Resumo: O presente estudo pretende esclarecer e defender a possibilidade do processamento administrativo de compensações, através da abertura de prazo para defesa em processo, nos termos do artigo 14 do Decreto n.º 70.235/72 e artigo 74, §§ 9.º a 11 da Lei n.º 9.430/96, pela inconstitucionalidade de considerar-se como Não Declarado o pedido administrativo, nos termos do § 12, e se excetuar-se a suspensão da exigibilidade da manifestação de inconformidade (art. 151, III, CTN), conforme o § 13, ambos do artigo 74, da Lei n.º 9.430/96, com a redação determinada pela Lei n.º 11.051, de 29 de dezembro de 2004 (D.O.U. 30/12/2004).
Palavras-chaves: Compensação. Não Declarada. Inconstitucionalidade.
Sumário: 1. Da previsão legal a respeito da compensação Não Declarada; 2. Da violação direta aos preceitos Constitucionais; e 3. Do status de Lei Complementar da previsão do artigo 151, III, do CTN e impossibilidade de a Lei Ordinária n.º 11.051/04 ter limitado seu espectro de abrangência.
Os §§ 9.º ao 13 do artigo 74, da Lei n.º 9.730/96, in verbis:
“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (…)
§ 9.º É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7.º, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação.
§ 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes.
§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9.º e 10.º obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação.
§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: (…)
II – em que o crédito:
a) seja de terceiros;
b) refira-se a “crédito-prêmio” instituído pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 491, de 5 de março de 1969; (…)
§ 13. O disposto nos §§ 2.º e 5.º a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas no § 12 deste artigo. (Lei n.º 11.051/04, D.O.U de 30/12/2004)”
A previsão legal, suso transcrita, dos parágrafos 12 e 13, do artigo 74, da lei n.º 9.430/96, com redação dada pela Lei n.º 11.051/04 não devem prevalecer no mundo jurídico, sob pena de ofensa aos incisos XXXIV, LIV e LV, do artigo 5.º e § 4.º, inciso IV, do artigo 60, todos da Constituição Federal, como veremos.
Ao simplesmente considerar como NÃO DECLARADA à compensação transmitida pelo contribuinte, com base no caput do § 12, da Lei n.º 9.430/96, a Autoridade Fiscal ceifa o direito de petição previsto no artigo 5.º, inciso XXXIV da Constituição Federal, pois, pela previsão legal, verifica-se que o interessado sequer terá direito a questionar o enquadramento de seu crédito nas hipóteses previstas no malfadado inciso II, do § 12, do artigo 74, da Lei n.º 9.430/96, pois sua declaração é simplesmente desconsiderada, como se não tivesse existido.
Da mesma forma, ao excetuar a aplicação dos parágrafos 9.º ao 11 da Lei n.º 9.430/96, aos casos em que a compensação é desconsiderada (§ 13, da Lei n.º 9.430/96), a União retira do contribuinte o direito à “manifestação de inconformidade”, ficando o mesmo sem nenhum direito de defesa com eficácia suspensiva na esfera administrativa, em total afronta direta ao artigo 5.º, incisos LIV e LV, ambos da Constituição Federal.
Os incisos XXXIV, LIV e LV, do artigo 5.º, todos da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; (…)
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (…)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…)”
Se é assegurado pela previsão Constitucional o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos, bem como que a ninguém deve ser privado de seus bens sem o devido processo legal, sendo assegurado aos litigantes em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, então a atitude de simplesmente desconsiderar a Declaração de Compensação dirigida ao ente fiscal e encaminhar diretamente para cobrança e inscrição em Dívida Ativa, os débitos declarados como compensados, sem permitir qualquer espécie de manifestação do contribuinte e ainda aplicando ao mesmo multas em cifras que variam de 75% (setenta e cinco por cento) a 150% (cento e cinqüenta por cento) sobre o valor compensado, é ato atentatório contra os seus direitos fundamentais.
Acaso fundado em lei, então tal previsão legal é flagrantemente inconstitucional, pois existem regras em nossa Carta Magna que são inalteráveis, essas regras são chamadas Cláusulas Pétreas, e estão protegidas pela disposição do parágrafo 4.º, do artigo 60, verbis:
“§ 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)
IV – os direitos e garantias fundamentais.”
A ampla defesa e o contraditório na esfera administrativa, bem como o direito de petição, estão incluídas nos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, qualquer expressão ou dispositivo tendente a abolir ou limitar tais direitos devem ser extirpados dos textos legais.
Verifica-se a total falta de conformação constitucional da expressão “será considerada não declarada a compensação” prevista no § 12 da Lei n.º 9.430/96, por afrontar o direito de petição, e, via de conseqüência, ceifando o direito à ampla defesa e ao contraditório na esfera administrativa previsto no art. 5.º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, frente a previsão do § 13, do mesmo diploma legal, acrescentados pela Lei n.º 11.051/04.
Tais previsões legais retiram o direito à “manifestação de inconformidade” do contribuinte, recurso dotado de eficácia suspensiva do crédito tributário discutido ex vi do artigo 151, III, do CTN, configurando verdadeiro instrumento coativo de cobrança aos contribuintes que inviabiliza a regular continuidade das atividades empresariais.
Nesse aspecto, também é certo que a Lei n.º 11.051/04 (D.O.F.C de 30/12/2004), não poderia ter limitado o espectro de abrangência da suspensão da exigibilidade conferida aos débitos objeto de pedidos de compensação feitos às autoridades administrativas, para excluir desse universo aqueles ainda não inscritos em Dívida Ativa ou que já estavam em andamento antes de sua entrada em vigor.
Isto porque, sendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário matéria reservada à Lei Complementar (Código Tributário Nacional) não poderia a Lei Ordinária ou qualquer outro ato infra-legal dispor em sentido contrário. Vejamos interessante julgado sobre o tema, verbis:
“(…) LIMITAÇÃO DE DIREITO DO CONTRIBUINTE PREVISTO NO ART. 151, III, CTN. OFENSA AO PRINCÍPIO DE HIERARQUIA DAS NORMAS. O art. 151, III, do Código Tributário Nacional dispõe que ‘as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário administrativo’. Portanto, diante da natureza de Lei Complementar do Código, hierarquicamente superior às demais normas legislativas, à exceção da Emenda Constitucional, não pode legislação inferior limitar ou condicionar a eficácia de hipótese de suspensão de exigibilidade do crédito tributário. A segunda parte do inciso em comento, ao se referir a leis reguladoras, não autoriza, como se sabe, a que se inove na matéria. A regulamentação apenas deve explicitar o direito garantido ao contribuinte, e nunca limitá-lo, o que só poderia ser providenciado por norma processada na forma de lei complementar. Recurso improvido.” (TRF 2.ª, AMS n.º 2001.02.01.014941-7/RJ, 4.ª Turma, Des. Luiz Fernando Marques, Rel, Convocada Juíza Lana Regueira, julgado em 20/06/2001, DJU 21/08/2001 – Grifamos )
A Relatora no acórdão suso ementado, Juíza Federal Convocada Lana Regueira, do TRF 2.ª Região, ao negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, no julgamento da Apelação em Mandado de Segurança n.º 2001.02.01.014941-7 (DJ de 21/08/2001, pg. 110), analisa a questão de violação ao Princípio da Hierarquia das Normas.
Na medida em que o art. 151, III, do Código Tributário Nacional dispõe que “as reclamações e os recursos, nos termos da leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário administrativo” e, diante da natureza de Lei Complementar do Código, hierarquicamente superior às demais normas legislativas, à exceção da Emenda Constitucional, não poderia legislação inferior limitar ou condicionar a eficácia de hipótese de suspensão de exigibilidade de crédito tributário, pois a segunda parte do inciso em comento, ao se referir a leis reguladoras, não autoriza, como se sabe, a que se inove na matéria. A regulamentação apenas deve explicitar o direito garantido ao contribuinte e nunca limitá-lo, o que só poderia providenciado por norma processada na forma de lei complementar.
Sendo assim, a Lei n.º 11.051/04, por ser lei ordinária, não poderia ter limitado o espectro de incidência do artigo 151, III, do CTN, por ser norma hierarquicamente inferior, muito menos vir a possibilitar que a fiscalização simplesmente desconsidere os pedidos administrativos em determinadas hipóteses.
Como visto, o mero enquadramento fiscal de que a compensação levada a termo pelo contribuinte estaria vedada em lei, o autoriza a repugnar o pedido formulado, tratando como correto o ato administrativo que considera não declarada a compensação com base no §12, do artigo 74, da Lei n.º 9.430/96 e, com base no §13, do mesmo diploma. Não bastasse isso, na hipótese é permitido ao fiscal excetuar tais casos da aplicação do direito a eficácia suspensiva inerente à manifestação de inconformidade.
Apesar da disposição clara dos preceitos trazidos pela Lei n.º 11.051/04, por mais absurda que possa parecer a pretensão compensatória apresentada pelo contribuinte, entendemos que não poderia ser negado a ele o direito a ampla defesa e ao contraditório, com a fruição de todos os recursos inerentes aos postulados invocados, como a suspensão inerente ao recurso administrativo que acabou tendo sua hipótese excetuada pela previsão do artigo 4.º, da Lei n.º 11.051/04, a qual acrescentou os §§ 12 e 13, ao artigo 74, da Lei n.º 9.430/96, tal previsão legal é flagrantemente inconstitucional, pois existem regras em nossa Carta Magna que são inalteráveis.
Em sendo assim, contamos que o E. STF, ante aos diversos casos e precedentes que deverão seguir ao seu julgamento a respeito da matéria, deverá, através de seus ilustres integrantes, conhecer dos argumentos apresentados e dar-lhes provimento, para que seja declarada a inconstitucionalidade dos §§ 12 e 13, ambos do artigo 74, da Lei n.º 9.430/96, com redação dada pelo artigo 4.º, da Lei n.º 11.051/04, por contrariarem a Constituição Federal, conforme demonstrado e em exemplar manutenção dos direitos fundamentais dos contribuintes.
Advogado e Contabilista, Especialista em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela UFRGS, sócio da HOMRICH PORTINHO ADVOCACIA EMPRESARIAL S.S. e consultor da GESTÃO TRIBUTÁRIA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA.
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