O regime de bens estabelecido pelos cônjuges, para regular suas relações patrimoniais na constância do matrimônio, está erigido em três pilares básicos: a livre estipulação, a variedade de regimes e a irrevogabilidade desses.
A variedade de regimes determina, com exceção da separação obrigatória de bens, caber aos nubentes a escolha entre os modelos legais: comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aqüestos e separação de bens.
No que concerne a livre estipulação, estabelece o art. 1.639 do Código Civil de 2002 ser possível convencionar o que melhor aprouver aos cônjuges, podendo os contraentes adotar os regimes-modelos, escolher um regime misto, ou até mesmo criar um novo regime. Contudo, a livre estipulação não possui caráter absoluto, pelo que determina o art. 1.655 do NCC/02.
A respeito da irrevogabilidade do regime de bens, cabe salientar que a imutabilidade foi mantida como regra geral pela Lei n° 10.406/02, justificando-se pela preservação do interesse dos cônjuges e do interesse de terceiros. Entretanto, o Estatuto Civil assevera que a irrevogabilidade de regime deixou de ser absoluta, uma vez que admite sua alteração, de acordo com o art. 1.639, parágrafo 2° do CC/02.
O Código Civil de 1916, determinava que uma vez estabelecido o regime de bens e celebrada a união, não mais poderia este sofrer alterações, ad infinitum, regra que encontrava-se desajustada de nossa realidade social.
A Lei 10.406/02 repetiu a norma anterior, prescrevendo em seu art. 1.639, caput a seguinte redação: “é licito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quando aos seus bens, o que lhes aprouver”. Estabeleceu, ainda, no seu parágrafo 1° que o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
Destarte, a importante inovação veio mesmo com o parágrafo 2°, do referido artigo, que possibilitou a mudança de regime de bens durante o matrimônio: ‘§ 2º É admissível alteração de regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”
Como se sabe, o regime de bens é classificado quanto à forma em: (I) convencional, ou seja, estabelecido pelas partes; (II) legal, isto é, o adotado pela lei ou pela ausência ou nulidade de declaração dos nubentes; e, (III) sanção, aquele que é imposto por força de lei. Se classificam, ainda, quanto a sua substância como: a) Comunhão parcial de bens; b) Comunhão universal de bens; c) Separação de bens; d) Participação final nos aqüestos, e, e) Separação obrigatória de bens.
Para que se possa efetivar a alteração do regime patrimonial, conforme permissivo legal do art. 1.639, parágrafo 2º, devem ser observados certos requisitos, tais como: procedimento judicial, consenso entre os cônjuges, motivação e ressalva do direito de terceiros.
Assim, pergunta-se: uma vez autorizada a alteração do regime de bens diverso da comunhão parcial pelo juiz competente será necessária a formalização de Escritura Pública de Pacto Nupcial, para que possa o regime operar seus efeitos contra terceiros?
A questão é controvertida e o tema é palpitante. Por ser a Lei n° 10.406/02 muito recente, tem causado diversos debates sobre a interpretação e alcance de suas normas.
Na presente questão há quem entenda não ser necessária a escritura pública após a alteração para os regimes que exigem o pacto como forma legal, com base no parágrafo 2º do art. 1639 que estabelece que serão feitas as alterações de regimes patrimoniais “mediante autorização judicial”, sem se reportar ao pacto, bem como pelo texto do parágrafo único do art. 1.640, que prevê a exigência de pacto antenupcial, ou seja, antes das núpcias (no processo de habilitação).
Outrossim, há quem defenda a exigência da escritura pública para a formalização da alteração de regime patrimonial entre os cônjuges, após a devida homologação judicial, tese essa corroborada pela leitura do art. 1.640, parágrafo único, parte final, que prescreve a realização de pacto através de escritura pública, quando os contraentes escolherem regime diverso do legal, ou imposto por lei, em respeito ao princípio da publicidade e da segurança jurídica, gerando então efeito perante terceiros, após o devido registro no Registro de Imóveis do domicilio dos cônjuges (art. 1657 do CC/02 e artigos 167, I, 12 e 178, V, da Lei de Registros Públicos).
Nosso entendimento é no sentido da exigência da escritura pública de pacto na ocasião da alteração de regime de bens autorizada pelo juiz competente quando for da substância do ato a escritura pública.
São inúmeras as razões que levam a exigir a realização de novo pacto, senão vejamos:
A escritura pública é da substância do ato nos pactos antenupciais, onde se convenciona acerca do regime patrimonial entre os cônjuges, e ocorrendo nulidade se não for obedecida a forma prevista em lei. Como ensina Washington Monteiro de Barros, em Curso de Direito Civil, vol. 2, Editora Saraiva: “Tal é a importância do pacto antenupcial, tanta ressonância tem na vida familiar, interessando não só aos cônjuges, como aos filhos e também a terceiros, que a lei exige a escritura pública, a fim de cercá-la de toda solenidade. A escritura pública representa assim condição essencial à existência do próprio ato.”
Preenchidos os requisitos necessários para a homologação judicial (exigência de processo judicial, consensualidade, motivação e ressalva de direito de terceiros), deve ser elaborada nova escritura de pacto, para aqueles casos em que o regime alterado for diverso do regime legal e da separação obrigatória de bens, por ser da substância do ato tal forma.
Nesse sentido, o art. 1.640, parágrafo único, do Código Civil de 2002 determina a possibilidade dos nubentes, optarem por qualquer dos regimes, devendo, contudo, quanto à forma, “reduzir-se a termo a opção pela comunhão parcial e fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas”. Ainda, nessa linha, o art. 1653 determina ser nulo o pacto se não for feito por escritura pública.
Portanto, deve, após a homologação judicial ser elaborada escritura pública com o novo regime adotado após a alteração, sendo posteriormente averbada no Registro Civil de Pessoas Naturais e a seguir ser efetuado o registro, com base na certidão de casamento e na escritura, no Livro 3-Registro Auxiliar, no domicilio dos cônjuges e a respectiva averbação nas matrículas dos imóveis pertencentes ao casal.
Reforça a exigência de escritura pública o princípio basilar do direito registral da publicidade, uma vez que o regime de bens adotado pelos nubentes deve ser de todos conhecido, e mais ainda, o regime alterado pelos cônjuges no transcorrer do matrimônio deve ser conhecido daqueles que com eles venham a negociar, como determina o art. 1.657 da Lei nº10.406/02:
“Art. 1.657. As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas em livro especial, pelo Oficial do Registro de Imóveis do domicilio dos cônjuges.”
Ainda, o princípio da segurança jurídica deve ser observado, pois não há efeito prático contra terceiros a alteração do regime de bens a qual estes não possam vir a conhecer. Foi nesse sentido que o art. 1.657 do Código de Normas Cíveis determinou a realização do registro em livro especial e a sua averbação correspondente.
Logo, a simples menção em sentença não é eficaz para proteger de forma robusta o direito de terceiros frente a um casal, que em conluio, possa, eventualmente, querer alterar seu regime de bens na tentativa de lesar eventual credor. Ou acredita-se que a simples publicação de edital (conhecimento ficto) possa salvaguardar direito de outrem que contrata com casal em lugar diverso ao da publicação do edital? O art. 1657 da Lei 10.406/02 determina que não.
Deve ser ressalvado o caso de alteração em que ocorre a adoção de regime de comunhão parcial, pois a publicidade determinada em lei é da simples redução a termo de tal opção. Para os demais casos, a realização de escritura pública é fundamental para sua validade.
A publicidade do novo regime adotado pelos cônjuges (alteração na constância do casamento) é tão importante quanto à publicidade do regime a ser adotado pelos nubentes (habilitação matrimonial), necessitando, portanto, da realização de escritura pública como prescreve a lei, como sendo a forma do ato, em regime de bens diverso do legal (art. 1.640, parágrafo único), e da separação obrigatória de bens, para preservar a essência da publicidade que é o resguardo de terceiros e dos próprios cônjuges, evitando assim, possíveis fraudes, minimizando eventuais demandas judiciais e aumentando a segurança jurídica das partes.
Conclui-se, portanto, que a realização de escritura pública de pacto acerca do regime de bens adotado por ocasião de alteração pelos cônjuges vem a proteger e resguardar tanto o casal, como terceiros, preservando a publicidade e segurança jurídica exigidas quando da escolha do regime de bens, além de ser requisito de formalização de regime patrimonial determinado por lei (artigos 1.639, 1.640, 1.653 e 1.657 do Código Civil).
Este é o meu entendimento, o qual submeto ao exame dos interessados para debate.
Sapucaia do Sul/março/2005.
Registrador e Tabelião de Protesto. Vice-Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB
Pesquisadora
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