Resumo: A presente matéria comenta o projeto de lei nº 1843/2011, de autoria do Deputado Federal João Campos, que possibilita a autoridade policial apreciar a existência de causas excludentes de antijuridicidade, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante.
Palavras – chave: auto de prisão em flagrante; causas excludentes de antijuridicidade; Polícia Judiciária; investigação criminal; delegado de polícia; autoridade policial; e liberdade provisória.
Sumário: I – Introdução; II – Texto da Proposta; III – Fundamento de Validade do Projeto de Lei; IV – Novo Procedimento; V – Conclusão; e VI- Bibliografia.
1. Introdução
No dia 13 de julho de 2011, o Deputado Federal João Campos apresentou o projeto de lei nº 1843/2011, que acrescenta § 4º ao art. 304, do Código de Processo Penal, permitindo a autoridade policial apreciar a existência de causas e xcludentes de antijuridicidade, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante.
Isto significa que, após a aprovação deste projeto, o delegado de polícia poderá verificar se o agente praticou a conduta em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito e colocá-lo em liberdade.
2. Texto da Proposta
O Deputado João Campos, delegado de polícia do Estado de Goiás, aproveitando do seu conhecimento e experiência profissional, formulou a seguinte proposta:
“Art. 1º Esta Lei acrescenta § 4º ao art. 304, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, permitindo a autoridade policial apreciar a existência de causas excludentes de antijuridicidade, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante.
Art. 2º O art. 304, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º:
“§ 4º Se a autoridade policial verificar, pelos elementos coligidos ao auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III, do caput do art. 23, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao investigado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório ao juízo compe tente, sob pena de revogação.” (grifei)
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
3. Fundamento de Validade do Projeto de Lei
O projeto em tela preenche imensa lacuna legislativa, que tem dificultado o exercício da atividade de Polícia Judiciária e causado situações de extrema injustiça.
Para aquilatar a complexidade da questão, basta dizer que, atualmente, se uma pessoa for apresentada ao plantão policial, por ter matado, em legítima defesa, criminoso que tentava estuprar sua filha, o delegado de polícia é obrigado a autuá-la em flagrante. Tal situação é absurda, mas ocorre com frequência!
A autoridade policial é obrigada a tomar tal medida, porque a atual redação do parágrafo único, do artigo 310, do Código de Processo Penal, permite somente ao juiz apreciar as chamadas excludentes de antijuridicidade – estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito, descritas no art. 23, do Código Penal.
“Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.” (grifei)
Acontece que, muitas vezes, a situação acima descrita, ocorre na sexta-feira, à noi te, e, por falta de plantão do Poder Judiciário, a pessoa permanece injustamente presa o final de semana inteiro.
Isto significa que pessoas inocentes permanecem presas na companhia de criminosos de alta periculosidade, até que o Poder Judiciário aprecie o caso.
Ressalte-se que a situação descrita é ilegal e injusta, pois, sob o aspecto formal, essas pessoas não cometeram crime.
D e fato, os artigos 301 e 302, do Código de Processo Penal, determinam a prisão em flagrante da pessoa que cometeu um crime.
O conceituado jurista Damásio E. Jesus[1] define crime, sob o aspecto formal, como sendo “um fato típico e antijurídico. A culpabilidade constitui pressuposto da pena”.
O fato típico é o comportamento humano, que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como in fração.
Contudo, não basta que o fato seja típico, pois é preciso que seja contrário ao direito, isto é, antijurídico.
Isto porque, embora o fato seja típico, algumas vezes é considerado lícito, quando praticado, por exemplo, em legítima defesa.
Assim, o pai que surpreende e mata o criminoso estuprando sua filha ou a pessoa que reag e ao crime de roubo e mata o assaltante, não cometem crime, sob o aspecto formal, porque tais condutas estão acobertadas por uma excludente de ilicitude.
Ora, se os artigos 301 e 302, do Código de Processo Penal, determinam à prisão em flagrante da pessoa que cometeu um crime, consequentemente as prisões em flagrante realizadas nas situações acima descritas são ilegais, pois tais condutas não caracterizam infração penal, por falta de um dos seus principais elementos, qual seja: a antijuridicidade.
Entretanto, estas pessoas, apesar de não terem cometido delito, sob o aspecto form al, continuam sendo injustamente autuadas em flagrante, porquanto a legislação vigente não permite que a autoridade policial verifique, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade.
Saliente-se que o delegado de polícia é a primeira autoridade a tomar conhecimento do fato e manter contato com os envolvidos na ocorrência, podendo, com base nos elementos coligidos, evitar prisões desnecessárias.
Ressalte-se, ainda, que a prerrogativa de o delegado de polícia verificar a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade, objeto da mencionada proposta, não causará prejuízo à Justiça Criminal, na medida em que a legalidade de tal ato será, posteriormente, analisada pelo Poder Judiciário e Ministério Público, que poderão adotar providências, na esfera penal e administrativa, quando houver qualquer irregularidade.
4. Novo Procedimento
Para se entender a dinâmica do procedimento que se pretende adotar, é importante esclarecer que a prisão em flagrante é composta de quatro momentos distintos, a saber:
a) Captura do autor do ilícito, no instante da infração ou logo após a sua realização;
b) Condução do autor da infração à presença da autoridade policial;
c) Lavratura do auto de prisão em flagrante; e
d) Recolhimento ao cárcere.
Com o novo procedimento, na hipótese de a pessoa cometer um crime protegido por uma das causas de exclusão de antijuridicidade, ela será detida, conduzida coercitivamente até a presença da autoridade policial, que lavrará o auto de prisão em flagrante.
Os três primeiros momentos do flagrante acontecem (captura, condução coercitiva para a formalização da ocorrência e lavratura do auto de prisão em flagrante).
Já o último momento (recolhimento ao cárcere) será eliminado, uma vez que o delegado de polícia, convencido de que o crime foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, concederá, fundamentadamente, liberdade provisória ao investigado.
5. Conclusão
Percebe-se, portando, que a aprovação do projeto em tela, além de valorizar a atuação do delegado de polícia, é importante para aprimorar o sistema de justiça criminal, impedindo a prisão de pessoas inocentes.
Delegado de polícia do Estado de São Paulo, professor universitário, autor de duas obras na área do Direito Administrativo Disciplinar. Atualmente, exerce a atividade de assessor jurídico do gabinete do deputado federal Regis de Oliveira, em Brasília
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