Crimes contra a intimidade requerem definição em lei



A liberdade de imprensa, inserida no rol dos direitos fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988, não é absoluta e faz parte do direito mais amplo de informação. Tem, como limite natural, a liberdade de terceiros. Não há liberdade para cometer abusos, como a invasão ao direito de privacidade.


O direito à privacidade compreende a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. No tocante à intimidade e à vida privada, é necessário coibir abusos com a definição de tipos penais próprios a respeito, pois vê-se diariamente a violação da intimidade das pessoas por parte da própria mídia sensacionalista, que alega tão-somente estar exercendo seu trabalho, valendo-se do direito de informar. Tomemos, como exemplo, o recente caso do adolescente Pedrinho, que se trata de um assunto familiar, íntimo, embora possa ter ocorrido, ali, alguma ação delituosa. O que não se justifica é a mídia se postar frente à residência dessa família, passando, sem a autorização devida, a filmar, fotografar, gravar conversas das pessoas ali residentes.


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Imaginem o constrangimento daqueles familiares ao terem suas vidas íntimas “bisbilhotadas” pela imprensa entusiasta. O garoto se dirigia ao colégio e ao lazer e a “perseguição” se iniciava, sendo filmado, fotografado. Com suas irmãs, a situação era pior, pois eram seguidas, sem ética alguma. Até quando se dirigiam ao supermercado e retornavam com as compras, tudo era documentado. Chegou-se ao cúmulo de essas moças nem poderem mais realizar tarefas domésticas, como lavar a garagem e varrer a calçada, devido ao assédio indevido da mídia. Usando de seus direitos de cidadãs, legitimamente, reagiram às provocações, jogando água nos “bisbilhoteiros” e até cuspindo no rosto de jornalista “insistente”, após intensa provocação. Tal reação, aliás, já era esperada para ser filmada e exibida como espetáculo pelos “programas legais” de TV pelo Brasil afora .


É importante ressaltar que Intimidade é a qualidade do que é íntimo. Advém do latim intimus, significando o que é interior de cada ser humano, o direito de estar só, de não ser perturbado em sua vida particular. A vida privada é o relacionamento de uma pessoa com seus familiares e amigos, o oposto da vida pública. É o direito de levar sua vida pessoal sem intromissão de terceiros, como agentes do Estado, vizinhos, jornalistas, curiosos, etc.


Nesse diapasão, todas as pessoas têm assegurado o direito de ver respeitada a sua convivência familiar e com os amigos. Esse direito é assegurado também para pessoas de vida pública, como políticos, artistas e desportistas, em suas atividades estritamente particulares. Em razão da tutela da privacidade, proíbem-se a investigação e a divulgação de atos particulares, como escuta telefônica, invasões fotográficas, ou cinematográficas, como bem ensina o ilustre constitucionalista Rodrigo César Rabello Pinho em sua obra “Teoria Geral da Constituição de Direitos Fundamentais”, 3ª edição, 2002, Editora Saraiva.


O legislador constitucional não erigiu a imprensa, em qualquer de suas modalidades, em órgão todo poderoso, superior ao bem e ao mal. E essas limitações estão na própria Constituição. Basta sopesar os direitos em jogo, isto é, colocá-los na balança, e decidir qual deles tem maior valor: o direito de informar e ser informado, ou o direito à privacidade.


Como ensina o advogado Airton C.Leite Seclaender, em artigo intitulado “O direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informação” (em “Estudos e Comentários RDP-99, de 1991), a história do direito de informação pode ser dividida em quatro fases distintas: fase de rigorosa censura por parte dos governantes; período de ampla liberdade de imprensa, com a ascensão da burguesia ao plano político; fase de intervenção estatal, diante da  conveniência de se refrear o poder da imprensa; e, por último, fase em que se pôde impor ao mundo do Direito um direito de ser informado, quando se compreendeu a necessidade de se estabelecerem normas para assegurar o desempenho, pelos meios de comunicação em geral, de sua função pública nas democracias, no anseio de se imporem limites e transparências ao poder.


Daí decorre que, somente quando o interesse for da sociedade, é que o direito de informar deve sobrepor-se aos direitos individuais da personalidade. A melhor solução para coibir abusos parece ser a instituição de um autocontrole da mídia, a fim de evitar a intervenção judicial, que só deveria ser utilizada quando falhassem todos os demais meios de solução. O conselho editorial, a direção, a chefia ou a secretaria de redação e o ombudsman são alguns dos órgãos aptos a realizar o controle interno de qualidade das pautas, dos textos, da produção intelectual.


Ocorrido o abuso e a violação da intimidade das pessoas, a própria Constituição Federal prevê punição na esfera cível, podendo o ofendido ser contemplado cumulativamente com indenizações por danos materiais e morais sofridos. Esse é o entendimento consubstanciado na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.


Entretanto, ao que parece, a punição cível não está sendo bastante para coibir os abusos da mídia desregrada, talvez porque a chamada Lei de Imprensa (5.250/67) tenha estabelecido, em seu artigo 51, limites à fixação do quantum indenizatório, que vai de 1 a 20 salários mínimos da região. Sendo assim, compensa ganhar pontos no ibope e, se o ofendido recorrer à justiça, sabe-se de antemão que se vai gastar muito pouco com o pagamento da indenização moral devida.



Diante da falência da punição cível em proteger a vida íntima das pessoas, faz-se necessário, com urgência, que o legislador brasileiro tipifique esses abusos sensacionalistas em condutas criminais, prevendo pena de prisão para quem devassar indevidamente a privacidade alheia, sem nenhuma ética profissional, com o único objetivo de ganhar audiência, leitores e quiçá “um dinheirinho a mais”, às custas da intimidade privada.




Informações Sobre os Autores

Antônio Carlos de Lima

Professor de Direito da UNIP e FASAM

Cláudia Marques de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.


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Equipe Âmbito Jurídico

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