Resumo: O presente artigo tem como propósito realçar a importância do sigilo profissional na advocacia, notadamente em face da altivez da profissão. Fator ainda a fomentar a relação de confiança entre o profissional e o cliente, além da sua credibilidade frente à sociedade. Como corolário, demonstrar que só excepcionalmente, e quando em confronto com valores superiores, poder-se-á quebrar o sigilo profissional.
Palavras-chave: Advocacia. Sigilo profissional. Importância. Exceções previstas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Das exceções ao sigilo. 3. Da extensão do sigilo. 4. Confidências utilizadas na defesa e outros esclarecimentos. 5. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
Em algumas profissões o sigilo entre profissional e cliente é algo imanente ao respectivo ofício, por variados e diversos fatores (econômicos, mercadológicos, de integridade intimista, de confiabilidade, de segurança, etc.).
Notadamente em profissões jungidas à ciência humana – onde o contato humano é mais arraigado e onde, via reflexa, o intimismo se faz presente -, mais tal valoração se faz emergir (v.g., não se pode imaginar o profissional psicólogo, via de regra, quebrando o sigilo de seu paciente).
A advocacia se enquadra nestas profissões onde o sigilo entre profissional e cliente mais se mostra evidente e onde mais se busca preservá-lo, como fator deontológico fundamental. Tanto, que fora destinado capítulo à parte no Código de Ética e Disciplina da OAB tratando da matéria[1]. E isso não podia ser diferente tendo-se em mente o relevo e importante papel da advocacia perante a sociedade – alçada inclusive à seara constitucional[2]. Dir-se-ia que o sigilo profissional do(a) advogado(a) é um direito e um dever[3].
O que mais inspira este direito/dever é o valor confiança, de primordial importância na relação entre advogado(a) e cliente. Sem confiança, fenece a relação entre ambos.
Ora, como confiar num profissional que não guarda sigilo daquilo que lhe é transmitido? Ainda mais quando tal transmissão diz respeito a informações profundamente intimistas e/ou relativas ao direito em jogo do cliente?
O cliente, no momento em que se encontra frente a seu/sua advogado(a), deve sentir total segurança de que tudo o que for dito ficará restrito àquele local e na mente do(a) respectivo(a) profissional. Só sendo externado aquilo que for útil à respectiva causa e/ou serviço a ser prestado, e mediante autorização do próprio cliente[4].
Em paralelo, o(a) advogado(a) deve ter em mente que aquele cliente, naquele exato momento, pode encontrar-se (e no mais das vezes se encontra) sob a influência de grande emoção, angústia, temor, abalo. O(A) advogado(a), via de consequência, deve transmitir a este cliente total segurança. Não de que haverá sucesso pleno na causa a ser patrocinada (o que redundaria em falta ética do profissional, vez que, em regra, a advocacia é serviço de meio e não de fim), mas que ali se encontra um profissional pronto para ouvir tudo o que o cliente tem a dizer, com a total garantia da reserva do sigilo, e de que tudo fará – com denodo e zelo – no amparo a seu direito. Deve mesmo externar tal direito/dever ao cliente, como forma a corroborar a segurança e a confiança necessárias na relação. Não pode olvidar que, naquele exato momento, o(a) advogado(a) é padre, é pastor(a), é psicólogo(a), é pai/mãe, é o(a) amigo(a) mais íntimo(a); enfim, é o seu(sua) confidente para a causa.
Válida, neste sentido, a doutrina de Ruy de Azevedo Sodré[5]:
“Por via de regra, o cliente, quando procura o advogado, o faz premido pela necessidade de ouvir um conselho, de receber uma orientação. E, mais do que isso, de desabafar o problema que o aflige a quem, em condições de ouvi-lo e compreendê-lo, como conselheiro e amigo, reúna a dupla qualidade de confidente e orientador.
Quanta vez o cliente, à guisa de ouvir o advogado, vê nessa consulta a oportunidade para aliviar a consciência, desanuviar o seu espírito, justificar-se de erro cometido, orientar-se em encruzilhada de sua vida”.
Isso inclusive serve de maior veracidade e/ou espontaneidade no relato do cliente ao(a) advogado(a), e no melhor desempenho profissional na busca da tutela do respectivo direito.
Agora, de nada adianta o(a) advogado(a) tentar trespassar a ideia de segurança no sigilo profissional ao cliente se, no geral, o(a) mesmo(a) não age com eticidade (tanto no campo profissional, como no pessoal). Para eu transmitir confiança, eu tenho que ser confiante.
2. DAS EXCEÇÕES AO SIGILO
O Código de Ética e Disciplina da OAB, através de seu artigo 25[6], giza as exceções à guarda do sigilo profissional.
São circunstâncias bastante limitadas e excepcionais, em que o valor ético “sigilo profissional” sucumbe frente a outro valor superior em relevo; que deve (imperiosamente) prevalecer.
Ora, inegável que a vida trata-se de um bem, um valor, fundamental – porque não dizer o ápice no grau valorativo. Sendo assim, entre o resguardo da vida de outrem e a guarda do sigilo profissional, sempre há que prevalecer o primeiro valor. Daí porque o regramento ético profissional diz “grave ameaça ao direito à vida”; ou seja, ameaça séria, com potencialidade (pode-se citar o exemplo do cliente que procura o/a advogado/a criminal para defender-lhe de um homicídio, confessa o assassinato e exterioriza ainda que matará toda a família da vítima, demonstrando seriedade na afirmação). Aí deve o(a) profissional ter o máximo de tato e bom senso ao aquilatar estar-se ou não frente a uma real “grave ameaça ao direito à vida”. Muita das vezes, por exemplo, o cliente ao relatar dissabores com seu cônjuge (que lhe fora infiel), num átimo de forte emoção, regurgita que é capaz de acabar com a vida do consorte; isso, de pronto, não autoriza o(a) advogado(a) a quebrar o sigilo; deve antes (e é esse até mesmo o dever ético do/a advogado/a) procurar amainar-lhe o ânimo, investigar se isso foi ou não dito de rompante; mensurar, enfim, o teor da seriedade do externado.
Bem mais subjetivo – e tendente a variantes e complicadores maiores – é a exceção referente à honra, posta também sob grave ameaça. Até que ponto o valor honra a ser infringido é superior ao valor do resguardo do sigilo profissional? Ora, aí mais uma vez deve reinar o bom senso do(a) advogado(a) na aferição se se deve ou não quebrar o sigilo profissional (sob pena, inclusive, do/a profissional responder a um processo administrativo e/ou criminal). Se a ameaça à honra for de tal monta que, uma vez concretizada, irradiará consideráveis e variados prejuízos à vítima, a princípio, autorizado ficaria o rompimento do sigilo profissional. Num exemplo bem superficial, o cliente que, por vingança inarredável, ameaça seriamente divulgar fotos íntimas de sua ex mulher na “internet”, e assim relata – confidencialmente – ao/a advogado/a.
A outra circunstância excepcionante diz respeito à legítima defesa do(a) advogado(a) (aí incluindo-se a de sua “própria” família); pontuando-se aí o caráter necessidade e conveniência na quebra do sigilo, posto que a revelação do segredo será feita nos limites e no interesse daquela “legítima” defesa. Aqui, pode-se citar o exemplo do cliente que, ao longo da causa, por motivos diversos, entra em conflito com o(a) próprio(a) advogado(a), e passa a ameaçar-lhe ou mesmo ingressa em seu desfavor com uma demanda. Neste ponto, o valor “defesa própria” autoriza a revelação do segredo – nos limites necessários para tanto, frisa-se.
3. DA EXTENSÃO DO SIGILO
O regramento ético sobre o assunto o robustece, quando explicita que o(a) advogado(a) deve resguardar o sigilo mesmo em depoimento judicial acerca do que saiba jungido a seu ofício. E aí ainda o respectivo artigo[7] é mais detalhado e acadêmico, quando explana que tal depoimento obstado pode vincular-se tanto na figura do(a) advogado(a) como testemunha em processo no qual funcionou como advogado(a) ou no qual deva funcionar, independentemente daquilo que poderá ou poderia ser indagado ao(à) mesmo(a)[8]; ou seja, para que não pairem dúvidas acerca da proteção do sigilo profissional, o(a) advogado(a) não deve figurar como testemunha em feitos, ou que participou ou que deva participar como patrono(a) (mesmo que, teoricamente, as eventuais perguntas não guardem ligação com as informações prestadas ou a serem prestadas pelo cliente ou futuro cliente). O segundo óbice gizado no artigo diz respeito a “fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado”; ou seja, aqui não se atém à hipótese de feito em que atuou ou deva atuar, mas sim noutro processo (que logicamente não funcione como advogado/a) onde emerge FATO jungido a seu cliente ou ex cliente (de maneira que, se lhe for perguntado fato não jungido a seu cliente ou ex cliente, não haverá qualquer impedimento ao depoimento)[9].
Importante destacar que a diretriz ética profissional impõe o resguardo do sigilo, mesmo quando “autorizado ou solicitado pelo constituinte” a quebra deste segredo. Isso demonstra que o sigilo profissional não diz respeito somente ao interesse do cliente (ou ex cliente), mas sim, também de toda a sociedade.
Válido ainda frisar neste tópico que nenhum comando judicial fará sucumbir o dever ético profissional do(a) advogado(a) em resguardar o segredo profissional[10]. Em ocorrendo as situações adrede mencionadas, numa possível inobservância de magistrado, deve o(a) advogado(a), oportunamente, opor o seu impedimento ético sob o fundamento do seu direito/dever de resguardo a sigilo profissional.
De se ater, em que pese o apontado artigo não explicitar tal situação, que o sigilo profissional deve ser oposto em desfavor a qualquer ato, processo, procedimento, advindo de autoridade não judicial, administrativa e/ou similar (v.g.: delegado, membro do Ministério Público, chefe do poder executivo e/ou legislativo, etc.).
4. CONFIDÊNCIAS UTILIZADAS NA DEFESA E OUTROS ESCLARECIMENTOS
A diretriz ética sobre o sigilo profissional é concluída com artigo de teor explicativo[11], que deixa bem claro que as confidências emitidas serão utilizadas pelo(a) advogado(a) “nos limites da necessidade da defesa”; emergindo daí que o(a) profissional valer-se-á dos informes captados, em prol do objetivo de tutelar os direitos do cliente em juízo. Cabe aí ao(à) advogado(a) possuir também o necessário bom senso e profissionalismo para, no momento, discernir e/ou filtrar – de tudo o que lhe foi confidenciado – aquilo que realmente necessita ser utilizado na defesa dos direitos de seu cliente (tendo em vista, a princípio, que isso se sobrepõe à guarda do sigilo), sob pena de infração ética.
Muito importante destacar, neste aspecto, que tais confidências, além de somente poderem ser utilizadas nos limites da defesa, também devem ter a prévia autorização do cliente para tal fim. Mesmo que, no entendimento do(a) advogado(a) (que inclusive tenha ponderado isso antes), os informes confidenciais sejam imprescindíveis na busca da tutela do direito do cliente. A palavra do cliente fala mais alto nesta circunstância (mesmo contrariando e/ou prejudicando o trabalho do/a advogado/a). É que, dependendo do informe externado na defesa, o prejuízo poderá ser muito maior ao cliente e/ou afetar-lhe – particularmente – com maior gravidade (situação que, somente ele poderá ponderar). A título de exemplificação, de se imaginar o cliente acusado por um crime cometido em certa data e local, que confidencia ao(à) advogado(a) que estava noutro local naquele momento – inclusive com provas documentais -, mas que não autoriza o(a) profissional valer-se de tal informe em sua defesa (mesmo sendo-lhe exposto a grande chance de absolvição), sob a justificativa de que tal confidência é-lhe comprometedora e que fatalmente lhe arruinaria o casamento e/ou sua vida familiar.
Por derradeiro neste artigo, vem respectivo parágrafo único a externar o que é até lógico; ou seja, que as comunicações mantidas entre cliente e advogado(a), de natureza epistolar, têm a presunção de confidenciais e, portanto, não podem ser reveladas a terceiros. Independentemente do teor de tais comunicações, se as mesmas forem na seara cliente e advogado(a), há a presunção de serem sigilosas.
Evidente que quando se diz “epistolar”, quer-se também mencionar não só as missivas escritas, mas também toda e qualquer de cunho eletrônico (v.g., e-mail, torpedo via celular, MSN, etc.). Não somente epístola em si (escrita ou eletrônica), como também todo e qualquer apontamento, bilhete, rascunho, etc..
5. CONCLUSÃO
O sigilo profissional do(a) advogado(a) é circunstância de alta importância, tanto que, como visto, possui capítulo próprio inserido no Código de Ética e Disciplina da OAB; além de constituir infração administrativa passível de censura[12], e também configurar crime[13].
Não poderia ser diferente – e assim deve ser -, dada a importância e a função social jungidas ao ofício privado da advocacia. A respeitabilidade é recíproca entre a advocacia e a sociedade, e isso somente será mantido e aperfeiçoado, respeitando-se e aprimorando-se os princípios éticos profissionais.
Como visto, o resguardo ao sigilo profissional somente (e de forma muito excepcional) cederá ante a outro valor de maior relevo (tal qual a grave ameaça à vida); atendendo-se também neste caso de exceção, ao clamo da sociedade. E ainda nestas hipóteses deverá o(a) advogado(a) ter a devida prudência e bom senso, visando aquilatar se se pode e/ou deve quebrar o altivo sigilo profissional ante confronto de um valor social maior.
Advogado. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho
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