Dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

Resumo: O propósito deste artigo é demonstrar a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST, mediante a apresentação de dois julgados, que apreciaram a discussão relativa à caracterização de dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho. Verificou-se que a jurisprudência do TST nitidamente evoluiu no sentido de dar maior eficácia às garantias constitucionais concernentes ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental ao trabalho digno nas relações de trabalho, bem como ao princípio do não retrocesso social. O objetivo do presente estudo é demonstrar a necessidade da efetivação dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988 mediante a concretização de sua  eficácia horizontal, inclusive quanto aos direitos trabalhistas, de modo a garantir um patamar mínimo de civilidade na relação entre capital e trabalho e o não retrocesso social, assegurando, assim, o direito fundamental ao trabalho digno.

Palavras-chave: Relação de emprego. Restrição do uso de banheiro. Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Princípio da dignidade da pessoa humana. Direito fundamental ao trabalho digno.

Sumário: Introdução. 1. Dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana, trabalho digno e relação de trabalho. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar, mediante a apresentação de dois julgados, a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho relativa à caracterização de dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental ao trabalho digno sob a ótica do Estado Democrático de Direito.

1. Dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

O primeiro julgado paradigma para a referida análise é da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicado em novembro de 2008. Trata-se de decisão do Tribunal Regional da 18ª Região que, reformando a sentença, deferiu ao reclamante indenização por dano moral decorrente da restrição do uso do banheiro com fundamento na ofensa da dignidade do trabalhador.

O recurso de revista interposto pela empresa foi conhecido por divergência jurisprudencial e, no mérito, foi dado provimento, ao fundamento de que o controle do uso do banheiro ou a exigência de justificação do uso não caracteriza o dano moral pleiteado, mas tão somente o uso do poder diretivo do empregador.

Transcreve-se, no que interessa, o aludido julgado:

1.1 – indenização. dano moral.

O Tribunal Regional deu provimento em parte ao recurso do reclamante, fixando o montante da indenização em 5 vezes o valor da remuneração, assim fundamentando:

‘Na petição inicial, o autor disse que 'a reclamada impedia seus funcionários de realizarem livremente suas necessidades fisiológicas, vez que, a cada vez que o empregado precisava ir ao banheiro, era obrigado a anotar no documento aposto próximo à porta de supervisão, o horário de saída e retorno ao posto de trabalho. Ressalta ainda que, tinham um limite máximo mensal que poderia ser gasto com 'idas' ao banheiro' (fl. 04).

A reclamada refutou as alegações do empregado, aduzindo que apenas 'faz controle de seus funcionários no sentido de evitar que passem tempo demais fora de seus postos de trabalho fumando, conversando ou tentando "matar o tempo". Nunca impediu, porém, que utilizassem do banheiro pelo tempo que achassem necessário.' (fl. 75).

O d. Julgador de origem entendeu ser legítima a exigência da reclamada de querer saber sobre a ausência do trabalhador, o que estaria dentro do seu poder diretivo. Considerou não comprovada a limitação quanto às idas ao banheiro (fl. 232), rejeitando o pleito de indenização por dano moral.

Cumpre destacar as informações trazidas pela prova oral:

Depoimento do reclamante: '[…] que o depoente tinha autorização para ir ao banheiro somente uma vez por dia, com tempo de cinco minutos; que, para outra pausa para ir ao banheiro, o depoente tinha que obter autorização de sua supervisora, a qual, às vezes, perguntava por qual motivo o depoente ao banheiro; […]: que o depoente preenchia uma lista semelhante àquela juntada às fls. 14 dos autos; […] que o depoente já proibido de ir ao banheiro e teve que urinar numa garrafa de refrigerante, por ele colocado embaixo de sua mesa,- (posição) de atendimento; […].' (fls. 221/222).

Depoimento do preposto: 'que cada empregado tinha que informar ao supervisor que se ausentaria do local de trabalho, informando para onde ia; que não havia necessidade de o empregado informar o que iria fazer no banheiro; que não havia limitação de tempo ou número de saídas para o empregado ir ao banheiro; […]' (fl. 222).

Primeira testemunha pelo reclamante: 'que a depoente trabalhou para a Reclamada de julho de 2003 a julho de 2005, como atendente; […] que todas as vezes em que o empregado ia ao banheiro tinha que informar ao supervisor e, ainda, dizer o que ia fazer lá; […]; que a depoente tinha que justificar suas idas ao banheiro, como por exemplo, em razão de estar menstruada, sendo que os colegas ouviam tais justificativas; […] que tanto a depoente quanto o Reclamante preenchiam documentos semelhantes aos de fls. 14/17; […]' (fls. 222/223).

Segunda testemunha apresentada pelo reclamante: 'que o depoente trabalhou para a Reclamada de 05/08/2004 a abril de 2006; que o depoente trabalhava exercendo a mesma função que o Reclamante; […] que havia um intervalo de cinco minutos para o empregado ir ao banheiro; que sempre havia necessidade de o empregado informar que ia ao banheiro e por qual motivo; que, às vezes, o supervisor pedia ao empregado para aguardar um pouco, mas não havia impedimento de usar o banheiro; […]' (fls.223/224).

Primeira testemunha apresentada pela reclamada: 'que a depoente trabalha para a reclamada desde de 01 de fevereiro de 2002, na função de Supervisora; que o empregado tem que dizer por qual motivo está se ausentando do posto de atendimento, mas não há necessidade de dizer o que vai fazer no banheiro; […] que não há limitação de tempo ou número de vezes para ir ao banheiro; (fl. 224).

Segunda testemunha apresentada pela reclamada: 'que o depoente trabalha para reclamada desde 02/01/2006, na mesma função do reclamante; […] que não há limitação para ir ao banheiro, apenas a necessidade de informar sobre a ausência; que não há necessidade de dizer o que vai fazer no banheiro; […]' (fl. 225).

Entendo que as testemunhas, bem como os documentos de fls. 14/17 comprovaram as restrições quanto ao uso do sanitário pelo empregado, o que, sem dúvida, ofende a dignidade do trabalhador.

Ressalto o constrangimento ao qual ele era submetido, a exemplo dos demais, quando precisava ir ao sanitário fora dos momentos definidos pela empregadora’ (fls. 295/298).

A reclamada, em seu recurso de revista, sustenta que indevida a indenização por danos morais já que a limitação do uso do banheiro era aplicado a todos os empregados da recorrente, em razão de normas internas, face a natureza dos serviços prestados, não havendo que falar em situação individualizada, ou mesmo constrangedora, capaz de configurar o dano moral definido no artigo 186 do CCB. Transcreve arestos para cotejo de teses.

O aresto transcrito à fl. 369 é suficiente ao conhecimento do apelo por veicular tese diametralmente oposta ao julgado recorrido.

Conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial.

(…)

2 – MÉRITO

2.1 – indenização. dano moral.

O simples fato de se negar momentaneamente o uso do banheiro ou a exigência de justificação do uso, após exauridas todas as possibilidades normais de controle dos seus empregados, não caracteriza a ocorrência de dano moral, mas apenas regular uso do poder diretivo.

Ressalte-se, que não há alegação de maiores transtornos de ordem fisiológica, apenas um pequeno incômodo capaz de ser suportado por qualquer pessoa fisiologicamente normal, já que não houve impedimento de uso do banheiro, mas apenas controle deste, evitando o inadequado uso por parte dos empregados com intuito de ausentar-se do posto de trabalho.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, restabelecendo a r. sentença, afastar a condenação por danos morais.[1]

O segundo julgado paradigma é proveniente da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho e foi publicado em março de 2013. Nesse, foi negado provimento ao agravo de instrumento da reclamada por entender que a restrição do uso de banheiros, bem como a necessidade de autorização para o seu uso, extrapola o poder de direção do empregador, configurando abuso de direito que ofende a dignidade do trabalhador.

Eis a fundamentação, no que concerne ao tema:

O eg. Tribunal Regional assim sintetizou o entendimento acerca da matéria:

A testemunha Luiza confirmou a tese da peça inicial quanto às restrições para o uso do banheiro, informando que 'em regra, desde que avisassem, tinham liberdade para ir ao banheiro, sendo o tempo limitado em cinco minutos; quando a Anatel estava fazendo controle do atendimento ao cliente, o que ocorre na primeira quinta-feira de cada mês, estavam impedidas de fazer bloqueio das ligações nos horários das 09h00 às 12h00, das 14h00 às 16h00 e das 20h00 às 22h00; nessas situações dependiam da autorização do supervisor para ir ao banheiro; (…); o tempo limite de cinco minutos nem sempre era suficiente para a depoente e para seus colegas, uma vez que todos reclamavam, recebendo a resposta do supervisor de que nada podia fazer porque a ordem vinha de cima; alguns supervisores, na base da brincadeira, chegavam a perguntar, 'e aí, está menstruada?', causando constrangimento; depoente presenciou o supervisor causando esse tipo de constrangimento á autora; (…); diversos supervisores faziam brincadeirinhas com a menstruação das funcionárias, lembrando apenas do supervisor José, porque foi supervisor por mais tempo' (fl. 286).

A própria Reclamada admitiu em defesa que existiam restrições para utilização do banheiro e que não permitia o uso dos sanitários 'a bel prazer de seus empregados' (fl. 83).

No que tange ao uso dos banheiros, entendo que os elementos existentes nos autos são suficientes para caracterizar o direito a indenização por dano moral.

Com efeito, a alegação de necessidade de organização e uso racional do banheiro não justifica o extrapolamento do poder diretivo do empregador, pela fiscalização direta a respeito de sua utilização.

Evidente, pois, a ofensa à dignidade pessoal do trabalhador em função do abuso de direito praticado pelo empregador no caso concreto. Frise-se que nesta hipótese, ao meu ver, sequer seria necessário comprovar que o Reclamante tenha sido advertido pelo uso do banheiro, na medida em que demonstrado pela prova oral que os empregados da Reclamada, de forma geral, estavam sujeitos a esse tipo de constrangimento. Basta, para ensejar angústia e sofrimento ao empregado, que exista a restrição para o uso dos sanitários (necessidade de autorização para tanto), fiscalização do tempo despendido e possibilidade de sofrer advertência, repreensão ou constrangimento pela mera utilização dos banheiros, circunstâncias verificadas no caso em tela.

Ora, é certo que o excesso de fiscalização a respeito do uso do sanitário pelos empregados, chegando ao ponto de adverti-los se ocasionalmente excedessem o tempo considerado tolerável pela Reclamada, acarreta ofensa ao direito à intimidade do empregado e também à dignidade da pessoa humana. A intimidade e a dignidade da pessoa humana são valores de inestimável importância que se encontram protegidos por disposição constitucional expressa, entre os direitos e garantias fundamentais, a qual prevê inclusive a indenização reparatória por sua violação ('são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação' – art. 5º, X, da Constituição Federal).

A repercussão negativa dessa situação (controle excessivo quanto ao uso de sanitários) no patrimônio moral do trabalhador é inquestionável, na medida em que, para evitar advertências e até mesmo exposição perante os demais empregados, aplicadas pela Reclamada conforme demonstrado pela prova oral, se vê obrigado a controlar suas necessidades fisiológicas. Frise-se que não é exigível, no caso de dano moral, prova do constrangimento e dor sofridos pelo empregado, sendo suficiente a prova do dano e seu nexo causal com as atividades laborais, o que ficou evidenciado na hipótese.

Vale anotar que esta E. Turma vem se posicionando no sentido de que há necessidade de prova do efetivo constrangimento ao empregado, não gerando dano apenas a restrição genérica quanto ao uso do banheiro. No caso em tela, tal circunstância restou demonstrada, haja vista que a testemunha indicada pela Reclamante disse ter presenciado a Reclamante sendo constrangida por um supervisor em decorrência da utilização do banheiro.

Nesse contexto, reputo demonstrada a existência de abalo moral à empregado, fazendo jus à indenização por dano moral, na forma do art. 927, do Código Civil.

Para a fixação do valor da indenização, deve ser considerada a repercussão do dano, a posição social, profissional e familiar do ofendido, bem como a intensidade do seu sofrimento, o dolo do ofensor e a situação econômica deste. Ademais, deve ser considerado o duplo efeito da indenização por danos morais: compensação pela violação ao patrimônio moral e desestímulo pela prática reputada ilegal.

Dessa forma, observando-se tais parâmetros e as circunstâncias do caso, fixo a indenização por dano moral em R$5.000,00, valor da data deste julgamento, devendo ser atualizado com juros e correção monetária a partir de então.

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso ordinário da Reclamante para, nos termos da fundamentação, condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral."

Nas razões de recurso de revista, a reclamada alega não ter sido comprovado dano moral, sustentando que o fato de haver regras para o uso do banheiro não constitui ato ilícito, ao contrário, está dentro do poder de direção do empregador. Aduz que a reclamante não demonstrou a prática reiterada dos fatos articulados, ônus que lhe incumbia, por ser prova do fato constitutivo do direito pretendido. Aponta violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC. Traz arestos a cotejo.

O r. despacho de admissibilidade denegou seguimento ao recurso de revista por entender pelo óbice das Súmulas 126 e 296 do c. TST.

As insurgências veiculadas em recurso de revista foram reiteradas em sede de agravo de instrumento.

Verifica-se do v. acórdão regional tese no sentido de que a restrição de uso de toaletes (necessidade de autorização para tanto), fiscalização do tempo despendido, possibilidade de sofrer advertência, repreensão ou constrangimento pela mera utilização dos banheiros, circunstâncias verificadas no caso, ensejam indenização por dano moral, uma vez que ofendem à dignidade pessoal do trabalhador em função do abuso de direito praticado pelo empregador no caso.

Assim, não há se falar em violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC, pois não se trata de discussão sobre a distribuição do ônus da prova, mas sim da valoração da prova produzida, uma vez que o eg. Tribunal Regional, utilizando-se da faculdade contida no artigo 131 do CPC, deu provimento ao recurso ordinário da reclamante, por concluir que restou comprovada a restrição do uso de toaletes, o que foi confirmado, inclusive, pela própria reclamada em sua defesa.

Entendo que a limitação do uso de banheiro ofende ao princípio da dignidade humana, conforme esposado na c. SDI-1/TST:

‘RECURSO DE EMBARGOS. (…). DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO TOALETE. DANO MORAL. TEMPO PARA O USO DO BANHEIRO. A dignidade é a pedra angular de todos os outros direitos e liberdades da pessoa humana: todas as pessoas são iguais, devem ser tratadas com respeito e integridade, e a violação deste princípio implica sanções pela lei. Pelo princípio da dignidade humana cada ser humano possui um direito intrínseco e inerente a ser respeitado, são seus próprios valores subjetivos – seu sistema de referências pessoais e morais – que se revelam no universo coletivo. Todas as condutas abusivas, que se repetem ao longo do tempo e cujo objeto atenta contra o SER humano, a sua dignidade ou a sua integridade física ou psíquica, durante a execução do trabalho merecem ser sancionadas, por colocarem em risco o meio ambiente do trabalho e a saúde física e psicológica do empregado. Um meio ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo que se manifesta em regra por palavras, intimidações, atos gestos ou escritos unilaterais que podem expor a sofrimento físico ou situações humilhantes os empregados deve ser objeto de proteção do legislador, do juiz e da sociedade. Nesse contexto, o empregador deve, pois, tomar todas as medidas necessárias para prevenir o dano psicossocial ocasionado pelo trabalho. Na particular hipótese dos autos, forçoso é convir que nem todos os empregados podem suportar, sem incômodo, o tempo de espera para uso dos banheiros, sem que tal represente uma agressão psicológica (e mesmo fisiológica) durante a execução do trabalho. A indenização em questão tem por objetivo suscitar a discussão sobre o papel do empregador na garantia dos direitos sociais fundamentais mínimos a que faz jus o trabalhador. Embargos conhecidos e desprovidos. ( E-ED-RR – 159600-47.2007.5.03.0020 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 23/09/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 01/10/2010)

Ressalte-se que esse entendimento é corroborado pela maioria das Turmas do c. TST, conforme precedentes a seguir:

(-) RECURSO DE REVISTA. (-) DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. Este Tribunal Superior tem adotado o entendimento de que a restrição imposta ao empregado para uso do banheiro acarreta ofensa à sua dignidade. Precedentes. Incidência da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 4º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece parcialmente e a que se dá provimento. (RR – 90840-63.2009.5.03.0024. Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma: DEJT 25/05/2012.’

‘RECURSO DE REVISTA (-) 3. RESTRIÇÃO DO USO DE BANHEIROS. ABUSO NO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO.

O cerne da controvérsia é saber se o condicionamento do uso de banheiros durante a jornada de trabalho à autorização prévia do empregador configura dano moral.

Este colendo Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que a submissão do uso de banheiros à autorização prévia fere o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), traduzindo-se em verdadeiro abuso no exercício do poder diretivo da empresa (artigo 2º da CLT), o que configura ato ilícito, sendo, assim, indenizável o dano moral. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 226200-20.2008.5.18.0013. Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma: DEJT 27/04/2012.’

‘RECURSO DE REVISTA DA TELEMAR NORTE LESTE S.A.. (-) DANO MORAL. A restrição ao uso de toaletes pela empresa não pode ser considerada conduta razoável, pois configura afronta à dignidade da pessoa humana e à privacidade, aliada ao abuso do poder diretivo do empregador. Recurso de revista não conhecido. (-) (RR – 147700-42.2008.5.03.0017, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma: DEJT 01/06/2012.’

‘(-) II – RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIRO. No caso dos autos, a Reclamada restringia o uso do banheiro, tanto que se a empregada utilizasse o toalete fora dos intervalos previamente determinados pela empresa, sofria sanções de natureza disciplinar e financeira. A restrição do uso de banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado, ofendendo sua dignidade, visto que não se pode objetivamente controlar a periodicidade da satisfação de necessidades fisiológicas que se apresentam em diferentes níveis em cada indivíduo. Tal procedimento revela abuso aos limites do poder diretivo do empregador. Recurso de Revista conhecido e provido. (RR – 272-44.2010.5.10.0000, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma: DEJT 11/05/2012.’

‘RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RECLAMADAS TELEMAR NORTE LESTE S.A. E CONTAX S.A. MATÉRIAS EM COMUM. ANÁLISE EM CONJUNTO. (-) 4) LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO- DANO MORAL – DESRESPEITO AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por danos moral e material encontra amparo nos arts. 186, 927 do Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CR/88). Na hipótese, foi consignado pelo Tribunal Regional que houve ofensa à dignidade do Reclamante, configurada na situação fática de restrição ao uso do banheiro, em prol da produtividade. O empregador, ao adotar um sistema de fiscalização que engloba inclusive a ida e controle temporal dos empregados ao banheiro, ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas necessidades fisiológicas, afrontando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória. Essa política de disciplina interna revela uma opressão despropositada, autorizando a condenação no pagamento de indenização por danos morais. Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF). Recursos de revista não conhecidos, neste aspecto. (-) (RR – 580-39.2010.5.03.0109. Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma: DEJT 04/05/2012.’

Assim, inviável o conhecimento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, nos termos do §4° do art. 896 da CLT.[2]

Percebe-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho nitidamente evoluiu no sentido de dar maior eficácia às garantias constitucionais concernentes ao princípio da dignidade humana e ao trabalho digno nas relações de trabalho, bem como ao princípio do não retrocesso social.

2. Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana, trabalho digno e relação de trabalho

Na Europa, em países como a Alemanha e a Espanha, a dignidade humana tem prerrogativa diante de outros valores que fazem parte do arcabouço de direitos fundamentais que estão presentes em suas Constituições, de modo que o valor da dignidade da pessoa humana orienta a delimitação do conteúdo essencial das cláusulas pétreas.[3]  

No Brasil, o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal aponta a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, o que destaca o seu valor na sistemática constitucional brasileira.[4]

Maurício Delgado e Gabriela Delgado ressaltam que o princípio da dignidade humana orienta toda a ordem jurídica, pois a pessoa humana e sua dignidade são o eixo central do Estado Democrático de Direito.[5]

Para Robert Alexy, o conceito de dignidade humana é tão indeterminado quanto o conceito de princípio da dignidade humana. Ele afirma que o conceito de dignidade humana pode ser elucidado por fórmulas genéricas – “o ser humano não pode ser transformado num mero objeto” – ou, além delas, mediante “um feixe de condições concretas, que devem estar (ou não podem estar) presentes para que a dignidade da pessoa humana seja garantida”.[6]

Além da dignidade humana, também são fundamentos da República, nos termos do art. 1º, inciso IV, da Carta Magna de 1988, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.  A ordem econômica, elucidada no art. 170 da Constituição Federal, está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego.

A própria Carta Constitucional de 1988 deixa clara ao vincular a valorização do trabalho humano à existência digna e ao princípio da busca do pleno emprego a importância do trabalho para o “centro convergente de direitos” – a pessoa humana.[7]

Nesse contexto, torna-se clara a correlação existente entre o direito do trabalho, onde o trabalho é visto como um meio de inserção social[8], e a concretização da dignidade da pessoa humana. Gomes afirma que é não há como dissociar vida digna e trabalho humano, pois

é através do mercado (e mais propriamente do trabalho exercido no mercado) que ele (o indivíduo) alcança a fruição dos outros direitos fundamentais, incluindo aí o mais básico e elementar: o direito à vida[9]

Assim, proteger o trabalho, o que envolve oferecer ao empregado condições dignas de trabalho, é essencial para assegurar “a identidade social do homem[10] e, portanto, é fundamental para que o princípio da dignidade da pessoa humana alcance sua plena eficácia e efetividade jurídica em uma sociedade que tem por objetivo fundamental ser livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, da Constituição Federal).

Gabriela Delgado afirma que, “ao mesmo tempo em que o trabalho possibilita a construção da identidade social do homem, pode também destruir a sua existência, caso não existam condições mínimas para o seu exercício”, não deixando, assim, “espaço para a concretização da dignidade[11].

Por outro lado, a livre iniciativa, fundamento da ordem econômica (art. 170 da Carta Magna), possibilita ao empregador o exercício do direito potestativo. Contudo, o poder diretivo possui limites de atuação que são delineados, inclusive, pelos direitos fundamentais insertos na Constituição da República de 1988.

Ingo Sarlet afirma que

“a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra aos poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçada”[12].

Maria do Perpétuo Socorro Wanderley destaca que o desequilíbrio econômico e social existente na relação de trabalho propicia a possibilidade eminente de desrespeito à dignidade da pessoa humana e, portanto, é imprescindível que haja uma maior exigibilidade de que o empregador se sujeite a sua observância. Destaca ainda a autora, que Canotilho afirma que “o problema da eficácia dos direitos fundamentais transformou-se num ‘tema paradigma do Direito Constitucional e do Direito do Trabalho’[13].

Na hipótese ora estudada – restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho – verifica-se que o empregador extrapola os limites concernentes ao poder potestativo, afrontando a dignidade do trabalhador, ao submetê-lo ao constrangimento de delimitação do tempo necessário para a satisfação de suas necessidades fisiológicas e, inclusive, obrigando-o, em alguns casos, a explicitar o motivo do uso do toalete.

Esse tipo de tratamento do empregador cria um ambiente estressante, que expõe de modo vexatório o empregado, limitando a sua liberdade, ofendendo seu direito à intimidade e podendo ocasionar danos a sua saúde – física e psíquica.

Falar em condições dignas de trabalho implica em ambiente de trabalho saudável, para além das normas de higiene e segurança do trabalho. É imprescindível que se zele pela higidez mental e emocional do empregado, de modo que não se vulnere o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, além do direito a intimidade e a honra do trabalhador, como no caso concreto analisado.

Daí resulta a importância da atuação da Justiça do Trabalho pautada no elenco de direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Nas palavras de Maurício Delgado e Gabriela Delgado:

Em sociedade civil e Estado fundados na dignidade da pessoa humana, na valorização do trabalho e especialmente do emprego, na submissão da propriedade à sua função social e ambiental – em conformidade com o que determina a Constituição da República -, é imprescindível a existência de uma sólida e universalizada estrutura dirigida à efetividade do Direito do Trabalho na vida econômica e social, inclusive com um segmento especializado, célere e eficiente de acesso ao Judiciário e de efetivação da ordem jurídica. Nesse sistema, cumpre papel decisivo a Justiça do Trabalho na democracia brasileira.[14]

Conclusão

A análise da jurisprudência do TST demonstrou a importância do papel do Poder Judiciário e a imprescindibilidade dessa Justiça Especializada para conferir eficácia horizontal aos direitos fundamentais, inclusive trabalhistas, de modo a garantir um patamar mínimo de civilidade na relação entre capital e trabalho e o não retrocesso social, assegurando, assim, o direito fundamental ao trabalho digno, conforme se verificou na evolução da jurisprudência no caso de reparação por dano moral decorrente da restrição do uso de banheiros no ambiente de trabalho.

 

Referência:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
ARANHA, M. I. Conteúdo essencial das cláusulas pétreas. In. Revista Notícia do Direito Brasileiro 7: 389-402, 2000.
ARRUDA, Kátia Magalhães. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua força normativa. Revista do TST, vol.75, n.3, jul/set 2009.
DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTR, 2006.
DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2013.
SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 374.
WANDERLEY, Maria do Perpetuo Socorro. A Dignidade da Pessoa Humana nas Relações de Trabalho. Revista do TST, vol.75, n.3, jul/set 2009, p. 110/111.
Notas:
[1] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 7ª Turma. RR-141700-28.2006.5.18.0001, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DJe 28.11.2008. Disponível em: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado= RR-141700-28.2006.5.18.0001&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAoM+AAA&dataPublicacao=28/11/2008&query= Acesso em setembro de 2013.
[2] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 6ª Turma. AIRR-3477700-38.2009.5.09.0003, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJe 1º.3.2013. Disponível em: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado= AIRR-3477700-38.2009.5.09.0003&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAJesAAH&dataPublicacao=01/03/2013&query= Acesso em setembro de 2013.
[3] ARANHA, M. I. Conteúdo essencial das cláusulas pétreas. In. Revista Notícia do Direito Brasileiro 7: 389-402, 2000.
[4] Ob. loc. cit.
[5] DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2013, p. 43.
[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 355.
[7] DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTR, 2006, p. 205.
[8] NASCIMENTO, Marilza Geralda apud DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2012, p. 60.
[9] GOMES Fabio Rodrigues apud ARRUDA, Kátia Magalhães. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua força normativa. Revista do TST, vol.75, n.3, jul/set 2009, p. 42.
[10] DELGADO, op. cit., p. 237.
[11] DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTR, 2006, p. 237.
[12] SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 374.
[13] WANDERLEY, Maria do Perpetuo Socorro. A Dignidade da Pessoa Humana nas Relações de Trabalho. Revista do TST, vol.75, n.3, jul/set 2009, p. 110/111.
[14] DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2013, p. 170.

Informações Sobre o Autor

Valéria de Oliveira Dias

Pós-graduada em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus e pós-graduanda em Direito Constitucional do Trabalho pela UnB. Bacharel em Administração pela UnB e em Direito pelo UniCEUB. Assistente da Ministra Delaíde Miranda Arantes no Tribunal Superior do Trabalho


Equipe Âmbito Jurídico

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