação de perigo. Punem-se comportamentos e atitudes, onde se deveriam punir condutas comprovadamente delituosas.


Aliado ao princípio da ofensividade, outros princípios são afrontados quando se trata de crimes de perigo abstrato. Podemos citar o da intervenção mínima, da taxatividade, da presunção de inocência, da culpabilidade, dentre outros. Pois, o Estado passa a agir na tutela de bens antecipadamente, sem que a conduta ofereça perigo real ao bem tutelado. Muitas dessas condutas não se encontram expressas no código penal e são matérias de outros ramos do Direito. Há casos em que o agente ao realizar conduta de acordo com o tipo formal descrito, já passa a ser considerado culpado, contrariando o princípio da presunção de inocência em que sua culpa somente pode ser comprovada após o trânsito em julgado.


Convêm recorrermos à crítica tecida por FIGUEIREDO DIAS, citado em artigo por WUNDERLICH. Para DIAS, “ainda que o perigo ou o risco deva constituir a noção-chave da dialética da ilicitude penal, como síntese entre a tese do desvalor de ação a antítese do resultado, isto em nada contende com a contestação que deve merecer a tentativa de transformar o direito penal dos bens jurídicos num direito penal dos perigos”.


Não justifica, pois, que o Estado sob o lema da proteção antecipada e da ação de combate aos crimes, venha tomar por postura a criminalização apenas de condutas. Sob o risco de incorrer contra a própria liberdade da pessoa humana e contra o princípio basilar do direito que é o da dignidade. Agindo assim num âmbito subjetivo e amplo, quando na verdade o Direito Penal reside na materialidade e nas condutas restritas e do qual o Estado somente poderia se dispor em ultimo caso, ou melhor, como razão última.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Em síntese, voltando às considerações iniciais, quando falávamos a respeito do Direito Penal como instrumento da construção da cidadania e em respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentando o Estado Democrático de Direito, podemos perceber uma movimentação do Direito Penal num sentido contrário aos princípios constitucionais, atentando diretamente contra o princípio da ofensividade.


Difícil mensurar as conseqUências desta hipertrofia jurídica do Direito Penal, aliada ao fenômeno social da prevenção aos crimes. Contudo, podemos concluir que a tipificação de crimes de perigo abstrato atenta aos princípios constitucionais e colocam o Direito Penal em sentido contrário ao que se pretende atingir num Estado Democrático de Direito. Exigindo, pois, dos poderes constituídos um posicionamento no sentido de conter o avanço deste fenômeno, tomando por objetivo a manutenção da paz social mediante o respeito à liberdade da pessoa, rumando para um Estado Penal Mínimo.


 


Referências bibliográficas

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CÓDIGO PENAL, In: Vade Mecum acadêmico de Direito. Antônio Luiz de Toledo Pinto, org. 7ª ed. São Paulo: SARAIVA, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 20ª ed. São Paulo: SARAIVA, 2009.

GOMES, Luiz Flávio. Limites do “ius puniendi” e bases principiológicas do garantismo penal. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.10 abril. 2007. Acesso em: 12 jun. 2009.

GOMES, Luiz Flávio. DAMÁSIO, Bárbara. Arma de fogo: voltou a ser crime de perigo abstrato?.Disponível em http://www.lfg.com.br em 30 de março de 2009.> Acesso em 15 de junho de 2009.

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GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 4ª ed. Niterói-RJ: Impetus, 2009.

KAZMIERCZAK, Luis Fernando. Princípio da ofensividade como pressuposto do jus puniendi. Enfoque sobre o conceito material do delito à luz da constituição federal de 1988. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/ artigos/2007/luizfernandokazmierczak /principioda ofensividade.htm. Acesso em: 10 de jun. 2009.

NEVES, Eduardo Viana Portela. Têm futuro os crimes de perigo abstrato?. Disponível em http://jusvi.com/artigos/1910. Acesso em 12 de junho de 2009.

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ROMERO, Diego. Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 439, 19 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol. com.br/doutrina/ texto.asp? id=5722> . Acesso em: 10 jun. 2009.

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TOSCHI, Aline Seabra. Dignidade da pessoa humana e garantismo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/ doutrina/ texto .asp?id=3967>. Acesso em: 10 jun. 2009.

WUNDERLICH, Alexandre. Delitos do perigo abstrato: uma crítica necessária. Disponível em: http://www.novacriminologia.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=2125. Acesso em 13 de jun. 2009.

Informações Sobre o Autor

Antonio José Lima Pereira

Professor Licenciado em História pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA, Campus de Iguatu.


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Equipe Âmbito Jurídico

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