Sumário: Introdução. Constituição. Sentido político. Sentido sociológico. Sentido jurídico. Classificações. Forma: escrita ou não escrita. Constituição escrita: codificada ou não codificada. Conteúdo das regras constitucionais: material e formal. Regras materialmente constitucionais. Regras formalmente constitucionais. Constituição material ampla ou restrita. Formal. Origens. Constituição dogmática. Constituição histórica. Estabilidade das regras constitucionais. Constituição rígida. Constituição semi-rígida. Constituição Flexível. Constituição-garantia. Constituição-balanço. Constituição-dirigente. Modo de elaboração da Constituição. Dogmática. Histórica. Classificação quanto à origem. Popular ou democrática. Outorgada ou imposta. Elementos da Constituição. Elementos orgânicos. Elementos limitativos. Elementos sócio-ideológicos. Elementos de estabilização constitucional. Elementos formais de aplicabilidade. Conclusões.


Introdução.


O trabalho que se inicia visa a fornecer meios para melhor se compreender os conceitos e as classificações da palavra constituição.


Não serão abordados os critérios além dos de Direito Público por razões objetivas e de que em todos os casos, constituição sempre revela o sentido de composição, construção, organização, estabelecimento ou instituição.


Constituição.


Cretella Jr e Cretella Neto opinam que o vocábulo Constituição pode ser compreendido em três sentidos: político, sociológico ou puramente jurídico.


Manoel Gonçalves Ferreira Filho apresenta um conceito genérico de Constituição seguido de diversos outras espécies de conceituação.[1]


Diz o autor:


Constituição é a organização de alguma coisa. (…) Designa a natureza peculiar de cada Estado, aquilo que faz este ser o que é”.[2]


Seguindo a lição de Hans Kelsen, conceitua o mestre paulista, Constituição é “o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”.[3]


Segundo De Plácido e Silva, a palavra constituição é derivada do latim constitutio, de constituere (constituir, construir, formar, organizar). É sinônima de compleição ou composição e quer dizer “um todo formado ou construído, com os elementos fundamentais à sua finalidade”. [4] 


Para o Direito Público, Constituição significa o conjunto de regras e preceitos fundamentais, estabelecidos pelo povo soberano, no exercício de sua própria soberania, como base de sua organização política e estabelecendo os direitos e os deveres de cada um de seus componentes. [5]


São palavras do autor:


Desse modo, assinala ou determina a lei constitucional, que se evidencia a Lei Magna de um povo, politicamente organizado, desde que nela se assentam todas as bases do regime escolhido, fixando as relações recíprocas entre governantes e governados.


São sinônimas as expressões lei fundamental, código supremo, magna carta ou estatuto básico.


A constituição estabeleceria, assim, as formas necessárias para delimitação de competência dos poderes públicos, determinando as “regras de ação das instituições públicas, e as restrições que devem ser adotadas para a garantia dos direitos individuais”.


“É, assim, o mandamento jurídico, em que se exaram os princípios fundamentais para instituição de todas as demais regras ou normas a serem estabelecidas. É a lei das leis”. [6]


Assim, constituição seria a lei suprema outorgada à Nação em decorrência da vontade soberana do próprio povo, por meio de seus delegados ou representantes escolhidos, trazendo em seu bojo as normas fundamentais e absolutas.


As constituições podem ser escritas em um único documento que contêm todas as suas normas e preceitos ou não escritas, chamadas costumeiras, representadas estas por “um conjunto de regras esparsas ou por tradições, que se respeitam”. [7]


Em razão da importância das constituições, para que as mesmas não se tornem desatualizadas e nem possam ser alteradas com muita facilidade pelo legislador, diz-se que podem ser flexíveis, inflexíveis ou rígidas ou limitadas, posto que os governantes ou poderes públicos seriam limitados nas suas atividades pelas normas constitucionais anteriormente traçadas.


Sentido político.


Em sentido político, Constituição seria o documento formal, solene, contendo conjunto de normas jurídicas, que trata da organização primordial de um Estado, dá sentido ao seu funcionamento, estabelece os direitos individuais e fundamentais coletivos e individuais, além de estabelecer garantias a estes direitos. 


Sentido sociológico.


Em sentido sociológico, Constituição é a soma dos fatores de poder em um país. Aqui a lei escrita é representação escrita destes poderes.


Sentido jurídico.


Juridicamente, a Constituição é uma norma fundamental hipotética, ou seja, uma norma que serve como fundamento lógico de validade da norma positiva maior, dentro de um ordenamento jurídico, que prescreve regras para a criação de outras normas. [8]


Classificações.


Forma: escrita ou não escrita.


A Constituição pode ser classificada, no tocante à forma das regras constitucionais, em escrita (normas legislativas positivadas) e não escrita (observação de usos e costumes).


Constituição escrita: codificada ou não codificada.


A Constituição escrita pode ser codificada, quando todas as normas são reunidas em um único texto legal, a Constituição, ou não codificada, quando as normas fazem parte de diferentes documentos legais.[9]


Conteúdo das regras constitucionais: material e formal.


  Em relação ao conteúdo das regras constitucionais, a Constituição pode ser classificada em material e formal.


Ferreira Filho alerta que a Constituição escrita não contém sempre todas as regras cuja matéria é constitucional. Assim, à Constituição formal ou escrita se oporia a Constituição material, ou seja, o conjunto de regras materialmente constitucionais, pertencentes ou não à Constituição escrita.[10]


Regras materialmente constitucionais.


As regras materialmente constitucionais trazem determinam as formas de governo, do Estado, de aquisição e exercício do poder, da estrutura dos órgãos de poder do Estado e dos limites da atuação estatal, podendo ou não fazer parte da Constituição.


Para Ferreira Filho, as regras materialmente constitucionais são aquelas que, por seu conteúdo, se referem diretamente à forma do Estado, forma de governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, estruturação dos órgãos de poder e aos limites de sua ação.[11]


Regras formalmente constitucionais.


As regras formalmente constitucionais, segundo os Cretella, fazem parte da Constituição. Independentemente disto, podem ou não ser dotadas de conteúdo constitucional. [12] 


Ferreira Filho, no entanto, expressa que são formalmente constitucionais aquelas regras que, por sua matéria, são constitucionais ainda que não estejam contidas numa Constituição escrita. Isto porque nas Constituições escritas podem existir normas que não são dotadas de conteúdo constitucional, rigorosamente falando. Regras que não dizem respeito à matéria constitucional (forma de Estado, de Governo, etc).


São aquelas regras que não têm conteúdo, mas tão somente forma de constitucionais. São, portanto, apenas formalmente constitucionais.[13]


Constituição material ampla ou restrita.


A Constituição material é ampla ou restrita. Ampla porque composta das normas que estão presentes na Constituição, embora não sejam de natureza constitucional. Já em sentido restrito quando as suas normas são de conteúdo exclusivamente constitucional.


Formal.


A Constituição será formal quando promulgada solenemente, que reflete a estrutura e o funcionamento do Estado, somente podendo ser modificada por meio de processos e formalidades especiais nela previstos.


Origens.


Já no tocante à sua origem, a Constituição será classificada como dogmática ou histórica.


Constituição dogmática.


Constituição dogmática é aquela que resulta da aplicação de princípios ou dogmas, de forma consciente, para a organização fundamental do Estado.


Constituição histórica.


A Constituição histórica resulta de um longo processo de evolução dos valores de um povo, em determinada sociedade, resultando em regras escritas e não escritas. As regras escritas serão leis e as não escritas usos e costumes.


Estabilidade das regras constitucionais.


Historicamente falando, segundo Ferreira Filho, a doutrina da Constituição pretendia que esta fosse imutável, ou só se alterasse por meio de um processo especial, diferente do ordinário do estabelecimento de regras jurídicas.[14]


Em relação à estabilidade das regras constitucionais, a Constituição pode ser classificada em rígida, semi-rígida e flexível.


Constituição rígida.


A Constituição rígida se caracteriza pela alteração das normas constitucionais mediante processo especial e qualificado, aplicado com pouca freqüência.[15]


Para Ferreira Filho, Constituição rígida é aquela que só se altera mediante processo especial.[16]


Constituição semi-rígida.


Já as normas da constituição semi-rígida podem ser alteradas, em parte pelo processo legislativo comum e em parte, por processo especial.


A Constituição brasileira de 1824 era assim classificada em virtude de suas regras poderem ser modificadas em parte pelo processo legislativo ordinário e em parte que ela própria estabelece, só podem ser alteradas por processo  especial.


Constituição Flexível.


Finalmente, os Cretella admitem como flexível a Constituição cujas regras são modificáveis pelo processo legislativo comum.[17]


Ferreira Filho entende por Constituições flexíveis aquelas que, escritas às vezes, não escritas sempre, podem ser modificadas pelo processo legislativo ordinário.


 Constituição-garantia.


Constituição-garantia é uma denominação dada à Constituição clássica, que assegura as liberdades individuais e coletivas além de limitar o poder do Estado.


Ferreira Filho lembra que o conceito de Constituição-garantia é utilizado para designar a Constituição de tipo clássico que visa a garantir a liberdade, limitando o poder. Esta classificação foi idealizada para contraposição à Constituição-balanço.[18]


Constituição-balanço.


Constituição-balanço é denominação dada à Carta Magna que meramente descreve e sistematiza a organização política de um Estado. Ela reflete um estágio nas relações de poder, sofrendo revisão a cada salto evolutivo mais significativo. Os Cretella também aqui exemplificam o uso desta Constituição com os países socialistas europeus antes da queda do Muro de Berlim, no ano de 1989.


Ferreira Filho lembra a doutrina soviética inspirada em Lassalle que afirmava ser a Constituição-balanço aquela que descreve e registra a organização política estabelecida. A Constituição-balanço registraria um estágio nas relações de poder. As Constituições soviéticas de 1924, 1936 e 1977 eram assim denominadas pois registravam novas conquistas rumo ao socialismo.[19]


Constituição-dirigente.


Para os Cretella, finalmente, a Constituição-dirigente pode ser assim denominada em função de normas que estabelecem diretrizes para o exercício do poder, com vistas à objetivos políticos, sociais e econômicos. É a Constituição que contém as normas constitucionais programáticas.


Ferreira Filho afirma ser a Constituição que estabeleceria um plano para dirigir uma evolução política. Ela anunciaria um ideal a ser concretizado. A sua característica seria formada por normas programáticas.


Modo de elaboração da Constituição.


Em relação ao modo de elaboração, a Constituição pode ser classificada em dogmática e histórica.


Dogmática.


A Constituição dogmática será sempre escrita e elaborada por órgão constituinte. Ela consagrará os dogmas políticos e jurídicos dominantes na época de sua elaboração. A palavra dogmática significa, em acepção jurídica, a parte da ciência jurídica que critica e classifica os princípios que constituíram a fonte do direito positivo de determinado país.[20] Os dogmas serão os princípios que darão causa ao ordenamento constitucional daquele país.


Histórica.


A Constituição histórica é aquela sempre não-escrita, costumeira, resultante de processo demorado de sedimentação política, social e jurídica. A sua fonte não pode ser determinada.


Classificação quanto à origem.


A Constituição pode ser classificada quanto à origem em popular ou democrática e outorgada ou imposta.


Popular ou democrática.


A Constituição popular ou democrática é elaborada por uma Assembléia Constituinte, composta por representantes eleitos pelo povo.


Outorgada ou imposta.


A Constituição outorgada prescinde da participação popular. Será ela elaborada pelo governante ou por interposta pessoa.


Elementos da Constituição.


Luiz David Araújo e Vidal Nunes Júnior explicam que a Constituição de um país é formada por normas de conteúdo, origens e finalidades realmente diferentes. As normas constitucionais teriam como fim os mais diversos valores.


Desta forma, conforme J.H. Meirelles Teixeira, os elementos constitucionais seriam, a saber: os orgânicos, os limitativos, os programático-ideológicos e os formais ou de aplicabilidade.[21]


Elementos orgânicos.


São aqueles que regulam os Poderes do Estado, definindo a sua estrutura. Exemplos são os Títulos III e IV da Constituição do Brasil que são chamados “Da Organização do Estado” e “Da Organização  dos Poderes e do Sistema de Governo”.[22]


Elementos limitativos.


São as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Regulam e limitam, freiam a atividade do Estado. Estabelecem linhas que dividem o âmbito de atuação do Estado e dos indivíduos. Basicamente podem ser encontradas no art. 5º da Constituição da República.[23]


Elementos sócio-ideológicos.


Desenham o perfil ideológico do Estado. Revelam o compromisso entre o Estado individual e o Estado social. São exemplos a ordem econômica e os direitos sociais (arts. 6º, 7º, 170 e segs. da Constituição de 1988).[24]


Elementos de estabilização constitucional.


Destinados a garantir a paz social e recompor o Estado à sua normalidade. São instrumentos de defesa do Estado. Exemplifica-se com os dispositivos constitucionais que tratam da intervenção federal, do controle direto da constitucionalidade e dos estados de defesa e de sítio.[25]


Elementos formais de aplicabilidade.


São os elementos que traçam regras relativas ao modo de aplicação das Constituições. Exemplos são os preâmbulos e as disposições transitórias.[26]


Conclusões.


Constituição de origem democrática, a Carta de 1988 foi produzida pelo Poder Constituinte originário exercido pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987.


De tudo o que foi visto, é de se concluir que a Constituição da República Federativa do Brasil é um documento escrito puramente jurídico de origem dogmática. Codificada que é contém normas formalmente e normas materialmente constitucionais.


É de se notar que diversas normas de conteúdo constitucional não específico ganharam a condição de constitucionais, foram, enfim, constitucionalizadas. Tal se deu em razão dos constituintes de 1987 e 1988 atribuírem elevada importância a certos mandamentos em razão mesmo de estar o Brasil, até então, saindo de uma ditadura militar, de um regime de exceção.


A nossa Carta Constitucional ou Carta Magna pode ser considerada a responsável pela definição dos princípios que regerão toda a vida do Estado brasileiro (República Federativa do Brasil ou União). Além dos princípios fundamentais, estabelece os direitos e as garantias fundamentais dos indivíduos e das coletividades. Só então passa a descrever qual será a organização político-administrativa do Estado, entes federados, poderes, da defesa do Estado e das instituições democráticas, tributação e orçamento, ordem econômica, financeira e social. Finalmente, são tratadas as disposições constitucionais gerais e as transitórias.   


Apesar das 62 (sessenta e duas) vezes que já foi emendada[27], a nossa Carta de 1988 é rígida. Há até autores que afirmam ser a nossa Constituição super-rígida.


 


Bibliografia:

DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico Eletrônico 3.0, RJ: Forense, 2003;

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001;

CRETELLA JR, José e CRETELLA NETO, José, 1000 perguntas e respostas de Direito Constitucional, 5ª ed., RJ: Forense, 2000;

ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano, Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., rev. e atual., SP: Saraiva, 2001.


Notas:

[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, urso de Direito Constitucional, 27ª edição, atualizada, São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 10-15.

[2] (2001:11).

[3] Idem.

[4] DE PLÁCIDO E SILVA, (2003: Verbete “constituição”).

[5] Idem.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] “1000 perguntas e respostas de Direito Constitucional”, 5ª edição, Forense: Rio de Janeiro, 2000, p.1.

[9] Ob. Loc. Cit. Ant.

[10] (2001:13).

[11] (2001:11-12).

[12] (2000:3).

[13] (2001:12).

[14] (2001:13-14).

[15] CRETELLA JR e CRETELLA NETO.

[16] (2001:14).

[17] (2000:2).

[18] (2001:14).

[19] Idem.

[20] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, verbete “Dogmática”.

[21] ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano, Curso de Direito Constitucional, 5ª edição, revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 7-8..

[22] (2001:7).

[23] Idem.

[24] Idem.

[25] (2001:8).

[26] (2001:8).

[27] 56 emendas constitucionais e 6 emendas constitucionais de revisão.

Informações Sobre o Autor

Francisco Mafra.

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.


Equipe Âmbito Jurídico

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