Resumo: O presente trabalho objetiva elucidar pontuais aspectos controversos relacionados à aplicação da legislação tributária. Inicialmente, aponta a ausência de técnica da expressão fato gerador pendente. E, após, analisa os limites da lei expressamente interpretativa, que consiste em uma das exceções do princípio da irretroatividade tributária previsto art. 150, III, “a”, da Constituição Federal de 1988.
Palavras chaves: legislação tributária; aplicação; fato gerador pendente; lei expressamente interpretativa.
Sumário: 1. Introdução. 2. Art. 105 do Código Tributário Nacional: Fato gerador pendente. 3. Exceção ao princípio constitucional da irretroatividade tributária – art. 150, III, “a” da CF/88: lei expressamente interpretativa. 4. Conclusão. Referências.
Artigo atualizado em agoto/2015
1 INTRODUÇÃO
Nas palavras de Regina Helena Costa aplicar o Direito consiste na tarefa de interpretar uma norma geral, dela extraindo uma norma individual para o caso particular (COSTA, 2012, p.185). Nesse sentido, aplicar a norma jurídica, logo, a norma jurídica tributária, consiste interpretar o texto normativo – norma geral e abstrata -, adequando-o ao caso concreto, e, portanto, encontrando uma norma individual e concreta.
Nesse sentido, o art. 105 do Código Tributário Nacional disciplina que a legislação tributária se aplica imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes. Entretanto, busca-se demonstrar a atecnia da expressão fato gerador pendente, de modo a verificar que a legislação tributária se aplica, portanto, aos fatos geradores futuros.
Além disso, analisa-se os limites da retroatividade da lei dita expressamente interpretativa, que consiste em uma das exceções ao princípio constitucional da irretroatividade tributária previsto no art. 150, III, “a”, da Constitucional Federal de 1988. Isto porque, a referida lei deve retroagir apenas para elucidar os dispositivos interpretados, pois prescinde de caráter normativo.
Portanto, objetiva-se apontar aspectos controversos pontuais acerca da aplicação da legislação tributária.
2 ART 105 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: FATO GERADOR PENDENTE
O Código Tributário Nacional disciplina, no seu art. 105, que a legislação tributária se aplica aos fatos geradores futuros e pendentes, ressaltando que os fatos geradores pendentes são aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do art. 116 do Código Tributário Nacional, in verbis:
“Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116”.
O dispositivo coaduna com o princípio constitucional da irretroatividade tributária, previsto no art. 150, III, “a” da Constituição Federal de 1988. De acordo com esse princípio, a lei tributária não retroage de modo a atingir os fatos geradores anteriores a sua vigência.
Pela leitura do dispositivo, observa-se que o legislador infraconstitucional se refere a fato gerador pendente como sendo aquele que teve início, mas ainda não se concretizou. Logo, conforme se extrai do texto legal, o fato gerador pendente poderá, ou não, vir a se concretizar.
Nesse sentido, há críticas no que tange à ausência de técnica da nomenclatura pendente trazida pelo Código Tributário Nacional (CTN). Assim, alguns doutrinadores entendem que não há possibilidade de fato gerador pendente no ordenamento jurídico, como dispõe expressamente o CTN, já que o fato gerador irá, ou não, ocorrer.
Observa-se que o art. 105 do CTN diz pendente o fato gerador cuja ocorrência teve início, mas não se completou nos termos do art. 116 do CTN. Esse último dispositivo, por seu turno, disciplina o fato gerador cujo surgimento se dá com base em situação de fato e o fato gerador cujo surgimento se dá com base em situação jurídica.
No primeiro caso, mais simples, tem-se aquele que surge quando determinada situação fática passa a existir no plano material. Já no que tange ao fato gerador com base em situação jurídica, surge quando uma situação disciplinada em determinado ramo do direito – que não o tributário -, se concretiza nos termos normativos daquele ramo, trazendo consequências jurídicas na seara tributária; como exemplo tem-se a propriedade de imóvel, que, quando concretizada nos termos do Direito Civil, passa a ter consequências jurídicas na seara tributária – no caso, o proprietário passa a ser sujeito passivo na relação jurídica tributária, ou seja, contribuinte de Imposto sobre a Propriedade Predial Urbana – IPTU.
Assim, considerando que o legislador denomina fato gerador pendente aquele que teve início, mas não se concretizou nos termos do art. 116 do CTN, a interpretação feita pelo doutrinador Sacha Calmon seria no sentido de que o legislador estaria fazendo menção a situação jurídica e não ao fato gerador, e, mais precisamente, ao negócio jurídico sujeito a condição suspensiva disciplinada no art. 117, I, CTN, que remete ao art. 116, II, CTN (COÊLHO, 2013, p.589 – 590).
Senão vejamos:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.(…)” (grifo nosso)
“Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:
I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;
II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” (grifo nosso)
Isso porque, seria a única hipótese dentre as previstas no art. 116 c/c art. 117 CTN em que haveria pendência; neste caso, o negócio jurídico ficaria pendente até o implemento da condição suspensiva. Assim, pode-se visualizar como exemplo um negócio jurídico em que o indivíduo A compromete-se a transferir um imóvel ao indivíduo B, desde que este lhe entregue determinado objeto; nesta hipótese, só com o implemento da condição, qual seja, a entrega do objeto, haverá a transferência do imóvel, e, portanto, o fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI).
Portanto, observa-se que pendente é o negócio jurídico sujeito a condição suspensiva, o fato gerador ocorre ou não ocorre, a depender do implemento da condição. Portanto, não seria tecnicamente correto afirmar que o fato estaria pendente; o fato gerador, neste caso, seria futuro.
Nesse sentido, nas palavras do doutrinador Paulo de Barros (CARVALHO, 2011, p.124) fato gerador futuro é aquele que ainda não se verificou, mas, quando acontecer, sob a égide da legislação tributária vigente, receberá seu impacto, ficando a ela submetido quanto à disciplina de seus efeitos jurídicos.
É importante salientar que alguns doutrinadores entendem, ainda, que fato gerador pendente seria aquele que não completou seu ciclo de formação, o denominado fato gerador complexivo, ou periódico, e, por isso, estaria pendente. Nesse caso, o exemplo clássico seria o imposto de renda (IR), que tem ciclo de formação entre 1º de janeiro e 31 de dezembro, logo, até 31 de dezembro, o fato gerador estaria pendente, já que não completou o ciclo de formação. Conforme esse entendimento, uma lei que viesse a ter vigência em 31 de dezembro seria aplicável a todo ciclo, desde 1º de Janeiro – é a denominada retroatividade imprópria (ALEXANDRE, 2011).
Porém, conforme essa corrente, mesmo para aqueles que obedeçam determinado ciclo de formação a lei estabelece um momento de completude do ciclo, e seria este momento o da ocorrência do fato gerador. Logo, por esse entendimento, também não haveria fato gerador pendente; o fato gerador que ainda não completou o ciclo, seria, desta forma, fato gerador futuro.
Portanto, conclui-se que, independente do entendimento adotado, a legislação tributária aplica-se aos fatos geradores futuros, dotada de atecnia a expressão fato gerador pendente.
3 EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA – ART. 150, III, “a” da CF/88: LEI EXPRESSAMENTE INTERPRETATIVA
De acordo com o princípio da irretroatividade tributária previsto no art. 150, III, “a” da CF/88, em regra, a lei tributária não retroage para atingir fatos geradores anteriores a sua vigência, ou seja, aplica-se aos fatos geradores futuros.
No entanto, o ordenamento contempla algumas exceções no art. 106 do Código Tributário Nacional, quais sejam: tratando-se de ato não definitivamente julgado: quando deixe de defini-lo como infração; quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática; e quando tratar-se de lei expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados. Sendo esta última hipótese objeto do presente estudo.
No que tange à interpretação das leis, esta será realizada, em regra, pelo Poder Judiciário. No entanto, poderá ser realizada, também, pelos doutrinadores, Administração Pública e Poder Legislativo. A última hipótese, objeto do presente estudo, denomina-se interpretação autêntica
Nesse sentido quando a interpretação é realizada pelo Poder Legislativo, este Poder editará lei com finalidade única de melhor elucidar outro dispositivo, por isso denomina-se lei expressamente interpretativa. Vale ressaltar que o dispositivo ainda veda a possibilidade de aplicação de penalidade aos dispositivos interpretados, já que, nesse caso, a lei irá retroagir.
Dessa forma, no Direito Tributário, quando o Poder Legislativo realiza tal função atípica, a referida lei poderá retroagir, atingindo situações anteriores a sua vigência. Nesse caso, é importante destacar que a referida lei, em nenhuma hipótese, poderá exercer função normativa, inovando ou modificando a ordem jurídica, sob o argumento de que se trata de interpretação autêntica, pois o objetivo deve ser apenas elucidar outro dispositivo que necessite de melhor compreensão.
Assim, existem críticas no que concerne a interpretação realizada pelo legislador mediante lei interpretativa. Logo, o doutrinador Sacha Calmon esclarece que, embora seja possível o Poder Legislativo legislar em sentido contrário a entendimento judicial – caso contrário, teríamos o engessamento do ordenamento jurídico -, a lei interpretativa não poderá tratar de assunto já decidido pelo Poder Judiciário. Nesse caso, conforme o doutrinador, a lei dita interpretativa não poderia retroagir, por não ter natureza interpretativa, e nem regular situações futuras, já que não possui caráter normativo (COÊLHO, 2013, p.568-571).
As críticas feitas pelo doutrinador Sacha Calmon parecem pertinentes, já que a lei expressamente interpretativa deverá ser utilizada somente em situações excepcionais, que demandem a atuação do Poder Legislativo no exercício de função atípica/anômala. Sendo assim, não seria possível o legislador interpretar lei por meio de desempenho de função legislativa, trazendo entendimento já decidido no âmbito do Poder Judiciário, com a finalidade de atingir situações já consolidadas, argumentando tratar-se de lei meramente interpretativa, sob pena de infringência do princípio da separação dos poderes.
Importante salientar que o Supremo Tribunal Federal admite a lei expressamente interpretativa, entendendo que não há usurpação de função do Poder Judiciário e, inclusive, a referida lei deve ser submetida a controle judicial. No entanto, por óbvio, deverão ser respeitadas as situações já consolidadas, conforme julgamento da ADI 605 MC, in verbis:
“As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional.” (ADI 605‑MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)
Conclui-se, portanto, legítima a interpretação realizada pelo Poder Legislativo – interpretação autêntica -, desde que a lei tenha natureza meramente interpretativa, ou seja, com o objetivo de, tão somente, elucidar outros dispositivos.
4 CONCLUSÃO
No que tange a legislação tributária, observa-se que esta aplica-se aos fatos geradores futuros, dotada de atecnia a expressão fato gerador pendente.
Isto porque, parte da doutrina entende que conforme art. 116 c/c art. 117 CTN pendente é o negócio jurídico sujeito a condição suspensiva, assim, o fato gerador ocorre ou não ocorre, a depender do implemento da condição. Já, outra parte, entende que é possível denominar pendente o fato gerador complexivo ou período, e neste caso, a lei estabelece um momento de completude do ciclo, e seria este momento o da ocorrência do fato gerador. Portanto, em ambas as hipóteses, o fato gerador será futuro.
Ademais, conforme o princípio da irretroatividade elencado no art. 150, III, “a” da CF/88, em regra, a lei tributária não retroagirá para atingir fatos geradores anteriores a sua vigência, no entanto, o art. 106 do CTN admite exceções, dentre elas, a lei expressamente interpretativa (ar. 106, I, CTN).
Ressalte-se que a referida lei, embora admitida no ordenamento jurídico pátrio, não poderá inovar ou modificar a ordem jurídica, sob pena de comprometimento da segurança jurídica. E nem tratar de assunto já decido pelo poder judiciário, sob pena de infringência do princípio constitucional da separação dos poderes.
Portanto, o presente artigo buscou elucidar aspectos controversos pontuais relativos a aplicação da legislação tributária.
Bacharel(a) em Direito pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL. Especialista em Direito pela Escola de Magistrados da Bahia – EMAB. Especialista em Direito Público pela RedeLFG. Pós-Graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Advogada
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