Crimes Contra a Sexualidade: A Mulher Como Sujeito Ativo no Delito de Estupro

AUTOR: Luciane Veiga Cozza Neves, Bacharel em Direito, Pós Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, Brasil. – lucianecozza@gmail.com

ORIENTADOR: Angela Torma Pietro, Doutorado em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande, Brasil(2013), Professora Assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande , Brasil – angela.torma@gmail.com

Resumo: A nova redação dada pela Lei nº 12.015/09 ao artigo 213 do Código Penal Brasileiro, nos traz a uma realidade do delito de estupro que antes não recebia a tratamento jurídico adequado. Esta nova redação nos mostra a possibilidade de a mulher compor o polo ativo do referido delito nesse sentido, aspectos relevantes e controversos como os meios executórios utilizados pela mulher para lograr êxito na execução do crime de estupro na modalidade conjunção carnal; a impossibilidade de configuração do delito quando o fim desejado pela autora for a conjunção carnal ou coito anal e o homem vítima possuir disfunção erétil; a aplicabilidade de causa de aumento de pena do artigo. 234-A, III, CP, quando a mulher autora engravidar em razão de sua conduta delitiva; a impossibilidade da mulher infratora optar pelo aborto legal em razão de gravidez resultante de estupro por ela mesmo praticado; e a questão da paternidade indesejada e seus efeitos na esfera civil.

Palavras-chave: Estupro; Gravidez; Aborto sentimental; Conjunção carnal.

Abstract: The new wording provided by Law number 12.015/09 to Article 213 of the Brazilian Penal Code, brings us to a reality of rape offense that had not received the proper legal treatment. This new wording shows us the possibility of woman as active subjects of offense and, in that sense, relevant and controversial aspects as executor means used by woman to achieve success in the execution of the crime of rape in the sexual intercourse form, the configuration of the impossibility of the offense when the order desired by the author for the sexual intercourse or anal intercourse and the man victim has erectile dysfunction; the applicability for increased penalty cause at article 234, III, CO when the author becomes pregnant because of their criminal conduct; the impossibility of offending women opt for legal abortion because of pregnancy resulting from rape she even practiced; and the issue of unwanted parenthood and its effects in the civil sphere.

Key-words: Rape; Pregnancy; Sentimental abortion; sexual intercourse.

Sumário: Introdução. 1. A mulher constar no Polo Ativo do Delito de Estupro. 1.1. Crime de estupro praticado pela mulher – meios executórios na modalidade conjunção carnal. 1.2. Crime impossível e tentativa, disfunção erétil. 1.3. Na hipótese do estupro ter sido praticado por mulher a gravidez como aumento de pena. 1.4. Aborto sentimental. 1.5. A paternidade indesejada e os efeitos na esfera civil. Considerações Finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica em torno do tema, cujo objetivo é analisar uma das principais modificações ocorridas com os efeitos da Lei nº 12.015/2009, com foco na possibilidade da mulher compor o polo ativo do crime de estupro (art. 213 Código Penal).

O tema abordado é de suma relevância, uma vez que se trata de um delito hediondo, de repercussão geral no seio da sociedade e não existem muitos trabalhos acadêmicos no Brasil, abordando a violência sexual em que a mulher é a autora e o homem a vítima, no contexto do referido crime.

O artigo evidencia a mulher na condição de sujeito ativo do delito de estupro, na hipótese em que pode cometer o crime contra vítima do sexo masculino e os meios executórios utilizados pela autora para obter êxito na execução do delito na modalidade conjunção carnal, abordando ainda a aplicabilidade da causa de aumento de pena do artigo 234-A, III do CP à mulher estupradora que engravida em razão de sua conduta delitiva; da possibilidade ou não da mulher infratora optar pelo aborto sentimental em razão de gravidez decorrente de estupro por ela mesmo praticado e da responsabilidade do pai vítima do estupro para com a criança concebida da relação sexual forçada em que o homem foi constrangido mediante violência ou grave ameaça a praticar a cópula vagínica com a autora do crime.

  1. A MULHER CONSTAR NO POLO ATIVO DO DELITO DE ESTUPRO

Em harmonia com Leal (2009), mesmos que subjetivamente a lei possibilite a responsabilidade penal da mulher como autora do crime de estupro, tal ocorrência, na prática, é rara, incomum e quando ocorre, permanece na clandestinidade, isto é, dificilmente um homem depois de ter sido vítima de tal crime chegaria à autoridade competente para notificar o crime acontecido, visto que há sentimento de vergonha em comunicar tais agressões.

Delgado (2009), referente ao homem ser vítima de estupro, afirma que sem dúvidas é uma nova realidade jurídica, que se adequou ao Princípio Constitucional da Isonomia, na medida em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Verdadeiramente, no mundo contemporâneo, era inconcebível que só a mulher tivesse sua liberdade sexual protegida no crime do art. 213 do Código Penal, assim o legislador buscou tutelar a liberdade sexual tanto da mulher como do homem.

Maximiliano Führer (2009), frente a possibilidade da mulher incorrer no estupro, assegura que ao aproveitar o modelo espanhol, a lei passou a incriminar também o constrangimento do homem ao coito vagínico e conclui que, embora a hipótese seja raríssima na prática, ela é possível na teoria. No mesmo sentido, Beni Carvalho (1943) trabalha a possibilidade do estupro consumado por uma mulher em face de um homem, desenvolvendo esta o papel ativo através do clitóris hipertrófico, assim como a caracterização do estupro, quando ocorrer à conjunção sexual através de agentes mecânicos ou artificiais.

João Mestieri (1982), em obra clássica sobre o tema, entende ser impossível a figuração de um indivíduo do sexo masculino como sujeito passivo do delito de estupro, devido à sua superioridade física quando comparado à mulher. Tal ideia é superada na doutrina.

Na visão de Rogério Greco (2011), quando uma determinada mulher apaixonada quer ter relações sexuais com um homem e não a obtém pelas “vias normais”, usa no determinado momento a ameaça com arma de fogo para obrigá-lo a praticar o ato sexual, cometendo assim o crime de estupro tipificado no estupro regressivo do art. 213 do Código Penal.

A lei 12.015/09 trouxe a possibilidade de enquadramento da mulher no polo ativo do delito, então, não se pode eximir tal pratica delituosa consumada pela mulher-autora, por mais que seja improvável a prática do crime de estupro por parte de uma mulher em um indivíduo do sexo masculino.

Para Nucci et al (2010), antes do advento da Lei n° 12.015/09, se uma determinada mulher obrigasse um indivíduo do sexo masculino a praticar com ela conjunção carnal, estaria incorrendo no delito de constrangimento ilegal (art.146). Já Hungria, Lacerda e Fragoso (1981) defendiam a tipificação da referida ação como atentado violento ao pudor (art. 214).

Considerando-se a possibilidade de a mulher compor o polo ativo no crime de estupro e o homem o polo passivo, é necessário expor três as hipóteses em que o homem figuraria como vítima: 1ª) ser constrangido a manter conjunção carnal, evidentemente, com uma mulher, que poderá ser a autora ou terceira; 2ª) ser compelido a prática de atos libidinosos com uma mulher (autora ou terceira) ou com outro homem; 3ª) ser forçado por mulher a praticar ato libidinoso em si, como a automasturbação (GRECO, 2011). Salienta-se ainda, que a mulher pode ser sujeito ativo em concurso com o homem ou com outra mulher, a primeira sendo responsável pela elementar grave ameaça, forçando a vítima a realizar ato libidinoso em outro homem como também, fazendo com que a vítima se permita à prática de tais atos por parte deste homem, ou realizar conjunção carnal com outra mulher, nesse caso, essa segunda pessoa estaria no papel de coautor (QUEZADO, 2010).

1.1 CRIME DE ESTUPRO PRATICADO PELA MULHER – MEIOS EXECUTÓRIOS NA MODALIDADE CONJUNÇÃO CARNAL

Há meios executórios empregados pela autora para lograr êxito na execução do crime de estupro na modalidade conjunção carnal?

Para responder a esta indagação, faz-se oportuno buscar ensinamentos na Medicina, mais precisamente no ramo da Urologia para saber se um homem consegue ter ereção mediante coação física ou psíquica, para realizar a intromissão do pênis na vagina e o delito se aperfeiçoar na modalidade conjunção carnal.

Em uma pesquisa na área da Urologia referente a este assunto, pode-se observar que subsistem algumas formas de uma mulher praticar o delito de estupro contra um indivíduo do sexo masculino na forma conjunção carnal, fazendo com que o homem obtenha a ereção peniana mediante violência ou grave ameaça e por consequência venha a ocorrer à cópula vaginal.

Tom Lue (1994), em referência na possibilidade do homem fazer uso, de forma forçada, de algum medicamento que estimulem a ereção de seu membro vil, elenca uma lista de agentes que induzem a ereção peniana, são ele: polipeptídio intestinal vasoativo, fentolamina, papaverina, nitroglicerina, timoxamina, imipramina, verapamil, fenoxibenzamina, prostaglandina e citrato de sildenafila (viagra). Além de a autora constranger o homem, adotando violência ou grave ameaça a ter o ato sexual, ela ainda força o homem a ingerir medicamentos para evitar qualquer flacidez de seu órgão genital.

Nucci, a respeito da possibilidade da mulher praticar o estupro na modalidade conjunção carnal, compelindo o homem-vítima a ingerir medicamentos que induzem a ereção masculina, traz os seguintes ensinamentos:

É importante ressaltar que a cópula pênis-vagina, caracterizadora da conjunção carnal, demanda apenas a existência de homem e mulher, mas pouco interessa que é o sujeito ativo e o passivo. A mulher que, mediante ameaça, obrigue o homem a com ela ter conjunção carnal comete o crime de estupro. O fato de ela ser o sujeito ativo não eliminou o fato, vale dizer, a concreta existência de uma conjunção carnal (cópula pênis-vagina). Há os que duvidam dessa situação, alegando ser impossível que a mulher constranja o homem à conjunção carnal. Abstraída a posição nitidamente machista, em outros países, que há muito convivem com o estupro da forma como hoje temos no Código Penal, existem vários registros a esse respeito. Alguns chegam a mencionar ser crime impossível, pois, se o homem for ameaçado, não seria capaz de obter a ereção necessária para a conjunção carnal. Ora, há vários tipos de ameaça grave, não necessariamente exercida com empregos de armas no local do delito. Ademais, existem inúmeros medicamentos dispostos a fomentar a ereção masculina na atualidade. E, por derradeiro, quem está ameaçado pode, perfeitamente, fazer valer a sua lascívia, que depende unicamente de comando mental. No mais, ainda que se possa dizer rara a hipótese, está bem distante de ser impossível […]” (NUCCI, 2014, p. 215).

A asfixia mecânica nas modalidades de enforcamento e estrangulamento. Aponta Croce (2010) que uma das consequências de tais atos é a turgescência peniana ou ereção e, em alguns casos, a ocorrência de ejaculação. Hélio Gomes (1997, p. 506), corroborando prima que “certos enforcados ejaculam ou apresentam o pênis em estado de ereção, o que não importa em afirmar que o orgasmo tenha ocorrido”, conclui que esse fenômeno é reflexo.

Isto posto, assegura-se que a ereção e ejaculação não estão, necessariamente, ligadas ao prazer. Mesmo em situações de tensão, com alta carga de medo, é possível ao homem obtê-la (GOMES, 1997).

A asfixia mecânica por enforcamento ou estrangulamento é, portanto, uma forma “anormal” de a mulher conseguir a ereção peniana na vítima e poder realizar a conjunção carnal, uma vez que o sujeito poderá vir a óbito em decorrência da conduta. Nesse “modus operandi”, a autora poderá atuar em concurso com outro homem, ficando este responsável pela prática do enforcamento ou do estrangulamento, caso em que a autora apenas aproveitará a ocasião para realizar a cópula vagínica. O terceiro ficará no papel de coautor, já que a autora foi quem constrangeu o indivíduo mediante coação psíquica a ter com ela conjunção carnal.

Outro meio executório empregado pela criminosa está no fato de o homem-vítima ter que buscar estímulo a qualquer custo para obter a ereção peniana necessária para a concretização da conjunção carnal. Se a vítima buscar ânimo e vir a obter ereção não estará consentindo para a prática do ato sexual?

Imagine-se a hipótese de a vítima, sob grave ameaça, ter que encontrar estímulo e chegar à ereção peniana para satisfazer a estupradora, que o obriga a com ela ter conjunção carnal. Nesse caso, o fato de o sujeito passivo do crime ter buscado estímulo para viabilizar o ato sexual não importa em consentimento, a desconfigurar o delito, mas na única saída para não sofrer violência ou mal injusto e grave. Percebe-se que, mesmo com a ereção, o ato sexual não era pretendido pela vítima, daí resultando em lesão ao bem jurídico especificamente tutelado: a liberdade sexual.

1.2  CRIME IMPOSSÍVEL E TENTATIVA, DISFUNÇÃO ERÉTIL

Disfunção erétil, chamada vulgarmente de impotência sexual, pode ser conceituada como a incapacidade persistente de o indivíduo do sexo masculino atingir e/ou manter a ereção suficiente para realização dos atos de penetração sexual: conjunção carnal ou coito anal (LUE; SMITH, 1994).

Se o fim pretendido pela mulher-autora era a conjunção carnal ou mesmo o sexo anal, em que exigem um membro viril para que se leve a efeito a penetração, sendo a vítima portadora dessa deficiência sexual, estar-se-á diante de uma hipótese de crime impossível (art. 17, CP), haja vista a ineficácia absoluta do meio.

Tal situação não se equipara com a forma tentada, na hipótese de a ereção da vitima são (não portadora de disfunção erétil) não ocorrer por motivos alheios à vontade da mulher-autora, depois de empregado o constrangimento mediante violência ou grave ameaça.

Imprescindível complementar que se o homem-vítima possuir a referida deficiência sexual, e, mediante constrangimento da criminosa, vier a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal e do sexo anal na própria, o crime de estupro estará perfeitamente consumado.

1.3  NA HIPÓTESE DO ESTUPRO TER SIDO PRATICADO POR MULHER A GRAVIDEZ COMO AUMENTO DE PENA

Cabette (2009), levando em conta a possibilidade de a mulher compor o polo ativo do crime de estupro, afirma que não será somente na condição de vítima que a mesma poderá engravidar em razão da conjunção carnal consumada mediante constrangimento. Tendo em vista que a criminosa que constranger o homem a prática de conjunção carnal pode vir a engravidar em decorrência de sua própria conduta ilícita.

Costa (2014), O art. 234-A, III do CP prevê o aumento da pena de metade “se do crime resultar gravidez”. Não resta dúvida quanto à aplicação do aumento de pena quando a gestante é a vítima do delito, tendo em vista que além de sofrer a prática delituosa tem que arcar com mais um ônus resultante do crime: o dilema entre levar adiante a gravidez ou realizar um aborto legal, nos termos do art. 128, II do CP. Concomitante disserta Cabette (2009, p. 02) “Tal carga física e emocional imposta à vítima como resultado do crime obviamente justifica a exacerbação da reprimenda face ao considerável incremento do ‘desvalor do resultado’”.

Ainda assim, questionamentos podem surgir de casos em que a autora do delito é a mulher e esta vem a engravidar em decorrência do coito obtido ‘conjunção carnal’ através do emprego de violência ou grave ameaça. A pergunta que vem a tona é: nessas situações, seria também aplicável a causa de aumento de pena da gravidez, tendo em vista que agora a grávida é a própria autora do crime?

No sentido de achar uma solução para esta problemática Costa (2014), entende que o “desvalor do resultado” deve ser aferido não com relação às consequências oriundas da gravidez da mulher estupradora, mas sim com referência ao homem vitimado pela conduta delitiva. Neste sentido, entende-se restar intacto a motivação da exasperação penal em razão do incremento do “desvalor do resultado”. Isto ocorre devido ao fato do homem sofrer sérios prejuízos com a incidência de uma gravidez indesejada resultado de uma relação sexual violenta. Segundo Cabette (2009), a situação pode afetar o homem-vítima em seu aspecto financeiro-patrimonial (problemas de sucessão hereditária, pensão alimentícia, despesas com a criação de um rebento, alimentos gravídicos), como também efetivo-emocional (questão da convivência com a criança e a mãe criminosa; conflitos com a família do homem vitimado, relativos à sua esposa e outros filhos advindos de relações legais). Isto posto, a gravidez advinda do estupro cometido pela mulher contra o homem pode acarretar consequências devastadoras na vida pessoal deste e, em certas situações, pode até mesmo ser um dos fins da prática criminosa.

De acordo com Greco (2001, p. 499) “Pode ocorrer que uma mulher, além da finalidade de satisfazer seus desejos sexuais com a vítima, queira também, como se diz no jargão popular, aplicar o ‘golpe da barriga’”. Pertinente, imaginar a seguinte situação hipotética: uma mulher coage um homem bem sucedido profissionalmente, detentor de um patrimônio invejável à prática da conjunção carnal, almejando exatamente a gravidez para poder se valer da maternidade de um herdeiro bastardo e usufruir dos recursos provenientes de uma robusta pensão alimentícia (CABETTE, 2009). Salienta-se que, mesmo que a gravidez constitua em algo não desejado pela autora do delito, isso não irá eximir sua responsabilidade pela conduta delitiva e seus resultados na medida em que atingem mais intensamente a vítima, a qual deverá arcar com o ônus paternal.

De acordo com Costa (2014, online), é inquestionável que a conduta da mulher também virá a atingir os interesses da futura criança, a qual certamente sofrerá danos psicológicos e afetivos ao saber que foi originada de ato criminoso e não de uma relação sexual normal. Cabette (2009), afirma que todas essas questões não podem passar despercebidas no incremento do “desvalor do resultado” a indicar a justiça de uma exasperação punitiva endereçada a mulher infratora, inclusive a possibilidade de afastamento do poder familiar e colocação da criança em família substituta.

Isto posto, conclui-se que a causa do aumento de pena da gravidez, amparada no art. 234-A, III do estatuto repressivo, pode e deve ser aplicada também nas situações em que a gestante não é vítima do crime de estupro, mas sim a autora.

1.4  ABORTO SENTIMENTAL

Em se tratando de aborto, no Brasil vigora o “Sistema Proibitivo Relativo” bastante severo no qual a prática do abortamento é crime e somente em duas hipóteses peculiares há a possibilidade do aborto legal. Essas hipóteses estão insculpidas no art. 128, I e II do CP, sendo a primeira chamada aborto necessário ou terapêutico e a segunda denominada aborto sentimental (CABETTE, 2009).

Ainda sobre a perspectiva de Cabette (2009) o aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I, CP) se dá quando é necessário escolher entre a vida da gestante ou do feto, neste casos escolhe-se pelo menos dano possível, opta-se ela vida da gestante, o que também não vem a desvalorizar ou desprezar aquela vida intrauterina, ou seja, é de responsabilidade do médico a decisão sobre a necessidade do aborto a fim de ser preservado o bem jurídico que a lei considera mais importante ( a vida da mãe) em prejuízo do bem menor (a vida do feto) (MIRABETE; FABBRINI, 2010).

Por outro lado, o aborto sentimental (art. 128, II, CP) também cunhado de humanitário, é aquele licitante provocado pelo médico em mulher que tenha sido vítima de estupro, após a aquiescência expressa da gestante, ou, quando incapaz esta por seu representante legal. Para Jiménez De Asúa (1997, p. 324), essa espécie de aborto “significa o reconhecimento claro do direito da mulher a uma maternidade consciente”.

Em se tratando de aborto sentimental, Guilherme de Souza Nucci (2014) disserta que nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito a vida, e por este motivo é perfeitamente possível a prática abortiva em circunstâncias excepcionais para a preservação da vida digna da gestante.

Considerando que a mulher não deve ficar obrigada a cuidar de uma criança advinda de uma relação sexual violenta, indesejada, além de se tornar refém dos riscos de problemas de saúde mental, hereditários que podem se manifestar na criança, o legislador criou a figura do aborto piedoso a fim de proteger a integridade psicofísica da mulher violentada sexualmente, valor esse oriundo do princípio da dignidade da pessoa humana (MIRABETE; FABBRINI, 2010).

Costa (2014) dispõe que a dignidade da pessoa humana passa a ser violentada no momento em que uma pessoa é tratada como objeto sexual de outra, tendo que satisfazer os seus desejos sexuais por meio de uma imposição forçada. Diante disso, a vontade da mulher é totalmente suprimida, além do mais, deverá suportar sozinha os efeitos da gravidez. Em Decorrência do fato de que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência é que foi legitimada a prática abortiva supracitada.

Essa autorização concedida pela lei (art.128, II, CP) para que a mulher vítima do ato sexual violento (estupro) possa optar pela eliminação do feto é questionável do ponto de vista religioso, político e jurídico. Sob o enfoque jurídico, há desrespeito ao princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida disposto na nossa Constituição Federal, em seu art.5°, caput, bem como, no código civil, em seu art. 2°, onde está claro que é prioridade a proteção dos direitos do nascituro desde sua concepção. Portanto, tem-se assegurada a criança o direito à vida, por mais que a mulher tenha sofrido a conduta criminosa, não tenha desejado a gravidez, afinal fruto de um ato hediondo, do qual provavelmente irá carregar consigo o trauma do crime, não se justifica ceifar a vida intrauterina.

Como vimos, em casos em que a mulher é vítima de estupro ela poderá valer-se do aborto humanitário, como disposto no art. 218, II do diploma repressivo, porém com a superveniência da Lei 12.015/09, surge a possibilidade de que a mulher seja a autora do crime de estupro contra homem e que em decorrência da conduta delitiva venha a engravidar. Isto posto, surgem alguns questionamento, tais como: poderá a autora do estupro optar pelo aborto humanitário quando vier a engravidar em consequência de sua conduta criminosa? E mais, se a criminosa não o quiser, poderá ser forçada à prática do aborto legal no interesse do homem-vitimado?

Se tratando da primeira indagação, a resposta é negativa, uma vez que ao constranger o indivíduo do sexo masculino a realizar consigo a conjunção carnal, a mulher concorre em culpa ou dolo para sua própria gravidez, não podendo, destarte, eliminar uma vida que por sua culpa ou dolo se originou, razão pela qual se torna inviável a possibilidade de autorização de aborto sentimental em relação à mulher infratora que engravida em decorrência de seu ato hediondo (COSTA, 2014). Segundo Nucci (2014), uma mulher que violenta sexualmente um homem não tem, em momento algum, sua dignidade afrontada, não havendo, dessa forma, que se falar em sopesamento entre sua dignidade e a vida do feto.

No que atine a possibilidade de o homem vítima do estupro exigir que a mulher agressora submeta-se a um procedimento abortivo para que venha ser solucionado o “problema” (a gravidez indesejada pela vítima), afigura-se inadmissível a imposição do aborto à gestante, ainda que infratora e mesmo considerando os interesses do homem vitimado. A primeira justificativa para essa afirmação encontra-se respaldada na leitura do art. 128, II do CP, ao exigir, para a prática do aborto sentimental, o requisito imprescindível da aquiescência prévia da gestante (CABETTE, 2009).

A segunda razão para tal afirmação está calcada no fato de não ser constitucional ou tampouco justo e razoável exigir um aborto à força, uma vez que existe a prioridade de respeito ao direito de inviolabilidade da integridade corporal da gestante (COSTA, 2014). Impende-se salientar que, além de ser levada em consideração a proteção da integridade física da gestante, não se pode olvidar da proteção da vida humana intra uterina, a qual a lei brasileira tutela desde a concepção.

1.5  A PATERNIDADE INDESEJADA E OS EFEITOS NA ESFERA CIVIL

Diante do que foi exposto até o momento, surge a seguinte indagação: se a mulher estuprar um indivíduo do sexo masculino e, em consequência do ato delitivo vier a engravidar, quais as consequências remanesceriam sob o ponto de vista civil para o pai vítima, frente a impossibilidade deste exigir a prática abortiva?

Segundo Damásio et al (2011) as discussões estão embasadas nos seguintes questionamentos: (I) se poderá o bambino propor uma ação investigatória de origem biológica, (II) se terá o suposto pai obrigação alimentar, (III) se fará jus o descendente aos alimentos, inclusive aos gravídicos, (IV) se usará a criança o sobrenome paterno, (V) se participará da sucessão e (VI) se será possível ao infante exigir visita e moradia com o pai. Dessa forma, conclui o aludido doutrinador pela prevalência do princípio da vontade procriacional inequívoca (grifo nosso):

”Para que determinado ascendente, portanto, tenha responsabilidade sobre a sua prole ou descendência, e também para que essa responsabilidade gere efeitos na ordem civil, é imprescindível a presença da referida vontade de maneira expressa, inequívoca ou de maneira presumida, como nas relações sexuais em geral. No presente caso, não há qualquer vontade procriacional, motivo pelo qual também não haverá qualquer presunção de afetividade que possa implicar para o ascendente genético. Por questões que refogem ao Direito, se o referido ascendente, de maneira inequívoca, quiser reconhecer um filho fruto de estupro a que foi submetido, não haverá nenhum empecilho. Essa situação, porém, será facultativa e totalmente discricionária por parte do referido ascendente vítima, que poderá optar, inclusive, por não ter nenhum contato com a referida descendência genética, tendo em vista que esta é consequência de uma relação a que foi ilicitamente exposto e obrigado” (JESUS et al., 2011).

Na mesma linha de pensamento, Costa aduz:

“Não são menosprezados aqui os interesses da criança, entretanto uma relação afetiva de paternidade, extremamente forçada, não traz benefícios a nenhum dos envolvidos, pois o vínculo entre pai e filho diz respeito, principalmente, ao amor. O Direito não busca os chamados “santos e heróis”, ou seja, aqueles seres humanos que agem de modo supremo, com magnânima bondade e superioridade, pois o parâmetro a ser considerado é o do “homem médio” que, provavelmente, não desenvolverá com dedicação e generosidade uma paternidade da qual não participou propositadamente” (COSTA, 2014).

A linha de raciocínio levantada por Damásio e Costa é procedente, tendo em vista que diante desse fato específico, deverá haver uma relativização do direito a paternidade, eximindo a responsabilidade do pai vítima para com aquela criança, considerando-se que, além de ter ocorrido uma relação sexual forçada, em que o homem-vítima foi constrangido mediante violência ou grave ameaça a praticar a cópula vagínica, em momento algum, o mesmo manifestou sua vontade procriacional, e mais, houve um total desrespeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isto posto, nenhuma obrigação civil terá o ofendido perante a prole a ser gerada pela autora do estupro.

Entretanto, alguns doutrinadores entendem, a exemplo de Rogério Greco (2011, pp. 499-450) que, em caso que a autora do estupro venha a engravidar, o filho (fruto do delito) terá direito a alimentos e direitos sucessórios “isso porque a criança, que se tornou herdeira, não pode sofrer as consequências dos atos criminosos praticados pela mãe, devendo o Estado não somente protegê-la, como também assegurar-lhe todos os seus direitos”, inclusive participar da sucessão hereditária de seu genitor, mesmo que tenha sido ele o sujeito passivo do crime de estupro.

Marino e Cabette (2012, p. 282), por sua vez, aduzem que deve prevalecer o direito à vida do nascituro, pois “a prestação alimentícia é essencial porque objetiva o sustento e, consequentemente, garante a vida, direito preponderante, em detrimento da integridade física e psíquica do homem-vítima”.

Diante do exposto, trata-se de uma questão complexa, tendo em vista subsistir divergência de entendimentos não existindo discurso que que possa convencer a todos que venham interagir com o tema em análise a adotar esta ou aquela posição. Entretanto não há manancial jurisprudencial acerca da hipótese tratada neste tópico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a Lei nº 12.015/09 trouxe a possibilidade de enquadramento da mulher no delito de estupro, conclui-se pela possibilidade de figurar no sujeito ativo do tipo penal, inclusive na modalidade conjunção carnal, pois por mais improvável que essa hipótese pareça não se pode eximir tal prática delituosa por parte da mulher. Com fundamento no presente estudo, pode-se apontar hipóteses nas quais, mesmo sob coação física ou psicológica (grave ameaça), a vítima tenha ereção a possibilitar o delito na modalidade conjunção carnal, tais como: I) forçamento do homem ao uso de medicamentos que estimulem a ereção; II) asfixia mecânica por estrangulamento ou enforcamento; III) está no fato do homem vítima ter que buscar estímulo a qualquer custo para obter a ereção peniana para a conjunção carnal.

Poderá ser aplicada a causa de aumento de pena do art. 234-A, III do Código Penal à mulher estupradora que vier a engravidar em virtude de sua conduta criminosa, e pela impossibilidade de autorização do aborto sentimental quando a gestante for a autora do estupro. Em se tratando da possibilidade do pai vítima ter que arcar com o ônus paternal em virtude de uma gravidez não desejada pelo mesmo, existe divergência de entendimentos doutrinários.

REFERÊNCIAS

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