Da dupla aposentadoria e a possibilidade de cumulação entre os benefícios previdenciários militares e civis

Com o advento da Emenda Constitucional 20/98 a qual alterou profundamente, o ordenamento pátrio, a Carta Cidadã passou a vedar explicitamente a concessão simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função públicas.


Contudo, a própria Emenda 20/98 deu origem a algumas excludentes, autorizando que: os cargos constitucionalmente acumuláveis, os cargos eletivos e os cargos comissionados declarados em lei de livre nomeação e exoneração, poderiam cumular.


Nesta mesma linha de raciocínio cabe-nos repisar que, a Lex Legum tem como princípio explícito a proibição à cumulação de proventos de aposentação com remuneração de cargo em atividade, vedando também explicitamente à cumulação de função por parte do servidor público. 


Entretanto, como toda regra existe uma exceção, a própria Carta Cidadã elencou quando e como se daria a cumulatividade expressando literalmente no corpo de seu texto as excludentes normativas, senão vejamos, in verbis:


“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (…omissis..)
XVII – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:


a) a de dois cargos de professor;


b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;


c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.” ( Grifo Nosso)


EC Constitucional 20/98


Art. 11. A vedação prevista no artigo 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, …. ( Grifo Nosso).”


Destarte que da simples leitura das normas acima transpostas retira-se a seguinte interpretação – as excludentes são claras e límpidas, se o servidor esta dentro da excludente do artigo 11 da EC 20/98, conseqüentemente também não se aplica  o artigo 37 § 10, portanto, a vedação de cumulação deve ser sim desconsiderada, pois, a situação do servidor é sui generis.


Ademais, o próprio artigo 40 da Constituição Federal que disciplina in totem e de forma absoluta o regime de previdência dos servidores públicos, assim dispõe sobre o acumulo de benefício previdenciário, in verbis:

“Art.40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo:

§ 6°. Ressalvados as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis no forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previsto neste artigo.” (Grifo Nosso)


Por conseguinte do texto acima concluí-se que a acumulação é sim permitida desde que, esta esteja dentro das excludentes ou das exceções constitucionais. Além disto, foi a própria Emenda Constitucional 20/98 que estabeleceu a vedação à percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime previdenciário do artigo 40 da Lex Mater, ressalvando, contudo, as acumulações de aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis e da excludente trazida pelo artigo 11 da mesma Emenda.


Conseqüentemente, entenda-se que, nestes casos será permitida por força da própria Lei Maior a acumulação de duas aposentadorias, desde que não excedam o valor referente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF.


Superada a questão no tocante a cumulatividade, passemos ao tema propriamente dito, onde a Administração Pública ao purgar pela não concessão do benefício da cumulatividade, assim o faz com base na segunda parte do artigo 11 da Emenda Constitucional 20, declarando ser vedada a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da Carta Máxima Nacional.


O posicionamento adotado pela Administração Pública encontra-se deveras equivocado no que tange a segunda parte do artigo 11 da Emenda Constitucional 20/98, posto que, a acumulação vedada ali, é a da cumulatividade de proventos pagos ou custeados pelo mesmo fundo, o que no presente caso, não ocorre. Pois o Servidor que visa tal direito possui uma aposentadoria relativa ao seu período como militar custeada pelos cofres públicos e a outra custeada pelo regime próprio de previdência do servidor público, não havendo isto posto, há aventada afronta a segunda parte do artigo 11 da EC 20/98.


De outra forma comenta-se aqui que os mesmos servidores inativos que retornaram ao trabalho antes da promulgação da EC 20/98 possuem por força da própria Constituição, o direito a acumulação de aposentadorias posto ser a mesma direito adquirido, situação esta consolidada ao abrigo, inclusive dos arts. 5o, inc. XXXVI, e 59, inc. I, e 60, § 4o, inc. IV da Carta Política.


Senão vejamos:


Art. 5o –Todos são iguais perante a lei…..(…Omissis…)


XXXIV – A lei não prejudicará o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada.


Art. 59 – O processo legislativo compreende a elaboração de:


I – emendas à constituição;(…Omissis…)


Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:(…Omissis…)


§ 4o – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…Omissis…)


IV – os direitos e garantias individuais.


Ora, “a inviolabilidade do passado é princípio que encontra fundamento na própria natureza do ser humano, pois, segundo as sábias palavras de Portalis, o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço seria o mais infeliz dos seres, se não se pudesse julgar seguro nem sequer quanto à sua vida passada. Por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso do seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas põe a termo a todas as incertezas. Na ordem do universo e da natureza, só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira da nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema de legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças.” [1]


Repita-se, que com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, nos termos do seu art. 11, a vedação prevista na Constituição Federal, quanto à acumulação de proventos, não se aplica aos inativos, que até a sua publicação tenham ingressado novamente no serviço público pelas formas previstas na Constituição Federal, como no caso ora em tela.


No caso específico, dos agraciados com a excludente legal, devemos lembrar que os mesmos reingressaram ao serviço público antes da edição da EC 20/98, normalmente, mediante a contratação pelo regime da CLT, perfeitamente previsto e não proibida pela Constituição Federal vigente à época, o que lhe imprime a condição excludente da EC nº 20/98.


E mais, os detentores de tal direito contribuíram para tanto, tendo recolhido aos cofres públicos a contribuição previdenciária devida, pois se não fosse devida a contra partida porque tal profissional estaria então sendo “taxado”.  Nem se avente aqui que a “taxação” é para o sistema da seguridade social, pois sabemos que está é uma idéia que não podemos comprar, porquanto se assim o fosse, deveria no cálculo da taxação ser descontado o valor da parcela referente a previdência, só  recolhendo, portanto, os valores oriundos da saúde e da assistência social. Posto que o mesmo não poderia se aposentar novamente, trazendo para o Estado, o ônus de se assim o taxar estar a proceder um verdadeiro confisco.


Síntese Conclusiva


O direito de duplo benefício ao profissional em questão pressupõe como conditione sine qua non, também, a DUPLA CONTRIBUIÇÃO. Tendo o mesmo contribuído nada mais justo que perceba a aposentadoria a que tem direito nos moldes do artigo 40 parágrafo1º, inciso II da Constituição Federal, in loco:


“C.F./88


Art. 40 – Os servidores titulares de cargos efetivos da União (..Omissis…)


§ 1o – Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3o:(..Omissis…)


II – compulsoriamente, aos 70 (setenta) anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;”


Assim sendo, os servidores públicos militares que já percebem um benefício previdenciário, e que retornaram ao serviço público antes da edição da Emenda Constitucional 20/98, na qualidade de servidores públicos civis têm direito de perceberem da Administração Pública, mais um benefício previdenciário, não podendo ser mais alocados fora do sistema previdenciário do servidor civil ao completar 70 anos. Creio que a mesma regra excludental pode ser aplicada para cumulatividade de pensões civis cumuladas com civis desde que as mesmas possuam natureza diversa de fonte.


Em conclusão o raciocínio igualmente simples: se a própria Constituição Federal assegura determinado direito, nada pode lhe opor resistência, sendo mais claro ainda que se o direito é assegurado constitucionalmente o mesmo deve ser viabilizado imediatamente.


Cogitar ao contrário seria o absurdo dos absurdos!!!


 


Nota:

[1] VICENTE RAÓ – O direito e a vida dos direitos; Celso Ribeiro Bastos, in Curso de Direito Constitucional, p. 199 – Saraiva – 12a Edição, 1990).

Informações Sobre o Autor

Carlos Alberto Vieira de Gouveia

Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale


Equipe Âmbito Jurídico

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