Inicialmente, cabe uma distinção entre o que é despersonalização do ente empregador da desconsideração de sua personalidade jurídica.
Na despersonalização, identifica-se a modificação do tomador dos serviços na relação empregatícia, o sujeito empregador, sem que haja qualquer prejuízo para o empregado, uma vez que o novo titular assume o contrato de trabalho em curso, responsabilizando-se perante o prestador de serviços, o sujeito empregado, por seus direitos trabalhistas, inclusive aqueles adquiridos durante a vigência do contrato de trabalho em face do anterior titular da empresa.
Assim, por exemplo, como despersonalização podemos citar as hipóteses dos artigos 10 e 448 da CLT.
Amaury Mascaro Nascimento, traz à colação as diversas espécies de empregador. Trazendo como exemplo, os entes sem personalidade jurídica como o condomínio, a massa falida que, desde que façam admissão de empregados sob dependência e subordinação, serão considerados empregadores, para efeitos do Direito do Trabalho.
Como no contrato de trabalho predomina a impessoalidade em face do empregador, sua personalidade jurídica, ou inexistência, ou mesmo irregularidade desta, pouco importará para o empregado pois no contrato de trabalho a pessoalidade ocorre em relação ao empregado e a impessoalidade em relação ao empregador.
Na hipótese da desconsideração da personalidade jurídica do empregador esta consiste em contornar a pessoa jurídica, sem o propósito de questionar a sua existência ou regularidade, que permanecerão incólumes, com o objetivo de alcançar outras pessoas físicas ou jurídicas, ou mesmo entes despersonalizados, para exigir obrigação originariamente da responsabilidade da pessoa jurídica desconsiderada.
É importante lembrar que o ato de desconsideração da personalidade jurídica também tem o propósito de proteger a pessoa jurídica de atos contrários à lei e à sua boa administração praticados por seus dirigentes.
Fabio Ulhoa Coelho qualifica esse objetivo como sendo a teoria maior da desconsideração, já que não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresariais e à sua autonomia em relação aos sócios. Pelo contrário, seu objetivo é preservar o instituto coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam.[1]
Para o autor, a pessoa jurídica não preexiste ao direito, é apenas uma idéia, conhecida dos advogados, juizes e demais membros da comunidade jurídica, que auxilia a composição de interesses ou a solução de conflitos.
Esta posição assumida visa explicar a natureza jurídica da pessoa jurídica através de diversas teorias normativas que defendem a existência das pessoas jurídicas anteriormente a sua personalização jurídica, defendendo que a disciplina legal da pessoa jurídica é mero reconhecimento de algo preexistente que a ordem jurídica não teria como ignorar, como uma realidade incontestável à semelhança da pessoa humana.
O direito do trabalho não se preocupa mais com a caracterização do empregador como sujeito da relação de trabalho, do que com sua classificação no quadro das pessoas jurídicas de direito privado.
No campo trabalhista não existe nenhuma diferença entre a personalidade do empregador e o seu enquadramento num dos tipos societários previstos em lei a não ser no que tange ao privilegio do crédito trabalhista e dos princípios de proteção ao trabalhador.
Assim, para a CLT, empregador é a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (Art.2º). Imputa, também, além da solidariedade, a responsabilidade quanto aos créditos trabalhistas, quando, por exemplo estivermos diante de grupos de empresas. Para Orlando Gomes, nem toda empresa no sentido econômico o é, no sentido trabalhista, já que o conceito de empresa no mundo civil ou comercial, nem sempre representa fonte permanente de trabalho subordinado.
Por essa razão, para o Direito do Trabalho interessa a figura do empregador, isto é, a empresa em qualquer de suas espécies, desde que vista sob o aspecto de devedora de prestações sócio-assistenciais e como figura central do poder hierárquico inerente às empresas.[2]
Para Fabio Ulhoa Coelho, há no direito brasileiro, na verdade, duas teorias da desconsideração. De um lado, a teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto,denominada de Teoria Maior.
De outro lado, a teoria menos elaborada, que se refere à desconsideração em toda e qualquer hipótese de execução do patrimônio do sócio por obrigação social, cuja tendência é condicionar o afastamento do princípio da autonomia a simples insatisfação de crédito perante a sociedade. Trata-se da Teoria Menor que se contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais e da insolvência de qualquer dos sócios, para atribuir a este a obrigação da pessoa jurídica.[3]
Não se pode perder de vista que a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresariais e à sua autonomia em relação aos sócios. Muito pelo contrario, o seu objetivo é preservar o instituto, proibindo práticas fraudulentas e abusivas por parte de quem dele se utiliza.
A teoria denominada de menor diferencia-se da maior, pelo fato de procurar minimizar a sua complexidade, possuindo, para tanto, apenas um pressuposto para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, é o de que haja uma inadimplência da sociedade, seja por insolvência, seja por falência.
Assim é que, não havendo patrimônio da sociedade, mas gozando o sócio de solvabilidade é o que basta para que este assuma a responsabilidade pelas obrigações assumidas por aquela .
Para a Teoria Menor, adotada pela Justiça do Trabalho, não há distinção entre o exercício regular da sociedade em sua atividade ou que tenha agido com fraude, nem formula a indagação se houve ou não abuso de forma.
A natureza negocial do direito creditício oponível à sociedade, é irrelevante. [4]
A desconsideração, diferentemente dos vícios dos atos jurídicos, não ocorre quando há discrepância entre a norma legal e o ato praticado, e sim quando os atos praticados pela pessoa jurídica conflitam com os próprios objetivos atribuídos a esta, quando, por exemplo, ocorre um desvio na finalidade da sociedade.
Marçal Justen Filho afirma que na desconsideração tem-se em vista preponderantemente a pessoa jurídica e/ou física, pois que é através da analise da atuação do sujeito que se individualiza abordagem superativa. No entanto, quando se considera o vício do ato, voltam-se os olhos preponderantemente, para a conduta exteriorizada. O ato, assim, é relevante,para a teoria da desconsideração, na medida em que é evidência de um desvio de função na conduta do sujeito. E o sujeito é relevante, para a teoria dos vícios, na medida em que um elemento ou pressuposto de validade e de regularidade do ato não se encontra presente.
Dessa forma, há uma diferença considerável entre os efeitos produzidos pela desconsideração e o vício, já que a primeira não invalida a sociedade, e o segundo anula o ato jurídico. Assim, na desconsideração pode ocorrer a transferência para a figura dos sócios.[5]
Diante do exposto, tem entendido a jurisprudência majoritária dos Tribunais do Trabalho que a aplicação da teoria da desconsideração – deve atender o princípio da proteção ao trabalhador – prestigiando, assim, a Teoria Menor.
Não se pode perder de vista, no entanto, que o atual Código Civil, em seu artigo 50 dispõe:
“Artigo 50 – Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizada pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Mais adiante, comentaremos a respeito da aplicação do artigo 50 do Código Civil no âmbito trabalhista.
No que tange aos demais ramos do Direito, verifica-se,por exemplo:
O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/90) posicionou-se no sentido de que :-
“Artigo 28 – O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
No Direito Tributário a legalidade é seu principal fundamento.
Assim, a desconsideração só será admitida quando a lei tributária, expressamente determinar, diversamente dos outros ramos do direito.
A título de desconsideração, autorizada pela lei temos o Decreto-lei nº 1.598/77, nos artigos 60 e seguintes, bem como o Decreto-lei nº 2.065/83.
Na realidade, na prática disfarçada da distribuição de lucros para o acionista controlador através de outra pessoa jurídica pertencente a mesma sociedade ou a interposição de uma pessoa jurídica entre o sócio e a pessoa jurídica ou ainda quando o sócio tem interesse direto ou não nessa intermediação, é que no dizer de Marçal Justen Filho, procura-se desconsiderar a personalidade jurídica. [6]
No Direito Ambiental, a matéria encontra-se regulada pela Lei nº 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas que sejam derivadas de condutas e atividades que sejam lesivas ao meio ambiente.
Da leitura de seus dispositivos, percebe-se que a base de aplicação da penalidade, é como no direito do trabalho, a ausência de bens suficientes para cumprir com a obrigação de indenizar àquele que foi lesado.
No Direito Comercial, Hermelino de Oliveira Santos ocupando-se do tema procura trazer a colação a explicação dos comercialistas, através de diversas teorias que disciplinam a existência da pessoa jurídica como modelos societários.
Assim as teorias pré-normativistas consideram as pessoas jurídicas cuja existência não dependem da ordem jurídica.
Mostrando-se adepto das teorias normativistas e concordando com a posição de Kelsen e Ascarelli, Hermelino de Oliveira Santos limita o seu exame a respeito da responsabilidade patrimonial no direito comercial apenas em face dos dispositivos constantes das leis societárias.
Para mais, aduz que no âmbito do Direito do Trabalho, a identificação da pessoa jurídica não se reveste de tanta importância quanto tem a identificação do empregador. O legislador trabalhista , na realidade procura identificar o empregador sem maiores preocupações com sua formalidade ou e regularidade jurídica.[7]
A propósito do tema, dois Enunciados do CEJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,aprovados na Jornada de Direito Civil promovida entre 11 a 13 de setembro de 2002, corroboram o entendimento dos dois dispositivos transcritos:
Enunciado nº 7 – “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.”
Enunciado nº 51 – “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos micros sistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”
HERMELINO DE OLIVEIRA SANTOS, posiciona-se no sentido de que o parágrafo único do artigo 8º da CLT autoriza o acolhimento do direito comum, como fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. [8]
Dessa forma, não haverá nenhum obstáculo na aplicação no processo trabalhista do disposto no artigo 50 do Código Civil, já que se cuida de uma norma de caráter geral,e de não possuir a CLT norma específica.
Comenta ainda o Autor, o fato do questionamento a respeito da aplicação do artigo 28 do CDC no processo trabalhista, diante de sua especificidade às relações de consumo, contrariamente à nova norma do Código Civil, de caráter geral.
Traça algumas diretrizes específicas para o processo do trabalho, como:
a) a presença de pressupostos autorizantes à invocação da doutrina da desconsideração;
b) a necessidade de asseguração da garantia constitucional do devido processo legal;
c) a observância do lapso temporal, dentro do qual deve ser argüida; e,
d) as pessoas naturais e jurídicas que podem ser alcançadas.
Pelo exposto, percebe-se que o Código Civil, através de seu artigo 50 preconizou a limitação imposta pela Teoria Maior da doutrina.
Parece-nos que a justiça do trabalho deverá fazer uma análise mais profunda a respeito da matéria, pois o artigo em comento fala em abuso, desvio de finalidade, confusão patrimonial, para autorizar que se retire o véu da sociedade, enquanto na especializada o que ocorre é uma aplicação simplista, pois além de aplicar a desconsideração nos casos previstos pelo dispositivo legal, aplica-se também, a desconsideração quando comprova-se a não existência de bens da empresa no todo ou em parte, suficientes para satisfazer o crédito reclamado, sem perquirir se está presente um dos elementos previstos no artigo 50 do Código Civil.
A aplicação da Teoria Menor é bastante cômoda para a sociedade e para a justiça do trabalho, pois soluciona o problema, o conflito de interesses, sem maiores indagações, porém, a relação trabalhista é formada por dois lados – empregado e empregador – e muitas vezes o sócio da empresa que age de boa fé é condenado a pagar indenizações sem ter como faze-lo, em detrimento de sua própria sobrevivência, não tendo contribuído para aquela situação.
A guisa de informação,o Tribunal Superior do Trabalho em alguns de seus julgados tem se posicionado no seguinte sentido:
“Agravo de Instrumento.Responsabilidade do Sócio.Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no Direito do Trabalho sempre que não houver patrimônio da sociedade, quando ocorrer dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados, respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, a fim de que não se frustre a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório. Por outro lado, para que o reclamado se beneficiasse do disposto no art.10 do Decreto 3.708/19, era necessário que comprovasse que o outro sócio excedeu do mandato ou que praticou atos com violação de contrato ou da lei, o que não é o caso. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.(AIRR-22289-2002-900-09-00) 5ª.Turma, Relator Min.João Batista Brito Pereira.“
“Agravo de Instrumento em Recurso de Revista.Penhora sobre bem de sócio. Aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Os créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto para a efetividade da execução e, nesse sentido, vem-se abrindo uma exceção ao principio da responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Em conseqüência, o julgamento, em última análise, tem motivação fundada no artigo 28 da Lei nº 8.078/90, sem importar em afronta direta aos incisos II,LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. (AIRR-1517-2001-013-03-00 – publicado no DJ de 21/5/2004- 2ª. Turma do TST).
Professora de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho dos Cursos de Mestrado em Direito da Universidade Gama Filho e da Faculdade de Direito de Campos. Doutora e Livre Docente em Direito pela Universidade Gama Filho, Professora de Direito do Trabalho da Univercidade, Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.
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