Resumo: Este trabalho busca justificar a aplicação do procedimento arbitral a litígios que tenham como fundamento questões derivadas de uma relação de consumo. Para tanto, após uma breve explicação do instituto da arbitragem, defende a aplicação das duas modalidades de convenção de arbitragem à seara consumerista. Portanto, postula, em primeiro enfoque, considerando o paradigma traçado pelo Código de Defesa do Consumidor – evidenciando, assim, o que seja uma relação de consumo – a utilização pelas partes, fornecedor e consumidor, do compromisso arbitral. Em uma segunda abordagem, aventando a teoria geral dos contratos civis, sob o enfoque do direito consumerista, defende a possibilidade de utilização da cláusula compromissória, em contratos que tenham como pano de fundo, relações consumeristas, advogando a tese segundo a qual, dada a importância da arbitragem em nosso atual panorama jurídico, não se justifica o seu afastamento, apoditicamente, da seara consumerista.
Palavras-chave: contratos – relação de consumo – consumidor- fornecedor – arbitragem.
Abstract: This paper seeks to justify the application of arbitration to disputes that have issues as a basis derived from a consumer relationship. To that end, after a brief explanation of the institute of arbitration, advocates for the two modes of arbitration to the consumerist harvest. Therefore, postulates, in the first approach, considering the paradigm outlined by the Consumer Protection Code – thus indicating that the relationship is one of consumption – the use by the parties, supplier and consumer, the arbitration agreement. In a second approach, raised the general theory of civil contracts, under the consumerist approach of the right, defends the possibility of using the arbitration clause in contracts that have the background, consumers relationships, advocating the view that, given the importance of arbitration in our current legal landscape is not justified his removal, apodictic, the consumerist harvest
Keywords: contracts – consumers relationship – consumer-supplier – arbitration
Sumário: 1. Conceito e aplicabilidade do instituto da arbitragem. 2. Conceito e paradigma atual da figura contratual. 3. Do Código de Defesa do Consumidor e da relação de consumo. 3.1. Do consumidor. 3.2. Do fornecedor. 4. Da aplicação do procedimento arbitral no âmbito da relação de consumo. 5. Conclusão.
1. CONCEITO E APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM.
A arbitragem corresponde a uma alternativa que faceia com a situação de esgotamento estrutural que sofre o Poder Judiciário.
Por suas características peculiares, notadamente por sua rapidez e consensualismo, alcança, em suas soluções propostas aos problemas apresentados à sua apreciação, respostas eficientes, que vem ao encontro das expectativas nutridas pelas partes, ao nomearem o árbitro.
Não é sem razão que Mauro Capelleti[1], ao tratar sobre os meios alternativos de solução de disputas, pondera que:
“Devemos estar conscientes de nossa responsabilidade; é nosso dever contribuir para fazer que o direito e os remédios legais reflitam as necessidades, problemas e aspirações atuais da sociedade civil; entre essas necessidades estão seguramente as de desenvolver alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre que sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao povo; daí o dever de encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentes demandas de um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem precedente.”
Assim, os métodos alternativos de solução de conflitos, apesar de terem seus registros constantes de épocas recuadas da história humana, com a Arbitragem, notadamente sobre o enfoque da Lei 9307/96, ganharam fôlego, não causando espécie; ao revés, sendo oportuno, que as partes pacifiquem um determinado litígio, sem a necessidade de utilização de um processo judicial perante o Judiciário.
Tal instituto, portanto, tem sua aplicação adstrita à autonomia privada, objetivando a composição de litígios advindos de direitos patrimoniais disponíveis.
Nesse sentido, quanto a uma possível conceituação da arbitragem, Luiz Antonio Scavone Júnior[2] define-a da seguinte forma:
“A arbitragem pode ser definida como o meio privado e alternativo de solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais e disponíveis através do árbitro, normalmente um especialista na matéria controvertida, que apresentará uma sentença arbitral.”
Por sua vez, Carlos Alberto Carmona[3], apontando as principais características da arbitragem, explica que:
“A arbritragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.”
Assim, pessoas maiores e capazes podem se valer da arbitragem, a fim de dispor sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Por tal razão, o artigo 1º da Lei 9307/06, estabelece que: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
De outra parte, a fonte do procedimento arbitral é a convenção de arbitragem, a qual corresponde ao negócio jurídico, por meio do qual as partes buscam a solução do litígio valendo-se de um árbitro.
Nesse sentido, o artigo 3º da Lei 9307/96, estabelece que: “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.
Tal gênero negocial compõe-se de duas espécies; portanto, a cláusula compromissória, e o compromisso arbitral.
Assim, quanto a cláusula compromissória, trata-se de uma convenção de arbitragem prévia, por meio da qual as partes decidem que se sobrevier um conflito relativo àquele negócio jurídico que acabou de ser celebrado, esse conflito deverá ser resolvido pelo árbitro.
Portanto, caracteriza-se por ter os seus olhos voltados para o futuro. Assim, caso sobrevenha um conflito, o mesmo deverá ser resolvido por um árbitro.
Nesse sentido, o artigo 4º, da Lei 9307/96, estabelece que: “A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.
Por seu turno, o compromisso arbitral pressupõe um conflito já existente. Desse modo, na situação de existir um conflito, as partes resolvem que aquele conflito deve ser resolvido por árbitros.
Assim, o artigo 9º, da Lei 9307/96, estabelece que: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”.
Frise-se, de outra parte, que o compromisso arbitral, visto que se refere a um conflito concreto, pode ser precedido de uma cláusula compromissória. Assim, estabelecida a cláusula compromissória, caso o conflito apareça, ante a necessidade de regulamentar a arbitragem, definindo o modelo de arbitragem. Por tal razão, celebra-se uma convenção de arbitragem.
2. CONCEITO E PARADIGMA ATUAL DA FIGURA CONTRATUAL.
Inicialmente, é necessário ponderar que o contrato nada mais é que do uma modalidade de fato jurídico.
Assim, o contrato consiste em um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, mediante o qual uma ou mais vontades se harmonizam em um denominador comum, de modo a que possam produzir resultados jurídicos obrigacionais, conforme as disposições legais.
Nesse sentido, quanto ao conceito de contrato, Paulo Nader[4] explica que: “Na acepção atual, contrato é acordo de vontades que visa a produção de efeitos de conteúdo patrimonial. Por ele, cria-se, modifica-se ou extingue-se a relação de fundo econômico”.
Assim, como já referido, o contrato é uma declaração negocial.
Mas é uma declaração de contrato por meio da qual as partes perseguem interesses, mas condicionados a parâmetros estabelecidos no Código Civil, como a função social e a boa-fé objetiva.
O exercício da liberdade de celebração contratual é denominado de autonomia da vontade, o qual se conforma em uma significação principiológica.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz[5] explica que:
“Assim, o princípio da autonomia da vontade é o poder conferido aos contratantes de estabelecer vínculo obrigacional, desde que se submetam às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse geral, de tal sorte que a ordem pública e os bons costumes constituem limites à liberdade contratual”.
Portanto, o conceito de autonomia absoluta, tão em voga na seara civilista, no século XIX, fora substituída pela autonomia privada, a qual apresenta um caráter limitado.
Esse novo parâmetro, inaugurado pelo Código Civil de 2002, é evidenciado por Maria Helena Diniz[6], a qual, em trecho de sua obra, explica que:
“É preciso não olvidar que a liberdade contratual não é ilimitada ou absoluta, pois está limitada pela supremacia da ordem pública, que veda convenções que lhe sejam contrárias e aos bons costumes, de forma que a vontade dos contraentes está subordinada ao interesse coletivo. Pelo Código Civil, no art. 421, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (CF, art. 1º, IV, 5º, XXIII, e 170, III).
Nessa mesma toada, ainda Maria Helena Diniz[7] conclui que:
“O princípio da autonomia da vontade está atrelado ao da socialidade, pois, pelo art. 421 do Código Civil, declarada está a limitação da liberdade de contratar pela função social do contrato. Esse dispositivo é mero corolário do princípio constitucional da função social da propriedade e da justiça (LICC, art. 5º), norteador da ordem econômica. O art. 421 é, como já dissemos, uma norma principiológica que contém uma cláusula geral: a função social do contrato. O art. 421 institui, expressamente, a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesmo sua resolução.”
Quanto a feição do contrato, em nossa sociedade atual; claro se afigura que a presença dos contratos paritários, cada vez mais se torna escassa; predominando, atualmente, ante a realidade da sociedade de massa; os chamados contratos de adesão; o quais se caracterizam, por sua conformação, pela imposição do poder econômico sobre os contratantes, consumidores; mediados pelos contratados, chamados fornecedores, todos se movimentando no cena de uma relação de consumo.
Nesse sentido, Paulo Nader[8] pontua que:
“Os contratos gré a gré ou amigáveis, chamados ainda paritários, formam-se mediante diálogo entre as partes, diretamente, ou por representantes. O ajuste final surge como o resultante da conveniência no momento da declaração de vontade. Nem sempre as partes obtêm as condições desejadas; a harmonização dos interesses às vezes não é alcançada. Mazeaud, Mazeaud e Chabas consideram imprópria a denominação, entendendo que a grande massa de acordos nasce é da imposição por uma das partes, geralmente a mais forte economicamente. Quando se efetua uma compra em estabelecimento comercial o preço e as condições previamente se acham definidos, não ensejando, pois negociação entre os contratantes.”
Contrato de Adesão, portanto, é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente, como por exemplo, o contrato de prestação de energia elétrica, ou mesmo aquele contrato estabelecido de forma unilateral pelo fornecedor de produtos ou serviços, como por exemplo, o contrato de telefonia celular; sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Tem previsão no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, tem-se que:
“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtor ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”
Portanto, em tal modalidade contratual, o consumidor não participa substancialmente de sua elaboração. Ademais, ao consumidor não é dado a possibilidade de modificar suas cláusulas.
Desse modo, inicialmente, como já fora referido no item anterior, todos os contratos deverão velar por sua transparência.
Ao encontro desse princípio, o artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que:
“Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
Tal princípio possui derivações que podem ser localizadas tanto no Código Civil, quanto no Código de Defesa do Consumidor.
Assim, o Código Civil evoca os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva, além da eticidade, dando um embasamento constitucional a partir da inserção, na seara contratual, de princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, Rômulo Russo Júnior[9] pondera que:
“O que se ergue, na verdade, é que o contrato passa a receber, com unidade, a saudável influência dos princípios da ordem constitucional vigente (tais como: a dignidade da pessoa humana, o respeito ao meio ambiente, à justiça social, a livre iniciativa, dentre outros), através dos quais poder-se-á passar a dar uma certa concretude ao equilíbrio contratual, corrigindo-se ou ao menos se atenuando, por meio das cláusulas gerais da boa-fé objetiva, função social e probidade e dos referidos deveres anexos ou laterais, o desequilíbrio das forças econômicas dos contraentes.”
Portanto, o Código Civil, delineando novas linhas gerais voltadas à reconstrução da teoria geral dos contratos, evidencia que o contrato somente pode se justificar se a sua motivação for adstrita ao interesse social.
Assim, aquele diploma, em seu artigo 421, estabelece que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Por seu turno, em seu artigo 422 determina que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Nesse mesmo passo, com relação aos contratos de adesão, acima referidos, o Código Civil, em seu artigo 423, determina que: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Ainda, em seu artigo 424, estabelece que: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
Por seu turno, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, § 4º, determina que as cláusulas contratuais impositivas de obrigações ao consumidor, deverão apresentar redação clara, quando nos referimos a contratos de adesão. Ainda, o seu artigo 47, estabelece que: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Ainda nessa linha de raciocínio, considerando a sistemática professada pelo Código de Defesa do Consumidor, ofendem-se seus princípios fundantes, quando cláusula contratual restringe direitos ou obrigações fundamentais, ou quando se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
É o que dispõe o artigo 51, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, a qual estabelece em seu teor que:
“Art. 51. (…)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
E nesse sentido, o referido artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, em seu caput, estabelece que: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que”.
Nesse sentido, quanto a nulidade, Carlos Alberto Bittar[10] explica que:
“Nulo é o negócio jurídico que se perfaz com inobservância de pressupostos e de requisitos substanciais, gerais ou especiais, ou que, quanto à causa, ou, aos fins, se conclui em frontal discordância com o ordenamento jurídico (assim, por exemplo, com agente absolutamente incapaz, com objetivo ilícito, com motivos ilícitos; com formas inadequadas).
A nulidade investe, portanto, contra elementos essenciais à formação válida do negócio, e relacionadas a valores que interessam a toda sociedade.”
Portanto, considerando as derivações constantes do Código do Consumidor, as chamadas cláusulas abusivas são nulas de pleno direito. Ou seja, a tais cláusulas lhe são negadas qualquer efeito jurídico; indepentemente do intento do fornecedor, bastando a verificação de sua ocorrência, em um contrato de fundo consumerista, conforme o elenco legal.
3. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA RELAÇÃO DE CONSUMO
O Código de Defesa do Consumidor, como resposta normativa do Direito à Sociedade de Consumo, considerando a realidade brasileira; passou a disciplinar os fatos adstritos ao universo consumerista; buscando, a partir de um mandamento constitucional, a concretização da regra de justiça material, fundada na constatação da vulnerabilidade do consumidor.
Para tanto, apresentou-se como uma lei principiológica, vicejando em um microssistema legislativo, com aplicabilidade em toda relação jurídica que se constitua em relação de consumo.
Nesse sentido, aclarando esses postulados, Rizzatto Nunes[11] pondera que:
“Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóveis continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentam o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciadas por todos os princípios e regras da lei n. 8078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito.”
Assim, o Código de Defesa do Consumidor apresentando-se como norma de ordem pública, assim como, de interesse social; tem, em sua aplicabilidade, preponderância sobre outras normas, que com ele possam a vir a colidir. Sua aplicabilidade está adstrita à vinculação com uma relação de consumo.
Como já referido, a presunção de vulnerabilidade do consumidor baseia-se em um tripé, qual seja, a vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica.
Assim, quanto a vulnerabilidade técnica, essa se manifesta pela ausência de conhecimentos específicos em relação ao produto ou ao serviço. Este desconhecimento torna o consumidor suscetível de ser enganado ou prejudicado.
Por seu turno, a vulnerabilidade econômica, trata-se é falta de conhecimentos quanto a direitos, instrumentos contratuais e remédios jurídicos para solucionar eventuais problemas. Manifesta-se também no curso do processo, pois o consumidor é litigante eventual, enquanto o fornecedor é litigante habitual. E justamente por estar habitualmente envolvido em processos judiciais, os procuradores dos fornecedores são especialistas, conhecem em detalhes a orientação do tribunal, pré-constituem as provas, beneficiam-se com a demora do processo, e, caso percam, podem orientar o repasse do prejuízo aos demais consumidores.
Finalmente, a vulnerabilidade econômica provoca um desequilíbrio na negociação, pois o consumidor possui poder de barganha inversamente proporcional a seu poder de compra.
Ainda, pode ser aventada a chamada vulnerabilidade psíquica manifesta-se pelo uso das mais diversas técnicas de venda que induzem o consumidor a comprar o que ele não precisa, não quer, e muitas vezes, também o que não pode pagar.
Por tal razão o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, ao regulamentar a política nacional de consumo, estabelece que:
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo.”
Assim, o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor está adstrito à proteção do consumidor, pressupondo uma relação jurídica desigual, ante a concepção da idéia de vulnerabilidade do consumidor.
Portanto, considerando as noções exaradas, tem-se que a noção do que seja uma relação jurídica mostra-se de fundamental importância para o entendimento do espectro de abrangência de qualquer norma.
Nesse sentido, as palavras de Miguel Reale[12] são proverbiais, ao explicar que:
“(…) as normas jurídicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experiência social: e só enquanto as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo, é que elas adquirem o significado de relações jurídicas. (…) Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica.”
Assim, ao se buscar fixar o alcance das normas jurídicas é necessário verificar e analisar os componentes da respectiva relação jurídica que nela se subsumem; notadamente quando ocorre um concurso aparente de normas.
E nesse sentido, quanto a determinação do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o próprio diploma normativo, em seu artigo de abertura propugna pela proteção e a defesa do consumidor, estatuindo normas de ordem pública nesse aspecto, em atendimento ao imperativo constitucional, conforme determinam os Arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal.
Nesse diapasão, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 2º e 3º, trata da conceituação do que, para os seus efeitos, vêm a ser consumidor, fornecedor, produtos e serviços.
Assim, verifica-se que a primeira preocupação do legislador fora a de estabelecer parâmetros para a identificação dos componentes da relação jurídica de consumo, do qual trata primordialmente a lei sob comento.
Nesse sentido, Celso Marcelo de Oliveira[13], buscando evidenciar as hipóteses dos atos jurídicos de consumo, explica que:
“A partir das definições, pode-se propor uma classificação tripartida para os atos jurídicos de consumo – para a qual em muito contribui a experiência vinda da divisão clássica do direito privado brasileiro e as construções doutrinárias desenvolvidas no seu âmbito para a tipificação dos atos de comércio -, a saber: I – Os atos de consumo próprios ou por essência: são os atos de consumo por excelência, de regra praticados pelo consumidor nas pontas finais da cadeia de circulação dos produtos e serviços; II – Os atos de consumo por acessão ou dependência: são os atos de consumo próprio praticados pelos fornecedores para a viabilização do seu empreendimento e alavancagem das atividades da sua agência produtora de consumo, no fluxo circulatório de bens nos setores primário, secundário e terciário da economia; III- Os atos de consumo por força de lei: são os atos de consumo objetivos, cujas relações jurídicas são submetidos mandatoriamente, por força de lei, à disciplina regulatória – direta ou incidental – do Código de Defesa do Consumidor e seus consectários normativos, independentemente da qualificação ou funcionalidade dos sujeitos envolvidos na relação jurídica.”
Nesse sentido, partindo-se da premissa de que a relação jurídica é composta por um sujeito ativo – assim entendido como o beneficiário da norma -, um sujeito passivo – aquele sobre o qual incidem os deveres impostos pela norma -, um objeto – que se identifica com o bem sobre o qual recai o direito -, e um “fato propulsor” – assim considerado como o tipo de vínculo que liga o sujeito ativo ao sujeito passivo -, deve-se analisar a relação de consumo sob o ponto de vista de cada um de seus componentes. Desse modo tem-se, o consumidor, o fornecedor, o produto ou serviço, e o seu fato propulsor, seja ele de natureza contratual ou extracontratual.
Em prosseguimento, uma vez identificados os elementos componentes da relação jurídica de consumo, poder-se-á, com clareza, mensurar a “ação do facho normativo” da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, vale ressaltar que a utilidade da correta identificação dos elementos componentes da relação jurídica de consumo prende-se, também, à necessidade da observância do princípio da legalidade previsto no Art. 5º da Constituição Federal, considerando ser, o Código de Defesa do Consumidor, um estatuto multidisciplinar, definindo em seu bojo inclusive tipos criminais, a par de regras de comportamento mais gravosas em cotejo com as estabelecidas pelo Código Civil e pelo Código Comercial.
Nesse diapasão, as relações de consumo são as relações jurídicas por excelência, as quais envolvem sempre, basicamente, duas partes bem definidas.
Como primeira parte, uma relação tendo como vértices, de um lado um adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor).
Desse modo, Newton De Lucca[14]., citando Alberto do Amaral Jr, pondera que:
“(…) por exemplo, em trabalho que merece ser citado à exaustão pelos estudiosos do direito do consumidor no Brasil, parece identificar ambos os conceitos ao afirmar que “a relação de consumo não se verifica entre simples particulares e que os produtos e serviços de que trata devem ser colocados no mercado por um sujeito no exercício de sua atividade empresarial.”
Como segunda parte, tem-se o objeto destinado a satisfação de uma necessidade privada do consumidor.
Portanto, o Código de Defesa do Consumidor fora criado para disciplinar as relações de consumo em geral.
Portanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais, necessários para se identificar tal relação, quais sejam: consumidor e fornecedor.
3.1. Do Consumidor.
Assim, consumidor, à luz do artigo 2º da lei 8078/90, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.
Desse modo, o consumidor é caracterizado pelo ato de retirar o produto ou serviço de circulação do mercado. O critério adotado por tal corrente é objetivo, a partir dessa análise, buscando basear-se em um conceito jurídico.
Tal corrente é chamada de Maximalistas.
Por sua vez, uma segunda corrente defende que a caracterização do consumidor não deve se basear, tão somente em um critério fático, mas dever-se-á agregar um critério econômico, a fim de se alcançar a derivação do termo.
Portanto, além da destinação fática, consistente em retirar o produto ou serviço do mercado, é necessário não utilizar os mesmos para auferir renda.
Assim, para a caracterização do consumidor adota-se um critério subjetivo. Assim como, adotou-se, nesse ponto de vista, o critério econômico.
Tal corrente é denominada de Finalistas.
Entretanto, um elemento de conjunção entre essas duas correntes se mostra, justamente, fulcrada no elemento de vulnerabilidade do consumidor.
Desse modo, o consumidor é aquele sujeito imbuído de vulnerabilidade.
Nesse sentido, Eliane M. Octaviano Martins[15] pondera que:
“Inobstante serem detectados inúmeros entendimentos diversos acerca do exato alcance do conceito de vulnerabilidade, prepondera a exegese que sustenta dever ser a vulnerabilidade compreendida no sentido técnico, jurídico e socioeconomico.”
E prossegue, concluindo que:
“Infere-se, portanto, que tais sentidos importam na configuração de não ter o consumidor conhecimentos em relação aos aspectos jurídicos do negócio e as suas repercussões econômica além de não se encontrar, geralmente, na mesma condição social e econômica do fornecedor parte com que negocia. Efetivamente, como regra, as conclusões adotadas pela teoria subjetiva ou finalista estão calcadas nos seguintes pressupostos: i) o conceito de consumidor deve ser subjetivo e permeado pelo critério econômico e da vulnerabilidade; ii) a expressão “destinatário final” deve ser interpretada restritivamente.”
O Superior Tribunal de Justiça, a partir dos preceitos conceituais enumerados, manifesta-se também nesse sentido, levando em consideração a vulnerabilidade do consumidor, a temperar a corrente finalista; também chamada de Teoria Finalista Mitigada.
Nesse sentido:
“PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO. 1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor. 2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. 3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro. 5. Negado provimento ao recurso especial.” (RESP 200702835038, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, 13/10/2010)
“CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ENERGIA. DESPACHO SANEADOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 2º DO CDC. ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM”. (…)
3. No tocante ao segundo aspecto – inexistência de relação de consumo e conseqüente incompetência da Vara Especializada em Direito do Consumidor – razão assiste ao recorrente. Ressalto, inicialmente, que se colhe dos autos que a empresa-recorrida , pessoa jurídica com fins lucrativos , caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza do serviço de fornecimento de energia elétrica prestado pela recorrente, com intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva. Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do CDC. Quer dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor Ora, in casu, a questão da hipossuficiência da empresa recorrida em momento algum foi considerada pelas instância ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância (Precedentes: REsp. 541.867/BA, DJ 10.11.2004). 4. Por tais fundamentos, CONHEÇO PARCIALMENTE DO RECURSO ESPECIAL, E, NESTA PARTE, DOU-LHE PROVIMENTO, para, afastando a relação de consumo, determinar a incompetência absoluta do Juízo de Direito da 11ª Vara Especializada da Defesa do Consumidor para processar e julgar o feito. Reconheço, outrossim, a nulidade dos atos processuais praticados e determino a distribuição do processo a um dos Juízos Cíveis da Comarca de Vitória/ES.” (REsp 661145/ES, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 28/03/2005, p. 286)
Assim, o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços, tendo ao fundo o que se denomina de Direito do Consumidor, que pode ser conceituado como o agrupamento de normas jurídicas que visam regular as relações estabelecidas entre a pessoa do consumidor e do fornecedor.
3.2. Do Fornecedor.
O fornecedor, por sua vez, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º da lei 8078/90).
Desse modo, como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.
Entretanto, a abordagem doutrinária sobre os conceitos de consumidor e fornecedor são muita amplas e trazem consigo muitas dúvidas acerca da sua definição e utilização.
Assim, como adverte Newton De Lucca[16]: “Entende-se, de maneira geral, que a expressão “fornecedor”, no CDC, abrange todos os participantes do ciclo produtivo-distributivo”.
Conclui-se, portanto, que como fornecedor poderá ser considerado todos os quais propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de forma a atender às necessidades do consumidor.
Dessa forma, o ponto nodal reside na vinculação legal à palavra destinatário final, de fundamental importância para se determinar essa figura.
Assim, mais uma vez, tem-se que destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio, ou seja, é aquele que busca a satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o interesse de repassar este serviço ou esse produto a terceiros.
Portanto, caso este produto ou serviço seja repassado a terceiros, mediante remuneração, inexiste a figura do consumidor e surge imediatamente a do fornecedor.
Adentrando aos meandros da conceituação de fornecedor, importante repisar que esse não necessita ser uma pessoa jurídica, uma vez que o texto legal traz a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender assim por uma interpretação lógica, que também podem figurar como fornecedores aqueles que praticam atividades definidas em lei, quanto ao fornecimento de produtos e serviços, mesmo que atuando economia informal.
Frise-se que os entes de direito público, os quais prestam serviços essenciais à sociedade, como serviços de fornecimento de água, luz e esgoto também se enquadram na figura de fornecedores com base no artigo 3º da lei 8078/90.
Finalmente, a sedimentar qualquer dúvida quanto ao conceito de fornecedor, Fabio Ulhoa Coelho[17] ensina que:
“Fornecedor é a pessoa que desenvolve atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado, e consumidor aquela que os adquire como destinatário final. Sempre que a relação jurídica ligar um exercente de atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercado ao destinatário final destes, ela é uma relação de consumo e sua disciplina será a do regime de tutela do consumidor.”
Portando, valendo-se mais uma vez do artigo 3º do Código de Defesa do consumidor, a título de fecho, evidenciando-se o caráter abrangente da definição legal; como fornecedor, podem ser enquadrados todas as pessoas capazes, físicas ou jurídicas, bem como os entes despersonalizados, que “desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
4. DA APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL NO ÂMBITO DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Ao se pretender uma imbricação, entre a temática da medição e arbitragem e a seara consumerista, é necessário que façamos uma diagnose inicial, visto que discussão comporta algumas derivações.
Portanto, um primeiro ponto exsurge de se saber se é possível a utilização do procedimento arbitral nas relações de consumo.
Assim, evocando o gênero convenção de arbitragem, é necessário saber, quando da aplicação do procedimento arbitral a uma relação de consumo, quais das espécies estamos nos referindo nesse momento.
Dessa forma, ao tratarmos de uma abordagem que leva em consideração o compromisso arbitral, não nos parece que exista qualquer empecilho que obste a escolha da via arbitral, pelo consumidor, em uma relação de consumo.
Ocorre que pela natureza do compromisso arbitral, o qual pressupõe o conflito instaurado entre as partes e podendo contar com a assistência do Poder Judiciário, escudando-lhe a livre manifestação de vontade, não existe violação ao Código de Defesa do Consumidor, à aplicação da heterocomposição.
Nesse sentido aponta a Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis, asseverando em seus artigo 24 a 26, a possibilidade de instaurar-se juízo arbitral após o ajuizamento da ação na justiça estatal.
Nesse sentido, Luiz Antonio Scavone Junior[18] explica que:
“Entendemos, seguindo a maioria da doutrina, que nada obsta que o consumidor, depois do conflito instaurado, com o Judiciário à sua disposição – já que não existe cláusula arbitral no contrato ou a existente é nula -, resolva firmar um compromisso arbitral manifestando livremente sua vontade e, nessa medida, resolva submeter esse conflito a um árbitro.”
Ao revés, ao se pontuar a cláusula compromissória, a discussão toma um matiz diferenciado.
Nesse sentido, como já referido, o artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que determinem a utilização compulsória de arbitragem.
Portanto, a lei veda que se imponha, por disposição contratual, a via da arbitragem ao consumidor. Fundamenta tal imperativo na presunção de vulnerabilidade do consumidor, princípio fundante do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, qualquer cláusula nesse sentido, determinando a utilização compulsória da arbitragem. é nula de pleno direito.
Entretanto, tal conclusão não pode ocorrer de forma absoluta, visto que o banimento da seara consumerista, está adstrito à utilização compulsória da arbitragem, consubstanciada em uma cláusula arbitral.
Portanto, ao fornecedor é dado o ônus de provar que a anuência do consumidor à referida cláusula não fora feita de forma compulsória.
Nesse sentido, Luiz Antonio Scavone Junior[19] pondera que:
“Entendemos que essa possibilidade demanda a prova, pelo fornecedor, de que não determinou a utilização compulsória da arbitragem ao firmar a cláusula arbitral, o que feriria o inciso VII, do art. 51, da Lei 8078/1990.
Nesse caso, alegada a insubsistência da cláusula arbitral, militará a favor do consumidor a presunção de invalidade, cabendo ao fornecedor provar que a cláusula não foi imposta, notadamente diante das peculiaridades do negócio firmado e das condições pessoais do consumidor (forma do negócio, idade, instrução, capacidade econômica)”.
Do mesmo modo, José Geraldo Brito Filomeno[20], ao comentar sobre o tema, citando Nelson Nery Júnior, pondera que:
“Ao comentar igualmente referido dispositivo, o ilustre processualista Dr. Nelson Nery Jr. Pondera que a “escolha pelas partes de um árbitro para solucionar as lides existentes entre elas não significa renúncia ao direito de ação nem ofende o princípio constitucional do juiz natural; com a celebração do compromisso arbibral, as partes estão transferindo, deslocando a jurisdição”.
(…)
Nery Jr conclui seu pensamente a respeito, ponderando que “o juízo arbitral é importante fator de composição de litígios de consumo; razão por que o Código não quis proibir sua constituição pelas partes do contrato de consumo; a interpretação a contrario sensu da norma sob comento indica que, não sendo determinada compulsoriamente, é possível instituir-se a arbitragem; (…)”.
Quanto ao contrato de adesão na seara consumerista, as mesmas mesuras devem ser aplicadas a esse, com um detalhe, que reforça o princípio da transparência, consoante o disposto no artigo 4º, §§ 1º e 2º, da Lei 9307/96.
Tais dispositivos legais estabelecem que:
“Art. 4º (…).
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”
Frise-se, portanto, que sob tal ponto de vista, os contratos de consumo, sejam de adesão ou não, quanto ao compromisso arbitral não há ressalvas a serem feitas, podendo-se valer do procedimento arbitral, na medida em que as partes se comprometem a submeter seus litígios à decisão de um árbitro, após a ocorrência dos mesmos.
Quanto à cláusula compromissória, em uma análise inicial, por conta do disposto no artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que no âmbito contratual, tendo como objeto uma relação de consumo, a mesma é vedada.
No entanto, como referido, tal proibição somente poderá ocorrer, acoimando de nula a cláusula compromissória, se o fornecedor não lograr demonstrar que a escolha pelo procedimento arbitral se deu de forma livre, sem qualquer traço de imposição; além disso, demonstrar que a escolha, por parte do consumidor, fora feita de forma consciente, a partir das circunstâncias objetivas que nortearam a celebração do contrato.
Quanto aos contratos de adesão, que decorreram de uma relação de consumo, tem-se que as circunstâncias acima evidenciadas, sob nosso ponto de vista, verificam-se.
Assim, se demonstrado, pelo fornecedor, a vontade consciente e livre do consumidor de optar pela via arbitral, não nos parece que tal cláusula compromissória deva ser declarada nula, de forma apodítica.
Entretanto, nesse ponto, todas as cautelas deverão ser tomadas, observando-se todas as determinações legais, de modo a se evidenciar o inequívoco convencimento do consumidor, além de se demonstrar o seu esclarecimento quanto as conseqüências de seu ato.
Assim, além do artigo 4º, §§ 1º e 2º, da Lei 9307/96; o fornecedor deverá observar o disposto nos artigo 54, §§ 3º e 4, do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, tem-se que:
“Art. 54 (…)
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”
De outra parte, é necessário esclarecer que tal matéria não é pacífica na doutrina, existindo posicionamentos no sentido de se vedar, de forma peremptória, a aplicação da arbitragem à seara consumerista.
Assim, outros doutrinadores, como Claudia Lima Marques, opõem-se à utilização do procedimento arbitral na seara consumerista, aduzindo que os órgãos arbitrais, ao serem mantidos por organizações representativas de fornecedores, violariam a proteção e o direito do consumidor, considerando a sua vulnerabilidade e hipossuficiência processual.
Do mesmo modo, Leonardo Roscoe Bessa[21] também perfilha tal entendimento, se opondo à utilização do procedimento arbitral às relações de consumo.
Nesse sentido, aduz que:
“Em que pese o cuidado da Lei 9037/96 com a vontade real do aderente, a doutrina sustenta majoritariamente que, em face da vulnerabilidade do consumidor, principalmente quando pessoa natural, a instituição da arbitragem em contratos de adesão é extremamente desvantajosa para o consumidor e, portanto, nula de pleno direito.”
Ainda nessa seara, Leonardo Roscoe Bessa[22] aduz que o imperativo constitucional previsto no artigo 5º, XXXII da Constituição Federal, somado ao artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor, assim como os artigos 1º c.c. 25, da Lei 9307/96, vedaria a utilização da arbitragem na seara consumerista.
Aduz que as normas do Código de Defesa do Consumidor, fossem de natureza processual ou material, teriam caráter indisponível, aplicando-se o teor do artigo 25 da Lei de Arbitragem, caso a matéria submetida ao procedimento arbitral tivesse o matiz consumerista.
5. CONCLUSÃO.
A Arbitragem representa importante papel no panorama social atual.
Tal importância, como meio alternativo de composição de controvérsias, revela-se no esgotamento do Poder Judiciário em dar solução a contento, a todos os litígios que lhe são submetidos, seja pela demora em apresentar uma solução, seja por razões várias que perpassam a gargalos sistêmicos, que se apresentam desde a primeira instância até a última instância, abarcando os tribunais de superposição como um todo. Ou mesmo, se mostram no procedimento judicial, que já apresenta sinais de esgotamento, preso a grilhões legais, que não pode dispor.
A Arbitragem, por seu turno, é fundamentada na preocupação com um procedimento célere, sendo inclusive causa de nulidade a não observância dos prazos legais para a celebração da sentença arbitral.
Além disso, também existe a preocupação com a preservação do contraditório, além da par conditio, também como requisito de validade da sentença arbitral.
O árbitro goza de conhecimentos especializados, além de ser imparcial; facultado às partes aduzir o eventual impedimento ou suspeição do mesmo.
De outra parte, a moderna acepção contratual é o foco pelo qual as relações consumeristas são moldadas, amparando-se, o consumidor, na sistemática construída pelo Código de Defesa do Consumidor, além da figura do dirigismo contratual.
Desse modo, o afastamento, pura e simplesmente, do âmbito do consumidor, a alternativa do procedimento arbitral. parece-nos um contra-senso, na medida em que, em muitos casos concretos, a arbitragem poderia representar a melhor alternativa ao consumidor, mesmo que consideramos a realidade contemporânea, representada pela utilização generalizada dos contratos de adesão.
Portanto, a utilização da via arbitral, mesmo que com previsão derivada de uma cláusula compromissória deverá ser analisada caso a caso, seja pelas razões que fundamentem sua aplicabilidade, seja pela vantagem que possa representar às partes, notadamente ao consumidor; conceitualmente, a parte mais fraca da relação jurídica de consumo,
Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas
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