Anne Jemima Marques França[1]
Igor de Andrade Barbosa [2]
Resumo: Com o avanço da tecnologia e a facilidade do acesso à internet, o ambiente virtual tem sido espaço de diversos tipos de violência contra a mulher e a violação de direitos primordiais. Diante desse cenário a pesquisa fixou o seguinte questionamento: Quais os efeitos da violação do direito a intimidade da vítima em relação aos novos crimes contra a dignidade sexual da mulher no âmbito virtual? Diante desse problema foram estabelecidos como objetivos conceituar crimes virtuais, compreender os principais efeitos da violação do direito a intimidade da vítima e destacar os novos crimes contra a dignidade sexual da mulher no meio virtual. Para alcançar o desiderato proposto utilizou-se o método hipotético-dedutivo, realizando uma pesquisa de natureza básica e pura, com finalidade exploratória e descritiva, tendo como técnica de obtenção de dados, o levantamento bibliográfico. Ao final da pesquisa concluiu-se que a mulher tendo um direito básico e fundamental violado que é sua intimidade e vida privada, sendo causado danos psicológicos e materiais a vítima, fazendo-se necessária a constante atualização dos legisladores com leis que garantem a eficácia e a efetivação das normas constitucionais previstas.
Palavras-chave: Crimes Virtuais; Direito à Intimidade; Revenge Porn; Violência contra mulher.
Abstract: With the advancement of technology and easy access to the internet, the virtual environment has been the site of several types of violence against women and the violation of fundamental rights. In view of this scenario, the research asked the following question: What are the effects of the violation of the victim’s right to privacy in relation to new crimes against the sexual dignity of women in the virtual sphere? In view of this problem, objectives were created to conceptualize virtual crimes, understanding the main effects of the violation of the victim’s right to privacy and highlighting the new crimes against the sexual dignity of women in the virtual environment. To achieve the proposed desideratum, the hypothetical-deductive method was used, conducting a basic and pure research, with exploratory and descriptive sensitivity, using the bibliographic survey as a technique for obtaining data. At the end of the research it was researched that the woman having a basic and fundamental right violated, which is her privacy and private life, being sent psychological and material damages to the victim, making it necessary to constantly update the legislators with laws that guarantee the effectiveness and effect of the constitutional norms foreseen.
Keywords: Virtual Crimes; Right to Privacy; Revenge Porn; Violence against women.
Sumário: Introdução. 1. O direito à intimidade e a criminalidade cibernética. 2. O caso Carolina Dieckmann e o artigo 154-A do Código Penal como resposta penal. 3. Os novos crimes contra a dignidade sexual e suas implicações no meio virtual; 3.1 Do crime de divulgação não consensual de imagens íntima – “Revenge Porn”. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Este artigo implica em compreender a violação do direito a intimidade da vítima e os novos crimes contra a dignidade sexual da mulher no meio virtual. Pois, o ambiente digital apesar de ser bastante útil tem se tornado um meio para a disseminação da violência contra a mulher e cada vez mais vem surgindo novas modalidades criminosas, como, hackeamento de informações pessoais, o cyberbullying, onde são espalhados nas redes sociais comentários depreciativos, a sextorsão que é a chantagem ameaçando a exposição de fotos ou vídeos de teor sexual na internet e o porn reveng “pornografia de vingança” que ocorre quando, há exposição de fotos e/ou vídeos íntimos para causar humilhação da vítima, geralmente o autor é o ex-parceiro que não se conformou com o fim do relacionamento.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, assegura que são invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Porém, o meio digital tem sido usado para a exposição da intimidade feminina, onde a propagação rápida do conteúdo e a sensação de anonimato contribuem para o aumento dos casos de crimes virtuais contra a mulher e cada vez mais vem surgindo novas modalidades criminosas neste meio.
Com isso, novas leis foram constituídas a fim de proteger as vítimas desses novos crimes, por exemplo, em maio de 2012, foi criada a lei n° 12.737/2012 conhecida como a “Lei Carolina Dieckmann”, onde a atriz teve fotos íntimas divulgadas, tendo bastante repercussão. A lei n° 12.965/2014 conhecida como Marco Civil da Internet assegura um procedimento mais rápido para a remoção de mídias íntimas expostas no ambiente virtual e a lei nº 13.718/2018, que acrescentou um novo delito no art. 218-C do Código Penal: Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (revenge porn).
Isso posto, é necessário que se discorra sobre a violação do direito à intimidade das vítimas, mais especificamente a respeito das novas modalidades de crimes, contra a dignidade sexual da mulher, para que, então, buscando os melhores entendimentos doutrinários, a resposta para o problema de pesquisa seja fundamentada de forma suficiente para exaurir a questão.
Pode-se verificar que o crime virtual fere diretamente um direito fundamental que é assegurado a todos pela Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5º inciso X, que é o direito a intimidade, sendo algo que não se pode violar. Este direito visa proteger a intimidade do indivíduo, impondo limites em relação à vida privada de cada um.
Como bem nos assegura Lisboa (2013) pode-se dizer que o direito à intimidade se baseia na defesa da privacidade da vida pessoal do indivíduo. Neste contexto, fica claro que este direito é fundamental e inviolável. Desse modo é possível constatar que a esfera intima é amparada legalmente, onde a exposição de informações pessoais possibilita tomar providências para garantir a plena segurança.
É interessante, aliás, a relação que se pode fazer sobre o direito à intimidade e as práticas de crimes virtuais, conforme explicado acima, este direito está diretamente ligado a vida pessoal da pessoa. Onde a invasão ocorre quando certos limites são ultrapassados, gerando um constrangimento e sensação de insegurança da vítima.
Pode-se dizer que a intimidade é algo extremamente pessoal e confidencial. Neste contexto, para Vieira (2002) fica claro que cada indivíduo detém desse direito, sendo lhe assegurado legalmente. O autor deixa claro que é possível constatar que a intimidade se encontra dentro da privacidade onde esta abrange um sentido mais amplo e aquela se revela mais intimista, apresenta um caráter mais sigiloso.
Segundo Teixeira (2015, p. online) “Acontece que, na internet, a privacidade pode ser violada com facilidade em decorrência da indiscriminada captação de dados.” É interessante ressaltar, conforme mencionado pelo autor, devido à grande utilização do meio digital e registros recorrentes de informações pessoais, este ambiente acabou tornando-se propício para a prática de crimes.
Ora, conforme explicado acima, a internet e o direito à intimidade devem seguir juntos, portanto observa-se que o limite é uma linha tênue que facilmente pode ser ultrapassada, gerando assim, a violação da intimidade da vítima. É importante considerar que muitos dados pessoais são registrados nas redes virtuais, o que pode gerar certa vulnerabilidade, por exemplo, perfis sociais, e-mails, aplicativos, sites de compras, dentre outros.
O direito à intimidade, erigido ao status de direito fundamental pela Constituição Federal, frequentemente é objeto de violação na lógica do funcionamento das redes, com destaque para a Internet, em face do seu caráter libertário, descentralizado e transfronteiriço. Frente à quantidade de informações que podem ser armazenadas e difundidas no âmbito virtual, é de extrema importância o enfrentamento dos problemas que decorrem da relação entre a utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação e a intimidade, já que essa está em constante mutação social influída pela constante inovação tecnológica. (HOCH, 2017, p. 11)
É interessante a preocupação, pois como o autor deixa claro, devido ao grande armazenamento de dados pessoais nas redes, e principalmente com a constante evolução da internet, o direito à intimidade tem sido violado. E isso afeta o indivíduo diretamente, pois algo que é extremamente pessoal acaba sendo invadido, gerando sérios transtornos para a vítima.
Conforme explicado acima o que importa, portanto, é que o direito à intimidade é um direito fundamental assegurado pela nossa constituição brasileira, infelizmente, é algo que tem sido desrespeitado, principalmente com o uso da internet, verifica-se ainda que estes crimes tem sido bastante recorrentes, observa-se que cada vez mais vem surgindo novos crimes que ferem e atingem diretamente a vida privada da vítima.
Os crimes virtuais são delitos praticados através da internet, com objetivo de atingir alguém, podendo ser uma pessoa específica ou um público ocasional. O avanço da tecnologia e a facilidade do acesso à internet, tornou as pessoas mais vulneráveis aos crimes cibernéticos. “A ocorrência desses crimes apresenta um crescimento acentuado, seja pelo crescimento de usuários, pelas vulnerabilidades existentes na rede ou pela falta de atenção do usuário”. (WENDT e NOGUEIRA JORGE, 2013, p. 1)
Como bem nos assegura Sidow (2015) pode-se dizer que grande parte das vítimas dos crimes cibernéticos, são pessoas que utilizam o meio virtual, mas não tem um grande conhecimento sobre este ambiente e acabam se tornando vulneráveis. Neste contexto, fica claro que por esta falta de conhecimento, acabam incentivando a continuidade destes delitos. O mais preocupante, contudo, é constatar que a sociedade digital proporciona uma sensação de anonimato e liberdade para agir, que acaba gerando uma sensação de impunidade para quem utiliza de forma irresponsável para a prática de crimes.
É interessante, aliás, que a modernização acompanha também lados negativos, o que era para trazer benefícios e facilitar a vida da coletividade, é aonde também vêm ocorrendo vários tipos de crimes, conforme explicado anteriormente. Com base em pesquisas do dfndr lab, laboratório especializado em cibersegurança da Psafe, em 2018 foram detectados 120,7 milhões de ataques cibernéticos e teve um crescimento no ano de 2019, com previsões de aumento para o ano de 2020, ainda mais com o aumento do uso de computadores e eletrônicos móveis devido à pandemia (Covid-19).
Conforme verificado por Jesus e Milagre (2016) crime informático é aquele que atinge a vítima por meio da internet ou contra a mesma. Assim, reveste-se de particular importância uma classificação entre crimes informáticos próprios que são aqueles em que a conduta antijurídica é contra a tecnologia da informação, que de certa forma é algo recente no nosso ordenamento jurídico e os crimes informáticos impróprios, onde a internet é um dos meios para praticar um crime já amparado pelo Código Penal brasileiro. Sob essa ótica, o autor deixa claro que com o acesso fácil aos meios eletrônicos e a internet, estes crimes tem se tornado cada vez mais frequentes.
Segundo Sidow (2015, p. online), “[…] a potencialização da possibilidade de comunicação e a sensação de segurança fizeram com que houvesse massiva popularização da rede. Certamente, todavia, a evolução tecnológica trouxe consigo sacrifícios e riscos”. Neste contexto, conforme mencionado pelo autor os crimes virtuais tem se tornado cada vez mais recorrentes. Assim, preocupa-se o fato de que o cidadão seja cada vez mais dependente da tecnologia informática, o que já se tornou uma necessidade.
Ora, em tese, os crimes cibernéticos, conforme explicado acima, estão mais rotineiros e cada vez mais vem surgindo novas modalidades, o que tem sido um desafio para o judiciário criar novas leis que protejam de forma eficaz o cidadão. Os novos crimes contra a dignidade sexual da mulher, por exemplo, são modalidades que irão ser aprofundadas no presente artigo.
De acordo com Da Silva (2015, p. s/p):
Surgiram com a internet e os dispositivos informáticos, a exemplo do computador, celulares, tablets, dentre outras tecnologias digitais, uma grande quantidade de crimes efetuados não só por meio destas novas ferramentas, mas também contra estas, seus sistemas operacionais, arquivos particulares, dentre outros. Com isso, havia a necessidade de se ter uma lei que punisse os crimes cometidos contra os dispositivos informáticos e seus componentes no ordenamento jurídico brasileiro.
O autor deixa claro na citação acima, que com as novas tecnologias informáticas surgiram novos crimes praticados por meio delas e até contra os sistemas operacionais dos dispositivos tecnológicos. Devido a isso surgiu a necessidade de uma legislação especifica, onde o ordenamento jurídico brasileiro pune estes crimes com base na Lei 12.737/12, chamada como Lei dos crimes cibernéticos ou Lei Carolina Dieckmann.
Fica evidente, diante desses questionamentos e apontamentos, que os crimes virtuais são cada vez mais comuns e é necessária a busca pelo conhecimento para evitar entrar nas estatísticas de se tornar mais uma vítima. Entende-se que a facilidade e dependência da internet são de certa forma uma abertura para os criminosos agirem, além da sensação de anonimato e impunidade.
A evolução da sociedade veio acompanhada da modernização, com isso observa-se uma grande dependência da população em relação aos objetos eletrônicos, computadores, celulares, tablets, dentre outros, são meios essenciais nos dias de hoje, devido à grande facilidade de obtê-los. Em razão do grande número de informações pessoais armazenadas nestes dispositivos, foi encontrado um novo nicho para se agir criminosamente. Com isso, fez-se necessário, a criminalização de certas condutas, tipificando devidamente no Código Penal.
Pode-se dizer que o crime previsto no artigo 154-A do Código Penal é o crime de invasão de dispositivo informático. Neste contexto, para Rocha (2013) fica claro que este artigo visa a segurança da população no ambiente digital sendo possível constatar que, deve ser assegurado a proteção e sigilo de todas as informações armazenadas nos dispositivos informáticos, bem como a intimidade e vida privada resguardada.
É interessante, aliás, ressaltar sobre o caso da atriz “Carolina Dieckmann”, onde houve bastante repercussão, quando em maio de 2011, teve o seu computador invadido por hackers e suas fotos íntimas divulgadas na internet, o que de certa forma incentivou a aprovação da Lei 12.737 de 30 de novembro de 2012, que ficou conhecida com o nome da atriz. A lei alterou os artigos 154, que incluiu os artigos 154A e 154B e também o 266 e 298 do Código Penal Brasileiro.
É perceptível a tipificação de um novo crime, pois antes da Lei 12.737/2012 entrar em vigor, não havia dispositivo legal que criminalizava a invasão de dispositivos informáticos. Portanto quem comete tal crime, será indiciado com base nesta lei.
Segundo Teixeira (2016, p. 18) “Assim, o Marco Civil da Internet pode ser compreendido como a demarcação dos direitos do cidadão quanto ao uso da rede mundial de computadores, sobretudo no âmbito brasileiro”. A Lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, assegura os direitos e deveres dos usuários e assim como a “Lei Carolina Dieckmann”, são consideradas avanços na legislação brasileira. Pois com a evolução da internet fez-se necessário um dispositivo legal para tratar e regular as informações e crimes cometidos no ambiente digital.
Foi feito um levantamento pela SaferNet Brasil que é uma associação civil de direito privado, em parceria com o Ministério Público Federal. Onde foram registradas 133.732 queixas de crimes no ano de 2018, ante 63.698 em 2017. Onde a maior alta está relacionada a crimes contra mulheres.
Pode-se dizer que a “Lei Carolina Dieckmann” e o “Marco Civil da Internet”, como assim foram denominados, foram de suma importância, certamente um avanço da legislação brasileira. Ao ser observado que os cibercriminosos utilizavam o meio digital para agir livremente, surgiu a necessidade de proteger a sociedade e tipificar devidamente os delitos digitais como antijurídicos.
Com a modernização da sociedade e consequentemente das relações interpessoais, sendo adotadas algumas práticas, como o “sexting”, que é um termo estrangeiro onde apresenta o seguinte significado: “sex” (sexo) e “texting” (troca de mensagens). Se caracteriza pela troca fotos ou vídeos de cunho sexual, onde o indivíduo tem acesso a privacidade alheia e a divulgação de imagens não autorizadas pelas vítimas, é um dos crimes cometidos contra a mulher no ambiente virtual. (BELEZIA, 2015)
Como bem nos assegura Citron e Franks (2014), pode-se dizer que toda e qualquer divulgação sem permissão da pessoa pode caracterizar crime. Neste contexto, fica claro que a exposição não consentida gera danos severos a vítima. O mais preocupante, contudo, é constatar que o agressor tem como objetivo principal ofender a vítima moralmente.
É interessante, aliás, conforme explicado acima, que apesar de ser considerada uma prática comum, o sexting ou popularmente conhecido como nudes, tem gerado preocupações pela falta de controle sobre as imagens, sendo necessária a total confiança do titular ao enviar esses tipos de conteúdo. Mas há um fato que se sobrepõe, é possível considerar que a divulgação não consensual de imagens íntimas pode ser subdividida em duas categorias, quais sejam: i) ausência de consentimento na captação; ii) ausência de consentimento na divulgação. (CASTRO e SYDOW, 2017, p. 28).
Outra modalidade de crime contra a dignidade sexual da mulher é a sextorsão, termo que surgiu com a união das palavras (sexo) e (extorsão). Neste crime é exigido sob ameaça o envio de materiais de cunho sexual como fotos e/ou vídeos íntimos ou ainda favores sexuais, caso a vítima não envie tem-se conteúdos íntimos e sigilosos divulgados no meio digital (CASTRO e SYDOW, 2017).
Já o estupro virtual é um crime que está tipificado no artigo 213 do Código Penal, onde o uso das imagens pessoais é usado como forma de forçar a vítima a se relacionar sexualmente com o próprio autor ou ainda com terceiro (CUNHA, 2017)
Conforme verificado por Abreu, Eisenstein e Estefenon (2013), a sextorsão é cometida principalmente contra mulheres, onde os criminosos detêm de fotos e/ou vídeos de conteúdo sexual. Pode ser praticada por hackers ou ex-parceiros que por meio de chantagem, podem pedir dinheiro ou até favores sexuais ou amorosos, usando a ameaça para obterem êxito.
De acordo com Sydow e Castro (2019, p. 41) é possível classificar a divulgação não autorizada em quatro categorias:
Sendo assim, podemos perceber, conforme citado acima que esta classificação auxilia o entendimento sobre a divulgação não consensual de imagens íntimas, esclarecendo quanto a fonte, obtenção do material, permissão para a disseminação e motivação para a disseminação do material. Fica evidente que é necessário um aprofundamento para entender os novos delitos acrescentados ao Código Penal pelo legislador.
Com a proliferação da violência virtual e se tornando cada vez mais comuns, coube ao legislador criar leis que regulamentasse o ciberespaço, conforme já citadas, a Lei 12.737/2012 (apelidada como Lei Carolina Dieckmann) que criminaliza a invasão de dispositivo informático de outrem, sem a devida autorização, a fim de se obter informações pessoais e a Lei 12.965/2014 conhecida como o Marco Civil da internet que buscou regulamentar os direitos e deveres dos usuários da internet.
Porém verificou-se que as referidas leis ainda apresentavam lacunas, principalmente com o surgimento de novas modalidades delituosas praticadas no ambiente virtual. Devido a isso, com o advento da Lei 13.718/2018 que alterou o Código Penal, tipificou como crime a divulgação não consensual de imagens íntimas na internet, acrescentando os artigos 215-A, 217-A, §5º, 218-C, e 226, IV ao título dos crimes contra a dignidade sexual do Código Penal e, também, alterou os artigos 225 e 234-A do mesmo diploma legal (SIDOW, 2018).
3.1. Do crime de divulgação não consensual de imagens íntimas – “Revenge porn”
A pornografia de vingança, que também é conhecida como “revenge porn”, é o compartilhamento não consensual de fotos ou vídeos, tendo como objetivo principal a vingança. Este crime geralmente ocorre quando há um rompimento de um vínculo afetivo e ao não se conformar com o término do relacionamento o ex-parceiro propaga no ambiente digital imagens ou vídeos, tendo como principal objetivo a vingança, humilhando e constrangendo a vítima (SYDOW e DE CASTRO, 2015).
Conforme verificado por Castro e Sydow (2017) o compartilhamento não consensual de conteúdo íntimo, tem como requisito para que se enquadre criminalmente, a ausência de consentimento na captação e a falta de consentimento para a divulgação. Assim, reveste-se de particular importância verificar a existência desses requisitos no caso concreto.
Segundo Garrido (2016, p. 87) “(…) o anonimato associado à impunidade faz aumentar a agressividade e a violência entre as pessoas dentro da Internet, especialmente no que diz respeito aos crimes contra a honra”. O autor deixa claro sobre a real necessidade de leis que acompanhem a evolução da sociedade. Dessa forma a Lei 13.718/2018, buscou suprir as lacunas de leis anteriores.
Como bem nos assegura Sydow e Castro (2019), pode-se dizer que o legislador buscou a proteção dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, direitos estes tidos como fundamentais e invioláveis, como a intimidade, privacidade e a dignidade. Neste contexto, fica claro que a violação destes direitos fere um princípio constitucional e acarreta consequências graves para as vítimas.
Dessa forma o artigo 218-C tipifica a disseminação não consentida de imagens íntima, conforme abaixo:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Exclusão de ilicitude (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Para melhor entendimento da redação do artigo 218-C, Sydow e Castro (2019, p. 134-136) propõem a divisão do caput do referido artigo em três práticas: (a) a divulgação do registro do crime de estupro, possibilitando que o agente seja penalizado por incidir em ambos os tipos, (b) a apologia ou indução à prática do crime de estupro, atividade que diz respeito apenas ao uso de fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual visando estimular o referido crime, e busca atingir especialmente a disseminação de sítios voltados à propagação de discursos de ódio que fomentam crimes sexuais, e (c) registros de cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima.
Importante ressaltar que a ministra Nancy Andrighi, em julgamento de recurso especial interposto pela Google Brasil Internet LTDA., em março de 2018 reconheceu a pornografia não consensual como forma de violência de gênero:
A peculiaridade que deve ser ressaltada relaciona-se com a natureza do conteúdo divulgado na internet: cuida-se de vídeo que contém cenas de nudez e de conotação sexual de caráter totalmente privado da recorrida, cuja divulgação ocorreu sem nenhuma autorização por parte dela. A divulgação não autorizada desse tipo de material íntimo ou sexual recebeu a alcunha de exposição pornográfica não consentida ou pornografia de vingança, em razão de ser particularmente comum nas situações de fins de
relacionamento, quando uma das partes divulga o material produzido
durante a relação como forma de punição à outra pelo encerramento do laço afetivo. […] Após traçar o contexto histórico e social da pornografia de vingança no Brasil, essa mesma autora afirma que se trata de uma forma de violência de gênero. Não são raras as ocorrências de suicídio ou de depressão severa
em mulheres jovens e adultas, no Brasil e no mundo, após serem vítimas dessa prática violenta: a divulgação não autorizada de material íntimo. Essa nova modalidade de violência não é suportada exclusivamente pelas mulheres, mas especialmente praticada contra elas, refletindo uma questão de gênero, culturalmente construída na sociedade (CAVALCANTE, Vivianne A.P.; LELIS, Acácia G.S. Violência de gênero contemporâneo: uma nova
50 modalidade através da pornografia de vingança. In: Interfaces Científicas, Aracaju, v. 4, n. 3, junho de 2016).
Como afirmam as pesquisadoras CALVANTE e LELIS (2016, p. 61), nas décadas passadas, o macho quando desafiado, rejeitado ou inconformado fazia uso da violência física para se autoafirmar, hoje, reage com a violência simbólica ao expor cenas da mulher em público. (STJ, 2018).
Apesar deste crime não ser praticado unicamente contra mulheres, infelizmente a mulher acaba se tornando uma vítima na maioria dos casos, como bem ressalta a ministra, ficando clara a questão do gênero.
Sendo assim, é importante uma discussão sobre as novas modalidades de ilícitos informáticos, o que gerou a criação e alteração de leis. Podemos perceber conforme citado acima que esse quadro remete grande preocupação devido ao aumento da prática destes delitos. Não é exagero afirmar que esses crimes são aplicados especialmente contra mulheres.
Como bem nos assegura Crespo (2015) pode-se dizer que surgiu uma nova modalidade em relação a divulgação não consensual de conteúdos íntimos, de cunho sexual, na internet, tendo como objetivo principal a vingança, que é o chamado revenge porn. Neste contexto, fica claro que as vítimas em sua maioria são mulheres, onde, com o rompimento de um laço afetivo, o ex-parceiro não conformado com o término do relacionamento utiliza deste meio para se vingar e humilhar publicamente a vítima.
No ano de 2018, dados divulgados pela SaferNet que recebeu por meio da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos cerca de 133.732 queixas de crimes, sendo que em 2017, foram 63.698. As denúncias são feitas online por usuários anônimos, em projeto mantido pela SaferNet Brasil em parceria com o Ministério Público Federal. Conforme explicado acima, A entidade aponta que o número de casos atendidos de vazamentos de nudes e sextorsão aumentou 131,49%. A maioria das pessoas afetadas são mulheres (66%) e acima de 25 anos (53%).
De acordo com Recupero (2016, p. 324)
A “pornografia de vingança” tipicamente se refere à disseminação (sem o conhecimento ou consentimento do sujeito) de mídia sexualmente explícita, como fotos ou vídeos, que foram originalmente obtidos com o consentimento do sujeito, geralmente originada de um relacionamento íntimo romântico.
Conforme explicado acima à pornografia de vingança, portanto, é todo e qualquer material compartilhado sem a devida autorização. Essa, porém, é uma prática que vem ocorrendo de forma recorrente. Vê-se, pois, que infelizmente, principalmente ex-parceiros não conformados com o término do relacionamento, agridem moralmente a vítima, com o objetivo primordial de se vingar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa permitiu verificar alguns aspectos relevantes para o entendimento dos principais aspectos dos crimes cibernéticos e suas novas modalidades criminosas, bem como a violação do direito à intimidade e seus efeitos.
Observa-se que os novos crimes conta a dignidade sexual da mulher, estão ligados diretamente com a modernização e evolução da tecnologia, pois é notória a utilização do ambiente digital como forma para cometer crimes. Cabendo portanto à legislação, atribuir sanções, afim de não deixar os novos delitos que surgem impunes.
Portanto fica evidente que os crimes virtuais violam os direitos fundamentais previstos na Carta Maior, sendo feito um destaque para a nova modalidade criminosa contra a dignidade sexual da mulher, como a divulgação de fotos e/ou vídeos da vítima.
Desta maneira, conclui-se que a internet traz vários benefícios, mas em contrapartida propicia um meio para criminosos agirem. E a mulher tendo um direito básico e fundamental violado que é sua intimidade e vida privada, causando danos psicológicos e materiais a vítima, sendo necessária a constante atualização dos legisladores com leis que garantem a eficácia e a efetivação das normas constitucionais.
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[1] Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins (Campus I – endereço: ACSU – SE 140 Avenida Teotônio Segurado LT 01 – Bairro Centro (QD 1402 Sul) – CEP: 77061-002 Palmas – TO). E-mail: anne.franca@a.catolica-to.edu.br
[2] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Defensor Público Federal. E-mail: igor.barbosa@catolica-to.edu.br.
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