Da personalidade no novo Código Civil: Aspectos jurídicos da clonagem e da reprodução medicamente assistida

"O homem tornou-se o primeiro produto da evolução capaz de dominar a própria evolução” – F.Jacob

1. INTRODUÇÃO

A Reprodução Medicamente Assistida insere-se no contexto de um dos mais primitivos instintos humanos: o de dar continuidade à espécie. A esterilidade sempre foi considerada algo extremamente negativo, sendo vista como um castigo divino.

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2. DA PERSONALIDADE NO NOVO CODIGO CIVIL

Por personalidade entende a doutrina pátria ser a “aptidão genérica para contrair direitos e obrigações”.[1]  Até a Lei nº10.406, de 10.01.02 (novo Código Civil), os Direitos da Personalidade não haviam sido tutelados expressamente por norma infraconstitucional, não constando de forma sistemática de nenhum diploma legislativo em nosso ordenamento positivo. Eram previstos de forma velada em textos legais esparsos, como na Lei de Imprensa, no Código de Telecomunicações (proteção à dignidade e honra), na Lei de Registros Públicos (proteção do nome), na Lei de Direitos Autorais (proteção da autoria), na Lei sobre Transplantes (proteção do corpo) entre outros.

Investigando a natureza jurídica[2] dos Direitos da Personalidade nota-se que, para alguns, trata-se de direitos sobre a própria pessoa, jura in re se ipsa, o que recebe muitas críticas no sentido de não poder a pessoa ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de direito. 

2.1 Dos Direitos da Personalidade como Fundamento à Reprodução Assistida

A Constituição Federal, no §7° de seu artigo 226 diz ser o planejamento familiar fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, de livre decisão do casal, cabendo ao Estado “propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

Trata-se de norma programática, que veio a ser regulamentada pela Lei 9.263/96. Esta diz, em seu art.1º, ser o planejamento familiar um direito de todo cidadão. Diz ainda, no parágrafo único de seu art.3º que as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde obrigam-se a garantir : “I – assistência à concepção e contracepção”. Por fim, em seu art.9º, proclama que: “Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos […] garantida a liberdade de opção” (grifo nosso).

Nesse contexto constitucional, surge ao ser humano, fundamentada no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a legitimação de toda e qualquer prática que viabilize a formação de uma família, obtida através da filiação. Essa faculdade surge, como bem observa a profª. Martha Asuncion[3], com fulcro no direito da personalidade de dispor do próprio corpo. Entende a renomada jurista que este direito estaria num estágio anterior à ordem jurídica, na seara dos direitos naturais, cabendo ao direito positivo dotá-lo de proteção própria, contra quaisquer arbitrariedades do poder público ou de particulares.

Assim, conclui-se que o novo Código Civil, ao tutelar expressamente os diretos da personalidade, respaldou, com fundamento nestes, a reprodução medicamente assistida,  já que as doações de gametas não importam em diminuição permanente da integridade física, e são sempre realizadas por necessidade médica, já que a infertilidade é considerada uma doença. 

3. UMA SUCINTA PERSPECTIVA HISTÓRICA   

· 1875 – primeiras experiências científicas de fertilização e transferência de embriões, realizadas em coelhos;

· 1940/1944 – primeira tentativa de inseminação artificial em humanos;

· 1949 – descoberta de método de conservação do esperma, congelado em glicerol, para uso posterior;

· 1953 – usos de esperma congelado para reprodução artificial humana;

· 1978 – nasce o primeiro bebê de proveta do mundo, em 25 de julho de 1978, na cidade de Oldham, Inglaterra, chamada Louise Joy Brown, através dos Drs. Patrick Steptow (ginecologista) e Robert Edwards (biólogo).

· 1984 – nasce o primeiro bebê de proveta do Brasil e da América Latina, Anna Paula Caldeira, nos Hospital Santa Catarina, de São Paulo, através do ginecologista Milton Nakamura.[4]

· 1997 – nasce o primeiro mamífero clonado a partir de célula somática, a ovelha da raça Finn Dorset, chamada de Dolly, criada pelo pesquisador escocês Ian Willmut e seus colaboradores do Rolim Institute, de Edimburgo, Escócia, em associação com a empresa PPL Therapeutics.

4. DA REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

As técnicas mais difundidas de reprodução medicamente assistida são [5]:

a) Coito Programado: método de fecundação in vivo. Nos casos em que não há problemas físicos, e mesmo assim o casal não consegue engravidar, faz-se um estudo de qual a melhor oportunidade para a realização do ato sexual, através do acompanhamento do ciclo menstrual, objetivando atingir o período fértil da mulher;

b) Inseminação Artificial (IA): método de fecundação in vivo. Ocorre pela colocação mecânica de espermatozóides, recolhidos e tratados, no interior do aparelho genital feminino, ocorrendo a fecundação do óvulo dentro da mulher;

c)  Transferência Intratubária de Gametas (GIFT): método de fecundação in vivo. Os espermatozóides e ovócitos colhidos previamente, são transferidos para as trompas uterinas, local onde se dará sua fusão;

d)  Transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT): método de fecundação in vitro. Estimula-se a maturação de óvulos da mulher através de tratamento hormonal, para então se puncionar alguns para fora do corpo, possibilitando que os mesmos sejam manipulado numa placa de petri (não em uma proveta como se crê popularmente), quando então, os mesmos são expostos a milhares de espermatozóides, e assim fecundados, sendo os zigotos resultantes transferidos para as trompas uterinas;

e)  Fertilização In Vitro seguida de Transferência de Embriões (FIVETE): método de fecundação in vitro, conhecido popularmente como ”bebê de proveta”. Semelhante ao método anterior, com a diferença de que o zigoto é incubado in vitro até sua segmentação, em 02 até 08 células, sendo então transferidos para o útero ou trompas;

f)  Fecundação In Vitro do óvulo através de Injeção Intra-citoplasmática de Espermatozóides (ICSI): um único espermatozóide é inserido, in vitro, dentro do óvulo, que posteriormente segue o processo do método anterior;

g) Clonagem: método de reprodução in vitro, onde ocorre a duplicação de genes, obtida através de uma biotecnologia de reprodução assexuada. Pode usar como matéria-prima células embrionárias ou células somáticas (outras que não os gametas), que tem o material genético (núcleo) introduzido em óvulos anucleados artificialmente, gerando um indivíduo geneticamente idêntico ao anterior.

As técnicas acima mencionadas podem ser classificadas de acordo com a procedência dos gametas em: homólogas, quando o espermatozóide e o óvulo provêm do casal; e heterólogas, quando um ou ambos os gametas provêm de um doador, ou seja, de um terceiro, estranho à entidade conjugal.

5. dos aspectos jurídicos da reprodução assistida

Apesar de não haver legislação específica sobre a matéria, existe a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, que, apesar de não ser dotada de força cogente, possui força deontológica e administrativa, além de vir sendo seguida pelos projetos de lei que tratam da matéria.

A única normatização que rege – indiretamente – a matéria atualmente (além do novo Código Civil, que será estudado no próximo item) é a Lei 8974 de 05.01.1995, conhecida como Lei de Biosegurança, que, ao regulamentar os incisos II e V do § 1° do artigo 225 da Constituição Federal, estabeleceu normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, popularmente conhecidos como transgênicos.

Existem atualmente alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, que versam sobre a reprodução medicamente assistida, sendo que dentre eles podemos destacar o Projeto de Lei nº3638/93 (Dep. Luis Moreira) e o Projeto de Lei nº 90/1999 (Sen. Lucio Alcântara), atualmente sob a responsabilidade do senador Tião Viana, que, dentre todos, é o que maior probabilidade tem de tornar-se lei em primeiro lugar, razão pela qual serviu de base para apreciação no presente trabalho.

5.1. Quanto ao Direito de Família

O atual Código Civil traz em seu Art. 1.597, a seguinte previsão:

Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[…]

III –  havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Este diploma legal reconhece outras espécies de filiação além daquela decorrente da adoção e da relação sexual, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo proveniente de técnicas de reprodução medicamente assistida, com fulcro não só na identidade genética, mas também na paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho. Nesse contexto, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade juridicamente qualificada, que irá gerar presunção de paternidade, presunção esta que não poderá ser contestada com base em simples exame de DNA.

Surge então o “pilar sócio-afetivo”, pelo qual presume-se pai aquele que educa, que ama, que repreende, que cria (conotação afetiva), buscando o melhor para os interesses da criança. Esta solução não é tão moderna como se pode erroneamente imaginar. Existe famosa passagem da certeza de Salomão, em que este ilustre rei, tendo que decidir um conflito positivo de maternidade, mandou que um escravo cortasse a criança ao meio.  Imediatamente uma das mulheres deitou sobre a criança e disse que preferia abrir mão da criança a vê-la morta. Aí Salomão decidiu: esta seria a verdadeira mãe, por que tamanha era sua ligação afetiva com a criança.

Tem-se, ainda, que o marco inicial do pilar sócio-afetivo seria o Termo de Consentimento Informado (T.C.I.), que, segundo a profa Juliane Fernandes da PUC de Belo Horizonte, deveria ser feito por instrumento público, para maior segurança jurídica.  O PL 90/99, em seu art. 13 diz que “Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida”.

5.2. Da maternidade de substituição

Ainda no contexto da filiação, existem os casos dos Conflitos Negativos (nenhuma mãe aparente) e Positivos de Maternidade (mais de uma mãe aparente). Surge então o conflito da presunção de que a mãe é sempre certa, com o fenômeno da barriga de aluguel. A expressão popularmente utilizada “barriga de aluguel” trata-se de imprecisão terminológica, visto que de acordo com a lei 9.434/97 e com a Constituição Federal, jamais poderia decorrer algum tipo de lucro desse procedimento.

A sub-rogação do útero, ou doação temporária do útero, seria a técnica através da qual, terceira pessoa se dispõe a gerar embrião nela implantado, criado in vitro com gametas de outra mulher (mãe biológica) com o propósito de, finda a gestação, entregar o recém nascido à mesma. A resolução do CFM de nº1.358/92 recomenda que esta técnica deva ser utilizada apenas entre parentes de até segundo grau, e sem qualquer caráter lucrativo.

O PL 90/99 dispõe expressamente em seu Art. 3º que: “Fica proibida a gestação de substituição”. Temos como absurdamente falha esta disposição basicamente pelo motivo de que, se descumprida, as relações jurídicas daí advindas não estariam reguladas. Já o projeto Nº3.638-C DE 1993 permite esta técnica, nos mesmos termos da resolução do CFM, não regulando os conflitos daí advindos.

5.3. Quanto ao Direito das Sucessões

Atualmente há a possibilidade de inseminação post mortem (após a morte do doador). Isto gera problemas para o direito sucessório, pois atualmente se verifica a capacidade sucessória na época da sucessão. Pelo atual Código Civil só as pessoas vivas e já concebidas podem herdar. Há duas correntes sobre o assunto: 1a. o embrião nunca poderá herdar ; 2a.o embrião poderá herdar, visto que a prole eventual também pode.

Mais acertada esta última, pois o próprio artigo 1597 do CC permitiu a inseminação homóloga mesmo que falecido o marido. Todavia, deixou o código de regrar os conflitos advindos de uma inseminação tardia, visto que atualmente seria possível um nascimento depois de décadas da morte do doador, gerando uma imensa segurança jurídica entre os herdeiros vivos à abertura do testamento, que deveriam aguardar indefinidamente o nascimento da criança, sem poderem se desfazer de seu patrimônio.

5.4. Quanto ao Direito das Coisas

Atualmente, seria possível aplicar-se à doação de gametas o disposto na Lei n° 9.434, de 04/02/97, que trata da remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para transplante e tratamento.

Permite o art. 1°, a disposição gratuita de tecidos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, neles compreendidos os tecidos, o sangue, o esperma e o óvulo, para os objetivos mencionados. Poderá, todavia, a doação ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização (art.9º,§ 5°).

Exige no art.10 o consentimento expresso do receptor, após ser devidamente informado e tipificou crimes nos arts. 14 a 20, como a venda de órgãos ou partes do corpo humano.

Vale lembrar que a Constituição Federal, no § 4° do art. 199, proíbe todo o tipo de comercialização de substâncias humanas, inclusive do sangue e seus derivados.

5.4.1. Situação jurídica dos embriões e dos gametas.

Existem três (03) teorias sobre o início da personalidade: a natalista (pela qual pessoa é quem nasce com vida), a concepcionalista (pessoa é o embrião, desde sua concepção) e da personalidade condicional (tem direitos desde a concepção, mas deve nascer com vida para conseguir direito patrimoniais). Mister se faz a diferenciação entre: Pessoa Natural (é a que já nasceu); Nascituro (é o embrião em desenvolvimento no útero materno); Prole Eventual (pelo qual pode-se contemplar em testamento pessoa ainda não nascida, que devem estar vivos à época da abertura do testamento). O embrião pré-implantatório (ainda não introduzido no útero), não se encaixa em nenhuma das concepções anteriores, carecendo de regulamentação jurídica.

Dispõe o PL 90/99, em seu  art. 13. que “poderão ser produzidos e transferidos até dois embriões, respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo”, dificultando os casos de gravidez múltipla, tão pouco desejados. Diz ainda o mesmo artigo, que todos os embriões serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos, vedando-se assim o congelamento de embriões, que atualmente parece-nos permitido pelo artigo 1597 do CC, inciso IV, que trata de “embriões excedentários”. Diferentemente dispõe o projeto de lei Nº3.638-c DE 1993, permitindo o congelamento dos pré-embriões, que não poderão ser descartados.

5.5. Quanto ao Direito das Obrigações

O art. 4º  do PL 90/99  tornaria obrigatório o consentimento livre e esclarecido para ambos os beneficiários (nos casos em que a beneficiária seja casada ou viva em união estável), vedada a manifestação da vontade por procurador. Dispõe ainda que este será formalizado em instrumento particular (que ao nosso ver deveria ser público), que conterá necessariamente os seguintes esclarecimentos:

I – a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso específico, com manifestação expressa dos beneficiários de falta de interesse na adoção de criança ou adolescente;

II – os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em cada uma delas;

III – os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;

V – os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e prevalência dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em geral e no serviço de saúde onde esta será realizada;

V – as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;

VI – os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no Art. 13 desta Lei;

VII – as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas, inclusive postumamente.

VIII – demais requisitos estabelecidos em regulamento.”

O doador e seu cônjuge (ou companheiro) devem firmar termo semelhante, que dentre outras coisas deve incluir todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de sua identificação vir a ser conhecida. Deve ainda declarar não haver doado gameta anteriormente, e as doenças de que tem conhecimento ser portador.

5.5.1. Das partes envolvidas: Anonimato e Responsabilidade.

Debate interessante resulta da indagação sobre a possibilidade ou não do doador manter o anonimato. Digladia-se a doutrina, com excelentes fundamentos de cada lado. Os que defendem o anonimato sustentam com propriedade, que caso este seja quebrado, diminuirão, e muito, os indivíduos dispostos a doar, por medo de eventual responsabilidade, quer afetiva, quer legal.

Já os que admitem a divulgação dos dados, o fazem com fulcro no direito constitucional – e até mesmo natural – do ser humano ter acesso à suas origens genéticas. Creio que os que adotam este posicionamento, o fazem por dificuldade em se desvincular o conceito romanístico de filiação, pois se realmente compreendessem o significado da filiação sócio-afetiva, veriam ser desnecessário esse tipo de investigação. Todavia, parece ser este o entendimento adotado pelo PL 90/99.

6. Da Clonagem

A palavra clone deriva do grego Klón, Klónos, significando “rebento, broto, pequeno ramo”.  O termo clonagem passa a designar vulgarmente todas as técnicas de duplicação utilizados em genes, células, tecidos, órgãos e seres vivos.

Pode ser classificada em[6]:

1) Natural: ocorre em todos os seres originados a partir de reprodução assexuada (ex.: bactérias e seres unicelulares) e em mamíferos (ex.: gêmeos univitelinos onde uma só célula ovo origina dois seres, idênticos sob o ponto de vista genotípico).

2) Artificial: é a clonagem induzida em animais, através de bioengenharia. Pode usar como matéria prima células embrionárias ou células somáticas (todas as células do corpo humano com exceção das reprodutivas), que são introduzidas artificialmente em óvulos anucleados (sem núcleo). Divide-se em:[7]

a)       clássica ou tradicional: realiza-se através da bipartição de gametas ou embriões. Necessita-se de um óvulo e um espermatozóide;

b)       de ultima geração ou do “tipo Dolly”: realiza-se através da utilização de material genético de seres adultos, não necessitando de gametas.

Pode-se afirmar que a clonagem possui conseqüências semelhantes aos outros tipos de reprodução artificial heteróloga, diferindo, todavia em seus aspectos médicos, em virtude do não domínio das técnicas, e éticos, em virtude do tabu que envolve o assunto.

Os partidários desta técnica utilizam um argumento extremamente sólido: a clonagem terapêutica. Através desta, pessoas doentes poderiam ter algumas de suas células isoladas, transformadas em laboratório, e re-implantadas, possibilitando cura de inúmeras doenças.

Contudo, a legislação pátria, em especial a Lei n° 8.974/95, que dispõe sobre o uso das técnicas de engenharia genética, não permite experimentações aleatórias, ao vedar qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recambiante, realizado em desacordo com suas normas, fundamentalmente sem consideração aos princípios éticos (inc. III do art. 8°) “tais como o princípio da autonomia e o princípio da beneficência” (art. 13, inc. II).

7. CONCLUSÃO 

Controvérsias à parte, a reprodução medicamente assistida e a clonagem são uma realidade. Proibi-las, simplesmente, através de tipificação penal, mostra-se medida inócua, pois as conseqüências ainda continuariam sem resguardo legal. Além do que, a moderna doutrina penal diz, através do princípio da intervenção mínima, que só deve-se criminalizar condutas onde a tutela penal realmente se mostrará efetiva, sob pena de criar-se um direito penal simbólico, desprovido de coercibilidade.  

A solução parece ser a escolha do modelo intervencionista (preterindo-se os extremos – como os modelo liberal e repressivo), devendo o ordenamento jurídico abranger os procedimentos e conseqüências das novas biotecnologias, punindo somente quando os princípios constitucionais sejam frontalmente violados.

Assim, a legislação pátria a surgir deve caminhar junto com a evolução científica – e não contra esta – sendo que algumas condições básicas deveriam ser exigidas, para os processos de Reprodução Medicamente Assistida:

a)       ser aplicada somente em casos de esterilidade, ou grave dificuldade de engravidar e/ou gestar o bebê, sendo inadmissível que seja utilizada por casais férteis com intuito de escolher características genéticas do bebê;

b)       ser intraconjugal (incluindo-se nesta hipótese tanto casamento quanto união estável), para um maior resguardo à criança, tendo em vista a proteção constitucional dada à entidade familiar;

c)        ter por objetivo uma criança que o casal realmente queira assumir e criar (filiação sócio-afetiva), sendo necessário (e até mesmo obrigatório) um acompanhamento psicológico prévio e posterior dos familiares e da criança .

Já a Clonagem de células humanas deve ser utilizada única e exclusivamente para fins terapêuticos, vedando-se qualquer outro motivo que não seja a saúde e bem-estar do ser humano, sob pena de ferir-se fatalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

As opções sociais como a adoção, por exemplo, deveriam ser colocadas à disposição de casais inférteis, através de serviços sérios de aconselhamento, pois, para muitos, pode vir a ser a melhor forma de superar a ausência de filhos.

 

Bibliografia
ABREU, Pedro Manoel. Clonagem – Reprodução assexuada – Aspectos jurídicos e bioéticos. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/ Acesso em 30/08/2002.
Bolzan, Alejandro D. Reprodução Assistida e Dignidade Humana. São Paulo : Paulinas, 1998.
Clemente, Ana Paula Pacheco. A prática jurídica nas novas tecnologias de Reprodução Humana . Disponível em: <http://www.canaldedireito.com.br >. Acesso em: 30/08/2002.
Fernandes, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em Face da Bioética e Biodireito: Aspectos do direito de família e do direito das sucessões. Florianópolis:  Diploma Legal, 2000.
JOTA, Rossini Lopes. Fertilização assistida. in Revista de Direito Privado, vol.7 São Paulo: RT. 2001
LEITE, Eduardo Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
Marchesini Junior, Waterloo. Clonagem humana e reprodução assistida, Curitiba: Juruá, 2001.
Moreira Filho, José Roberto. Conflitos jurídicos da reprodução humana assistida. Disponível em: <http://www.canaldedireito.com.br >. Acesso em: 30/08/2002.
Moreira Filho, José Roberto. O Direito Civil em face das novas técnicas de reprodução assistida. Disponível em: <http://www.canaldedireito.com.br >. Acesso em: 30/08/2002.
Oliveira, Deborah Ciocci A. Reprodução Assistida: ate Onde Podemos Chegar. Rio de Janeiro: Gaia, 1999.
PRADO, Martha Asuncion Enriquez. Aspectos Jurídicos da Inseminação Artificial. 1992. 218f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Universidade Estadual de Londrina, Paraná.
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Imaculada Concepção: Nascendo in vitro e morrendo in machina. São Paulo: Acadêmica, 1993.

Notas
[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol.01. p.141 apud  BOLLMANN, Vilian. As Inovações Jurídicas na Parte Geral do novo Código Civil. In Revista dos Tribunais-793, 2001, p.52 
[2] Ibid.
[3] PRADO, Martha Asuncion Enriquez. Aspectos Jurídicos da Inseminação Artificial. 1992. 218f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Universidade Estadual de Londrina, Paraná. p.45-47.
[4] BARCHIFONTAINE, op. cit., p199.
[5] BARCHIFONTAINE, op. cit., p194.
[6] Abreu, Pedro Manoel. Clonagem – Reprodução assexuada – Aspectos jurídicos e bioéticos. Disponível em http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/ Acesso em 30/08/2002. passim
[7] Rossi-Ferragut, L.M. Clonagem. in Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida  http://www.sbra.com.br/, acessado em 10 de outubro de 2002.

Informações Sobre o Autor

Luís Paulo Suzigan Mano

Procurador Federal em S.J.Rio Preto-SP
Especialista em Direito Aplicado pela EMAP-PR
Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL-PR


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