Critério etário de maioridade civil e extinção da obrigação alimentar

Não só questões e anseios socialmente relevantes
inspiram a lei. Também os espectros da filantropia universal e da solidariedade
humana a fundamentam. Pessoas há que se encontram ligadas para todo o sempre,
por laços parentais, ou simples liames fraternais e de afinidade. A
sociabilidade faz com que, não raro, dependam umas das outras. E assim, o que
logrou atingir maior altiplano na vida, pode e tem de auxiliar o menos
favorecido, para que ostente uma vida com o mínimo de dignidade humana. Se o
Estado não tem como dar efetividade a garantias sociais, como moradia, saúde.
trabalho, lazer e educação, as pessoas tem de fazê-lo quanto aos seus. Não que
isso resulte crítica a não-atuação do Estado na vida das famílias; nem poderia
fazê-lo, posto vedado pelo Estado Democrático e de Direito. O que ora se
argumenta, é a situação de uma pessoa que por seus meios próprios não consegue
sobreviver, necessitando do socorro do outro cuja vida está desenhada com cores
vivas da prosperidade.

Daí o instituto dos alimentos, a socorrer quem não
tem, por diversos motivos, como se apresentar com condições materiais mínimas
de subsistência humana, rogando ao próximo que lho satisfaça tais reclamos da
vida.

O direito à prestação alimentar resulta da lei, da
vontade das partes ou do delito. Tem sua gênese no parentesco, na instituição
de uma entidade familiar (casamento ou união estável); no ato ilícito,
obrigando-se o ofensor a reparar e ressarcir o dano causado, para tanto
pensionando a vítima; e, no instrumento contratual de instituição da união
estável, ou do concubinato, estipulando-se a obrigação alimentar para viger
entre os companheiros ou concubinos após a dissolução da entidade.

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Interessa-nos a primeira hipótese: alimentos devidos em razão do
parentesco. De efeito, o Código Civil de 2002 modificou a regra biológica e
cronológica de capacidade civil absoluta. Fê-lo, claramente, no caput do artigo 5º. Desde 11 de janeiro
de 2003, portanto, aos dezoito (18) anos completos atinge-se a maioridade
civil, habilitando-se integralmente a pessoa natural à prática de todos os atos
da vida civil. Ganha-se legitimação a pessoa, no mesmo momento em que se torna
criminalmente imputável. Com isso, alguns direitos e algumas obrigações se
extinguem automaticamente, assim como outros direitos e outras obrigações
ganham vida. É o que veremos, a seguir, cingindo nosso foco de estudo aos
absolutamente capazes, que assim se encontram simplesmente pela ocorrência da
maioridade civil, quando completam os dezoitos anos de idade.

Pois muito bem.

Substitutivo do pátrio poder, é o instituto
jurídico do poder familiar. Mudou-se não apenas a denominação, mas também o
alcance e a legitimidade do titular do direito, máxime se considerado o avanço
social olvidado pelas disposições do Código Civil de 1916. Há muito o sistema
legislativo consagrou a isonomia entre homem e mulher, de tal sorte que a
disciplina do Código Civil de 2002 apenas expressou numa única Norma o
indisputável Direito que o tempo consolidara. Note-se, porém, que apenas os
filhos menores estão sujeitos ao poder familiar. Este se exerce na constância
do casamento, ou da união estável, por ambos os genitores. Mesmo depois de
dissolvida a união estável ou o matrimônio, permanece indene o direito ao
exercício do poder familiar, só se alterando o direito que aos genitores cabe
de terem em sua companhia os filhos (guarda). No exercício do poder familiar,
competirá aos pais dirigir a criação e educação dos
filhos.

É da essência do poder familiar o dever de prestar
assistência material ao filho. Não se trata de obrigação alimentar; e, sim, do
dever de sustento. E isso deve se apresentar espontaneamente, mesmo após a
dissolução do vínculo que unia os genitores, de tal sorte que não se mostra
crível conceder-se um padrão de vida à criança enquanto a tinha sob sua guarda
e outra, bem inferior, depois de perdê-la ou compartilhá-la em decorrência da
dissolução do casamento ou da união estável. Já é chegado o tempo em que os
pais têm de superar a antiga insciência que os fazia usar a criança como mero
instrumento de barganha, relegando-a para segundo plano e deixando de vê-la
como ser autônomo, mero espectador da briga do casal que a tudo assiste sem
poder escolher um vencedor. Enquanto tem o filho sob sua guarda, concede-lhe
tudo sem medir esforços ou economias; depois que o perde, nega-lhe a mais
ínfima expectativa de um futuro melhor.

Contudo, este dever de sustento da família e a educação dos filhos
incumbe aos cônjuges, ou aos companheiros, na proporção de seus bens e dos
rendimentos do trabalho. Não se falou que concorrerão em igualdade de
condições. Não se igualou simetricamente o dever, mesmo porque raramente há
possibilidade igual dos cônjuges. Muitas são as situações em que apenas um dos
consortes tem condições de sustentar sem se prejudicar, ou contribuir com
maiores proporções, pois há casais que apenas um saí para trabalhar e prover a
casa, enquanto o outro cuida dos afazeres domésticos e da fiscalização direta
da conduta da prole. Um ministra diretamente os recursos econômicos do lar,
injetando dinheiro na sociedade conjugal; e, o outro, fá-lo apenas
indiretamente, através de sua labuta diária, limpando, arrumando, cozinhando,
lavando etc.

Manter-se a igualdade, aritmeticamente, poder-se-ia gerar injustiça
grave. Daí o espírito da lei insculpido no artigo 1.586 do Código Civil de
2002, que só tem a merecer aplausos. Porém, dúvidas há sobre a sua
constitucionalidade, face ao comando ínsito no inciso I do artigo 5º, do Pacto
Fundamental, bem como a norma jurídica contida no artigo 226, § 5º, ao preceituar
que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.

De todo modo, o que se indaga para o cerne do presente estudo, é:
atingida a maioridade civil, extingue-se o direito à prestação alimentar? A
princípio, poder-se-ia responder afirmativamente, sem qualquer dúvida, pois com
a maioridade civil extingue-se o poder familiar e, juntamente, o dever de
prestar assistência material. Mas parece que não é tão simples assim. Vejamos.

O Código Civil de 2002, a exemplo do revogado, não trouxe
expressamente o critério etário como forma de exoneração da obrigação
alimentar. Falou-se apenas da situação financeira (art. 1.699). O mesmo se diga
em relação ao direito de reclamá-lo, de tal sorte que ele não se limita aos
menores. Nessa seara, irrelevante que a fixação da prestação, sob a égide do
novo Código, esteja a beneficiar pessoa que ora se constata plenamente capaz. O
dever de sustento, inerente ao poder familiar, pouco influi no direito à
prestação alimentícia.

Isso porque,
uma coisa é o dever de sustento, inerente ao poder familiar e imputável a ambos
os cônjuges, proporcionalmente. Trata-se de direito natural do beneficiário e
tem sua causa jurídica centrada tão-somente na filiação e no poder familiar.
Aqui, afigura-se até mesmo prescindir-se do binômio necessidade-possibilidade,
além de abarcar o dever de educação. Este dever de sustento, sim, cessa com a
maioridade civil, que é uma das formas de extinção do poder familiar. Mas não é
um simples dever. O instituto da assistência material tem em mira algo
superior, qual a própria sobrevivência da prole. Para tanto, devem os pais
contribuir para a formação psicológica e moral, a instrução cultural e social,
a higiene básica, o lazer, a saúde, a alimentação etc. E a contribuição
proporcional aos seus recursos mantém-se aos cônjuges
separados judicialmente (art. 1.703), e também aos companheiros cuja união
estável se dissolveu. Em síntese: têm de contribuir para que o filho se
desenvolva com o mínimo de dignidade humana, garantindo-se-lhe adaptar-se à
vida social sem maiores sacrifícios. O sujeito ativo desta relação, i. é., o
credor, é sempre o filho, e o sujeito passivo são sempre os pais.

Outra coisa, contudo, é a obrigação alimentar, que trata de vínculo
jurídico, de natureza transitória, força do qual o sujeito passivo da obrigação
tem uma prestação positiva (obrigação de dar) a honrar em favor do sujeito
ativo, cujo objeto cinge-se à prestação de alimentos e subsiste enquanto durar
a necessidade do alimentário e a possibilidade do alimentante, sendo que o
inadimplemento desta obrigação gera responsabilidades patrimonial (penhora de
bens) e pessoal (prisão civil). Não tem limite temporal e se sujeita,
essencialmente, aos pressupostos estabelecidos no art. 1.695 do Código Civil. É
por força da obrigação alimentar, ainda, que nasce o direito do ascendente em
demandar prestação alimentícia do descendente. Nesse sentido o artigo 1.696 a
conferir recíproco direito à prestação de alimentos entre pais e filhos,
estendendo-o a todos os ascendentes, cujo grau mais próximo exclui o mais
remoto, e atinge uns em falta de outros (procedendo-se a ação de alimentos
contra o ascendente de um grau se houver prova de que o mais próximo não
poderia satisfazê-la).

Aqui interessa o parentesco, e não o poder familiar. Os sujeitos da
relação jurídica, como se viu, são variáveis, ora um parente podendo figurar
como sujeito ativo da obrigação, ora como sujeito passivo, pois um pai, por
exemplo, tanto pode ser obrigado a prestar alimentos como também pode obrigar
que lhe prestem. Veja-se que, enquanto no poder familiar somente o descendente
é credor, o mesmo não acontece para a obrigação alimentar, na qual também os
ascendentes podem demandar alimentos, quando deles necessitarem e puder provê-los
o descendente.

A distinção é clara. Não o é, porém, no campo prático. O pensamento
consolidado sob a égide do Código Civil de 1916 serve ainda para a compreensão
do novo sistema.

Yussef Cahali, pondera que “a orientação mais
acertada é aquela no sentido de que, cessada a menoridade, cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação
de sustento adimplida sob a forma de prestação alimentar, sem que se faça
necessário o ajuizamento, pelo devedor, de uma ação exoneratória: ‘quando a
obrigação resulta do pátrio poder, cessando esta, aquela também cessa. Não há
obrigação sem causa. Desaparecendo a causa de pedir alimentos, cessam pleno iure os efeitos da sentença que os
concedeu. Assim, a própria sentença concessiva de alimentos (ou o acordo por
ela homologado), nesses casos, traz consigo, ínsita a medida de sua duração, ou
o seu dies ad quem: aquele em que o
credor completar a sua maioridade. A sentença não subsiste à obrigação
desaparecida. Daí a possibilidade de o obrigado suspender, incontinenti, os pagamentos ou requerer simples ofício ao juiz, ao
empregador, para suspender os descontos.” (Dos alimentos. 2ª ed., São Paulo:
RT, 1993, p. 506).

E continua: “efetivamente, a jurisprudência,
inclusive prestigiando expressamente a tese aqui sustentada, tem-se orientado no
sentido de que a obrigação de contribuir para criação e educação dos filhos
menores, como dever de sustento inerente ao pátrio poder, assumida pelos
cônjuges quando da separação consensual ou do divórcio, ou mesmo quando imposta
por sentença inclusive em ação especial, mesmo denominada de prestação
alimentícia, cessa automaticamente com a maioridade dos beneficiários; o dever
de prestar alimentos aos filhos é contemporâneo do exercício do pátrio poder
sobre eles, somente renascendo, depois de terem conquistado a capacidade civil,
quando não tenham bens, nem possam prover, pelo seu trabalho, à própria
mantença (art. 399 do CC), o que deve ser demandado e demonstrado pelas vias
próprias; não se legitimando, daí, aliás, a prisão civil do devedor pelo não pagamento
de pensões pretensamente vencidas após a maioridade civil do filho.” (ob. cit.,
págs. 506/507).

O dever de sustento sujeita-se a termo,
representado justamente pela data que o filho completou dezoito anos. A
extinção é automática, pela só ocorrência do termo extintivo. Note-se, ademais,
que o crime de abandono material só se dá em relação ao filho menor de dezoito
anos (Lei n. 5.478/68, art. 21).

Logo, cessado o poder familiar com o atingimento da
maioridade civil, extingue-se, ope legis,
o dever de sustento, nada mais se podendo exigir sob tal rubrica. O dever
originado daquele poder familiar finda quando este cessa por inteiro. Enquanto
houver menoridade, haverá dever de sustento; atingida a capacidade civil plena,
cessa-se o dever de sustento juntamente com a extinção do poder familiar, e
nasce a obrigação alimentar.

Para a obrigação alimentar, em tese, a maioridade
do filho é irrelevante para determinar a obrigação do genitor, que é recíproca
entre ascendente e descendente, demonstrada a impossibilidade daquele de prover
à sua subsistência (Cf. RT 258/541). Como se disse, a obrigação alimentar
existente entre pais e filhos decorre do parentesco, seja civil ou natural, e
não tem em mira o critério etário. De modo que, mostrar-se-ia plenamente viável
a prestação alimentar a filhos maiores desde que, não obstante atingida tal
condição, subsista a necessidade do suprimento a cargo do alimentante, tendo
este condição de prestá-la. A necessidade do suprimento desaparece quando,
cessada a incapacidade, passem os filhos a desenvolver atividade remunerada
(Cf. RT 622/84).

Ademais,
simples joeira da Lei Civil permite defluir que podem os parentes pleitear
alimentos, fixados proporcionalmente à possibilidade da pessoa obrigada, de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação. São devidos alimentos, ainda,
quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem
pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam,
pode fornecê‑los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. É caso de
obrigação alimentar.

Casos
excepcionalíssimos havia, e ainda há, autorizando o direito às prestações
alimentares mesmo depois da maioridade civil. Mormente em prestígio à instrução
educacional. Muito comum, pois, é o caso do filho que beneficiara-se de
alimentos desde sua menoridade, e mesmo depois de extinto o poder familiar,
quando se trata de estudante sem encomia própria, continua a recebê-los, de
modo a estender a obrigação até os 24 anos. Veja-se que, agora, não se trata de
dever de sustento, mas sim de obrigação alimentar, quando então passa-se a
exigir prova da possibilidade e da necessidade (que não se presume nem se
dispensa).

Porém,
o artigo 1.701 verberou que a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá
pensionar o alimentando, ou dar‑lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo
do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor. A redação é
diferente do dispositivo correspondente do Código Civil de 1916 (art. 403).
Quer-nos parecer, com isso, que o dever de contribuir com a educação não
beneficia mais o filho maior de 18 anos. A lei é clara: quando menor. A garantia da educação, portanto, confere-se apenas
ao filho menor. Parece que, com isso, não se acompanhou o posicionamento
doutrinário e jurisprudencial de estender a obrigação para depois da
maioridade, quando o filho estiver cursando ensino superior.

Por
derradeiro, outra aspecto merece análise. Diz respeito exatamente ao caso em
que o dever de sustento ou a obrigação alimentar teve seu termo inicial na
vigência do Código Civil de 1916 e ao tempo do Código Civil de 2002 o
beneficiário está a completar ou já tenha completado dezoito anos de idade. Por
força do novo Código, extingue-se o direito às prestações alimentares? A
resposta é simples, basta distinguir-se o dever de sustento, que realmente põe
fim às prestações alimentícias, das obrigações alimentares, cujo critério
etário pouco ou quase nada influencia e tem sua causa jurídica subjacente
centrada no binômio necessidade-possibilidade.

Nessa
seara, o direito às prestações se extingue, pelo critério etário, quando sua
causa for o poder familiar. Não importa se o termo inicial tenha se verificado
na vigência do Código Civil de 1916, uma vez que aqui não se há falar em
direito adquirido, coisa julgada ou ato jurídico perfeito. Subsistirá o direito
às prestações, não obstante, se tiver por fundamento a obrigação alimentar,
provando-se a necessidade do credor e a possibilidade do devedor. E tudo isso,
anote-se, não deslembra nem afronta o princípio da irrenunciabilidade dos
alimentos, pois não estamos falando do direito substantivo a alimentos, e sim
do direito adjetivo a prestações alimentares.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alex Sandro Ribeiro

 

Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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