Resumo: O processo de execução é um conjunto de atos processuais coercitivos, que visa a satisfação integral do direito do credor em detrimento do patrimônio do devedor, caso este não satisfaça obrigação certa, líquida e exigível, fundamentado em título executivo judicial ou extrajudicial. Deste modo, o presente trabalho de pesquisa tem como objetivo analisar se é necessária a segurança do juízo para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença, à luz da Lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005 e da Lei nº 11.382 de 06 de dezembro de 2006. E, por conseguinte quais são as matérias a serem abordadas na defesa do devedor, o efeito que pode ser atribuído pelo juiz e o seu cabimento. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 assegura a todos, sem discriminações, o direito a ampla defesa e ao contraditório na esfera jurídica e administrativa. Deste modo, o executado não pode ser alijado da possibilidade do oferecimento de defesa quando for desprovido de bens para garantir totalmente a execução do título judicial. Portanto, havendo previsão legal da desnecessidade do executado prestar caução, depósito ou penhora para o oferecimento de embargos nas novas regras da execução do título extrajudicial, somado ao princípio da subsidiariedade, seria possível o oferecimento da impugnação ao cumprimento da sentença pelo devedor. Logo, tem-se, o ponto controvertido a ser analisado neste trabalho. E, por fim, será observado que o executado ainda pode defender-se no cumprimento da sentença por meio da exceção de pré-executividade e das ações autônomas, também, conhecida como defesa heterotópica.
Palavras-chave: Desvinculação; Segurança do Juízo; Impugnação; Ampla Defesa; Execução; Subsidiariedade.
Sumário: Introdução; 1. Do processo de execução; 1.1. Esboço Histórico do Processo de Execução no Brasil; 1.2. Objetivo do Processo de Execução; 1.3 Princípios do Processo de Execução; 1.4. Obstáculos ao alcance da efetividade do processo de execução; 1.5. Da alteração na legislação visando o cumprimento da sentença; 1.6. Do cumprimento da sentença; 1.6.1. Conceito e Espécies; 1.6.2. Cumprimento voluntário; 1.6.3. Cumprimento forçado; 2. Da impugnação; 2.1. Natureza Jurídica; 2.1.1. Natureza de ação incidental; 2.1.2 Natureza de defesa; 2.2 Prazo e Matérias de defesa; 2.3 Possibilidade de Efeito Suspensivo; 3. Desvinculação da segurança do juízo; 3.1 Princípios Constitucionais afetos a Defesa; 3.1.1 Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório; 3.1.2. Princípio do Devido Processo Legal; 3.2 Parâmetro com os Embargos do Devedor; 3.3. Outras vias de defesa oponíveis pelo devedor; 3.3.1 Da Exceção de Pré-executividade; 3.3.2. Da defesa heterotópica. Conclusão. Referências.
Introdução
O processo de execução é a ferramenta oferecida pelo Estado ao credor, para que este possa exigir do devedor o adimplemento de uma obrigação. Isso ocorre de maneira forçada, através da retirada de bens do patrimônio do devedor, medida que possui o escopo de satisfazer plenamente o direito do credor.
Deste modo, no caso de resistência do executado ao cumprimento voluntário da obrigação que lhe foi imposta através de uma sentença ou de um título extrajudicial, o exeqüente pode exigir a intervenção do Estado, através do Poder Judiciário, que por meio de medidas coercitivas, assegure o cumprimento integral da obrigação.
Assim sendo, LIEBMAN citado por Ovídio Baptista da Silva[1], aduz que o processo de execução tem por fim realizar as “operações práticas” necessárias a tornar efetivo o enunciado da sentença condenatória, de modo que os fatos sejam modificados e se realize a coincidência entre eles e a regra jurídica estabelecida pela sentença.
Neste prisma, tendo em vista as dificuldades enfrentadas atualmente pela justiça brasileira no sentido de dar ao credor uma resposta célere e efetiva ao cumprimento das decisões judiciais, isso fez com que o legislador alterasse o Código Processual Civil brasileiro, dando nova rotulagem ao processo de execução.
A Lei n. 11.232/2005 eliminou o processo autônomo de execução de título judicial, criando a fase de cumprimento da sentença e, a Lei n. 11.382/2006 inovou no sentido de que o processo de execução em si, se destina aos títulos extrajudiciais, ressalvado os casos de sentença penal condenatória, sentença arbitral, sentença estrangeira e do acórdão que julgar procedente revisão criminal.
Por conseguinte, a Lei n. 11.232/2005 deu ao devedor como meio de defesa a impugnação, mediante a garantia do juízo, ao passo que a Lei n. 11.382/2006 ofereceu ao executado a possibilidade de se defender por meio dos embargos à execução de título extrajudicial, sem o oferecimento de qualquer espécie de garantia, fato que tem gerado controvérsias entre os doutrinadores do meio jurídico brasileiro e em nossos Tribunais.
Deste modo, o presente trabalho de pesquisa discorrerá sobre a impugnação ao cumprimento de sentença à luz da Lei n. 11.232/05, tendo como foco principal a necessidade ou não da segurança do juízo para o oferecimento da mesma, uma vez que a Lei n. 11.382/06 alterou a redação dos dispositivos que regulam os embargos do devedor, não mais exigindo qualquer tipo de garantia para o seu oferecimento.
O questionamento que será feito, é se existe a possibilidade do oferecimento da impugnação pelo devedor, mesmo que ausente a penhora, haja vista a subsidiariedade implantada pelo legislador no Código de Processo Civil entre o cumprimento da sentença e a execução de título extrajudicial. Não obstante, para que tal possibilidade se concretize, devem ser observados princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988, quais sejam: Ampla Defesa e Contraditório e o Devido Processo Legal.
Entretanto, antes de adentrar na discussão acima indicada, será feito um breve estudo do processo de execução, delimitando os motivos que levaram o legislador a promover as alterações no Código de Processo Civil visando o cumprimento efetivo das decisões judiciais.
Ato contínuo abordar-se-á o cumprimento da sentença, que se dá pelo cumprimento voluntário por iniciativa do devedor ou pelo cumprimento forçado por requerimento do exequente, em caso de não pagamento do débito pelo executado.
Por conseguinte, será tratado do instituto da impugnação, criado pela Lei n. 11.232/2005, qual sua natureza jurídica, se é ação ou se é meio de defesa, seu prazo para oferecimento, bem como quais são os requisitos que a autorizam, assim como qual o efeito em que é recebida, se meramente devolutivo ou suspensivo.
Além disso, será feito um parâmetro com os embargos do devedor, haja vista a alteração trazida pela Lei n. 11.382/2006, uma vez que não exige mais o oferecimento de caução, penhora ou qualquer tipo de garantida por parte do executado para que este se defenda.
E, ao final do presente trabalho de pesquisa, será exposto o instituto da exceção de pré-executividade, como via alternativa de defesa do executado, que poderá utilizar a mesma para alegar matérias de ordem pública, que devem ser conhecidas pelo juiz de ofício e a qualquer tempo, bem como para as matérias de defesa argüíveis na impugnação e que não sofrem os efeitos da preclusão, como a legitimidade das partes.
Além da exceção de executividade, será observado que ao devedor ainda é possível defender-se por meio das chamadas ações autônomas ou defesa heterotópica, que são prejudiciais à execução, posto que ajuizáveis antes, durante, ou mesmo após o início da fase executiva. Através de uma ação autônoma, o devedor pode até suspender a marcha executiva sem que para isso tenha seu patrimônio constrito judicialmente.
Em suma, a presente pesquisa terá por base a Constituição Federal, o Código de Processo Civil, o posicionamento doutrinário dos juristas brasileiros e, por fim, os entendimentos que vêm sendo adotados pelos Tribunais Superiores e de Justiça de nosso país.
1 DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
1.1 Esboço Histórico do Processo de Execução no Brasil
As Ordenações Filipinas e a legislação portuguesa eram aplicadas no Brasil no período em que este foi colonizado por Portugal, conjunto de normas jurídicas que continuaram a ser utilizadas em nosso país após a independência.
Os primeiros diplomas processuais brasileiros foram os Regulamentos 737 e 738, ambos publicados juntamente com o Código Comercial em 25 de novembro de 1850.
O primeiro regulava a execução expropriativa, conforme procedimento transcrito em sua Segunda Parte no Título I e o segundo tratava do processo de execução coletiva do devedor comerciante, que se deva através dos Tribunais de Comércio. Os Regulamentos 737 e 738, também eram conhecidos como Decretos e tinham maior aplicabilidade nas relações comerciais.
No Regulamento 737, a título de exemplo, estava previsto a execução por carta de sentença quando a causa excedesse a alçada do Juiz (art. 476). Nos casos em que a causa cabia na alçada do Juiz, a execução era procedida por meio da expedição de mandado judicial, conforme redação do artigo 477 do indigitado diploma processual.
Posteriormente, com o advento da Constituição Federal de 1934, segundo leciona a professora Ada Pellegrini Grinover (2004, p.107), “tornou-se necessária a preparação de um novo Código de Processo Civil”.
Deste modo, em 1939 após o governo ter organizado comissões de juristas, foi editado o Código de Processo Civil de 1939, que previa a ação executiva para títulos executivos extrajudiciais e a ação de execução de sentença, além do concurso de credores que podia ser universal ou parcial.
A giza de exemplo, de acordo com o Código de 1939, a ação de execução iniciava-se com a citação do devedor para pagamento do débito em 24 horas, sob pena de penhora, mas depois se desenvolvia como processo de conhecimento, proferindo-se sentença sobre o título extrajudicial. Este procedimento se assemelha ao da Ação Monitória do atual Código de Processo Civil, prevista nos artigos 1102-A ao artigo 1102-C.
Em 1973 foi editado o atual Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), no qual convivem a execução como processo autônomo para títulos extrajudiciais, a execução contra a Fazenda Pública, os alimentos, a sentença penal condenatória, a sentença arbitral e a sentença estrangeira, e o cumprimento da sentença para os demais títulos judiciais.
Como bem salienta Vicente Greco Filho (2008, p.13) “A natureza da obrigação contida no título impõe não só uma diversidade de procedimentos e de medidas executivas, como também a situação de insolvência do devedor”. E complementa seu raciocínio, observando “que as sentenças, que agora têm força executiva, não dependem de processo de execução, porque se cumprem por ordem do Juiz.” (2008, p.13).
O Código de 1973 sofreu diversas alterações ao longo do tempo, entre elas podemos citar como exemplos: I – Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública); II – Lei 8.009/90 (Impenhorabilidade do Imóvel residencial do executado – bem de família); III – Lei 8.952/94 (disciplina a tutela antecipada e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer); IV – Lei 9.079/95 (Processo Monitório); V – Lei 9.245/95 (altera significativamente o procedimento sumário); VI – Lei 10.444/02 (alterações relativas à tutela antecipada, ao procedimento sumário, à execução forçada); VII – Lei 11.232/05 (cria o Cumprimento da Sentença) e, VII – Lei 11.382/06 (alterou o processo de execução), entre outras tantas que poderiam ser aqui mencionadas, mas que não possuem grande relevância ao presente estudo.
Nesse sentido, cumpre observar que as Leis n. 11.232/05 e n. 11.382/06 que trouxeram alteração significativa na redação do Código de Processo Civil de 1973 serão objetos de estudo neste trabalho de conclusão de curso.
Portanto, cumpre salientar que a legislação processual de cada época procurou observar as peculiaridades e as necessidades da sociedade brasileira ao longo do tempo, motivo pelo qual, atualmente, tramita no Senado Federal Projeto de Lei n. 166/2010 da autoria do Senador José Sarney, o qual pretende a criação do Novo Código de Processo Civil.
Entre as prováveis inovações, segundo observa o ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, que foi escolhido como presidente da comissão de juristas, estão a adoção de “procedimento único para o processo de execução, adaptável pelo juiz em face do caso concreto, reorganizando o próprio código conquanto conjunto de normas, dotando-o de uma Parte Geral e de um Livro relativo ao Processo de Conhecimento, outro referente ao Processo de Execução, um terceiro acerca dos Procedimentos Especiais não incluídos no Processo de Conhecimento, o quarto inerente aos Recursos e o último e quinto Livro, sobre as Disposições Gerais e Transitórias”[2].
Segundo o Ministro Luiz Fux, a comissão de juristas defende a autoexecutabilidade das sentenças, a eliminação da impugnação de execução de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia em dinheiro e institui multa sobre as manobras protelatórias de execução, além de disciplinar a incidência de honorários advocatícios na fase inicial de cumprimento de sentença, consagrando o princípio de que estes têm caráter alimentar.[3]
Deste modo, observa-se que o objeto do estudo do presente trabalho, o instituto da Impugnação, que é meio de defesa do devedor, poderá ser eliminado da legislação processual brasileira, conforme observado pelo Ministro Luiz Fux, tudo isso para atender ao Princípio da Efetividade do processo de execução.
Portanto, após breve análise da evolução histórica do processo de execução no Brasil, convém expor os objetivos e os princípios que norteiam o mesmo em nossa legislação pátria.
1.2 Objetivo do Processo de Execução
O processo de execução possui como objetivo a entrega do bem da vida ao credor pelo devedor, ou seja, é o cumprimento forçado da obrigação imposta ao devedor pela sentença transitada em julgado ou pelo título executivo extrajudicial que não contenha vícios.
Assim, interessa para o trabalho em tela, o cumprimento da sentença, que nada mais é do que a execução forçada da condenação por quantia certa fixada na sentença judicial transitada em julgado pelo executado.
Araken de Assis nos ensina que não há execução imune ao insucesso. Em geral, o fracasso se prende a razões práticas, por exemplo, trata-se de dívida pecuniária e o obrigado não dispõe de patrimônio penhorável; a ameaça de imposição da mais grave pena pouco abala o devedor desprovido de patrimônio; o bem objeto do desapossamento (art. 461-A, §2º) foi destruído por causas naturais. Até mesmo o mais eficiente meio executório – a ameaça de prisão – talvez se revele inútil perante um executado corajoso que se recolha indômito ao cárcere, hipótese acenada, indiretamente, no artigo 733, § 2º, segundo o qual “o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (2009: p. 17).
Assis complementa seu raciocínio, aduzindo que sempre que a execução deixa de satisfazer o direito do exeqüente, se diz que ela é infrutífera, em contraposição à execução frutífera, na qual há satisfação in natura ou através do equivalente pecuniário.[4]
Neste prisma, resta claro que o objetivo primordial do processo de execução é a satisfação da obrigação in natura assumida pelo devedor perante o credor, isto é, de acordo com o tipo de prestação a ser cumprida.
Nos casos de obrigação pecuniária, que é objeto do cumprimento de sentença, o objetivo da medida executiva é a entrega de valores pelo devedor diretamente ao credor ou se desejar através de depósito judicial ou extrajudicial em favor do exeqüente. Não havendo a entrega de numerário pelo devedor, promover-se-á a penhora de bens, seguida da arrematação em hasta pública, para que seja entregue ao credor o valor exeqüendo em dinheiro.
Entretanto, nem sempre a penhora será a medida adotada nos casos de inadimplemento da obrigação. Se a execução tiver por objeto a entrega de coisa, a medida executiva essencial é a imissão na posse (art. 625), se se tratar de coisa imóvel, ou a busca e apreensão, se se tratar de coisa móvel (art. 625); na execução das obrigações de fazer (art. 632 e 633) e de não fazer (art. 642 e 643), a medida executiva é o mandado que contém ordem para fazer ou não fazer. Nos casos supracitados, o Magistrado poderá cominar multa diária como forma de coagir o devedor a cumprir a obrigação ou expedir mandado de natureza compulsória. (art. 461, §§4º e 5º c/c art. 461-A, §2º)
Deste modo, nos casos acima descritos, á execução por quantia é utilizada de forma subsidiária, uma vez não sendo possível a execução específica da prestação contida no título judicial ou extrajudicial, a obrigação resolver-se-á em perdas e danos, através de valor arbitrado pelo juiz ou por perito através da liquidação da sentença.
Portanto, o objetivo do processo de execução é a prestação específica pelo devedor da obrigação inserida no título executivo, sendo ele judicial ou extrajudicial.
1.3 Princípios do Processo de Execução
Em qualquer ramo do direito os princípios são enunciados lógicos, implícitos, que, por sua generalidade, ocupam posição suprema, motivo pelo qual vinculam o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que a eles se conectam.
José Cretella Junior conceitua princípios como proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes[5].
Já para Miguel Reale (1995: 300), princípios gerais de direito: “são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas.”
Deste modo, no processo de execução também existem princípios preeminentes que norteiam as partes litigantes e o próprio magistrado, que possui a competência de determinar os atos coercitivos visando a entrega do bem da vida ao exequente.
Nesse sentido, cumpre destacar na presente pesquisa acadêmica os principais princípios que são utilizados no processo de execução que são destacados por Araken de Assis, que seguem abaixo descritos:
a) Princípio da autonomia: o processo de execução é autônomo, independente do processo de conhecimento, isso no que pertine ao título extrajudicial e se disciplina consoante o Título II do Capítulo VI do Código de Processo Civil.
Deve-se observar que o princípio da autonomia foi relativizado com a criação do cumprimento da sentença, após a entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005, porquanto os procedimentos processuais dividiram-se em fases. Na fase de conhecimento o credor busca o reconhecimento do seu direito perante o devedor, que após pronunciada a sentença, inaugura-se a fase do cumprimento da sentença, sem que para isso seja necessário o ajuizamento de uma nova ação, a ação executiva.
O cumprimento da sentença, conforme será mais adiante estudado em tópico específico no presente trabalho, será requerido por simples petição, desde que a sentença tenha transitado em julgado e seja líquida e certa, devendo a petição ainda estar acompanhada do demonstrativo do débito.
Portanto, o princípio da autonomia atualmente aplica-se somente no processo de execução de título extrajudicial, que deve possuir todos os pressupostos processuais para seu regular processamento. Enquanto que o cumprimento da sentença é o prosseguimento do processo de conhecimento em sua fase executiva, não necessitando do ajuizamento de uma nova demanda.
b) Princípio do exato adimplemento ou do resultado: o processo de execução realiza-se para satisfazer o interesse do credor, e deve garantir-lhe o mesmo resultado que seria obtido caso o devedor cumprisse espontaneamente a obrigação, cumprindo ressaltar a hipótese excepcional de conversão em pecúnia.
Por este princípio, a execução não poderá atingir o patrimônio do executado, senão naquilo que for necessário para a satisfação do débito exeqüendo pelo credor. Penhorar-se-ão tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios.
Desta feita, como a execução é realizada no interesse do exequente, tem o mesmo à plena disponibilidade do processo, podendo desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas, a qualquer tempo.
Este princípio também tutela o interesse do devedor, conforme ensinamento de Araken de Assis, pois não se admite a penhora inútil (art. 659, §2º), assim se entendendo a constrição de bens cujo valor seja insignificante ou se revelam incapazes de satisfazer o crédito. Por fim, ressalta que a arrematação cessará, tão logo satisfeito o valor exeqüendo (art. 692, parágrafo único).[6]
c) Princípio da utilidade: pelo presente não se admite o uso do processo de execução com o escopo único de prejudicar o devedor. Isso se deve ao fato de que a expropriação dos bens do devedor como forma de prejuízo deve se reverter em benefício do credor, no sentido do produto auferido com a alienação seja capaz de garantir o pagamento do débito exeqüendo.
Deste modo, a constrição de bens não surtirá efeito prático em favor do credor, quando restar evidente que o produto arrecadado será capaz apenas de adimplir o valor das custas processuais.
Assim sendo, observa-se que a penhora deve ser eficaz, isto é, os bens encontrados no patrimônio do devedor, devem ser capazes de garantir o adimplemento do débito, conforme já salientado no princípio do exato adimplemento, englobando principal, juros, correção monetária e custas processuais, sob pena de levantamento da penhora.
d) Princípio da responsabilidade do devedor: o executado, além do valor exeqüendo, é responsável pelo pagamento das custas e despesas do processo, além dos honorários advocatícios do patrono do credor.
Não só, mas também é responsável pelo pagamento das despesas com os editais de citação da execução e intimação de hasta pública, pelos honorários do perito avaliador dos bens objetos da alienação e as demais despesas que se fizerem necessárias para o prosseguimento do processo executivo. É de praxe que o exeqüente antecipe o pagamento das indigitadas despensas, sob pena do prosseguimento da execução ser ineficaz.
Isso se deve pelo fato de que a execução se realiza as custas do obrigado, assim como a mesma recairá sobre os seus bens, que respondem pelo cumprimento de suas obrigações, conforme disciplina o artigo 591[7] do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, deve-se observar que as despesas pagas adiantadamente pelo credor, serão incluídas no montante devido e suportadas pelo ao final pelo executado, haja vista o princípio em tela.
Portanto, o devedor responde com seu patrimônio pelo adimplemento das suas obrigações perante o credor, além das despesas atinentes ao processo, como custas, edital de hasta pública, honorários do perito avaliador, etc.
e) Princípio da disponibilidade: funda-se na idéia de satisfação plena do credor, que dispõe da ação executiva e das medidas coercitivas previstas em lei, para alcançar seu objetivo como se não precisasse do processo.
Este princípio aplica-se tanto a execução de título extrajudicial, quanto no cumprimento de sentença, porquanto que o exeqüente poderá desistir da ação, conforme o disposto no artigo 569 do Código de Processo Civil. Todavia, cumpre observar que no caso da existência de embargos, estes serão extintos se versarem apenas sobre questões processuais, pagando o credor as custas e os honorários de advogado (art. 569, parágrafo único, “a”). Nos de mais casos, a extinção dos embargos dependerá da concordância do devedor.
Conforme já observado, este princípio se aplica ao cumprimento de sentença, incidindo subsidiariamente (art. 475-R) à impugnação do executado o previsto no artigo 569, parágrafo único do CPC.
Araken de Assis faz a ressalva de que se a execução for extinta a requerimento do credor, na pendência da impugnação do devedor, o mesmo responderá pelas verbas processuais[8].
Em suma, a execução se faz no interesse do credor, em respeito da pronunciada idéia da satisfação da obrigação, todavia o mesmo possui a faculdade de desistir ou não do processo de execução durante o seu curso, ressalvado os casos acima apontados, nos quais será o responsável pelas despesas processuais.
f) Princípio da adequação: trata-se da proporcionalidade e da razoabilidade entre o meio executório e o bem, objeto da prestação.
Pelo princípio da adequação, existem alguns mecanismos para tornar viável a retirada de bens do executado, haja vista a ordem preferencial de penhora inserida no artigo 655 do CPC.
Ora, é necessário verificar qual é a finalidade da penhora e garantir que o credor irá receber o montante objeto da execução. Em razão disso, a título de exemplo, não se pode desfalcar o estabelecimento comercial do devedor. Não se pode deixar que alguém fique sem seu rendimento diário ou sem o seu salário que se trata de verba alimentar.[9] Assim como o bem de família, desde que devidamente registrado de acordo com os termos da Lei n. 8.009/90.
Do mesmo modo, até o momento da arrematação ou adjudicação do bem constrito judicialmente para garantir o débito exequendo, o devedor pode requerer a substituição do bem penhorado por uma quantia em dinheiro. Se a quantia cobre o valor devido, deve-se evitar a venda do imóvel, ou ainda, pode requerer a substituição do bem penhorado por outro se for o caso (art. 668 do CPC).
O §1º do artigo 666 determina que o devedor fique como depositário do bem, desde que o credor dê sua anuência. O devedor tem preferência para ficar como depositário do bem, devendo cuidar e zelar pela manutenção do bem objeto da garantia da execução.
Pelo artigo 692 do CPC, na arrematação ou adjudicação, o lance vil, que é aquele que não condiz com a realidade, não deve ser aceito em hipótese alguma.
Já o artigo 649 do diploma processual brasileiro relaciona os bens que são absolutamente impenhoráveis, como por exemplo, máquinas e ferramentas úteis ao exercício da profissão, ou ainda, a salários, remunerações e subsídios destinados a sobrevivência do executado e da sua família.
Em síntese, aplica-se, na execução, a via executiva idônea para atingir o bem, quando por mais de um modo pode ser efetuada (art. 615, I do CPC).
g) Princípio da menor onerosidade do devedor: deve ser cominado com os demais princípios.
A execução faz-se no interesse do credor, conforme já observado no princípio do resultado e da disponibilidade. Todavia, quando por vários meios puder ser obtida a satisfação do credor, o juiz mandará que a execução se faça pelo modo menos gravoso ao devedor (princípio da adequação), conforme previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil.
Através disso, evita-se impor ao devedor gravames desnecessários à satisfação do credor, que tem outros meios para tornar concretos os seus direitos.
Assim, não seria razoável proceder à penhora e a venda judicial de bem imóvel, se o devedor possui numerário em poupança junto à instituição financeira, suficiente para adimplir o crédito exeqüendo, haja vista a ordem e penhora prevista no artigo 655 do CPC.
Portanto, por este princípio, busca-se uma via alternativa para que o devedor cumpra a obrigação a qual assumiu extrajudicialmente perante o credor, ou restou condenado em sentença, já que o processo de execução visa dar a quem tem direito todo o direito que alcançaria sem o processo, in natura.
h) Princípio do contraditório: diferentemente do processo de conhecimento, que se dá de forma ampla, no processo de execução, este possui características peculiares, e é aplicável.
Não se deve olvidar que no processo de conhecimento busca-se obter um provimento jurisdicional que declare o direito aplicável ao caso concreto, ao passo que na execução o provimento jurisdicional é eminentemente satisfativo.
A execução parte de uma certeza de direito que o processo de conhecimento tem por fim produzir. Daí porque o contraditório tem de ser adequado a tais circunstâncias.
Assim sendo, com base no artigo 5º, LV e LIV da Constituição Federal, ninguém será privado de seu patrimônio sem o devido processo legal e, aos litigantes no processo é assegurado a ampla defesa e o contraditório.
Na execução de título extrajudicial o contraditório é exercido através do oferecimento dos embargos do devedor (art. 736 do CPC) e, no cumprimento de sentença, se dá através do oferecimento da impugnação (art. 475 – L). Não devemos nos esquecer da objeção de executividade e das ações autônomas, como a ação rescisória e a ação declaratória de nulidade de título.
Ainda, o contraditório ou a ampla defesa se expressa quando do pedido de substituição de bem penhorado por outro, através de simples petição, visando à adequação da execução, como forma menos gravosa ao devedor.
Portanto, o princípio do contraditório é plenamente aplicável ao processo de execução.
i) Princípio da responsabilidade do credor na execução injusta: conforme já foi acima observado, cabe ao devedor suportar todas as despesas havidas pelo credor com o processo de execução. No entanto, caso a ação executiva se revele injusta, compete ao exeqüente o pagamento das despesas processuais, assim como deverá indenização o executado em perdas e danos, se for o caso.
Isso ocorre por força do disposto no artigo 574 do Código de Processo Civil, que está assim redigido: “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.”
Não só, mas também o artigo 475-O, inciso I[10] do mesmo diploma legal, que foi inserido pela Lei n. 11.232/05, impõe ao credor a responsabilidade pelos danos causados ao devedor sempre que promover a execução provisória, haja vista que a sentença ou acórdão ainda não sofreram os efeitos da coisa julgada material e formal no mundo jurídico.
DIAS apud José Alberto dos Reis[11], ensina que a execução pode conduzir a diversas anomalias jurídicas, a mais importante delas a de sacrificar o executado ou um terceiro a um credor aparente, nestes casos o processo executivo pode funcionar como instrumento de extorsão e violência em benefício de um portador do título executivo que não é verdadeiro credor.
Neste prisma, Araken de Assis[12] expõe que o exeqüente apesar de exercer um direito outorgado pela lei processual, indenizará o executado, uma vez que os efeitos que a atividade executiva causou no patrimônio deste, revelam-se injustos e, parece razoável que o exeqüente indenize o executado, porquanto este não fez nada para provocar o dano, nem se encontrava em posição de impedi-lo.
Assim sendo, de acordo com o disposto no artigo 475-O, II do CPC, os eventuais prejuízos serão liquidados por arbitramento, nos mesmos autos do cumprimento da sentença.
Portanto, caso a execução se revele injusta, o credor suportará as despesas processuais, bem como terá que indenizar o executado, quando os efeitos advindos da execução tenham causado prejuízos nas esferas moral e patrimonial deste.
1.4 Obstáculos da efetividade do processo de execução
A tendência contemporânea de positivação de normas processuais, com o intuito de assegurar uma efetiva e adequada proteção judicial dos direitos dos cidadãos que integram o Estado Moderno de Direito, tornou-se comum encontrar nos textos constitucionais, elevado número de normas assegurando-lhes direitos e garantias fundamentais. Essas garantias são estendidas aos diplomas processuais visando reforçar ou complementar esse amplo sistema de direitos e garantias previstos na Constituição Federal em prol dos cidadãos e, que devem ser acima de tudo cumpridas e respeitadas.
Diante disso, Sandro Gilbert Martins, aduz que é intuitivo que o drama maior da realização do Direito, qualquer que seja seu ramo, é sempre vivido no processo, para o qual o sistema jurídico democrático programou a função relevantíssima de debater e pacificar os conflitos de interesse. Convivendo, por isso, em estreita intimidade com o Direito Constitucional, as normas processuais atingem elevadíssimo destaque no Estado Democrático de Direito, já que, na grande maioria dos casos, a efetividade dos princípios e garantias fundamentais não pode ser alcançada a não ser em via de processo.[13]
Assim sendo, tem-se que a missão precípua do processo é a composição dos conflitos sociais havidos entre os indivíduos, lhes proporcionando paz e harmonia, motivo pelo qual o processo deve estar aparelhado com normas capazes não só para declarar direitos, mas para tomar providências práticas no sentido se tornar efetiva a declaração desses direitos no caso concreto, possibilitando, desde modo, a satisfação, que se dá através do processo de execução.
Teori Albino Zavascki apud ZANFERDINI[14] aduz que o processo, instrumento que é para a realização dos direitos, somente obtém êxito integral em sua finalidade quando for capaz de gerar, pragmaticamente, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas.
Assim, hodiernamente, observa-se que é no processo de execução que mais nitidamente se constata o fracasso da Justiça Pública em nosso país.
De acordo com Araken de Assis apud ZANFERDINI[15], a função jurisdicional executiva passa, em toda parte, por crise gravíssima, que compromete a generalizada aspiração por efetividade.
Logo, denota-se que não é só no Brasil que a tutela executiva vem enfrentando dificuldades no cumprimento das decisões judiciais e na garantia da efetividade do direito alcançado pelo credor.
Giuseppe Tarzia invocando o magistério de Carlos de Miguel, apud ZANFERDINI, aponta as seguintes causas da inefetividade do processo de execução, quais sejam:
“a) O reajuste da dívida;
b) os meios coativos utilizados na execução;
c) a localização do patrimônio do devedor e,
d) a efetividade das hastas públicas”.[16]
Neste prisma, deve-se citar também como possíveis causas ao fracasso da efetividade do processo de execução, as deficiências legislativas, a falta de vontade política dos legisladores brasileiros na aprovação de projetos que visem melhorias na máquina pública, infra-estrutura cartorária de nossos foros e tribunais e, a falta de pessoal qualificado para desempenhar funções específicas, entre outras tantas causas que poderiam ser aqui citadas.
Flávia de Almeira Montingelli Zanferdini explica que o trabalho que se espera do Judiciário nas ações de execução, qual seja, obter transformações materiais que satisfação o direito do exeqüente, por vezes encontra obstáculos de difícil, senão impossível transposição. (2005: p.105)
Francisco Barros Dias apud ZANFERDINI[17], considera que a própria penhora é ineficaz, posto que pouco oferece de concreto para uma boa eficácia da execução, além de não trazer grandes vantagens ao credor, tendo em vista a possibilidade de embargos, com efeito suspensivo e demora em seu julgamento.
Segundo Arruda Alvim referido por ZANFERDINI[18], a solução dos problemas do judiciário brasileiro, é imprescindível, pois, que haja um direcionamento político para criar melhores condições de funcionamento para o Poder Judiciário, compatíveis com a sua dignidade, porque a lei em seu aplicador não representa senão uma pálida e fugidia imagem do que se chamaria Direito.
Deste modo, tendo em vista todos estes problemas citados pelos renomados doutrinadores acima referidos, fez com que fosse editada em nosso país a Lei n. 11.232 de 2005, que alterou o processo de execução de título judicial, criando o procedimento do cumprimento da sentença.
Como bem aduziu o Ex-Ministro da Justiça Márcio Tomaz Bastos, apud Humberto Theodoro Júnior[19], ao redigir a Exposição de Motivos do projeto da novel lei processual:
“É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o ‘calcanhar de Aquiles’ do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.
As teorias são importantes, mas não podem transformar-se em embaraço a que se atenda às exigências naturais dos objetivos visados pelo processo, só por apego a tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas.”
O projeto foi aprovado e a Lei editada, entretanto, na prática, a efetividade da mesma tem esbarrado nos mesmos problemas que a execução antiga enfrentava, além de ter gerado novas discussões e teses processuais tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Portanto, tem-se que a efetividade do processo de execução depende, fundamentalmente, da existência de meios adequados para resolver os inúmeros problemas surgidos no plano material.
1.5 Da alteração na legislação visando o cumprimento da sentença
O Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei n. 5.869/73, por ter se revelado ao longo do tempo insuficiente para atender de forma satisfatória todas as espécies de demandas sociais e litigiosas de nosso país, haja vista sua formalidade exacerbada, acabou sendo alterado.
A extrema formalidade do diploma processual de 1973, por não atender a finalidade instrumental do processo, principalmente do processo de execução, ao longo dos anos sofreu diversas alterações com o escopo de aperfeiçoar suas normas, visando a celeridade processual na solução dos litígios apresentados ao judiciário nacional.
Cumpre repisar, que a morosidade e a ineficácia da prestação jurisdicional não se devem somente a texto da Lei, mas também a estrutura deficitária que possui o Poder Judiciário brasileiro, problemas já enfrentados no texto deste trabalho acadêmico em outro tópico.
Neste interregno, o projeto de Lei n. 3.253/04, de iniciativa do Poder Executivo, e que deu origem a Lei n. 11.232/2005, que criou o cumprimento da sentença, alterando consideravelmente o Código Processual Civil pátrio, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 29 de março de 2004 e, respeitando o curso normal do processo legislativo das duas casas do Congresso Nacional, fora publicado no Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 2005.
A lei em tela atacou algo considerado como um dos pontos fracos da Lei n. 5.869/73, o processo de execução, haja vista sua formalidade. Por isso, a sentença do processo de conhecimento foi aproximada da execução, reduzindo o espaço que existia entre a sentença condenatória e o seu cumprimento, uma vez que antes havia a necessidade do ajuizamento de uma nova demanda, a ação de execução.
Nesse sentido, o cumprimento da sentença visa precipuamente à entrega célere do bem da vida ao credor pelo devedor, tendo em vista que antigamente o vencedor do processo de conhecimento tinha que percorrer um caminho árduo para que a obrigação reconhecida na sentença fosse cumprida pelo devedor.
Cabe lembrar, que na redação antiga do CPC/73, o credor tinha que primeiramente ajuizar um processo de conhecimento para ver seu direito reconhecido em sentença perante o devedor. Posteriormente, deveria ajuizar a execução de título judicial, tendo que observar todos os pressupostos processuais atinentes a ação, na busca do poder coercitivo do Estado, para que este obrigasse o devedor a cumprir a obrigação pela qual foi condenado.
Realmente o caminho adotado era árduo e longínquo, como nos explica o Marcelo Luis de Souza Ferreira, Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região[20], ao aduzir que o processo de conhecimento parte do pressuposto da igualdade das pretensões e atuação das partes para, após longo embate dialético, alcançar, por fim, sua síntese, refletida em uma sentença que acolhe ou rejeita os pedido formulados pelas partes. Já o processo de execução estrutura-se de forma a assegurar o interesse de apenas um dos litigantes, devidamente reconhecido por meio do chamado título executivo, assumindo um caráter nitidamente coercitivo.
E complementa seu raciocínio, referindo que a Lei n. 11.232/05 ao trazer os procedimentos executórios para o bojo do processo de conhecimento, entendendo ser esse o modo de evitar que o vencedor, assim reconhecido por uma sentença, tenha de aguardar indefinidamente para ver convertida a decisão que acolheu sua pretensão em bem da vida.
Assim sendo, cumpre neste ponto observar brevemente alguns dos benefícios que a alteração realizada no procedimento da execução, que se deu através da Lei n. 11.232/2005, conforme será a seguir observado:
a) dentro do Livro do Processo de Conhecimento foi criado, em seu Título VIII, o Capítulo X, com a nomenclatura “Do cumprimento da Sentença”, aproximando deste modo a sentença dos atos executórios.
Segundo Adriane Barretto[21], as alterações introduzidas pela Lei n. 11.232/2005, assim como pela que lhe antecederam, representam verdadeira revolução na estrutura do processo civil, na medida em que, no caso dos títulos judiciais, unem as atividades de cognição e execução e eliminam a diferença formal entre os processos, criando um modelo processual misto, ao qual a doutrina nominou de “processo sincrético”.
Cabe lembrar que o processo de execução como ação autônoma, ainda continua existindo e permanece intacto, sendo, todavia, específico para a execução de títulos extrajudiciais, de prestação alimentícia e contra a Fazenda Pública, além da sentença estrangeira e da penal condenatória.
b) ao ser instaurada a fase do cumprimento da sentença, deixou de existir a necessidade da citação do devedor para pagamento do débito, uma vez que a partir do trânsito em julgado da sentença líquida ou da preclusão do direito de recorrer da decisão proferida em sede de liquidação de sentença, abre-se prazo para o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor (art. 475-J).
c) não satisfeito o débito voluntariamente, pode o credor indicar bem do devedor a penhora e, do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado, ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de 15 dais (§1º, 475-J).
d) a impugnação em regra não terá efeito suspensivo, salvo nos casos em que o juízo estiver garantido por penhora e, desde que o devedor demonstre que os fundamentos de seu pedido são relevantes e que o prosseguimento dos atos executórios pode lhe causar dano grave e de difícil ou incerta reparação (475-M). Sendo atribuído o efeito suspensivo, a impugnação será julgada nos mesmos autos do cumprimento da sentença, caso contrário, será processada em apartado e, a decisão que resolver a mesma é passível de agravo de instrumento, salvo quando importar na extinção da execução, caso em que caberá o recurso da apelação.
e) o Juízo competente para processar o cumprimento da sentença é o tribunal ou o juízo em que foi instaurado e julgado o processo de conhecimento. No caso de sentença penal condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira no juízo cível competente.
Por fim, inseriu medida coativa para o caso do não cumprimento voluntário do julgado pelo devedor, qual seja multa de 10% (dez por cento) sobre o valor devido, para a hipótese de obrigação pecuniária.
E, de acordo com o artigo 475-R do CPC, aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as regras do processo de execução de título extrajudicial.
Assim, diante da regra da subsidiariedade prevista no 475-R, é que se criou a controvérsia objeto do presente trabalho acadêmico, que decorre da edição da Lei n. 11.382/2006, que alterou o procedimento dos embargos do devedor no processo de execução de título extrajudicial.
A discussão cinge-se no fato de que na execução de título extrajudicial não é mais necessária a penhora para o oferecimento dos embargos do devedor (art. 736), motivo pelo qual muito se tem discutido a respeito desta possibilidade quanto à impugnação.
Em suma, estas são algumas das modificações feitas pelas Leis n. 11.232/2005 e n. 11.382/2006 no Código de Processo Civil, tendo por escopo dar mais segurança jurídica para os litigantes, com a pretensão de agilizar a marcha processual, uma vez que observados os princípios da celeridade e da efetividade.
1.6 Do Cumprimento da Sentença
O cumprimento da sentença foi implantado no Código de Processo Civil pelo legislador, ao editar a Lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005. O cumprimento da sentença, previsto do artigo 475-I ao artigo 475-R, nada mais é do que a antiga execução de título judicial, todavia com nova nomenclatura e menos formalidades.
Deste modo, convém antes de adentrarmos a discussão da necessidade ou não da garantia do juízo para o oferecimento da impugnação ao cumprimento da sentença, analisar esta forma de execução e suas espécies, bem como se dá o seu cumprimento voluntário e forçado.
1.6.1. Conceito e Espécies
O cumprimento da sentença à luz do Princípio do Resultado visa a satisfação do interesse do credor (art. 612 do CPC), e possui natureza satisfativa, não sendo mais necessário o ajuizamento de nova ação após o trânsito em julgado da sentença, tornou-se um processo sincrético, ou seja, não existe mais a separação formal que havia antigamente entre a cognição e a execução.
Assim sendo, Vicente Greco Filho conceitua o cumprimento de sentença nos seguintes termos:
“É a fase executiva do procedimento comum ou de lei especial sem a instauração de processo, enquanto fase do procedimento comum ou especial.”[22]
Já Antonio Carlos Marcato ao interpretar o Código de Processo Civil (2008: p.1593) aduz que a expressão “cumprimento de sentença” tem, na verdade, uma acepção mais ampla e designa execução de título judicial, que se realiza sem a necessidade de citação do executado.
Logo, resta claro que o cumprimento de sentença nada mais é do que o prosseguimento do processo de conhecimento. Todavia com a utilização dos meios coercitivos necessários para que o devedor cumpra a obrigação fixada na sentença passada em julgado, em benefício do credor.
As espécies do cumprimento podem ser: a) pecuniária; b) de entrega de coisa certa ou incerta; c) de obrigação de fazer; e, d) de obrigação de não fazer.[23]
A obrigação pecuniária realiza-se na forma do cumprimento de sentença por quantia contra devedor solvente, nos termos do artigo 475-I e 475-J do CPC. Se for necessária a liquidação do quantum, deve-se observar o disposto nos artigos 475-A e seguintes do mesmo diploma legal.
Já as obrigações de entrega de coisa certa ou incerta, regem-se de acordo com o disposto nos artigos 461 e 461-A, que são meios coercitivos previstos no CPC, para que o devedor entregue a coisa fungível ou infungível pela qual foi condenado.
As obrigações de fazer e não fazer observará às mesmas regras do cumprimento para a entrega de coisa certa e incerta, onde o devedor será coagido a realizar a conduta positiva ou negativa expressa no dispositivo sentencial.
Desta feita, superada a questão conceitual do cumprimento de sentença e após brevemente expostas às suas espécies, passa-se a análise do cumprimento voluntário e forçado do julgado.
1.6.2 Cumprimento Voluntário
O cumprimento voluntário da sentença se dá por iniciativa do devedor. Ao ser intimado da sentença, o devedor poderá promover o pagamento do débito, quando a obrigação fixada no titulo judicial for quantia certa.
Quando de tratar de entrega de coisa, obrigação de fazer ou não fazer, poderá entregar a coisa diretamente ao credor ou promover seu depósito em juízo. Já quanto a obrigação de fazer ou não fazer, basta comprovar a realização da conduta positiva ou negativa e o seu resultado.
Humberto Theodoro Júnior ensina que este foi o objetivo do legislador com a edição da Lei n. 11.323/2005:
“O prazo para cumprimento voluntário independe de citação ou intimação do devedor. A própria sentença (de condenação ou de liquidação) implica a abertura dos 15 dias legais para pagamento do valor da condenação”.[24]
Portanto, o cumprimento voluntário da sentença se dá por iniciativa do devedor, que em respeito à decisão passada em julgado, cumpre sua obrigação voluntariamente, sem que seja necessário o requerimento do credor e a utilização dos meios coercitivos previstos na lei processual.
1.6.3 Cumprimento Forçado
Decorrido o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento voluntário ou cumprimento da obrigação pelo devedor, o exeqüente deve requerer expressamente a expedição de mandado de penhora e avaliação, especialmente se for de prestação pecuniária.
Tal previsão resta expressa no artigo 475-J, em sua segunda parte: “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no artigo 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”
Isso ocorre segundo o doutrinador Humberto Theodoro Junior[25], porquanto compete ao credor preparar a atividade executiva com a competente memória de cálculo, com base na qual o devedor realizará o pagamento, e o órgão executivo procederá, à falta de adimplemento, à penhora dos bens a expropriar do devedor.
Deste modo, observa-se que o credor ao requerer o cumprimento da sentença, subsidiariamente, se utilizará do disposto no artigo 614, II do CPC, que se localiza no Título II, Capítulo I, que trata das disposições gerais das diversas espécies de execução.
Nesse sentido, atenta-se para o fato de que o mandado a ser expedido não é de pagamento, mas sim de penhora de bens, conforme assevera Antonio Carlos Marcato:
“Pelo regime instituído pela Lei nº 11.232/2005, o mandado não exorta o executado a pagar. Esta exortação já foi feita pela própria lei, de maneira que ela não precisa ser reiterada pelo mandado.”[26]
Por conseguinte, o credor poderá indicar, na mesma petição que pretende o cumprimento da sentença e instrui com o demonstrativo de débito, os bens do devedor a serem penhorados, exegese do §3º do artigo 475-J do Código de Processo Civil.
Com isso, denota-se que o executado, com a alteração trazida pela Lei n. 11.232/2005, perdeu a sua prerrogativa de indicar bens à penhora. Todavia, deve ser lembrado o disposto no artigo 620 do CPC: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Ou seja, deve ser observado os Princípios da Adequação e da Menor Onerosidade do Devedor, já estudado no presente.
Portanto, depois de efetivada a penhora de bens, o devedor deve oferecer sua impugnação e, com base no artigo 475-L, incisos III e V, poderá alegar que a penhora e a avaliação estão incorretas ou ainda que a execução se consubstancia em verdadeiro excesso de execução, podendo com base no artigo 668 do CPC, requerer a substituição do bem penhorado ou a adequação da execução, desde que não importe prejuízo ao credor.
Ainda, cumpre salientar, que o credor tem o prazo de 6 (seis) meses para requerer o cumprimento da sentença cuja condenação tenha cunho pecuniário, sob pena da mesma ser arquivada, tudo isso disciplinado no parágrafo 5º do artigo 475-J do CPC.
Assim sendo, observa-se que o cumprimento da sentença ao privilegiar o cumprimento voluntário da obrigação, já impõe multa de 10% (dez por cento) sobre o valor devido (art. 475-J), mas também concede ao credor no caso de não pagamento, requerer o cumprimento da obrigação, com a expedição de mandado, constando inclusive os bens do executado que deseja ver penhorado para satisfazer o crédito exeqüendo.
Portanto, andou bem o legislador ao promover a criação do cumprimento da sentença como fase do processo de conhecimento, haja vista que agilizou o procedimento executivo, visando o cumprimento da obrigação imposta ao devedor o mais rápido possível, atendendo ao disposto no Princípio da Efetividade do processo de execução.
2 DA IMPUGNAÇÃO
A impugnação, nova denominação dos embargos à execução, está prevista no artigo 475-J, §1º do Código de Processo Civil, que foi inserido pela Lei nº 11.232/2005. A lei em questão, também alterou a denominação e o procedimento da execução de sentença, que agora é conhecida como cumprimento da sentença, não sendo mais necessário o ajuizamento de nova ação após o trânsito em julgado.
Fredie Didier Jr., ensina que a impugnação não obstante tenha sido prevista expressamente apenas para a execução de sentença por quantia, parece cabível a sua aplicação, por analogia, às demais espécies de execução de sentença (fazer, não fazer e dar coisa).[27]
Desta forma, convém fazer alguns comentários a respeito da natureza jurídica da impugnação, se é incidente ou meio de defesa.
2.1 Natureza jurídica
A respeito da natureza jurídica da impugnação ao cumprimento de sentença, temos duas vertentes doutrinárias, os que entendem que é uma ação incidental e os que a consideram um instrumento de defesa.
2.1.1 Natureza de Ação Incidental
Para alguns doutrinadores, a impugnação possui natureza de ação incidental. Assim sendo, observa-se o entendimento de Arruda Alvim:
“Há matérias que, se veiculadas por meio deste expediente, transformam-no em verdadeira ação e geram decisão que transita em julgado, como por exemplo, a prescrição”.[28]
No mesmo sentido entende Araken de Assis:
“Na verdade, a impugnação do executado, por que ação. […] a impugnação constitui ação incidental. A circunstância de se processar nos próprios autos da execução em nada lhe afasta a natureza de ação.”[29]
Neste prisma, a natureza de ação da impugnação fica evidente, quando comparada com os antigos embargos à execução de título judicial, que era o meio adotado pelo devedor argüir suas razões de defesa. Os embargos à execução de título judicial se consubstanciavam praticamente em um processo de conhecimento, onde deveriam ser observados pelo devedor, todos os requisitos previstos no artigo 282 do Código de Processo Civil.
Com a impugnação não é diferente, pois o juiz ao apreciar a mesma, nos termos do artigo 284 do CPC, poderá determinar a sua emenda, caso verifique que a mesma não preenche os pressupostos de regular formação ou decidirá pelo seu indeferimento.
Deste modo, ao se observar as matérias argüíveis na impugnação, previstas no artigo 475-L, poderemos ter impugnação processual, que terá relação com a penhora, por exemplo, ou impugnação relacionada às condições da ação, como a alegação de ilegitimidade. E por fim, poderá ser impugnação de mérito, isto é, que se refira a alguma causa modificativa ou extintiva do direito do credor.
2.1.2 Natureza de Defesa
Apesar do entendimento acima transcrito, de que a impugnação é ação, outros doutrinadores entendem que a impugnação possui natureza jurídica de defesa, posto que sua análise é feita dentro do procedimento do cumprimento da sentença, sendo mera oposição por parte do devedor.
Assim, na trilha do pensamento de Alexandre Freitas Câmara: “A impugnação, portanto, é uma resposta do executado, oferecida dentro do módulo processual executivo, sem a natureza de demanda autônoma.” [30]
Do mesmo sentir é a opinião de BATISTA SANTOS, ao aduzir que:
“A impugnação à execução de títulos judiciais deixa de ser feita em processo autônomo de embargos (de devedor ou à execução) para, outrossim, ter lugar no bojo de um único processo sincrético.”[31]
Já para os doutrinadores WAMBIER, TALAMINI e ALMEIDA em seu livro, Curso avançado de processo civil: “Diferentemente dos embargos, que dão ensejo a um novo processo, a impugnação constitui, sob o aspecto procedimental, simples incidente (fase), interno ao processo em que já se desenvolve o cumprimento da sentença”. [32]
Ademais, o professor Humberto Theodoro Junior (2008: p.65), considera que a impugnação manifesta-se por meio de simples petição no bojo dos autos. Não se tratando de petição inicial de ação incidental, como é o caso dos embargos à execução de título extrajudicial. Logo, resta evidente, o seu caráter de defesa.
Desta feita, o entendimento dos jurisconsultos acima indicados, possui como supedâneo o disposto no artigo 302 do Código de Processo Civil, segundo o qual deve o executado alegar todas as matérias possíveis em sua defesa, impugnando especificamente tudo aquilo que consta após a formação do título, sob pena de preclusão. (MARCATO. 2008: p.1602).
Em suma, superada a questão da natureza jurídica da impugnação, deve-se observar o seu prazo de ajuizamento, as matérias de defesa que são cabíveis e o efeito que lhe é concedido e seus requisitos autorizadores.
2.2 Prazo e Matérias de Defesa
O prazo para impugnar o cumprimento da sentença é de 15 (quinze) dias, contados a partir da intimação do devedor na pessoa do seu advogado ou pessoalmente do auto de penhora e avaliação. Tal premissa está inserida no §1º do artigo 475-J do Código de Processo Civil brasileiro, conforme segue:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 1º do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou por correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
Já para Athos Gusmão Carneiro[33] e Araken de Assis[34], a sentença somente se torna exeqüível se operada a coisa julgada, ou no caso de pendência de recurso que não tenha sido atribuído efeito suspensivo, começa a correr o prazo de 15 dias, ocorrendo isso independentemente da intimação.
Assim sendo, o prazo para oferecimento da impugnação no entendimento expresso pelos doutrinadores citados, passa a fluir com o trânsito em julgado, momento em que o devedor poderá cumprir sua obrigação voluntariamente, ou oferecer sua impugnação, desde que deposite em juízo o valor devido ou ofereça bem a penhora, suficiente para assegurar a futura execução.
Superada a questão do prazo para o oferecimento da impugnação pelo devedor, deve-se fazer uma análise das matérias de defesa que são argüíveis na impugnação.
As matérias passíveis de impugnação que estão elencadas no artigo 475-L do Código de Processo Civil são basicamente as mesmas anteriormente previstas para os embargos à execução de título judicial. Dispõe o artigo 475-L:
“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;
IV – ilegitimidade das partes;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.
§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
§ 2º Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.”
O inciso I, trata da falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia. Este inciso se refere à falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento, que deu origem ao cumprimento de sentença.
Deste modo, para Marcato (2008: p. 1604), a citação inexistente ou inválida na fase de conhecimento depende de reconhecimento judicial, porque enquanto não reconhecido esse vício, bens do executado podem ser constritos, avaliados e alienados judicialmente.
Portanto, a irregularidade na citação que pode ser argüida tanto na fase de conhecimento, quanto na executiva e como defesa na impugnação, tem efeito direito na eficácia da sentença, que se proferida à revelia do réu, que não foi regulamente citado, é absolutamente nula, podendo ser reconhecida sua invalidade, com a conseqüente desconstituição. (MARCATO. 2008: p.1605).
O inciso II trata da inexigibilidade do título, uma vez que os pressupostos específicos da execução forçada são o título executivo e o inadimplemento do devedor. Não se pode, portanto, manejar validamente a ação executiva sem que esteja em mora o devedor, isto é, sem que seja exigível a dívida. A inexigibilidade, no caso do título judicial, pode decorrer da pendência de recurso de efeito suspensivo ou de subordinar-se o direito do credor a termo ainda não alcançado ou a condição não verificada. (THEODORO JUNIOR. 2008: p. 60).
Desta feita, vislumbra-se que se o título não estiver revestido de liquidez, certeza e exigibilidade, o devedor não poderá ser coagido ao pagamento do débito.
O inciso III, trata da penhora incorreta e da avaliação errônea, sendo legítima a impugnação do executado, caso não seja respeitado o artigo 648 do CPC, que prevê quais bens são legalmente penhoráveis, bem como a penhora deve ser suficiente a satisfação da dívida, nunca em excesso.
Quanto à ilegitimidade das partes, previsto no artigo 475-L, inciso IV, Humberto Theodoro Junior (2008: p.61), diz que essa ilegitimidade pode ser tanto da parte ativa como da passiva e decorre de não ser ela o vencedor ou o vencido na ação de conhecimento, nem seu sucessor. Pode também, ser ad causam ou ad processum, conforme diga respeito à titularidade da obrigação ou à capacidade para agir em juízo.
O excesso de execução, também é matéria argüível na impugnação (inciso V), devendo se observar como parâmetro ao artigo 743 do CPC, que assim reza:
“Art. 743. Há excesso de execução:
I – quando o credor pleiteia quantia superior à do título;
II – quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no título;
III – quando se processa de modo diferente do que foi determinado na sentença;
IV – quando o credor, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da do devedor (art. 582);
V – se o credor não provar que a condição se realizou.”
Já o inciso VI, concede ao devedor a possibilidade de alegar em sua defesa qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação. O próprio inciso VI discrimina exemplificativamente as causas modificativas, impeditivas ou extintivas, quais seja o pagamento, a novação, a compensação, a transação ou a prescrição.
Entretanto, se houverem outros casos que possuam força para extinguir a obrigação, tais devem ser alegados, sob pena de preclusão.
Por fim, neste mesmo artigo, o inciso VII estabelece que a inconstitucionalidade da sentença que nega a existência dos preceitos constitucionais está eivada de nulidade. Neste diapasão, Dinamarco in Humberto Theodoro Junior[35], considera que o objeto da sentença incorre em impossibilidade jurídica, pelo que, na realidade, nem mesmo chegar-se-ia a atingir a autoridade da coisa julgada material.
Desta feita, o reconhecimento da nulidade da sentença inconstitucional, portanto, não depende de rescisória e pode verificar-se a qualquer tempo e em qualquer processo, inclusive na via incidental da impugnação ao pedido de cumprimento da sentença. (Jorge Miranda in Humberto Theodoro Junior. 2008: p. 63).
Em suma, no prazo previsto na Lei, o devedor deve alegar todas as matérias de defesa cabíveis ao caso que lhe diz respeita, nos termos do artigo 475-L do CPC, sob pena de preclusão, salvo matérias de ordem pública que poderão ser alegadas a qualquer tempo por meio da exceção de executividade.
2.3 Possibilidade de Efeito Suspensivo
A impugnação ao cumprimento de sentença, em regra, não terá efeito suspensivo, isto é, os atos expropriatórios que acontecem na execução poderão ocorrer simultaneamente, enquanto o incidente é julgado em autos apartados, conforme se vislumbra da redação da primeira parte do artigo 475-M do Código de Processo Civil: “a impugnação não terá efeito suspensivo”.
Assim, observa-se que os fundamentos para a atribuição do efeito suspensivo a impugnação, são o perigo de que o prosseguimento da execução possa causar lesão de difícil ou incerta reparação ao devedor, bem como seu fundamento de defesa deve ser relevante, conforme disciplina a segunda parte do artigo 475-M do CPC: “podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.”
Araken de Assis leciona:
“O art. 475-M e o art. 739-A, caput, inverteram a regra clássica do efeito suspensivo op legis parcial ou total. Em princípio, a impugnação carece de efeito suspensivo, incumbindo ao órgão judiciário, a requerimento do impugnante ou do embargante, conceder-lhe tal atributo, mediante a obrigatória e rigorosa conjugação de dois requisitos comuns às duas formas de oposição: (a) a relevância dos fundamentos; (b) o prosseguimento da execução, na pendência da impugnação, se mostrar ‘manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. No caso dos embargos, há um terceiro: a existência de penhora, de depósito (dinheiro ou da coisa certa) ou de caução (oferecida pelo executado) suficientes. O último pressuposto não se aplica aos embargos oferecidos pela Fazenda Pública.
Para outorgar efeito suspensivo, requer-se a conjugação desses requisitos. Porém, verificados os pressupostos, nenhuma discrição é dada ao juiz, devendo suspender a execução. Inversamente não se caracterizando os pressupostos, ou existindo tão-só um deles, deverá o juiz negar efeito suspensivo à impugnação. A respeito, não há qualquer discrição. A atividade do órgão judiciário não se afigura discricionária, no sentido exato e preciso do termo, mas vinculada à única resolução correta que lhe cabe tomar em razão do seu ofício: ou bem se verificam os elementos de incidência, hipótese em que suspenderá a execução; ou não se verificam tais elementos, caso em que a lei proíbe suspender a marcha da execução”.[36]
E complementa seu entendimento a respeito do assunto em outra obra de sua autoria:
“O receio de dano se caracteriza em duas hipóteses: (a) o exeqüente não apresenta idoneidade financeira evidente para suportar a indenização que lhe resultaria do acolhimento da impugnação fundada nos incisos II e IV do art. 475-L; (b) a alegação do executado envolve um direito fundamental, a exemplo do direito à moradia (art. 6º da CF/88). Alegada a condição de residência familiar do bem penhorado, caso em que não há reparação pecuniária que remedie a privação da moradia”.[37]
Deste modo, se preenchidos todos os requisitos autorizadores da concessão do efeito suspensivo à impugnação, quais sejam, existência da penhora, de fundamento relevante e possibilidade de dano de difícil e incerta reparação, cabe ao juiz determinar o processamento da impugnação nos mesmos autos da execução. Regramento exposto no §2º do artigo 475-M do Código de Processo Civil.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente pronunciou-se a respeito do efeito suspensivo da impugnação e seus requisitos autorizadores:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EFEITO SUSPENSIVO. LEI 11.382/2006. REFORMAS PROCESSUAIS. INCLUSÃO DO ART. 739-A NO CPC. REFLEXOS NA LEI 6.830/1980. PRECEDENTES. 1. A defesa do executado, seja por meio de impugnação ao cumprimento da sentença (art. 475-M), ou pelos embargos ao título extrajudicial (art. 739-A), é desprovida de efeito suspensivo, podendo o juiz conceder tal efeito se o executado requerer e desde que preenchido os pressupostos do fumus boni iuris e periculum in mora e, como regra, garantido integralmente o juízo, consoante a nova sistemática do processo satisfativo, introduzida pelas Leis n.ºs 11.232/05 e 11.382/06. 2. A mesma ratio deve ser estendida às Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), posto receber aplicação subsidiária do CPC (art. 1º, da LEF) e não possuir regra específica acerca dos efeitos dos embargos à execução fiscal. 3. É cedido que: “No atual quadro normativo, a execução fiscal supõe prévia formação do título executivo, mediante procedimento administrativo em que se assegura o contraditório, no âmbito do qual se promove a constituição do crédito tributário e a inscrição em dívida ativa. Ademais, a própria execução fiscal comporta embargos do devedor com efeito suspensivo, se for o caso (CPC, art. 739-A, § 1º)” (AgRg na MC 13249/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 25/10/2007). 4. Conforme decidiu a 2ª Turma desta E. Corte, no Resp. n.º 1.024.128/PR, Rel. Min. Herman Benjamin: “A novel legislação é mais uma etapa da denominada “reforma do CPC”, conjunto de medidas que vêm modernizando o ordenamento jurídico para tornar mais célere e eficaz o processo como técnica de composição de lides. Sob esse enfoque, a atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor deixou de ser decorrência automática de seu simples ajuizamento. Em homenagem aos princípios da boa-fé e da lealdade processual, exige-se que o executado demonstre efetiva vontade de colaborar para a rápida e justa solução do litígio e comprove que o seu direito é bom. Trata-se de nova concepção aplicada à teoria geral do processo de execução, que, por essa ratio, reflete-se na legislação processual esparsa que disciplina microssistemas de execução, desde que as normas do CPC possam ser subsidiariamente utilizadas para o preenchimento de lacunas. Aplicação, no âmbito processual, da teoria do “diálogo das fontes” (DJ. 19/12/2008). 5. Deveras, a aferição pelo Tribunal a quo acerca de serem “relevantes os fundamentos dos embargos, e podendo a execução causar ao executado grave dano de difícil reparação” (fl.88) é insindicável pelo E. STJ, ante o óbice da Súmula 07. 6. Recurso especial não conhecido.” (REsp 1065668/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJE 21/09/2009) [grifei]
Assim, do julgado acima colacionado, convém ressaltar o seguinte fundamento:
“A Lei 11.382/2006 consubstancia mais uma etapa da denominada “reforma do CPC”, isto é, o conjunto de medidas legislativas que, desde a década de 1990, vem modernizando o Direito Processual Civil brasileiro com o escopo de fazer do processo um instrumento célere e eficaz de pacificação social, mediante a proteção do direito material violado ou exposto à lesão. Fundamenta-se a ideologia que norteia as alterações processuais na concepção de que deve ser prestigiada a tutela do “bem da vida” propriamente dito, com o objetivo de propiciar meios para que a sua substituição pela “perdas e danos” somente ocorra em última hipótese. Na esteira desse raciocínio, a reforma ora versada busca o reequilíbrio das posições jurídicas ocupadas pelas parte processuais, revigorando a antiga premissa de que o título executivo goza de presunção de certeza e liquidez, para determinar que a execução só deverá ser suspensa quando o executado demonstrar relevantes fundamentos fáticos e jurídicos em seu favor. Sem prejuízo, visando à celeridade e eficácia do processo de execução, o efeito suspensivo somente será concedido se o juízo estiver garantido.”
Desta forma, tem-se que é impossível a concessão do efeito suspensivo à impugnação, aos embargos do devedor e aos embargos à execução fiscal, sem que o juízo esteja integralmente garantido, mesmo que exista a possibilidade de dano ao devedor, motivo pelo qual Araken de Assis bem observou acima, que para o juiz conceder o efeito suspensivo a impugnação, deveria conjugar a penhora com os relevantes fundamentos apontados pelo devedor.
Por conseguinte, salienta-se que com as alterações promovidas pela Lei n. 11.232/2005, a atribuição do efeito suspensivo a impugnação, passou a ser ope iudicis, determinada pelo juiz ao verificar seus requisitos autorizadores, e não mais ope legis, por decorrência do texto legal. Tal dedução é feita por Antonio Carlos Marcato ao interpretar o Código de Processo Civil:
“A suspensão da execução passa a ser ope iudicis e não mais ope legis, tal como ocorria com os revogados embargos à execução. Em síntese: a suspensão total ou parcial da execução decorrente do oferecimento e recebimento da impugnação depende de pronuncia do juiz.”[38]
Portanto, a concessão do efeito suspensivo depende da demonstração por parte do devedor, que os atos expropriatórios decorrentes do cumprimento da sentença, passada em julgado, sejam capazes de lhe causar dano irreparável ou de difícil ou incerta reparação. Não só, mas também o seu fundamento de defesa deverá ser relevante, pois caso contrário, a impugnação poderá ser considerada meramente protelatória pelo julgador. Salientando, ainda, a necessidade da penhora ou garantia do juízo.
Ademais, a decisão que deferir ou negar o efeito suspensivo, possui natureza interlocutória, e por tal motivo, deverá ser motivada, atendendo ao disposto no artigo 93, IX da Constituição Federal de 1988.
Por tal motivo, Carreira Alvim[39] ressalta que a suspensão da execução dependerá da análise fática de cada situação, dado ao subjetivismo de cada juiz.
Neste prisma, recebida a impugnação no efeito suspensivo, é facultado ao credor, o oferecimento de caução para fins de prosseguimento dos atos executórios, sob sua responsabilidade, porquanto se acolhido o pedido da impugnação, haverá meio de indenizar o devedor pelos danos sofridos com o prosseguimento da execução. Tal situação está prevista no §1º do artigo 475-M do CPC.
De outra banda, a decisão que julgar a impugnação, desde que não extinga a execução, será atacada pelo recurso de agravo de instrumento, previsto no §3º do indigitado artigo. Pela lógica, se a execução for extinta, o recurso cabível será o de apelação.
Portanto, em regra, a impugnação não será recebida no efeito suspensivo, forte nos princípios do resultado e da eficácia da prestação jurisdicional, que agasalham o direito do credor. Entretanto, se os atos expropriatórios forem capazes de causar dano de difícil e incerta reparação ao devedor, bem como o fundamento da impugnação seja relevante, o juiz poderá conceder o efeito suspensivo, com o conseqüente trancamento dos atos de execução.
3 Da Desvinculação da Segurança do Juízo
A desvinculação da segurança do juízo passa, primeiramente, pela regra da subsidiariedade prevista no Código de Processo Civil, inserida em seu artigo 475-R, isto é, aplicam-se ao cumprimento da sentença, no que couber, as regras da execução de título extrajudicial. Em um segundo momento, ao devedor deve ser assegurado à ampla defesa e o contraditório, o direito de petição, bem como este não poderá ser privado de seus bens sem o devido processo legal, exegese dos incisos LIV e LV da Constituição Federal de 1988.
Deste modo, cumpre analisar separadamente cada um dos fundamentos acima indicados, que autorizam o devedor a se defender no cumprimento de sentença, por meio de impugnação, sem a realização de penhora ou garantia do juízo.
Rodrigo Barioni apud Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura em sua obra, aduz que nada impede que o executado ofereça a impugnação sem a prévia garantia do juízo, conforme segue:
“O prazo para impugnação começa a fluir da intimação da penhora; nada impede, porém, que o executado se antecipe ao momento da penhora e oferece desde logo a impugnação, uma vez que não há norma legal que condicione a impugnação à prévia segurança do juízo.”[40]
Por sua vez, José Roberto dos Santos Bedaque afirma que, com a reforma da execução fundada em título extrajudicial feita pela Lei n. 11.382/2006, deixou de ser obrigatória a segurança do juízo para oferecimento dos embargos, nos estritos termos do artigo 736 do CPC, entendendo que:
“Em conseqüência, admissível interpretar o artigo 475-J, §1°, como regra destinada tão somente a fixar o termo a quo do prazo para a impugnação. Esta pode ser apresentada, todavia, independentemente de garantia, pois não há exigência expressa dessa medida como pressuposto de admissibilidade.”[41]
Deste modo, evidencia-se que o legislador ao dar nova redação ao artigo 736 do CPC, ao afirmar que os embargos do devedor podem ser opostos sem a realização da penhora, garantia do juízo ou o oferecimento de caução, abriu precedente para que a impugnação também seja recebida sem que o juízo esteja seguro.
3.1 Princípios Constitucionais afetos a defesa
São princípios constitucionais que servem de fundamento para que o devedor ofereça a impugnação antes da penhora, o da ampla defesa, do contraditório e o do devido processo legal, conforme segue abaixo demonstrado.
3.1.1 Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório
Dispõe o artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal 1988:
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Desta feita, é de clareza solar que o executado possui o direito de se defender por meio da impugnação, sem que para isso tenha que oferecer seu patrimônio em garantia. O direito a defesa é constitucional e o não recebimento da impugnação por ausência de penhora, consubstancia-se em nítido cerceamento de defesa e desrespeito ao preceito legal ora suscitado.
Para muitos dos doutrinadores, não existe discussão, consideram que a impugnação somente pode ser oferecida após a segurança do juízo, além de se evitar prejuízo ao credo, como aduz Humberto Theodoro Junior (2008: p.59):
“Para que se cumpra, então o devido processo legal e, especialmente, para se manter o contraditório, o artigo. 475-J,§1º, prevê o direito do devedor de oferecer impugnação, nos 15 dias que se seguem à intimação da penhora e avaliação.”
Todavia, na prática é diferente, pois o devedor pode não dispor de patrimônio, ou estar com seu patrimônio todo hipotecado, ou já garantido em outra execução em que o credor tenha preferência sobre o crédito exeqüendo. Ou ainda, no caso do devedor estar no momento do cumprimento da sentença reduzido a insolvência.
Nelson Nery Júnior afirma que:
“Dessa forma sobre todo e qualquer ato praticado no processo de execução deve-se dar oportunidade ao devedor manifestar-se, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do contraditório. Pode o devedor falar sobre atualização do cálculo no curso da execução, sobre a ordem de preferência da penhora, etc…”[42]
Ainda para Luis Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Corrêa:
“Em único caso pode-se ocasionalmente a admitir a oposição de impugnação sem a prévia garantia do juízo: quando o devedor não dispõem de bens para penhora, sob pena de desrespeito a constituição federal, no que tange à indevida limitação do direito de defesa”[43]
Portanto, é de magna importância, que sendo relevante o fundamento da impugnação oferecida pelo devedor independentemente de penhora, seja a mesma recebida, para que o princípio da ampla defesa e do contraditório, previsto na Carta Magna seja respeitado.
3.1.2 Princípio do Devido Processo Legal
Não é razoável que o devedor tenha seu patrimônio constrito sem o devido processo legal, conforme é assegurado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LIV. In verbis:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
Entendimento que é defendido por Vicente Greco Filho (2008: p.129):
“Não é porque o título judicial está consagrado pela imutabilidade da coisa julgada que o devedor não tem oportunidade de se defender por meio de embargos, nos casos previstos no código já enumerados. Em primeiro lugar, inclusive em virtude do princípio do devido processo legal, o devedor tem o direito de só ter invadido seu patrimônio por meio de medidas executivas nos termos estritos da lei e do título, podendo obstar a execução que não esteja processualmente correta em sua propositura; depois, tem direito também a que a execução se limite ao valor e à natureza da condenação; e, finalmente, pode a obrigação estar extinta por alguma razão jurídica posterior ao título. Casos análogos, como se expôs, são os da impugnação ao cumprimento da sentença.”
Entretanto, ao devedor não é autorizado, tentar renovar a lide, em despeito a coisa julgada, sendo justo defender-se dentro das hipóteses anteriormente citadas no tópico Prazo e Matérias de Defesa. Vicente Greco Filho fala a respeito:
“Não pode o devedor, em decorrência do próprio respeito à coisa julgada e a decisão jurisdicional, pretender renovar a lide, ainda que com novos argumentos, os quais, aliás, deveriam ter sido desenvolvidos no processo de conhecimento.”[44]
Isso ocorre, porque de acordo com o Código de Processo Civil, a responsabilidade patrimonial é consagrada no artigo 591, que possui a seguinte redação:
“Art. 591 – O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”
Condição que é salientada por Marcio Manoel Maidame (2007, p. 50) ao citar Yussef Said Cahalli:
“O patrimônio do devedor é a garantia comum dos credores, ou mais precisamente, no patrimônio do devedor encontra-se a garantia dos credores, na medida em que tal patrimônio responde pelas obrigações assumidas pelo seu titular, em caso de inadimplemento voluntário”.
Destarte, se o devedor não satisfizer voluntariamente o objeto da sentença, seu patrimônio responderá nos termos da lei, para que ao credor seja entregue pelo Estado o que lhe é devido. Entretanto, para que isso aconteça, deve ser respeitado o devido processo legal.
3.2 Parâmetro com os Embargos do Devedor
Além dos princípios constitucionais acima indicados, outro fator preponderante para o cabimento da impugnação ao cumprimento de sentença, sem o oferecimento da garantia do juízo pelo devedor, é a regra da subsidiariedade prevista no artigo 475-R do Código processual brasileiro. In verbis:
“Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.”
Já o artigo 736 do CPC, reza: “O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos”.
Desta feita, com a edição da Lei n. 11.382/2006, o dispositivo acima indicado, que regula os embargos do devedor, foi alterado, abrindo precedente para discussões, haja vista que a Lei n. 11.232/2005 que criou o cumprimento da sentença não é muito clara a respeito da segurança do juízo.
Destarte, pela mudança realizada na legislação processual com o advento da Lei n. 11.232/05, num primeiro momento, o oferecimento da impugnação necessita da penhora, mas a Lei n. 11.382/2006 que modificou as regras dos embargos do devedor, não fala em segurança do juízo ou de qualquer outro tipo de garantia.
Por isso, questiona-se se a penhora ainda é exigência para o oferecimento da impugnação ao cumprimento da sentença, ou constitui-se apenas como requisito para a atribuição do efeito suspensivo, como ocorrer nos embargos do devedor.
Assim sendo, observa-se o entendimento de Antonio Carlos Marcato a respeito da subsidiariedade:
“O legislador não conseguiu montar para a execução das obrigações de pagar quantia calcadas em título executivo judicial um sistema completo e funcional que dispensasse os mecanismos típicos da expropriação programada nos diversos dispositivos legais que orientam a execução por quantia certa contra devedor solvente amparada em títulos executivos extrajudiciais. O artigo 475-R, portanto, funciona como norma de fechamento do sistema de cumprimento das sentenças condenatórias concernentes às obrigações de pagar quantia.”[45]
Nesse diapasão, cumpre fazer nova referência aos ensinamentos do ilustre Araken de Assis[46]:
“O art. 475-M e o art. 739-A, caput, inverteram a regra clássica do efeito suspensivo op legis parcial ou total. Em princípio, a impugnação carece de efeito suspensivo, incumbindo ao órgão judiciário, a requerimento do impugnante ou do embargante, conceder-lhe tal atributo, mediante a obrigatória e rigorosa conjugação de dois requisitos comuns às duas formas de oposição: (a) a relevância dos fundamentos; (b) o prosseguimento da execução, na pendência da impugnação, se mostrar ‘manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. No caso dos embargos, há um terceiro: a existência de penhora, de depósito (dinheiro ou da coisa certa) ou de caução (oferecida pelo executado) suficientes. O último pressuposto não se aplica aos embargos oferecidos pela Fazenda Pública.
Para outorgar efeito suspensivo, requer-se a conjugação desses requisitos. Porém, verificados os pressupostos, nenhuma discrição é dada ao juiz, devendo suspender a execução. Inversamente não se caracterizando os pressupostos, ou existindo tão-só um deles, deverá o juiz negar efeito suspensivo à impugnação. A respeito, não há qualquer discrição. A atividade do órgão judiciário não se afigura discricionária, no sentido exato e preciso do termo, mas vinculada à única resolução correta que lhe cabe tomar em razão do seu ofício: ou bem se verificam os elementos de incidência, hipótese em que suspenderá a execução; ou não se verificam tais elementos, caso em que a lei proíbe suspender a marcha da execução.”
Nesse sentido, atenta-se para o fato de que tanto a impugnação como os embargos do devedor em regra não terão efeito suspensivo, redação dos artigos 475-M, primeira parte e 739-A, caput. Sendo que de forma controversa, o juiz poderá conceder efeito suspensivo à impugnação e aos embargos, todavia com fundamentos diferentes.
Na impugnação o efeito suspensivo poderá ser atribuído desde que relevantes os fundamentos de direito alegados pelo devedor, devendo comprovar que o prosseguimento da execução lhe causará dano de difícil e incerta reparação, não falando em momento algum em garantia do juízo. Essa é a redação da segunda parte do artigo 475-M do CPC.
Todavia, os embargos do devedor somente terão efeito suspensivo, desde que relevantes os fundamentos de direito alegados pelo devedor, devendo comprovar que o prosseguimento da execução lhe causará dano de difícil e incerta reparação e, desde que a execução esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficiente, conforme dispõe o §1º do artigo 739-A do CPC.
Ademais, o prazo para o oferecimento dos embargos conta-se da juntada aos autos da execução do mandado de citação (art. 738). Já o prazo da impugnação conta-se, imediatamente, após a intimação do devedor pessoalmente ou de seu advogado do auto de penhora e avaliação (art. 475-J, §1º).
Araken de Assis ensina:
“O artigo 475-J, §1º, somente cogita da intimação do executado após a penhora. Por outro lado, o art. 736, caput, admite a oposição do executado por intermédio de embargos “independentemente de penhora, depósito ou caução”. Nada impede, por óbvio, disciplina diferente na impugnação.”[47]
Ademais, deve-se observar também o disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil: “Quando por vários meios o credor promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.
Assim sendo, forte no Princípio da Menor Onerosidade do Devedor, a impugnação deve ser recebida sem que se exija a garantia do juízo, posto que possibilita a defesa do mesmo, bem como não será prejudicial ao credor, caso não tenha o efeito suspensivo deferido pelo juiz. Ainda, deve se observar o direito constitucional de petição.
Por derradeiro, vislumbra-se que o legislador foi feliz ao promover a criação do cumprimento da sentença, posto que os atos executório são realizados nos próprios autos do processo de conhecimento, promovendo a celeridade processual. Entretanto, foi incoerente ao criar o instituto da impugnação e condicionar o recebimento da mesma a segurança do juízo, haja vista que ao alterar os embargos do devedor, possibilitou o oferecimento dos mesmos sem qualquer tipo de garantia.
3.3 Outras formas de defesa do devedor
3.3.1 Da Exceção de pré-executividade
Cumpre observar, ainda, que o devedor poderá lançar mão de um instituto jurídico, não previsto em lei, todavia muito utilizado na prática forense e que foi criado por doutrinadores como Pontes de Miranda, qual seja a exceção de pré-executividade, uma vez que a penhora, a princípio, de acordo com a Lei nº 11.232/05, é pressuposto de admissibilidade da impugnação.
Desta feita, se faz necessário conceituar esse meio de defesa, para que não restem dúvidas quanto a sua aplicação no processo de execução.
Vandrey de Menezes Baldão e Gisele Cristina de Oliveira apud Luiz Peixoto de Siqueira Filho[48] definem a exceção de pré-executividade como sendo:
“Argüição de nulidade feita pelo devedor, terceiro interessado, ou credor, independente de forma, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, referente aos requisitos da execução, que suspende o curso do processo até o seu julgamento, mediante procedimento próprio, e que visa à desconstituição da relação jurídica processual executiva e conseqüente sustação dos atos de constrição material.”
José Reinaldo Coser citado no mesmo artigo[49] ao conceituar a exceção de pré-executividade, menciona que “a exceção de pré-executividade é o meio possível de se buscar a extinção do processo de execução em função de vícios relativos às condições e pressupostos processuais, reclamados para existência válida do próprio processo executivo. Vícios que nulificam o processo no nascedouro. É iniciativa que busca proteger o executado, de uma ação que não pode nem deve produzir qualquer efeito efetivamente válido.”
Assim sendo, observa-se que as matérias de defesa argüíveis na impugnação pelo executado estão previstas no artigo 475-L do Código de Processo Civil, que já foram objeto de estudo nesta pesquisa, e somente poderão ser argüidas por meio da impugnação após efetivada a penhora, sendo ela injusta ou não.
Pela exceção de executividade, o devedor poderá alegar a qualquer tempo matérias de ordem pública, isto é, matérias que poderiam ser analisadas de ofício pelo juiz, como a prescrição ou ligadas às condições da ação executiva e seus pressupostos processuais.
Neste prisma, ensina Araken de Assis:
“A esperança de que, ensejada a defesa do executado através de impugnação incidental, se eliminaria automaticamente o campo propício à exceção de pré-executividade, desvanece-se à primeira vista. Em primeiro lugar, ao executado interessa impedir a penhora; ora, a impugnação pressupõe semelhante constrição, notando-se que o prazo para impugnar (art. 475-J, § 1º ) fluirá da intimação que porventura se faça desse ato executivo. […] Ademais, vencido o prazo para impugnar, por qualquer motivo, subsistem as objeções (por exemplo, a ilegitimidade) e as exceções (por exemplo, a prescrição) imunes ao fenômeno da preclusão”.[50]
No mesmo sentido, entende MADALENO[51], ao ensinar que o processamento da exceção de pré-executividade pressupõe mais de um caminho, ao aceitar matéria ligada à admissibilidade da execução, quando ausentes os pressupostos processuais de regular desenvolvimento do processo.
Todavia, há quem entenda diferente, como GUMERATO RAMOS[52], que considera não ser mais cabível a exceção de pré-executividade, levando-se em conta de que para a impugnação não se exige garantia do juízo, essa medida se tornou desnecessária.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em recente decisão, firmou o entendimento de que a exceção é cabível no cumprimento da sentença, todavia no que pertine às matérias que possam ser conhecidas de ofício pelo juiz:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BRASIL TELECOM. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. REJEIÇÃO. A exceção de pré-executividade é cabível apenas para se discutir questões de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício pelo Juízo, tais como, os pressupostos processuais e condições da ação, assim como em casos de evidente ausência de responsabilidade obrigacional do devedor ou de iliquidez do título. Inadmissível o acolhimento da exceção de pré-executividade no que diz com questões próprias de embargos a execução ou de impugnação ao cumprimento de sentença. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.” (Agravo de Instrumento Nº 70028102341, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/02/2009).
Deste modo, é certo que o objetivo da exceção de executividade é evitar a penhora manifestamente ilegal, que poderá causar prejuízos a quem legitimamente não é devedor, sendo, portanto, outro meio de defesa cabível ao executado, desde que trate de matérias de ordem pública que não sofreram os efeitos da preclusão ou da coisa julgada formal.
3.3.2 Da Defesa Heterotópica
As ações autônomas, prejudiciais à execução ou defesa heterotópica, podem ser conceituadas como sendo todas as ações cognitivas que podem ser ajuizadas antes, durante, ou mesmo após a ação executiva e que exercem sobre esta, como o próprio nome diz, uma relação de prejudicialidade, em que a ação autônoma figura como causa prejudicial e a ação executiva como causa prejudicada, e que têm, como objeto, a desconstituição do título executivo ou apenas sua revisão[53].
O Código de Processo Civil não prevê de forma explicita a possibilidade da utilização das ações de natureza autônomas no curso da execução, todavia, nos se pode olvidar para o disposto no parágrafo primeiro do artigo 585 do CPC: “A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução”.
A interpretação da norma em comento a contrario sensu nos remete a idéia de que o devedor, mesmo que a execução esteja em andamento, maneje ação autônoma em face do pleito executivo, com o objetivo de desconstituir o título exeqüendo, sendo ele judicial ou extrajudicial.
Tais ações podem ser ajuizadas como meio de defesa do executado. No caso do cumprimento de sentença, vislumbra-se a hipótese da Ação Rescisória, prevista no artigo 485 do CPC, independente do previsto no artigo 489 do mesmo diploma legal: “o ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória da tutela”.
Neste prisma, resta claro que o cumprimento da sentença pode vir a ser suspenso, por liminar proferida em ação rescisória, desde que preenchidos os requisitos das medidas cautelares ou de antecipação de tutela, conforme previsto no próprio diploma processual civil pátrio.
De outra banda, já se aplicava por analogia ao processo civil o disposto no artigo 38[54] da Lei n. 6830/80 (Lei das Execuções Fiscais), uma vez que esse dispositivo legal expressamente autoriza a discussão da dívida ativa da Fazenda Pública por meio de ações autônomas.
Ainda, DE MELLO apud Sandro Gilbert Martins, aduz que o inciso V do artigo 686 do Código de Processo Civil é outro permissivo legal das ações autônomas, posto que o mesmo faz menção à causa pendente no momento da arrematação. (2002: p.35).
A expressão causa pendente refere-se a qualquer demanda judicial capaz de repercutir sobre a execução e o bem constrito judicialmente, qualquer causa que lhes seja prejudicial.
Neste sentido, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça abaixo colacionados:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DO DÉBITO. CONEXÃO. JULGAMENTO CONJUNTO. IMPOSIÇÃO. COMPETÊNCIA FIRMADA POR NORMAS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO SIMULTANEUS PROCESSUS. 1. Patente a conexão entre as ações anulatória e executiva, impõe-se o julgamento conjunto de ambas as ações, tanto por medida de economia processual quanto por motivo de segurança jurídica, evitando-se assim desgaste processual desnecessário e decisões judiciais conflitantes. Precedentes. 2. Se por um lado é certo que a conexão ou a continência, por si sós, não têm o condão de modificar a competência atribuída pelas normas de organizações judiciárias, por tratar-se de competência absoluta; por outro, impossível não reconhecer, até mesmo por questão de bom-senso, que a ação anulatória e a de execução fiscal referentes ao mesmo débito devem ser apreciadas pelo mesmo juízo, na medida em que o resultado de uma terá influência direta sobre o da outra. 3. O fato de a Lei de Organização Judiciária do Estado de São Paulo conferir ao Juízo do Setor das Execuções Fiscais da Fazenda Pública da Capital competência tão-somente para o julgamento das execuções fiscais e seus embargos não pode ser considerado óbice ao simultaneus processus, eis que as ações anulatórias, assim como os embargos, funcionam como oposição à ação de execução, tendo por escopo final o seu insucesso. Em face dessa identidade de finalidade, o juiz competente para julgar os embargos também o é para a ação que visa anular o título executivo. 4. Consoante demonstra o julgado proferido no Conflito de Competência nº 38.045/MA, em situações excepcionais, esta Corte tem admitido a utilização da ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo, como sucedânea dos embargos. 5. Recurso especial provido.” (RESP 573.659/SP, 1ª Turma, Rel Min. José Delgado, DJ de 19.04.2004)
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. EXECUÇÃO FISCAL. CONEXÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS. ART. 105 E ART. 109 DO CPC . 1. O processo de execução, por sua índole eminentemente satisfativa, não é predisposto ao acertamento do direito das partes, por isso normalmente não culmina com sentença de mérito. Todavia disso não decorre a impossibilidade de se estabelecer conexão entre a execução e a ação de conhecimento na qual se questiona o título executivo em que aquela se fundamenta. 2. Não se pode olvidar que ação anulatória ajuizada com o escopo de desconstituir título executivo tem a mesma natureza cognitiva da ação de embargos e pode até mesmo a esta substituir, conforme vem entendendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, razão por que há de se reconhecer a conexidade, independentemente do ajuizamento de embargos de devedor, entre a ação de execução e a declaratória que a precede quando fundadas no mesmo título, com a conseqüente reunião dos processos no juízo em que se processa a declaratória. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (RESP 492.524/PR, 2ª Turma, Rel Min. João Otávio de Noronha, DJ de 16.11.2004).
Portanto, a defesa heterotópica, é ação autônoma cuja decisão possa repercutir sobre o processo de execução, constituindo em verdadeira prejudicialidade, ou seja, que possa vir a suspender ou até mesmo extinguir o feito executivo.
A respeito da prejudicialidade, o professor Sandro Gilbert Martins in DE MELLO, ensina que “em face da prejudicialidade externa que se pode verificar entre uma ação autônoma e uma executiva, havendo ou não a reunião de ambas, não há nada que impeça que seja sustado o prosseguimento do feito executivo. Tal suspensão se apresente como facultativa ou eventual. Ou, como preferem alguns, o efeito se prende a juízo de conveniência. Todavia, esse juízo de conveniência, que determina a ordem de suspensão da execução para aguardar a definição do juízo de cognição, deve se fundar em motivos idôneos e consistentes – juízo de probabilidade – que existam na ação de cognição em curso, como também na valoração comparativa entre o dano que suportaria o executado e o eventual prejuízo que o exeqüente estaria sujeito com o atraso do prosseguimento do feito. Trata-se de razões de oportunidade que o juiz deve valorar em relação à finalidade do provimento suspensivo que é de natureza essencialmente assecuratória.” (2002: p.43).
Desta feita, vislumbra-se que as defesas heterotópicas possuem maior poder de prejudicialidade sobre a execução de título extrajudicial, já ao juiz é facultado suspender a execução para se evitar prejuízo futuro às partes. Enquanto que no cumprimento da sentença, a única possibilidade que cabível, a princípio, é a ação rescisória.
Portanto, é indubitável a possibilidade do ajuizamento de ação autônoma como meio de defesa do devedor, com o intuito de desconstituir o título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial.
Conclusão
Como resultado do presente trabalho de pesquisa, tem-se que o legislador ao criar o cumprimento da sentença (Lei nº 11.232/2005), que se realiza nos próprios autos do processo de conhecimento após o trânsito em julgado da sentença, e que também deu nova denominação aos embargos à execução de título judicial, qual seja impugnação, visou acima de tudo promover a celeridade processual, a efetividade da prestação jurisdicional e a satisfação do interesse do credor.
Entretanto, por ter deixado algumas lacunas e impropriedades no Código de Processo Civil, como, por exemplo, a utilização subsidiária dos dispositivos da execução fundada em título extrajudicial ao procedimento de cumprimento da sentença, teve que editar a Lei nº 11.382/2006.
A referida Lei por sua vez alterou o cabimento dos embargos do devedor, não sendo mais necessário o oferecimento de segurança ao juízo, tendo condicionado apenas para a atribuição do efeito suspensivo pelo Juiz. Isso criou certo conflito com o procedimento da impugnação, posto que os dispositivos se contradizem, já que o prazo para o oferecimento da impugnação só abre com realização da penhora.
Quanto ao efeito atribuível a impugnação, aparentemente, não seria necessária a prévia segurança do juízo, todavia se oferecida a impugnação após a penhora o juízo já estará seguro, devendo ainda o devedor demonstrar a possibilidade de dano irreparável para que lhe seja deferido o efeito suspensivo.
Entretanto, os preceitos constitucionais asseguram ao devedor o oferecimento da impugnação sem a garantia do juízo, já que nos embargos do devedor não é requisito. Limitar a defesa do devedor afronta o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, bem como do Devido Processo Legal.
Todavia, conforme se depreende do precedente anteriormente colacionado, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou recentemente a respeito do assunto, deixando claro que tanto para a impugnação, quanto para os embargos do devedor é necessária a garantia do juízo, sob pena da execução imediata dos atos expropriatórios.
Desta feita, convém observar que se o objetivo do legislador era dar maior efetividade à prestação jurisdicional e garantir o interesse do credor, criou na verdade, mais um imbróglio jurídico, uma vez que através da Lei n. 11.382/2006 não é mais necessária a prévia segurança do juízo para o ajuizamento dos embargos do devedor na execução fundada em título extrajudicial.
Ademais, repisa-se que o devedor ainda pode defender-se por meio da exceção de executividade, evitando desta forma a penhora, e somente posteriormente oferecer a impugnação. Como bem salientado, o devedor poderá oferecer a qualquer momento a exceção de pré-executividade no que pertine às matérias de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, e que não sofrem os efeitos da preclusão.
Por derradeiro, verificou-se que ao devedor ainda é facultado defender-se do pleito executivo, por meio das ações autônomas ou defesa heterotópica, que nada mais são do que demandas cognitivas capazes de causar prejuízo ao processo de execução e conseqüente aos seus atos expropriatórios, como por exemplo a ação rescisão com pedido de antecipação de tutela contra a decisão em fase de cumprimento da sentença, bem como da ação anulatória de título contra a execução de título extrajudicial.
Deste modo, o objetivo principal da Lei n. 11.232/2005, era dar maior efetividade ao procedimento executório, uma vez que de acordo com a mesma, não é mais necessário o ajuizamento da ação de execução de título judicial, já que o cumprimento da sentença se tornou uma fase dentro do processo de conhecimento. No entanto, com a edição da Lei n. 11.382/2006, essa pretensão efetividade, restou abalada, pois deu tratamento diverso ao procedimento dos embargos o devedor, quando não mais se exige a penhora para o ajuizamento dos mesmos.
Assim sendo, pela regra da subsidiariedade e pelos preceitos constitucionais acima demonstrados, somados aos relevantes fundamentos de direito, bem como o devedor demonstre a possibilidade do dano incerto e de difícil reparação, a impugnação poderia ser oferecida sem a garantia do juízo, uma vez que não terá efeito suspensivo, não se consubstanciando em prejuízo ao credor, assim com ocorre nos embargos do devedor.
Portanto, independente das hipóteses acima suscitadas, tem-se na prática após cinco anos da entrada em vigor da Lei n. 11.232/05, que a garantia do juízo é indispensável para o oferecimento da impugnação, conforme entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, atendendo ao princípio primordial do processo de execução, qual seja, a satisfação do interesse do credor.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas, Pós-Graduando em Direito Marítimo e Portuário pela Maritime Law Academy, Advogado na Frank Peluffo & Advogados Associados
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