Resumo: O presente artigo pretende analisar a possibilidade de bens pertencentes a empresa públicas e sociedades de economia mista, quando não afetados à prestação de serviços públicos, serem desapropriados sem a necessidade de observância do procedimento específico de desapropriação previsto para bens públicos.
1- FUNDAMENTAÇÃO
De início, vale ressaltar que, em respeito ao pacto federativo, nos termos do § 2º, do art. 2 º, do Decreto-Lei n º 3365/41, os entes federativos menores não podem desapropriar bens pertencentes às pessoas políticas maiores:
“Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
§ 1º A desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuizo patrimonial do proprietário do solo.
§ 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
§ 3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e emprêsas cujo funcionamento dependa de autorização do Govêrno Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República”. (Incluído pelo Decreto-lei nº 856, de 1969)
Nesse sentido, cumpre transcrever a lição de José dos Santos Carvalho Filho[1], no sentido de que a intenção do legislador ao prever tal procedimento específico a ser observado no caso da desapropriação de bens públicos foi preservar o pacto federativo, tendo em vista a preponderância de interesses existentes entre os entes federados:
“A despeito de não ser reconhecido qualquer nível de hierarquia entre os entes federativos, dotados todos de competências próprias alinhadas no texto constitucional, a doutrina admite a possibilidade de desapropriação pelos entes maiores ante o fundamento da preponderância do interesse, no qual está no grau mais elevado o interesse nacional, protegido pela União, depois o regional, atribuído aos Estados e Distrito Federal, e por fim o interesse local, próprio dos Municípios”.
Além do respeito à ordem hierárquica, o Decreto-Lei n º 3.365/41 (art. 2º, § 2º, in fine) estabelece que a desapropriação de bens públicos pertencentes a estados e municípios estaria sujeita à aprovação por lei específica (conforme a doutrina, do ente que irá empreender a desapropriação).
Acerca da exigência de lei específica, cumpre transcrever a lição de José Carlos de Moraes Salles[2] no sentido de que o escopo de tal requisito seria pôr os entes menores a salvo de eventuais excessos cometidos pelo Poder Executivo do ente maior, em prejuízo da autonomia e independência daqueles. Destarte, a exigência seria uma forma de inibir e fiscalizar tais excessos, de acordo com o sistema de freios e contrapesos existentes entre Executivo e Legislativo.
“Não concordamos, entretanto, com esse entendimento, porque a autorização legislativa a que alude o parágrafo 2º do art. 2º do Dec._lei 3.365/1941 é a que as pessoas políticas maiores devem obter para que possam expropriar bens das menores. Tal autorização é imperativo de lei, que objetivou, assim, impedir que pudessem as entidades menores ser alvo da prepotência ou arbítrio das maiores, no tocante à desapropriação de seus bens. Destarte, a submissão, ao Poder Legislativo, da pretensão expropriatória, a fim de que autorize sua concretização, é forma de controle imposta pela lei à ação do Poder Executivo, perfeitamente compreensível tendo em vista o princípio de freios e contrapesos acolhido pela Constituição, segundo o qual os vários Poderes se fiscalizam e controlam mutuamente”
Apesar de o art. 2º referir-se apenas a bens sob o domínio de Estados e Municípios (portanto bens públicos), há posicionamento doutrinário e jurisprudencial adotando a regra do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 (pelo menos, no que tange à necessidade de respeito à ordem hierárquica ali insculpida) a bens de entes de natureza privada afetados à prestação de serviços públicos, como é o caso dos bens pertencentes a empresas públicas e sociedades de economia mista (bens privados) empregados na prestação de serviços públicos.
Nesse sentido, cumpre transcrever as lições de Maria Sylvia Zanella di Pietro[3]:
“Com relação aos bens pertencentes às entidades da administração indireta, aplica-se, por analogia, o artigo 2º do Decreto-lei n º 3.365/41, sempre que se trate de bem afetado a uma finalidade pública. Tais bens, enquanto mantiverem essa afetação, são indisponíveis e não podem ser desafetados por entidade política menor.”
Já Diógenes Gasparini[4]:
“Essa inteligência, por certo, prestigia os serviços públicos desempenhados por essas entidades da Administração indireta, que devem ser contínuos, não os bens em si mesmos (RDA, 84:165). Estes, não se deve esquecer não são, em sentido estrito, bens públicos, salvo o das autarquias, podendo, nos termos do art. 2º, caput, da Lei Geral das Desapropriações, ser desapropriado por qualquer das pessoas públicas mencionadas. Assim, considerado o fato de que se deve compatibilizar a continuidade do serviço e a regra que permite a expropriação de qualquer bem, tem-se por admitida a desapropriação de bens desde que desvinculados dos serviços prestados pela entidade proprietária.”
Cumpre chamar atenção também para o teor do o teor do RE 172816, onde o Egrégio STF concluiu pela impossibilidade de um estado-membro da federação desapropriar bem de empresa pública federal prestadora de serviço público de competência da União em desrespeito à ordem hierárquica estabelecida no art. 2º do Decreto-Lei n º 3365/41:
“EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO, POR ESTADO, DE BEM DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL QUE EXPLORA SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DA UNIÃO. 1. A União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos territorios e os Estados, dos Municípios, sempre com autorização legislativa especifica. A lei estabeleceu uma gradação de poder entre os sujeitos ativos da desapropriação, de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente; os Estados e o Distrito Federal não podem desapropriar bens da União, nem os Municípios, bens dos Estados ou da União, Decreto-lei n. 3.365/41, art. 2., par. 2.. 2. Pelo mesmo princípio, em relação a bens particulares, a desapropriação pelo Estado prevalece sobre a do Município, e da União sobre a deste e daquele, em se tratando do mesmo bem. 3. Doutrina e jurisprudência antigas e coerentes. Precedentes do STF: RE 20.149, MS 11.075, RE 115.665, RE 111.079. 4. Competindo a União, e só a ela, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos maritimos, fluviais e lacustres, art. 21, XII, f, da CF, esta caracterizada a natureza pública do serviço de docas. 5. A Companhia Docas do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista federal, incumbida de explorar o serviço portuario em regime de exclusividade, não pode ter bem desapropriado pelo Estado. 6. Inexistência, no caso, de autorização legislativa. 7. A norma do art. 173, par. 1., da Constituição aplica-se as entidades publicas que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplicação as sociedades de economia mista ou empresas publicas que, embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade. 8. O dispositivo constitucional não alcanca, com maior razão, sociedade de economia mista federal que explora serviço público, reservado a União. 9. O artigo 173, par. 1., nada tem a ver com a desapropriabilidade ou indesapropriabilidade de bens de empresas publicas ou sociedades de economia mista; seu endereco e outro; visa a assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades publicas que exercem ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem a atividade econômica na mesma área ou em área semelhante. 10. O disposto no par. 2., do mesmo art. 173, completa o disposto no par. 1., ao prescrever que “as empresas publicas e as sociedades de economia mista não poderao gozar de privilegios fiscais não extensivos as do setor privado”. 11. Se o serviço de docas fosse confiado, por concessão, a uma empresa privada, seus bens não poderiam ser desapropriados por Estado sem autorização do Presidente da Republica, Súmula 157 e Decreto-lei n. 856/69; não seria razoável que imóvel de sociedade de economia mista federal, incumbida de executar serviço público da União, em regime de exclusividade, não merecesse tratamento legal semelhante. 12. Não se questiona se o Estado pode desapropriar bem de sociedade de economia mista federal que não esteja afeto ao serviço. Imóvel situado no cais do Rio de Janeiro se presume integrado no serviço portuario que, de resto, não e estatico, e a serviço da sociedade, cuja duração e indeterminada, como o próprio serviço de que esta investida. 13. RE não conhecido. Voto vencido.” (RE 172816, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, TRIBUNAL PLENO, julgado em 09/02/1994, DJ 13-05-1994 PP-11365 EMENT VOL-01744-07 PP-01374)
Vê-se que um dos fundamentos do referido julgado para exigência à ordem hierárquica prevista no Decreto-Lei n º 3.365/41 foi o fato de que o bem estaria afetado a um serviço de competência de um ente de hierarquia superior, não sendo admissível, portanto, que a prestação descentralizada de um serviço tornasse os bens do concessionário particular menos protegidos do que o seriam caso o serviço estivesse sendo prestado diretamente pelo Poder Concedente.
Destarte, tem-se que doutrina e jurisprudência admitem que o regime de desapropriação previsto para os bens públicos somente precisa ser observado nos casos em que apesar de o bem pertencer a um ente de natureza privada, esteja ele afetado à prestação de serviços públicos.
É que como bem salienta Gasparini[5], aos bens que compõem o patrimônio de empresas controladas pelo Estado não se assegura qualquer dos privilégios outorgados a bens públicos, exceto a proteção especial concedida para os bens afetados à prestação de serviços públicos, que seguem o princípio da continuidade, como de resto acontece com os bens pertencentes a qualquer concessionário particular de serviços públicos:
“Aos bens que o compõem não se assegura qualquer privilégio. Nesses termos, são eles que garantem as obrigações assumidas pela empresa pública, já que no plano obrigacional essa entidade se equipara às entidades privadas (art. 173, § 1º, da CF). Podem, por conseguinte, ser penhorados e executados (RT, 743:296). (…)Destarte, se prestadoras de serviços públicos terão uma proteção especial para os serviços e bens a eles afetados, como qualquer concessionário de serviço público tem, em razão do princípio da continuidade. A esse respeito, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (prestação, cit., p. 142) que: “Dando-se o caso de serem prestadoras de serviço publico, terão, como qualquer outra concessionária, proteção especial para o serviço e para os bens a ele aplicados”. (…)
2- CONCLUSÃO
Destarte, concluímos que em não estando o bem pertencente à empresa pública ou sociedade de economia mista afetado à prestação de algum serviço público, resta afastada a necessidade de obediência ao regime jurídico da desapropriação de bens públicos, previsto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n º 3.365/41, seja no que tange ao respeito à hierarquia, seja no que tange à necessidade de autorização legislativa específica por parte do Congresso Nacional. Com efeito, entendemos que tais bens podem ser desapropriados nos mesmos moldes previstos para os demais bens particulares existentes na sociedade.
Procurador Federal Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp
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