Resumo: O escopo do presente trabalho é discutir as peculiaridades do autolançamento, bem como a natureza jurídica desse ato que introduz no mundo fático a norma individual e concreta que constitui o tributo.
Palavras-Chave: Lançamento, ato administrativo, constituição e crédito tributário.
Abstract: The main goal of this issue is to discuss the peculiarities of this form of provision of tax credits, as well as the legal nature of this act which adds to the de facto world standard specific individual who is the tribute.
Keywords: Release, administrative act, constitution and tax credits.
Sumário: 1-Introdução, 2- Do conceito de lançamento tributário, 3 – Da jurídica do lançamento por homologação; 4- Do ato da homologação do crédito constituído pelo particular; 5 – Da desnecessidade de procedimento administrativo para imposição de juros e multas; 6 – Conclusão.
1. Introdução
Quando falamos em lançamento tributário, isto é, a expedição de uma norma jurídica individual e concreta que cria o crédito tributário, logo relacionamos o ato de lançar ao desempenho de uma atividade administrativa realizada, normalmente, pela Administração Tributária de um ente Federativo.
Contudo, a realidade empírica nos mostra que tal premissa está equivocada. Em breve consulta à legislação pátria, verificamos que ela está repleta de dispositivos legais que prevêem a atribuição da competência de constituição de crédito tributário pelo administrado.
Assim, qual seria a natureza jurídica desse ato do particular de produção de normas individuais e concretas instituidoras de crédito tributário? Qual é a natureza jurídica do ato de homologação tributário? Há necessidade de processo administrativo para imposição de penalidades pecuniárias, tais como multas e juros?
O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema.
2. Do conceito de lançamento tributário
A definição do conceito de lançamento tributário, como de qualquer outro instituto jurídico, passa necessária por um problema semântico. Em razão de serem muitas as possibilidades de sentido, impõe-se consulta ao teor do art. 142 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”
Da breve leitura do artigo supra mencionado, infere-se que o legislador originário concebeu o instituto do lançamento como procedimento administrativo, considerando inclusive como atividade administrativa vinculada. Assim, segundo o Código Tributário, lançamento é atividade privativa de autoridades administrativas.
O professor Paulo de Barros Carvalho, ao se debruçar sobre o assunto, entendeu que:
“Lançamento tributário é ato jurídico administrativo, da categoria simples, constitutivos, vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e como conseqüente a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço temporais em que o crédito há de ser exigido.”[1]
Logo, segundo o renomado professor, o lançamento é um ato jurídico (não um procedimento como consigna o art. 142 do Código Tributário Nacional), praticado pela Administração Pública, no exercício da função administrativa. Como um ato jurídico administrativo, possui todos os requisitos de essência do gênero atos jurídicos, ou seja, agente capaz, objeto lícito, possível determinado ou determinável, e forma prescrita e não defesa em lei, além dos cinco elementos integrativos da estrutura de todo ato administrativo: motivo, finalidade, objeto, agente competente e forma prescrita em lei.
Sacha Calmon, ao apreciar a questão, expôs que:
“Não basta a lei – ente legislativo – norma abstrata e impessoal, prescrever que os proprietários de imóveis urbanos paguem anualmente IPTU ao município da situação das propriedades. É necessário que um agente da administração pratique atos de individualização da norma ( ato administrativo de aplicação da lei), subsumindo o fato à norma, determinando os contribuintes e quantificando o que devem pagar(…)”[2]
Assim, tendo em vista o teor o art 142 do Código Tributário Nacional, bem como a posição doutrinária dominante sobre o assunto, é natural inferir que o lançamento tributário, por se tratar de ato jurídico administrativo, somente poderia ser praticado pela Administração Tributária. Logo, a rigor, teríamos apenas duas espécies de lançamento tributário: o lançamento de ofício e o lançamento por declaração, sendo o lançamento por homologação um outro gênero de instituição de norma individual e concreta no campo dos tributos.
3. Da natureza jurídica do lançamento por homologação
Vimos no item anterior que há consenso na doutrina, bem como disposição expressa de lei, no sentido de que o lançamento tributário é um ato jurídico administrativo praticado somente pela Administração Tributaria (e não pelo particular).
Qual seria então a natureza jurídica da norma individual e concreta produzida pelo administrado no campo dos tributos?
Ora, conforme o professor Paulo de Barros Carvalho, o chamado “lançamento por homologação” é um ato de introdução de norma jurídica, individual e concreta produzida pelo administrado em decorrência de autorização legal que dá competência ao contribuinte para constituição do crédito tributário.
Logo, no sistema legislativo pátrio, a constituição do credito tributário não aconteceria apenas por obra de graça da Administração Pública. Assim, quando expressamente autorizado por lei, ao administrado seria possível individualizar o evento tributário, “estruturar, denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo”.[3]
Nesse sentido, não haveria diferença jurídica quanto ao ato praticado pela administração, no tocante ao lançamento tributário, bem como o ato praticado pelo contribuinte na constituição do crédito.
O entendimento de que é possível ao administrado constituir crédito tributário, e que tal crédito possui a mesma forma e validade do que o ato de lançamento emitido pelo Fisco, possui guarita em nossos Tribunais Superiores, sendo inclusive, pacífico, a desnecessidade de constituição do crédito por parte da Administração Tributária, quando este já foi validamente criado pelo administrado:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. OMISSÃO DE JULGADO. INOCORRÊNCIA. (…) 2. Nos casos em que o contribuinte entrega a Declaração Anual de Rendimentos, considera-se constituído definitivamente o crédito tributário a partir da apresentação dessa declaração perante o Fisco. A partir de então, inicia-se a contagem do prazo de cinco anos para a propositura da execução fiscal. Precedentes: REsp 413457/RS, 1ª T., Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 19.12.2003; REsp 510588/MG. 2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 25.04.2005 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 642.477/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 166)
Face ao exposto, conclui-se que o lançamento por homologação nada mais é que uma forma válida de constituição de crédito tributário pelo administrado, que não se confunde com o lançamento tributário, em razão de ser praticado pelo administrado em função de autorização legal.
4. Do ato da homologação do crédito constituído pelo particular
Como expusemos no item anterior, no lançamento por homologação a constituição do tributo nasce por obra do administrado, sem qualquer participação do Estado-Administração. Nesse ínterim, ressalte-se que para validade do ato, o particular terá que seguir os comandos legais, implementando os deveres instrumentais previstos, tais como preenchimento de formulários e documentos específicos.
Embora haja, juridicamente, paridade entre o ato praticado pela administração e o ato praticado pelo particular no exercício de atividade administrativa delegada, nosso sistema instituiu um “ato confirmatório” por parte do Estado (a chamada homologação).
Logo, a homologação, nada mais é que do que um ato administrativo, vinculado, de cunho fiscalizatório, por meio do qual a Fazenda Pública acompanha o comportamento dos administrados zelando pela observância das obrigações a que estão submetidos, manifestando-se expressa ou tacitamente sobre a norma individual e concreta já editada.
Deste modo, a homologação não é um ato pelo qual a Fazenda Pública constitui o crédito tributário a partir dos dados informados pelo administrado, mais sim um procedimento administrativo criado para a fiscalização dos atos já praticados pelos particulares. Por meio desse processo administrativo, o Estado Administração verifica o cumprimento das obrigações tributárias pelo administrado, assim como o pagamento do crédito tributário criado pelo particular. Eventualmente, a Administração poderá valer-se desse procedimento para emitir novo ato administrativo, a fim de “complementar o ato já praticado” (lançamento suplementar).
Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado:
“TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DO DÉBITO PELO CONTRIBUINTE. FORMA DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, INDEPENDENTE DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA DO FISCO. COMPENSAÇÃO. MODALIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO (CTN, ART. 156, II). NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO SOBRE O PROCEDIMENTO, PARA VIABILIZAR O EXERCÍCIO DO DIREITO DE FISCALIZAÇÃO. 1. A apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN SRF 129/86, atualmente regulada pela IN SRF 395/04, editada com base nos arts. 5º do DL 2.124/84 e 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. Precedentes da 1ª Seção: AgRg nos ERESP 638.069/SC, DJ de 13.06.2005; AgRg nos ERESP 509.950/PR, DJ de 13.06.2005. (..)” (RESP 200401600909, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, 06/03/2006)
Em suma, ao fiscalizar a norma individual e concreta emitida pelo administrado (diga-se, “homologar” no entendimento do Código Tributário Nacional), o Estado-Administração não emite um ato administrado que vise atribuir eficácia ao ato praticado pelo particular, mas sim verifica o cumprimento das obrigações tributárias por parte deste.
Logo, a natureza jurídica do ato de “homologação” praticado pelo Fisco é de fiscalização (ou ratificação, como entendem alguns doutrinadores) não sendo, via de regra, constitutivo da dívida tributária.
5. Da desnecessidade de procedimento administrativo para imposição de juros e multas
Seguindo o entendimento acima explicitado, entende-se ser desnecessário procedimento administrativo para lançamento do crédito (uma vez que já foi constituído pelo contribuinte) ou mesmo para imposição de multas e demais penalidades cominadas em lei.
A propósito:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. OMISSÃO DE JULGADO. INOCORRÊNCIA. (…)
2. Nos casos em que o contribuinte entrega a Declaração Anual de Rendimentos, considera-se constituído definitivamente o crédito tributário a partir da apresentação dessa declaração perante o Fisco. A partir de então, inicia-se a contagem do prazo de cinco anos para a propositura da execução fiscal. Precedentes: REsp 413457/RS, 1ª T., Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 19.12.2003; REsp 510588/MG. 2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 25.04.2005 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 642.477/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 166)
A doutrina segue a mesma orientação. Alexandre Ávila, ao tratar do lançamento por homologação, assevera que:
“Em todos estes documentos é o próprio contribuinte que examina e aplica a legislação tributária, verificando a ocorrência do fato gerador, a base de cálculo, alíquota, etc., e informa a Fazenda Pública o valor que será recolhido. O contribuinte e a Fazenda Pública, que recebeu as informações prestadas, já estão cientes do valor do tributo.A Fazenda fica inerte, aguardando a iniciativa do contribuinte. Se após essa declaração de apuração e quantificação do crédito tributário o devedor permanecer omisso, seja porque nada pagou, seja porque o pagamento foi parcial, é evidente que não haverá a menor necessidade de instaurar-se um procedimento administrativo para constituir o crédito tributário mediante o lançamento de ofício. O lançamento existe para que o contribuinte saiba quanto deve pagar. Se ele próprio apurou o valor do crédito tributário, mas não efetuou o pagamento no prazo previsto em lei, resta à administração encaminhar o crédito, ou o que sobra dele, para inscrição em dívida ativa, a fim de aparelhar futura execução fiscal.”[4] (grifei)
Assim, emitida a norma individual e concreta pelo contribuinte e não pago o tributo no vencimento, o crédito tributário já estará constituído – dispensados o procedimento administrativo e a notificação do devedor –, promovendo-se então a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal, com a exigência dos consectários legais.
A imposição da multa e dos juros, em nosso entendimento, decorre de determinação legal, devendo-se destacar que o contribuinte tinha ciência de que se sujeitaria a esses encargos se não pagasse o tributo no prazo definido na legislação tributária. Veja-se, a propósito, a jurisprudência do STJ:
“TRIBUTÁRIO – DEBITO FISCAL – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – MULTA E JUROS – INDICE DE CORREÇÃO MONETARIA – UFESP – IPC/FIPE. I – Tratando-se de débito declarado e não pago, caso típico de autolançamento, não tem lugar a homologação formal. II – A multa imposta pelo não pagamento do credito à época do vencimento está sujeita à correção monetária, dispensado o procedimento administrativo. III – Os juros serão contados a partir da data do vencimento da obrigação, consoante iterativa jurisprudência do STJ. IV – Não é licita a utilização de ipc-fipe como índice de correção de créditos fiscais. Com a extinção do ipc-ibge, a ufesp deve ser atualizada pelo inpc.” (REsp. 85.080/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 10/06/1996, DJ 1º/07/1996, p. 24.002). (grifei)
6. Da conclusão
Face ao exposto, conclui-se que “lançamento por homologação” é um ato de introdução de norma jurídica, individual e concreta produzida pelo administrado em decorrência de autorização legal que dá competência ao contribuinte para constituição do crédito tributário.
Por ser constitutivo de crédito tributário, e de não haver diferença jurídica quanto ao ato praticado pela administração e o ato praticado pelo particular, a constituição de crédito realizada pelo administrado possui validade e eficácia imediata, não sendo necessária a convalidação por parte do Estado- Administração.
Assim, ao “homologar” a constituição a norma individual e concreta que institui o tributo, o Fisco nada mais faz do que verificar se o ato do particular foi editado em estrita observância com os comandos legais, bem como o pagamento dos débitos.
Em razão disso, emitida a norma individual e concreta pelo contribuinte e não pago o tributo no vencimento, o crédito tributário já estará constituído – dispensados o procedimento administrativo e a notificação do devedor –, promovendo-se então a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal, com a exigência dos consectários legais.
Em suma, a constituição do crédito tributário por parte dos administrados não se confunde com lançamento tributário propriamente dito – a rigor do disposto no art. 142 do Código Tributário-. Contudo, é uma outra forma de instituição de norma individual e concreta no campo dos tributos, legalmente prevista em lei, e que possui em nosso sistema jurídico, sendo apta à criação de relações jurídicas tributárias.
Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, mestranda em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Granada
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