Sumário: 1. Poder Judiciário como Espaço da Política. 2. Ideologia e Disciplina: a modelagem
institucional do juiz. 3. A mídia e as Estratégias de
Ressignificação da Contracultura judicial.
4. Conclusão.
1. Poder Judiciário como Espaço da Política –
Como demonstramos em
outra oportunidade[1],
o Poder Judiciário, enquanto poder dito “apolítico”, na realidade não
só partilha da função estatal de hegemonia como ajuda a formar e conformar o
próprio “lugar da política” na sociedade capitalista.
A idéia do Judiciário
como poder “apolítico” tem origem no iluminismo liberal, e toma corpo
após as revoluções burguesas do século XVIII que instauraram as bases do Estado
Capitalista e do modelo napoleônico de Direito. Em Montesquieu, por exemplo, o
Judiciário assume um caráter “subalterno”,
no sentido de que não se constituiria propriamente em um “Poder”, mas em
mera “atividade” plenamente dependente
da Lei[2].
Essa concepção de
neutralidade seria posteriormente materializada no Código Civil de 1804 e
defendida no plano “hermenêutico” (isto é, aplicação restrita à “letra da lei”,
como se isso fosse possível de um ponto de vista linguistico) pela Escola da
Exegese.
Tais posturas
correspondiam ao interesse da burguesia no aproveitamento de quadros técnicos
do Antigo Regime, com a devida “neutralização” de práticas, opiniões e costumes
anteriores, bem como da própria posição política desses, simpática à
monarquia. A idéia de poder “apolítico” possui
origens e motivos fundamentalmente políticos,
portanto.
A democracia representativa como conquista liberal
resultou, no âmbito dos Estados Capitalistas, incompleta, pois havia, de parte
dos setores hegemônicos da sociedade, a preocupação em democratizar a sociedade
apenas até um certo limite; mesmo hoje, após
as lutas por direitos políticos e sociais transcorridas ao longo dos
séculos XIX e XX, com a extensão do sufrágio universal e com a crescente extensão do modelo democrático
ocidental, temos uma democracia essencialmente vinculada à idéia de “eleições”.
A democracia pára à porta da fábrica, da escola, do escritório e, tal como o
camponês do conto de Kafka, aos portões do Tribunal.
Neste modelo, o
Judiciário não aparece como “lugar da política”, mas como um “poder”
neutralizado onde se diz o Direito de forma técnica
e, portanto, não-politizada.
Em sua função de dizer o
Direito no caso concreto, Judiciário diz o que é de direito e o que é
Direito. Ao julgar o caso concreto, ele molda as expectativas que a sociedade
têm de seu direito, define os carecimentos passíveis de ser cumpridos e,
também, a forma sobre a qual estes carecimentos devem manifestar-se a fim de
serem atendidos (isto é, qualitativamente)[3], além de
legitimar e ordenar os sentidos da manifestação do monopólio da violência
estatal.
A administração da Justiça
sob o modelo de Estado Liberal organiza-se sob as seguintes características: (a) heterocomposição: o Estado assume o
monopólio da composição da lide, com base nos princípios da “legalidade” e da
“segurança jurídica”; (b) o juiz simboliza um Estado neutro que diz o Direito
que deve prevalecer em cada caso concreto, atuando exclusivamente por
provocação; (c) separação técnica entre o jurista/iniciado e o restante da
população leiga, fundada sobre o hermetismo da linguagem e sob o distanciamento
simbólico ritual dos loci de produção
jurídica; (d) preocupação com, por um lado, a resolução do caso concreto, e,
com outro, com a uniformidade jurisprudencial, a fim de garantir a segurança jurídica das expectativas; (e)
realização da atomização do sujeito de Direito, individualização dos conflitos
e trivialização das expectativas, bem como do processo de
valorização/quantificação das necessidades; (f) extensão da ideologia
hegemônica através de recursos retóricos e procedimentos legitimatórios a fim
de inculcar nos jurisdiscionados a idéia de que se está fazendo justiça, além
de difundir conteúdos ideológicos (função pedagógica); (g) parte do processo
de normalização/disciplina do indivíduo.
O Judiciário, pensamos,
não pode ser entendido como um corpo separado do Estado e, como tal, possui uma
funcionalidade na reprodução do status
quo, o que o coloca como passível de ser compreendido como “aparelho de
Estado”, ou seja, um locus de co-constituição do Bloco Histórico. Pela
natureza, poderíamos situá-lo entre os chamados “aparelhos ideológicos” e os
“repressivos” de Estado[4],
pois, apesar de parte constitutiva do “Estado em sentido estrito” ou “sociedade política”, em um sentido
gramsciano original, o desempenho de funções ideológicas permite-nos colocá-lo
na interface de ambos “níveis” explicativos da dimensão estatal[5].
No Judiciário é
transmitida, de forma hegemônica, uma noção de neutralidade e respeito à
Justiça por parte do Estado, e mitos como o da igualdade entre as partes, da
naturalidade das relações jurídicas, políticas e econômicas capitalistas,
imparcialidade, bem como a idéia de que a lei garante o Direito. Os mecanismos
ideológicos que ocultam o caráter de classe do Estado capitalista, e o
apresentam como garantidor dos direitos e liberdades individuais, estão
presentes – e de forma particularmente
forte, neste Poder.
Porém, entendemos o
Estado não de uma forma estática, mas dinâmica. Há possibilidade, conforme
demonstrou Poulantzas, de conflito e de transformação do Bloco Histórico a partir da ação política desenvolvida no
interior das próprias agências estatais encarregadas da formação do
consenso/dominação e, pensamos, o Judiciário não escapa a essa tendência.
Há, ao lado de uma
cultura oficial, reprodutora do status
quo e dos padrões significacionais da forma
mentis da ideologia dominante, por uma série de razões que tratamos em
outro momento, tem-se verificado, especialmente após a década de 60, na Europa
e, em termos de Brasil, após meados da década de 70, um movimento
contracultural no campo jurídico que joga parte dos operadores do Direito no
campo da contestação dos valores e paradigmas dominantes no campo do Direito.
Em termos de práxis judicial esse movimento surge, de forma organizada no Rio
Grande do Sul, em meados da década passada, ressignificando para o campo da
atuação estatal a expressão “Direito Alternativo” como signo do movimento.
Não nos cabe, aqui,
delimitar historicamente o processo de surgimento de tal postura, nem mesmo
explorar o alcance destas posições em termos jurídico-materiais, hermenêuticos,
processuais, e de postura sócio-política. No âmbito desse trabalho,
exploraremos algumas questões da possível ruptura simbólica, e do papel dado a
importância da manutenção, por parte
da cultura oficial e da contestação,
por parte da contracultura do “Direito Alternativo” judicial, de certos
símbolos de poder e distanciamento que caracterizam a função judicial numa
sociedade de classes.
Uma última reflexão
sobre a relação Poder Judiciário e Política se impõe: se
e o Estado é o resultado
de uma condensação (assimétrica) de forças, e as lutas sociais estão presentes
no interior dos aparelhos de Estado[6] (e tal não é privilégio de um movimento
organizado e explicitamente contracultural, como é o caso do “Direito
Alternativo”, mas é inerente ao próprio processo de constituição do aparelho
judiciário, desde a Revolução Francesa, pelo menos), o Aparelho Judiciário
precisa ser “neutralizado”. Para que esta neutralização funcione, e se acredite
nela, é necessário que este Poder possua uma relativa “autonomia” em relação
aos interesses imediatos desta ou daquela fração de classe (especialmente se
estes interesses forem os das classes subalternas), ou frente a interesses
particulares.
Porém, a vinculação do
Poder Judiciário com o poder político é muito mais forte na prática do que
supõe a vã teoria liberal e os mecanismos ideológicos de autonomização das
agências estatais. A real autonomia do Poder Judiciário no contexto histórico
brasileiro tem sido a autonomia em
relação ao povo.
Em determinadas
ocasiões, quando esta autonomia – que na realidade é uma dependência em relação à estrutura
de poder da sociedade – causa problemas à reprodução das relações de poder, a
classe dominante não reluta em colocar na “lata do lixo” a teoria liberal da
separação dos poderes. Como diz Lima Lopes, “nas
crises políticas é que se avalia a independência do Judiciário” [7]. Via de regra, quando fracassa o “consenso espontâneo”,
produzindo acirramento dos conflitos de
classe, há o apelo a práticas autoritárias
que buscam a “normalização” da ordem. Tal pode ocorrer, também, em relação ao
fracasso do consenso no interior das agências estatais.
A importância da instância jurídica para a
co-constituição das relações sociais e – em particular – a importância que o
Judiciário assume, como “intérprete” definitivo e qualificado desse discurso
normativo do Estado, provoca, de parte das próprias estruturas do establishment e da correlação de forças
dominante, um investimento na
formação ideológica dos estratos que irão compor esses aparelhos. Se em
situações de crise de hegemonia é o apelo à força que marca a atuação política
dos setores dominantes, em situações normais, em contrapartida, a reprodução do
status quo funciona com base na
difusão do consenso/produção de sentido. Deve
haver, sob pena de não reprodução das práticas políticas e das crenças
ideológicas hegemônicas, que os extratos que os extratos oriundos das classes
subalternas, especialmente da pequena-burguesia[8], de onde
se origina a maior parte dos trabalhadores intelectuais sejam “assimilados e
conquistados ideologicamente”.
2. Ideologia e Disciplina: a modelagem
institucional do juiz –
Faz-se necessário, portanto, um processo de modelagem institucional do juiz para que
o intelectual/magistrado incorpore as pautas ideológicas que irá difundir, caso
contrário o aparelho de Estado não cumpre suas “funções”, de auto-reprodução
dos padrões internos ao campo e de reprodução da ideologia dominante.
Como salienta Galbraith,
o poder “só obtém submissão externa
aos seus propósitos quando conquista submissão interna. A força e a
confiabilidade do seu poder externo dependem da profundidade e firmeza da
submissão interna” [9].
Utilizando esta imagem, podemos dizer que este processo de “modelagem
institucional” procura garantir a “hegemonia interna”, a fim de
conseguir a “hegemonia externa” de determinada visão de mundo.
Utilizamos esta imagem para demonstrar que à dominância de determinada
ideologia no conjunto da sociedade deve corresponder uma dominância no interior
dos aparelhos de Estado encarregados de reproduzí-la.
No caso do Judiciário,
os indivíduos que irão compô-lo, oriundos dos mais diversos extratos da
população, passam por processos que visam modelá-lo para o exercício de uma
parcela do poder do Estado. Do ponto de vista da classe dominante, estes
indivíduos encarregados das funções estatais devem, de preferência,
aproximar-se de um optimum para a
reprodução do poder, qual seja,
incorporar ativamente a ideologia
dominante a fim de reproduzi-la, tornando-se um produtor de cultura
(intelectual orgânico). Se este optimum não for alcançado, pelo menos estes devem
assumir as pautas ideológicas necessárias ao exercício de suas funções:
neutralidade/apoliticidade, determinados modelos de conduta, etc.
Esta
modelagem dá-se, fundamentalmente através de duas formas:
(a) pela difusão de uma ideologia
jurídico-política;
(b) pelo controle disciplinar e comportamental.
A ideologia
jurídico-política dominante desenvolve-se, por sua vez, em duas direções, (a) a
ideologia jurídica – especificamente profissional, isto é, a “teoria jurídica”
que deve pautar o modelo intelectual, os esquemas de interpretação, os pret-a-porters, as definições
justificadoras, etc…; (b) a ideologia propriamente “política”, difundida
através dos meios comuns à toda a sociedade (mass media, escola, etc.), que assume fundamental importância
quando da seleção dos funcionários que irão compor o quadro judicial.
O atual paradigma dominante de ideologia
jurídica é o paradigma dogmático de ciência do Direito[10],
desenvolvido e reproduzido nas faculdades de Direito, verdadeiras
“fábricas de juristas”[11] acríticos e submissos à ideologia
dominante, em cursos que privilegiam o método lógico-dedutivo, o princípio da
autoridade, a repetição; e desprezam tanto o conhecimento cotidiano quanto os
outros campos do conhecimento. Este paradigma dogmático, enquanto teoria
tradicional[12],
limitada política e ideologicamente ao universo burguês de ciência, baseia-se,
fundamentalmente, num positivismo jurídico normativista “mediatizado”, como
salienta Faria[13].
Na realidade, na prática
cotidiana dos juristas, temos não uma adesão “em bloco” a determinada
corrente doutrinária do Direito, mas um “senso comum teórico”[14]
que reproduz discursos que funcionam como uma pseudo-teorização auto-referente
e justificadora de suas práticas, revestida de um “bom senso”
pretensamente neutro. A mentalidade dogmática trabalha com tipos rígidos e
definições tautológicas de maneira tal que a aceitação do desvendamento
ideológico da Crítica tem o condão de romper com o logos do Sistema como um todo.
As idéias
político-jurídicas que constituem a mentalidade
dos juristas em geral e dos juízes em particular, reproduzidas nas escolas
de Direito e nos locais de trabalho podem ser resumidas no seguinte conjunto de
dogmas e crenças, ideologicamente funcionais que, visualizadas no quadro
abaixo, são comparadas com uma “visão crítica contracultural”, para ter-se uma
idéia do nível de contestação dos padrões explicativos/ideológicos da
mentalidade dominante que representou e representa o movimento “alternativo”:
CONCEPÇÃO HEGEMÔNICA DE DIREITO – Senso Comum Teórico dos Juízes Tradicionais | CONCEPÇÃO DOS JUÍZES ALTERNATIVOS – Germe de um “Novo Senso Comum” – |
(a) tanto o Direito positivado quanto a metalinguagem (ciência jurídica) sobre ele são neutros; | (a) reconhecimento da inexistência da neutralidade do Direito e da ciência jurídica; |
(b) o sistema, tanto jurídico como político social é harmônico; | (b) inexiste harmonia, mas conflitos sociais, lutas; |
(c) as contradições são periféricas e inter-individuais – há autonomização do conflito em relação à totalidade; | (c) além das contradições inter-individuais, existem as coletivas e, mesmo naquelas, o conflito reproduz relações sociais e valores globais. |
(d) o Direito se esgota na lei estatal; | (d) há Direito fora da lei; admitem o pluralismo jurídico; o juiz aplica princípios gerais e valores universais que podem ou não estar contidos na lei. |
(e) há uma fetichização do sujeito de Direito: é o réu, o autor, a parte, “A que compra de B”, e não sujeitos concretos; | (e) procura-se, dentro dos limites estruturais do Sistema jurídico e da individualização/atomização inerentes a esse, encarar as partes como “sujeitos concretos”, com “cor, cheiro e classe social”. |
(f) inexiste historicidade no Direito: tudo é estático, nada se movimenta; | (f) o Direito que é hoje pode não ser amanhã e, o que era defensável e justo antes, pode não ser mais atualmente. Uma lei pode ser afastada por ser anacrônica e não corresponder à época em que está sendo aplicada. |
(g) a linguagem é padronizada e hermética; a postura pessoal do juiz em relação as partes é autoritária. Uso de signos de poder que conferem respeito por “distanciamento” do “mundo das partes”. | (g) busca-se maior simplificação da linguagem, dentro do possível, bem como uma aproximação, se não pessoal, institucional, da Justiça com a população/jurisdicionado. |
(h) as disciplinas jurídicas são compartimenta-lizadas; afasta-se a interdisciplinaridade. | (h) busca-se uma integração tanto das disciplinas jurídicas entre si, quanto destas com outros campos do saber, em especial: sociologia, economia, filo-sofia, antropologia, psicanálise, semiótica e medicina. |
(i) as leis constituem um corpus fechado e coerente; | (i) há plena consciência da fragmentação do ordenamento jurídico. |
(j) as leis possuem um sentido unívoco; | (j) a lei é passível de múltiplas leituras, a partir da ideologia do juiz, quer ele possua ou não consciência deste processo. |
(k) deve-se buscar a uniformização das decisões e a segurança jurídica; | (k) a segurança jurídica e a uniformização são mitos. Deve-se procurar uma universalidade (a partir de princípios) mas sem esquecer o caso concreto. Se eqüidade e segurança jurídica entram em conflito, deve-se escolher a primeira. |
(l) a lei emana de um legislador neutralizado de suas posições políticas, figura abstrata e distante, cuja evocação é meramente retórica; | (l) a lei emana de um legislador politizado mas, após sua promulgação, pode assumir diversas leituras. |
(m) absolutização do princípio da autonomia da vontade; | (m) há consciência da relatividade da manifestação da vontade, tal como entendida na ficção liberal; |
(n) aceitação acrítica de figuras retóricas como paz social, bem comum, etc.; | (n) utilização destas figuras retóricas, mas preenchendo-as com conteúdos mais concretos. São utilizados não no sentido legitimatório da realidade pre-sente, mas num sentido utópico, como ideal a ser buscado, ainda-não. |
(o) o Direito é a Lei, mesmo injusta; | (o) o Direito é a lei, também, mas é algo mais: princípios e conquistas da humanidade. A lei injusta, ou mesmo a justa que, no caso concreto torna-se injusta, não deve ser aplicada – mas princípios gerais, eqüidade, etc. |
(p) prevalecimento do princípio da autoridade na base da argumentação doutrinária. | (p) há um maior distanciamento crítico em relação à doutrina e à jurispru-dência. O princípio da autoridade, como retórica, porém, ainda tem o seu espaço |
Estas idéias, porém, não
se contituem em meras “inversões da realidade”, no sentido de
“falsa consciência”, mas, ao contrário, possuem uma materialidade no
sentido de que pautam práticas reais no interior da instância judiciária. A
dogmática, neste sentido, não é apenas um saber, mas “a face funcional de uma rede de poderes reais que promove o
formalismo jurídico como a realidade do direito contemporâneo” [15].
Esta realidade
coloca-se, no interior do aparelho judiciário de Estado, como discurso a justificar ideologicamente a
submissão a conteúdos injustos de lei, bem como a práticas jurídicas alienadas.
Os magistrados são teórica e ideologicamente preparados para lidar apenas com
conceitos, e não com a realidade concreta. A multiplicidade da vida tem de ser
reduzida, para haver a absolutização de um valor naquele caso concreto.
O magistrado é levado a
crer-se apolítico, mas, na realidade, absolutiza uma única ideologia como
válida, como destaca López[16].
Devendo “fidelidade ao sistema legal que o constitui”, o juiz não pode desobedecer a lei, e, de
preferência, a orientação doutrinária e jurisprudencial “dominante”
(hegemônica) exceto em alguns
momentos concretos, admitidos por alguns juristas, na realidade a maioria dos
doutrinadores e aplicadores do Direito, em “excepcionais
circustâncias”, também particularmente reveladoras de ideologia, enquanto mecanismos “imunológicos” do
Sistema. Isto é, quando a lei passa a atrapalhar, cria-se um mecanismo
doutrinário para escantilhá-la, através de um processo de redefinições
semânticas bastante simples, como demonstra Warat[17].
Tudo em benefício do “sistema jurídico”, naturalmente.
O outro aspecto da modelagem do juiz é o importante papel
da disciplina na construção de um juiz
socialmente “manso”, através de um controle ideológico e político.
Ora, se ganha força um movimento de contestação à visão hegemônica do Direito,
especialmente quando passa da teoria à prática, é natural que o grupo que está
no poder, e que é representado ideologicamente na instância jurídica pelos
juristas “tradicionais”,
disponha de “mecanismos de
defesa”, ou “filtros” para dificultar o acesso ao Estado por parte
de idéias ou “elementos
indesejáveis” ao sistema. Estes filtros manifestam-se no momento anterior
de seleção do acesso à magistratura e posteriormente, no interior da própria
instituição.
A modelagem, que visa
criar um juiz ao gosto da freguesia, isto é, disciplinado para o trabalho e neutralizado politicamente, atua de três maneiras:
(a) através da difusão
de uma ideologia jurídico-política dominante, como vimos anteriormente (nível
técnico) e;
(b) através de um
controle disciplinar, que complementa ideologicamente, a nível “micro”, a difusão do modelo dominante de atuação
judicial, e, no caso deste falhar, através da utilização de mecanismos
repressivos (nível comportamental).
O controle disciplinar
atua de forma molecular através da
difusão ideológica de um modelo de conduta,
e de forma repressiva
explícita ou sutil, através de ações ou tentativas de punir, calar ou excluir
dos postos mais elevados ou estrategicamente importantes da carreira magistrados
que adotem um comportamento considerado “desviante” em relação ao
modelo ideológico-comportamental imposto.
Esta forma explícita de
controle pode manifestar-se claramente, através de processos disciplinares,
advertências da Corregedoria, etc… quanto às escuras, não promovendo juízes
infundadamente ou relegando-os à varas pouco expressivas. Este controle
ideológico interno tem que aparecer muito sutilmente, porém, a fim de não comprometer a imagem de “neutralidade
política” da instituição, revelando tendências ideológicas no interior de
um Poder que, como vimos, pretende-se
unívoco, neutro, homogêneo (sem cisões
internas).
Quanto ao concurso de
acesso, a prova oral, de avaliação completamente subjetiva, bem como a
declarada, em muitos editais de concurso, “investigação da vida
pregressa”, ou da “vida social” do candidato que, atenção, não se confunde com a pesquisa de antecedentes criminais, revelam-se especialmente úteis como
instrumento de seleção ideológica/comportamental de candidatos que não
correspondam ao esteriótipo de juiz
do ponto de vista do status quo
judiciário.
Aqui, atua o que Puggina
denomina “deontologia da magistratura” , isto é, o conjunto de conselhos e modelos, esteriótipos
a respeito de como o juiz deve ser, de como deve atuar na sociedade ou
relacionar-se com as partes, a comunidade, os promotores, os advogados, etc.,
enfim a “tentativa de estabelecer um padrão comportamental rígido a ser
seguido por todos os integrantes da corporação” [18]:
“Todas estas regras, normas de conduta e
expectativas nascem de realidade que é posta ao juiz com a força de imperativo
categórico. ‘O juiz está na vitrine da comunidade em que atua’. Isto é
absolutamente real. A partir desta realidade, a deontologia busca compor
manequim agradável ao público consumidor (…) O manequim esteriótipo de juiz
deve ter aspecto agradável, asséptico, assexuado e sóbrio” [19]
A deontologia é parte do que o autor denomina “trilogia da alienação do
Judiciário”, composta por (a) dever de neutralidade, (b) dever de produtividade
e (c) padrão comportamental. O dever de neutralidade refere-se à questão da
assepsia ideológica anteriormente discutida e o dever de produtividade ao
fenômeno da sobrecarga de trabalho (o que provocaria, para Puggina, a
“alienação” do juiz e a padronização de suas decisões).
O padrão comportamental
reflete-se em conselhos e exortações a respeito da vida privada do juiz e de
sua inserção na comunidade, a fim de criar, na linguagem de Zaffaroni, falsos
signos de poder, ou seja, criar no juiz uma auto-imagem de autoridade
(fundamental para a compreensão do caráter simbólico da ascensão social das
classes médias na carreira de juiz) e, na comunidade, a imagem de que o juiz é
uma figura exemplar, assexuada, apolítica, sem paixões.
Alguns destes “conselhos”,
são bastante exemplares:
“Nada mais trágico para uma nação do que não
confiar em seus juízes. Sobre eles não pode pairar dúvida quanto às qualidades
essenciais ao ‘bom pai de família’ (…) Muda a sociedade, alteram-se os
hábitos e sofrem os valores. Mas a comunidade ainda espera de seus Juízes que
sejam recatados, comedidos (…)”[20] .
Ou ainda:
“Antigamente era o padre a pessoa mais visada
para a sociedade, principalmente no interior. Ninguém aceitava qualquer deslize
do padre. Hoje, porém, o centro das atenções de todos é o juiz. O padre até
mesmo pode namorar, mas o juiz não, a não ser que seja solteiro.
O padre pode andar de bermuda e ninguém dirá nada.
Mas se o juiz assim proceder, todos serão unânimes (sic) em
dizer que ele não tem classe, que é relaxado e não tem moral para impor aos
seus jurisdicionados as suas decisões” [21] .
Os conselhos que
constituem o corpus da
“deontologia” aparecem claramente, algumas vezes, enquanto tentativa
de configurar duplamente a vida privada/social do magistrado: afastando-o do
povo e aproximando-o das elites. Interessante, aqui, referir o conselho, ministrado em aula a uma turma de novos
juízes, de que o magistrado, chegando à uma cidade do interior e, tendo que
escolher entre um bar que venda cerveja a um preço “X” e um que venda
a um preço “2X”, deva escolher este último pois neste bar o
magistrado estará entre “seus
iguais” [22].
Estes mecanismos
ideológico-comportamentais são particularmente eficientes no que se refere à
ambientação social do juiz:
“É exatamente entre a elite dominante que o
juiz encontrando os seus iguais, fará a sua ambientação social. A realidade da
carreira de magistrado e a experiência pessoal de cada um comprovam que mesmo
os que dentre nós buscam fazer da judicância um instrumento comprometido com as
lutas populares, não conseguiram (e não conseguem) fugir a esta armadilha do
sistema” [23].
Tais padrões
comportamentais têm raízes históricas no Brasil Colônia, conforme lembra
Schwartz[24].
Ainda hoje, aos magistrados é dado participar simbolicamente de um cotidiano
burguês, um estilo de vida aristocrático, apesar disto quase nunca
corresponder à sua origem de classe, e
muito menos ao seu salário. Neste processo, o juiz sofre especialmente pela
cisão que se opera, na prática, entre “o juiz” de um lado, e “o
homem” de outro[25],
processo esquizofrenizante, e causador de uma “deterioração da identidade”, no dizer de Zaffaroni,
comum aos membros das diversas agências
repressivas (carcereiros, policiais, juízes):
“O processo de treinamento a que é submetido é
igualmente deteriorante da identidade e realiza-se mediante uma paciente
internalização de falso poder: solenidades, tratamentos monárquicos, placas
especiais ou automóveis com insígnias, saudações militarizadas (…).
(…) ao alcançar uma categoria equiparável à de
oficial das agências militarizadas, o indivíduo já deve ter internalizado os
modelos da agência e deve responder às exigências do papel que lhe for
atribuído a partir de uma adequada manipulação da opinião pública: assepsia
ideológica, certa neutralidade valorativa, sobriedade em tudo, suficiência e
segurança de resposta e, em geral, um certo modelo de executivo sênior com
discurso moralizante e paternalista ou uma imagem de que, na devida idade,
responderá a este modelo” [26].
Concluindo, temos que o Poder Judiciário nas sociedades
capitalistas é um aparelho de Estado, duplamente repressivo e ideológico, que
tende a reproduzir-se ideológica, política e simbolicamente através de
mecanismos externos e internos, para
garantir a hegemonia de uma visão de mundo conservadora, fundamental
para a manutenção do status quo.
Tal, porém, não
significa que não existam contestações e lutas ideológicas no interior deste
Poder; que o movimento de Direito Alternativo, apenas como exemplo, aqui, revela.
No que diz respeito aos
ícones que caracterizam o Judiciário e que garantem, em relação ao povo, um
distanciamento linguístico, comportamental e ideológico, há, também, uma certa
contestação por parte da contracultura judicial, verificada, por nós, empiricamente,
através de entrevistas[27].
De um modo geral,
verifica-se que os paradigmas comportamentais e funcionais que pautavam a
imagem do juiz como um homem isolado da comunidade, separando inclusive as suas
essências de “homem” de um lado e “juiz” de outro, não mais
correspondem a uma realidade em que o
juiz é levado a trabalhar muito mais e mais rápido, a confrontar-se com
pressões sociais, a julgar conflitos coletivos, a posicionar-se frente e que,
em termos econômicos e sociais, ocupa um lugar onde seu diploma de bacharel não
é mais um fator automático de ascensão social[28].
As falas e a produção
intelectual dos juízes “Alternativos” revelam que há uma preocupação muito
forte destes em se definirem enquanto sujeitos.
Com a participação política, através das Associações de Magistrados e
especialmente durante o processo constituinte,
houve um certo “deslumbramento”,
como se o juiz redescobrisse a sua condição perdida de “cidadão pleno”;
e o Movimento parece ter permitido juntar as práticas jurídicas com as utopias
políticas correspondentes, antes em “universos” distintos.
Nas entrevistas, verificou-se uma
representação do “trabalho” do Juiz como algo alheio ao mundo no qual vive e
dos interesses da maioria da população:
ritualístico e inacessível ao homem comum, sendo o Judiciário comparado,
muitas vezes, a uma Igreja, ou sociedade secreta. Os entrevistados
contestaram frontalmente a cultura de
afastamento do juiz em relação ao povo, concebendo em termos ideais a democratização
do Poder Judiciário[29].
Nas falas, algumas transcritas abaixo, pudemos
perceber que em suas práticas, os juízes alternativos procuram buscar uma
“aproximação com o povo”, e uma preocupação em fazer com que o jurisdicionado
compreenda a Justiça, rompendo com o distanciamento do modelo tradicional, bem
como buscando uma certa informalização das relações.
As falas abaixo revelam não apenas essa preocupação
como a disposição de romper, a partir da constatação de sua “posição social”,
com alguns padrões sígnicos/comportamentais tradicionais:
Depoimento 1 –
“Em Santo Augusto eu jogava futebol e as pessoas
achavam aquilo o máximo, “estou jogando futebol com o juiz”. Isso
acaba informalizando as relações”.
Depoimento 2 –
“Eu
cheguei no interior preocupado em levar uma nova imagem, não de propósito, mas
pela minha própria maneira de ser, uma pessoa tratável, acessível, e muitos não
compreenderam, entenderam isso como sinal de fraqueza. Não era aquilo que eles
esperavam, eles queriam um juiz que mandasse…”.
Depoimento 3 –
“Eu nunca usei gravata no Fórum. Não que eu não
goste, acho uma roupa bonita para ser usada, mas não no Fórum. Eu usava no
júri. Mas isto não tem relação nenhuma entre ser alternativo: usar ou não usar.
O que eu digo é a empolação, a maneira de agir, o nariz empinado”.
(…)
“Tive uma audiência com um juiz de São Paulo
uma vez que achou muito estranho, disse que os advogados em São Paulo se
recusariam a fazer audiência com um juiz que não estivesse de gravata. Mas como
as minhas sentenças nunca ficaram melhores ou piores por causa da
gravata…”.
Depoimento 4 –
“P… então o Sr.
faz isto, de subir às favelas?
R: não tão freqüentemente quanto gostaria, mas
faço. Inclusive semana passada eu peguei meus filhos, tenho um casal de filhos
adolescentes, e levei eles ao morro para conhecer… conversar com pessoas. Por
que o meu garoto já foi assaltado quatro ou cinco vezes. Tomaram relógio, boné,
tênis… e estava criando um preconceito muito grave em relação àquela pessoa que ele via mal vestida, e eu
mostrei para ele que infelizmente o mal vestir e o mal encarar eram
consequência de uma pressão social muito grande.
Fomos no Morro da Tuca,
onde moram vários réus meus, estive conversando com líderes comunitários…
Faço inclusive palestras
nos morros…
P: Palestras? Como é isso?
R: São encontros em
grupos pequenos, interessados em saber como é a Justiça. Eles fazem perguntas,
criticam, e eu faço a defesa dentro daquilo que eu posso fazer em termos de
defesa…
No Morro Santa Teresa eu
fui na Faculdade de Teologia, onde tem pessoas envolvidas com movimentos
populares. Foi uma experiência extraordinária: passamos uma manhã inteira
conversando sobre o Judiciário. Foi um sofrimento eu explicar como era o
Judiciário dentro das perguntas que eles faziam, mas foi uma experiência que
somou muito na minha vida, que somou muito…”
Depoimento 5 –
“Quando cheguei lá (em uma comarca do interior), notei que as pessoas olhavam o juiz como uma divindade, é uma relação
muito distante… existia uma parede muito grande: é o juiz de um lado e o
jurisdicionado de outro. Eu me sentia isolado. Então comecei a trabalhar com
uma aproximação ente a Justiça e o colono.
(…) É muito difícil,
em primeiro lugar, fazer o cara relaxar na tua frente… o cara entre ali
completamente em pânico, totalmente descontrolado. Então comecei a dar palestra
na Câmara dos Vereadores, reunindo várias entidades, e comecei a falar de
menores, tentando criar o conselho tutelar… eles só queriam saber de polícia,
segurança. Justiça para eles era polícia, eles não queriam saber de juiz.
Eu saía do Fórum
no final da tarde e ia para as comunidades, algumas eram a 60 km de chão batido. Chegava
lá, tu olhavas e não tinha ninguém… aí batiam o sino da igreja e começava a
encher, porque a colonada era grande. Aí eu explicava para eles que eles
deveriam procurar mais a Justiça, que eles poderiam ligar para o Fórum para
saber de processos, que o meu horário de atendimento é tal… Dizia o que era a
Justiça e o que eles deviam fazer para entrar na Justiça. Mas o importante para
eles foi o encontro… Um deles me disse: “pô, o Sr. é o juiz mesmo ou é o
empregado do juiz?” .
3. A Mídia e as Estratégias
de Ressignificação da Contracultura
Judicial –
Quando a tendência de uma contracultura judicial
manifestou-se de forma mais explícita e organizada, em meados de 1990,
tornou-se pública a politização de um aparelho de Estado e, o que é pior, em
sentido diverso da pretendida pelas classes dominantes.
Nesse âmbito, as respostas, ou “reações” do Sistema
foram as mais diversas possíveis: ameaças de cassação, tentativas de
ridicularização/banalização do movimento, minimização de seu impacto,
desconsideração/perseguição individual dos que demonstravam-se simpáticos às
idéias, etc… analisaremos, aqui, um dos múltiplos aspectos dessa reação, o
desenvolvido no plano da chamada grande imprensa – a fim de demonstrar como,
para certos setores da sociedade, os fatores simbólicos e de ritualização do
poder que, no âmbito do Direito Alternativo representam um esforço menor de
crítica, dado o caráter formal da questão,
tocam fundo na definição da relação Judiciário/População, e representam
uma maneira de “esteriotipar” o movimento para melhor banalizá-lo ou
satanizá-lo.
Em meados de
1990, o jornalista Luiz Maklouf, do Jornal da Tarde, veio a Porto Alegre, fez
várias entrevistas, participou de
conversas informais e jantas, de onde pôde retirar deste convivío íntimo,
verdadeiras “pérolas” que lhe serviriam para compor a matéria, que se
esperava séria, mas que acabou resultando numa verdadeira catástrofe
jornalística, do ponto de vista da Imprensa Marrom:
Escrita num estilo sensacionalista e apelando para
“frases de cafezinho”[30],
tendente a criar um clima de antagonismo até com os leitores menos
conservadores, a matéria – encomendada sabe-se lá por quem – procurava
colocar a maior parte da opinião
jurídica nacional contra o movimento. A
reportagem do sairia a 24 de outubro de 1990. Manchete “Conheça
os Juízes que Querem que a Lei se Dane”[31] .
Tal postura simbólica, nada sutilvisava apresentar
o “grupo” como um bando de loucos, constituido de juízes que “têm por norma tomar decisões contra a lei sempre que consideram injusta a
sua aplicação” . A reportagem revelou-se absolutamente preconceituosa e unilateral
apelando, inclusive, para palavras de baixo calão que teriam sido ditas pelos
entrevistados: “perdi a virgindade
com a lei em 1983” , ou “a
lei era claramente injusta (…) eu a mandei à puta que o pariu (sic) e autorizei o município a pagar”.
No dia seguinte, com a violenta repercussão da reportagem, o Jornal
da Tarde ataca de editorial e matéria pedindo a opinião de juristas
consagrados, como Celso Bastos e Godofredo Telles Jr. No editorial “Juízes Alternativos”[32]
é usada uma técnica jornalística subliminar: duas palavras se destacam, em
negrito, no meio ao denso texto de letras miúdas, de leitura rara, como são os
editoriais de jornal entre os leitores: “contra
legem” e “Direito Alternativo”.
A vinculação é imediata: Direito
Alternativo como o direito que afronta a lei. Ao fim e ao cabo é tudo isto que sobra.
Diz:
“o mais preocupante é o fato de que esses
magistrados de primeira instância estão optando por uma atuação de caráter abertamente
ideológico. Quase todos são muito jovens e idealistas, o que os leva
a compensar a falta de experiência pela determinação de mudar as estruturas
sociais – e como são obrigados a iniciar sua carreira servindo em comarcas
do interior, se impressionam (sic!) com
os problemas sociais das comuni-dades em que passaram a viver e atuar
profissionalmente, o que os faz tomar decisões que confrontam com o espírito de
toda a ordem jurídica vigente.
(…) não escondem sua
disposição de substituir a neutralidade da ordem jurídica por uma opção
socialista. Aliás, a expressão por eles escolhida para se autodesignar foi
copiadados movimentos de magistrados italianos e franceses simpatizantes do
Partido Comunista (…) Ao agirem em nome de uma ideologia já sepultada
pela História e cujo atestado de óbito foi assinado por insuspeitos
intelectuais marxistas, os juízes gaúchos estão dando, com seu vigor
juvenil, uma demonstração de anacronismo. Afinal, a quem interessa a
desordem jurídica e a crise do judiciário a não ser aos inimigos da
democracia?”.
O editorialista faz a seguinte vinculação Direito
Alternativo = socialismo = Partido Comunista
= ideologia anacrônica.
Assim, o juiz alternativo, muitos deles de farta
cabeleira branca, é pintado como um jovem “impressionado” com os
problemas sociais, e mal informado a respeito da “morte das
ideologias”. Com certeza eles existem, em algum rincão do Rio Grande,
perdidos entre vacas, cavalos e livros marxistas dos anos 60, fumam maconha,
usam barba, óculos redondos, e nas horas vagas vendem em bares, fanzines de suas poesias…
Em seguida,
publica-se uma matéria no Estado de São Paulo: “Juízes fundam grupo de ‘Direito Alternativo'”[33]. Vê-se, aqui, a mesma estratégia da mídia:
buscar reduzir o movimento e sua seriedade a um conteúdo superficial e
ridicularizá-lo. “Não usam toga,
gostam de trabalhar de tênis e querem serrar as pernas de suas mesas para
julgar as partes de igual para igual”.
As tentativas de ridicularização dos alternativos
se extenderam por toda a mídia nacional, sem alarme, porém, o que poderia
produzir um efeito reverso: o movimento era sempre apresentado como uma quixotada
em que meia dúzia de juízes porra-loucas
formavam um movimento, no mínimo, interessante do ponto de vista antropológico.
Em dado momento, as notícias sobre os alternativos
saíram das colunas de Política e Justiça e invadiram os cadernos de variedades.
A época a Globo veiculava o seriado “Justiça
Final” [34],
e Zero Hora fez uma reportagem sobre o programa. No canto da página, uma nota: “A questão do Direito Alternativo”
, definido-o como “um
ordenamento paralelo que tem como característica a busca da Justiça
independente do que estabelece a ordem legal, e de acordo com sentimentos
intrínsecos que determinam o que é e o que não é justo” .
Ou ainda:
“Essa estratégia de
solução para os limites do direito, da mesma forma que encontra adeptos,
esbarra em críticas agudas. Entre elas, o perigo do subjetivismo, do senso de
justiça que pode variar de pessoa para pessoa, e do argumento de que a correção
da lei deve ser feita pela lei. Nicholas Marshall, o personagem da série
Justiça Final, seria o protótipo do juiz alternativo (…)”[35] .
A respeito das críticas desfavoráveis ao Direito
Alternativo, descobrimos que a maioria das opiniões e artigos escritos,
revelam, pelo tom indignado de alguns deles, um certo despreparo aliado a um desespero
por parte de operadores jurídicos tradicionais. Transcreveremos algumas
opiniões, não tanto para retirar informações úteis sobre o Movimento, mas
porque são um aspecto que revela a crise de um discurso ideológico em sua face
mais reacionária que, quando não vê ameaçados seus pressupostos, permanece
oculto. Algumas das opiniões aqui transcritas revelam o grau de reacionarismo e
preconceito presente em boa parte dos intelectuais tradicionais na instância
jurídica.
O exemplo
mais gritante de desordem ideológica que o Movimento causou nos juristas
tradicionais (ou orgânicos da burguesia, da direita reacionária) é o caso do
hilário e já folclórico artigo de Fassbender Teixeira, “Justiça Alternativa: “Juiz
em Tênis, Juíza de Biquini” :
“Sou do tempo em
que homem era um homem; um gato – bicho. Homem fazia papel de homem, mulher
papel de mulher: não havia coluna do meio, nem brinquinho, nem nada (…). Juiz
era juiz, provecto, honrado, exemplar.
(…) somos do tempo em
que juiz usava gravata e toga. Em que sequer freqüentava bares e ambientes
similares. Mas estamos, mesmo, superados! Juiz agora parte para a
altenatividade (…) faz audiência de tênis e quem sabe de bermuda. Como as
mulheres hão de estar chegando, também, à magistratura, comparecerão às
audiências em topless; e em lugar de cadeiras e mesa, quem sabe divãs para
tomada de depoimentos; com vodca russa e bandeirinhas vermelhas com estrelas
amarelas, pois não” [36].
Outra crítica que demonstra o acirramento de
posições e a conseqüente definição ideológica de quem está de que lado vem do
juiz gaúcho Paulo Antônio Kretzmann:
“Esta diferença – a
desigualdade existencial, seja intelectual, seja econômica, seja de higidez
física, não pode e tampouco será mudada pelos homens, em qualquer época. Pensar
diferente e querer mudá-la é malhar em ferro frio, é utópico, é ridículo e
quase surrealista. As diferenças existem e devem existir. Nada mais pobre que o
igual, a mesmice, o homótono. A alguns espera a mazela; a outros, a felicidade,
a bonança. Já não é de hoje. Deus vê o rico com bons olhos (Calvino).
Ora, não se pode (…)
fazer front e instituir a JUDICATURA DO PROLETARIADO. Não se pode fazer
socialismo, por diletantismo ou por filosofia, com a COISA DOS OUTROS, COM
AQUILO QUE NÃO NOS PERTENCE. Quem assim pensar que se despoje de seus bens e
direitos, que os distribuia entre os necessitados. Ora, tudo isso não passa de
uma quimera, de um idílio. Alguns terão que ser o patrão; outros, os
empregados. Sempre haverá os suseranos e os vassalos (sic)” [37].
Outras críticas interessantes vêm de fora do campo jurídico. Como a do
jornalista e comentarista financeiro (e intelectual orgânico da burguesia)
Gilberto Simões Pires. Em artigo na Zero Hora, chega ao cúmulo de afirmar que
um dos motivos para os bancos não aplicarem recursos no Rio Grande do Sul é o
Direito Alternativo, numa clara tentativa de colocar a opinião pública contra o
Movimento, responsabilizando-o pela perda da importância econômica do estado:
“No Encontro
Internacional de Direito Alternativo, (…) diversos magistrados apresentaram
teses realmente interessantes que propõem a todos os investidores muito cuidado
daqui para a frente. Como Marx aparece citado em praticamente todas as teses
é fácil imaginar os seus conteúdos e, portanto, houve sugestões de que
fossem rasgados os códigos, apoiando a invasão de terras pelos pobres em estado
de fome” [38].
Também a extrema-direita católica, através do órgão
“Catolicismo”, critica o Direito Alternativo, como demonstra o artigo
de Leo Daniele, “Dois Vizinhos, Dois
Quintais e Dois Juízes”. Ao contrário das críticas anteriores é um
texto bem construído, de pesquisa, onde o autor procura vincular o Direito
Alternativo com a doutrina de Marx (e com práticas como o stalinismo e o nazismo), bem como o projeto
da esquerda de fazer “micro-revoluções no cotidiano” em virtude do
fracasso da revolução armada. Acusa os alternativos de subverter a ordem
jurídica legítima do Estado de Direito[39].
4.
Conclusão –
A crise ideológica interna do
Poder Judiciário diz respeito ao esgotamento dos valores simbólicos que compõem
o imaginário dos juízes, cuja coesão é fundamental para a manutenção da
hegemonia de uma determinada visão de mundo sob o conjunto da sociedade, como
vimos no item anterior. O que o Direito Alternativo faz é tão-somente revelar
uma faceta desta crise.
De um ponto de vista
estritamente simbólico, o Direito Alternativo contesta ícones do Poder
Judiciário que o ajudam a manter, ao mesmo tempo distanciado da população, como
justificar, perante essa, a certeza, inexorabilidade e justiça de suas decisões.
Pretendemos demonstrar
que aspectos considerados periféricos neste embate: a questão da linguagem e da
“roupa”, bem como do apagamento e banalização de signos do poder por parte dos
alternativos revela-se sobremaneira importante para o Sistema. As qualificações
e ressignificações banais dos objetivos do movimento pela mídia revelam que o
processo de significação do judiciário perante a sociedade depende, talvez,
mais do que queiramos acreditar, da manutenção desses “ícones” simbólicos de
distanciamento/autoridade. O Direito Alternativo comete o crime de fazer
aparecer uma fissura ideológica, um embate que não é apenas teórico, ou de
paradigama hermenêutico, mas um embate de conteúdo
político que potencialmente pode apontar na direção de uma redefinição/democratização
deste aparelho, ou da sociedade como um todo.
Esse embate não possui,
no campo da ICONOCLASTIA ritual, da desmistificação simbólica através do
uso/não-uso de roupas/adereços ou de uma linguagem fechada, sua importância
primordial mas, de alguma forma, tem passado por essas questões a
ressignificação da cultura oficial, a banalização do movimento; banalização
essa, porém, que revela o quão banal e formalista é a mentalidade dominante, e
uma certa importância reversa dessas ritualizações do poder, que aparecem,
menos do que por indicação crítica de um ponto de vista contracultural, mas
pelo próprio chamamento da questão por parte do establishment.
Interessante, aqui, ver como a questão da roupa e do comportamento é recorrente nas críticas ao movimento extraídas dos
periódicos citado. Assim, um aspecto que
deveria ser secundário – e o é do ponto de vista da contracultura judicial
– denuncia que a questão da disciplina e da ritualização
da Justiça é importante para a manutenção das relações de poder na sociedade[40].
O artigo citado “Dois Vizinhos, Dois
Quintais e Dois Juízes” é
acompanhado de dois desenhos, um mostrando um juiz alternativo, de tênis e
brim, barba por fazer e nariz adunco (“judaico”) e um tradicional, de toga, ar
solene e feições mais aristocráticas.
De modo
geral, essa significação pauta-se pelo ridículo, mais do que pelo ataque
político; e pela aparência, mais do
que pela essência. Isso seria esperar demais de um meio de comunicação
destinado às massas populares; discutir seriamente o Direito Alternativo nesta media não é boa estratégia.
Preferiu-se, portanto, ao invés de convencer os
leitores salientando suas divergências
com a visão alternativa, onde haveria risco de colocar a população ao lado dos
juízes, pintar um movimento folclórico e mais fácil de ser
“identificado/atacado”. E logo vieram os rótulos e as definições persuasivas: “juízes-punks” , “arrogantes”,
“indisciplinados”, “exibidos”.
Tais práticas de ressignificação tem o condão de
satanizar o movimento além de desviar o debate em torno de questões realmente
importantes, fugir da discussão a respeito da democratização, aplicação e
administração da Justiça no Brasil.
Notas:
[1] SILVA,
Rafael Damasceno F e. Poder Judiciário e Hegemonia. Dissertação de
Mestrado. Florianópolis: CPGD/UFSC, 1995.
[2]
“os juízes de uma nação não são,
(…) mais do que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados
que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor ” MONTESQUIEU. O
Espírito das Leis. Brasília: UnB, 1982. (Pensamento Político, 61). p. 193
[4]
a referência à terminologia de Althusser, largamente utilizada nas ciências
sociais, não significa que adotemos o esquema teórico estruturalista proposto pelo autor. Althusser defende que
haveria uma pluralidade de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE – conjunto de
institições onde o poder de Estado de exerce mais pela ideologia do que pela
repressão), contra a unidade do aparelho repressivo de Estado. O judiciário
encontra-se, neste esquema, no interior do aparelho repressivo de Estado, cf. a
obra Aparelhos Ideológicos de Estado, p. 62, apesar de o autor compreender o
Direito enquanto função duplamente repressiva e ideológica (cf. p. 68).
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro:
Graal, 1983. Na realidade, pensamos que o que existe não é um aparelho
repressivo de Estado, compre-endido enquanto bloco monolítico, mas aparelhos
(no plural), ou “agências”, na expressão de ZAFFARONI, Raúl. Em
Busca das Penas Perdidas. Rio: Revan, 1991., que se encontram em luta entre
si, e que comportam a luta mesma em seu interior.
[5] De acordo
com a visão de Direito em Gramsci, o Judiciário, enquanto órgão aplicador deste
Direito, consistiria na faceta
repressiva, ou “negativa” da função educativa do Estado. Isto não quer
dizer que deva ser compreendido apenas em sua função repressiva, mas que,
particularmente, a função educativa do Estado é “encouraçada de coerção”. Desta forma, no que se refere ao Poder Judiciário, podemos
apreender uma relação entre coerção/ideologia no sentido de que este poder,
como parte do “monopólio estatal da força física”, tem potencializado
sua capacidade de moldar condutas e
difundir uma determinada visão de mundo. Por outro lado, em sua função de
legitimação, capacita-se a reprimir com maior eficácia e legitimidade.
[6] Cf.
expressaão de POULANTZAS, Nicos. O Estado, O Poder, O Socialismo. Rio:
Graal, 1990.
[7]
LIMA LOPES, José Reinaldo de. A Função Política do Poder Judiciário. in: FARIA,
José Eduardo (org.). Direito e Justiça. a função social do Judiciário.
São Paulo: Ática, 1989 (Série Fundamentos, 48). p. 123-144, p. 136.
[8]
adotamos, aqui, a tradicional relação entre extratos intelectuais e
pequena-burguesia, com base em observações empíricas que revelam a tendência
dos extratos médios às atividades intelectuais e burocráticas, cf. LOWY,
Michael. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários. São
Paulo: LECH, 1979. No que respeita a composição do Poder Judiciário brasileiro
quanto à origem de classe, não dispomos de dados atualizados. Porém, de acordo
com pesquisas realizadas anteriormente, por Umberto Guaspari, no Rio Grande do
Sul (1979), não publicada, à qual tivemos acesso e à referência de uma pesquisa
realizada em 1962, apenas confirmam a tendência tradicional. A pesquisa de 1962
revelava 62% dos magistrados oriundos da classe média, 17% dos estratos
superiores e 4% dos estratos inferiores. SCHEMAN, R. ‘El Origen social
económico de los jueces brasileños’, citado por RICO, José. Crímen y
Justicia en América Latina. 2ª ed. México: Siglo XXI, 1981. p. 267. Também
a pesquisa de HERKENHOFF, João Batista. “A Função Judiciária no
Interior” in SOUTO, Cláudio, FALCÃO, Joaquim de Arruda. Sociologia e
Direito. São Paulo: Pioneira, 1980 – e também, do mesmo autor: O Direito dos Códigos e o Direito da Vida.
Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, pioneiro nas pesquisas de campo sobre o
Judiciário numa perspectiva crítica, Herkenhoff demonstra haver predominância
dos extratos médios da população urbana do interior (sedes de municípios) entre
os magistrados do Espírito Santo.
[10]
o paradigma dogmático de ciência do direito desenvolveu-se a partir da quebra
dos paradigmas anteriores, especialmente contra o jusnaturalista, hegemônico no
século XVII. O paradigma dogmático torna-se hegemônico em um momento ulterior,
quando da já consolidação do Estado liberal-capitalista, mais exatamente no
final do século XIX, em virtude de uma série de fatores, entre os quais o
surgimento do positivismo naturalista, ou cientificista (baseado na afirmação
da ciência como única forma de válida de conhecimento, na neutralidade do
conhecimento científico, na separação sujeito/objeto e na refutação do
conhecimento metafísico). Segundo o positivismo (paradigma dominante no século
XIX), apenas as ciências que empregassem o método emprírico das ciências
naturais poderiam se consideradas como tais. Desta forma, a ciência jurídica
buscou uma adequação a esses pressupostos, a fim de garantir a aceitabilidade
de seu discurso. A dogmática passa, portanto, a delimitar a autonomia da
ciência jurídica frente à filosofia, política, etc… e procura identificar a
norma como fato e o Direito com a lei positiva.
É o chamado positivismo jurídico. Sobre a questão ver FERRAZ Jr. Tércio
Sampaio. Função Social da Dogmática Jurídica. São Paulo: RT, 1980.
[11]
as faculdades de Direito, antes de “informar” atuam, como aparelhos ideológicos, no sentido
de “formar” os juristas como guardiões da ordem estabelecida,
reproduzindo a ideologia hegemônica. “Através
de la información se realiza, pues, la formación; la facultad de derecho no és
solo el lugar donde se estudia el derecho, sino esencialmente el lugar donde se
`producen’ juristas”. BARCELONA,
Pietro, COUTTURI, Giuseppe. El Estado y los Juristas. Barcelona:
Fontanella, 1985. p. 60. Sobre a questão do ensino jurídico como conformação
ideológica e (de) formação dos operadores jurídicos consideramos satisfatórias,
para efeitos desta dissertação, as
posições de RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A Crise do Ensino Jurídico de
Graduação no Brasil Contemporâneo: indo além do senso comum. Tese de
Doutorado. Florianópolis, CPGD/UFSC, 1992. e ARRUDA JR. Edmundo Lima de. Ensino
Jurídico e Sociedade. São Paulo: Acadêmica, 1989.
[12]
adotamos aqui o sentido de “teoria tradicional” exposto por
Horkheimer: “A teoria em sentido
tradicional, cartesiano, como a que se encontra em vigor em todas as ciências
especializadas, organiza a experiência à base da formulação de questões que surgem em conexão com a
reprodução da vida dentro da sociedade atual. Os sistemas das disciplinas
contém os conhecimentos de tal forma que, sob circunstâncias dadas, são aplicáveis
ao maior número possível de ocasiões. A gênese social dos problemas, as
situações reais, nas quais a ciência é empregada e os fins perseguidos em sua
aplicação, são por ela mesma consi-deradas exteriores“.
HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: Horkheimer/Adorno. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991(Os
Pensadores, 16). p. 69.
[13]FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. São
Paulo: RT, 1991. p. 87-8.
[14] cf. WARAT,
Luis Alberto. O Sentido Comum Teórico dos Juristas. In: FARIA, José Eduardo. A
Crise do Direito numa Sociedade em Mudança.
Brasília: UnB, 1988. p. 31-42.
[15]
CLÈVE, Clémerson Merlin. op. cit. p. 82.
O mesmo autor confirma, em obra mais recente, que “(…) esta visualização do jurídico, que se completa com momento da jurisdição e da ciência, não é
algo ideológico e falso criado pela consciência ideologizada de juristas pouco
críticos. Ao contrário, é uma realidade histórica, concreta e politicamente,
exigida pelas relações assimétricas de força que dinamizam o tecido
sócio-político. Os discursos jurídicos, nesta linha, apenas reproduzem uma
situação concreta, patenteando ao nível
da prática, das ações, dos procedimentos, a existência de um real-imaginário
jurídico que não é falso, por ser histórico e verdadeiro”. CLÈVE,
Clémerson Merlin. Temas de Direito Constitucional. São Paulo: Acadêmica,
1993. p. 200.
[16]
“creyéndose por definición
apolítico, sirve, en la práctica a una determinada política del derecho, a la que se niega parcial porque se afirma desde el poder
como la única válida, como la única”. CALERA, Nicolás, LÓPEZ, Modesto,
IBAÑEZ, Perfecto. Sobre el Uso Alternativo del Derecho. Valencia:
Fernando Torres: 1978. p. 86.
[17] No artigo “A
Redefinição das Palavras da Lei”. In: Introdução Geral ao Direito. Porto
Alegre, SAFE, 1996.
[18]
PUGGINA, Márcio. Deontologia, Magistratura e Alienação. Ajuris. Porto
Alegre, v. 20, n. 59, p. 169-198, nov./1993. o. 170. De acordo com Puggina, o conteúdo desta
“deontologia”, normalmente “se
perde em conselhos e instruções mais ou menos piegas ou embarafusta
perigosamente no tolhimento da individualidade e da criatividade, o que acarreta sérias repercussões na área da
criação e da visão crítica da realidade. O juiz assim tolhido passa a reproduzir
o sistema através do modelo que lhe é apresentado como pronto e acabado”.
op. cit p. 171.
[20]
NALINI, José Renato. A Consciência Moral do Juiz. Ajuris. Porto Alegre,
v. 21, n. 61, p. 149-174, jul./1994. p. 164.
[21]
AMORIN, Edgar Carlos de. O Juiz e a Aplicação das Leis. 1ª ed. Forense:
Rio, 1989. p. 4-5. Note-se que isto foi escrito em 1989, não na década de 50.
Quanto a esta questão da roupa, parece ser bastante comum até mesmo o uso de
Portarias impedindo entrada de pessoas sem paletó e gravata ou mulheres usando calças compridas – como
denuncia jornal da subseção de OAB de Sorocaba. cf. ‘O Rigor do Traje é um
Ultraje a Rigor’. Razões Finais. Sorocaba, v. 2, n. 5, p. 7, nov/dez
1990.
[22] exemplo
coletado por PUGGINA, Márcio de Oliveira. op. cit.
[23]
op. cit. p. 185.
[24]
“A Coroa, enquanto procurava
assegurar a posição social dos magistrados também tentava isolá-los da
sociedade em que viviam. Os desembargadores deveriam morar em residências
próximas umas das outras e limitar seu contato social com outras pessoas da
sociedade. O casamento com moças no Brasil era expressamente proibido pelo
alvará 22 de novembro de 1610 (…). As ordenações reais também proibiam que o magistrado tivesse negócios ou
adquirisse terras na área de sua alçada. Por trás dessas medidas se encontrava
a crença de que a magistratura podia funcionar num vácuo social, isento de
pressões familiares, de amigos ou interesse. Era uma idéia utópica, para não
dizer mais” . SCHWARTZ, Stuart
B. op. cit. p. 139.
[25]
processo este que é denunciado por falas
e exortações referentes à “deontologia do juiz”, ou mesmo em relação
à aspectos hermenêuticos, como por exemplo, a fim de justificar ideologicamente
tanto esta “cisão” quanto à “neutralidade valorativa” do
trabalho judicial, este trecho encontrado em Guimarães: “quem fala, na sentença, é o juiz, e o juiz não tem rancores. O
homem é que os pode ter”. GUIMARÃES, Mário. O Juiz e a Função
Jurisdicional. Rio: Forense, 1958. p. 361.
[26]
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. op. cit. p. 41. Um bom exemplo de onde pode chegar a
psicologia de alguns juízes é a “Prece de um Juiz” , de João Alfredo
Medeiros Vieira, publicada originalmente em 1973, hoje traduzida para 15
línguas: “SENHOR! Eu sou o único ser
na terra a quem Tu deste uma parcela da Tua Onipotência: o poder de condenar ou
absolver meus semelhantes. Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz
acorrem, à minha palavra obedecem (…) Da minha decisão depende o destino de
muitas vidas. Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros,
as crianças, os jovens, os loucos e os morimbundos, todos estão sujeitos, desde
o nascimento até a morte, à LEI, que eu represento, e à JUSTIÇA, que eu
simbolizo” (folheto).
[27] Para a
realização da dissertação de mestrado “Poder Judiciário e Hegemonia” (cit),
coletamos entrevistas a fim de formar um quadro empírico-qualitativo do
movimento no Rio Grande do Sul, Foram entrevistados 11 (onze) juízes de Direito
simpáticos às posições do “Direito Alternativo”.
[29]
embora em certos momentos possamos visualizar uma certa “carga
corporativa” especialmente forte, comum em relação tanto aos juízes
tradicionais quanto a outras corporações de operadores jurídicos. Este elemento
aparece tanto quando destacam as características do Poder Judiciário gaúcho em
relação ao restante do país, quanto defendem o “lugar da fala” dos
juízes, veementemente contrários a maneira como vem sendo discutido o controle
externo, embora não descartem, em tese, a possibilidade de um controle externo,
mas não apresentam soluções concretas.
[30]
na expressão de COUTINHO, Jacinto Miranda. Direito Alternativo: Tem Razão os
Juízes Gaúchos. Bonijuris, n. 74, p. 844 – 20.01.91. Amílton Bueno de
Carvalho e outros juízes que estavam presentes na entrevista com o jornalista
Maklouf, garantem terem pronunciado certas frases mais “chocantes”,
em momentos de descontração e numa janta, fora da entrevista, portanto.
[31]
Juízes Gaúchos Colocam Direito
Acima da Lei. Jornal da Tarde. São Paulo, 24 de outubro de 1990. p. 6
(Luiz Maklouf).
[33]JUÍZES
Fundam Grupo de Direito Alternativo. O Estado de São Paulo. 27 de
outubro de 1990. p. 24.
[34]
em que o juiz Nicholas Marshall, de dia sério e legalista, à noite solta o cabelo, veste-se com uma
jaqueta de couro e lidera uma troupe de
motoqueiros que saem a pegar bandidos, os mesmos que durante o dia tiveram de
ser libertados pela “astúcia” de seus advogados. Assim, sai o
“juiz” Marshall por aí,
preparando flagrantes, prendendo e matando. Este enlatado, felizmente,
já foi substituído por outro na programação da Rede Globo.
[35]
A Justiça que não é Cega. Zero
Hora. Porto Alegre, 5 de julho de 1992. (Revista da TV). p. 4. Há um
pequeno e sórdido detalhe na ilustração
da página. Na jaqueta do
“Marshall”, desenham o símbolo
do Esquadrão da Morte; e também
aproveitaram para entrevistar Sérgio Müller, notório anti-alternativo, o que faz crer não se tratar de mera gafe
jornalística ou brincadeira, mas algo muito bem estudado e arquitetado pela RBS
e seus asseclas.
[36]
Em um terço de página de jornal, este articulista consegue a proeza de reunir
um sem-número de mentiras, além de referências aos juízes como “gays”, (por razões óbvias:
Pelotas fica no Rio Grande do Sul, e “Amílton” é grafado sem
“H”!). Inclusive mente descaradamente quando diz que a lei foi
mandada à p*** que pariu numa sentença,
quando isto na realidade foi dito numa mesa de bar. TEIXEIRA, João Régis
Fassbender. Juiz em Tênis, juíza de Biquíni. Gazeta do Povo. Curitiba,
11 de novembro de 1990. p. 26.
[37]
KRETZMANN, Paulo Antônio. Idéias e Idéias. Jornal da AJURIS. Porto
Alegre, n. 36. p. 8, dez. 1992/jan.
[38]
PIRES, Gilberto Simões. Moda Perigosa. Zero Hora. Porto Alegre. 10 de
março de 1992. p. 22. (grifo nosso). No mesmo sentido é a opinião de Gilberto
Mosmann, Presidente da Associação
Comercial e Industrial de Novo Hamburgo:“O
nascimento desse tal de Direito Alternativo, e seu
desenvolvimento, precisam ser abortados. Já. Por um bom senso superior: a
necessidade de as sentenças refluírem exclusivamente para um assentamento na
Lei. Na jurisprudência consagrada com base nela” . MOSSMANN, Gilberto. Direito Alternativo. Zero
Hora. Porto Alegre, 19 de maio de 1992. p. 04. Donde se conclui que o senso
comum de um burguês é, para ele, um “bom senso superior”.
[39]
“ou a ordem jurídica atual, em
bloco, tem legitimidade, ou não tem. Se não tem, que os
“insurgentes/alternativos” o digam mais abertamente, e se retirem
dela, em vez de nela se incrustrarem. Mas se tem, como justificar o vale-tudo
contra o Direito, o quinta-colunismo de estar dentro dele para melhor o
negar?” Leo Daniele. Dois
Vizinhos, Dois Quintais e Dois Juízes. Catolicismo. São Paulo. v. 43, n.
514. p. 6-10. out./1993. p. 09.
[40] Neste trecho, por exemplo, descrevem o juiz
tradicional, apontando para a importância da aparência de solenidade para o
julgamento: “Talvez, por dentro – é
a miséria das coisas humanas! – ele não seja lá tão culto, nem mesmo tão
imparcial quanto sua aparência faz supor. Mas talvez o seja até mais do que
ostenta. Se seu interior for coerente com os traços externos, ele será culto e
imparcial em nível razoável. ‘O hábito não faz o monge’. Mas, quando o monge é
bom, ajuda… Conheço o caso de testemunhas que tinham combinado dizer tais e
tais coisas, não exatamente verdadeiras, em uma audiência. Na “hora
H”, sentados perante o sisudo magistrado, se entreolharam. Intimidadas
pelo aparato grave da Justiça, resolveram dizer a verdade. Quantos outros
episódios não haverá assim”. Assumem como importante esta questão da
sacralização/ritualização: “A Igreja
Católica, contudo, sempre quis que à Justiça fosse sacral. Por isso afirmou Pio
XII: ‘Nada é tão necessário a comunidade nacional e internacional quanto o
respeito à majestade do Direito, como também a idéia salutar de que o
Direito é em si mesmo sagrado e amparado e que, por conseguinte, aquele que o
ofende se expõe a castigos e de fatos os recebe”. op. cit. p. 6-7.
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