Danos morais e pessoas jurídicas

Resumo: Esse trabalho tem como objetivo ressaltar a importância do estudo do instituto dos danos morais e das pessoas jurídicas, pois com o advento do enunciado nº. 186, proposto durante a IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários – CEJ – do Conselho da Justiça Federal – CJF, há uma alteração na interpretação do artigo 52 do Código Civil, indo na contramão do entendimento da doutrina e da jurisprudência majoritária. Concluindo, objetivo desse trabalho é de levar à tona a discussão de matéria tão importante no direito civil: pessoa jurídica pode ser vítima de dano moral?

Palavras-chave: Dano Moral – Pessoa Jurídica – Artigo 52 do Código Civil – Nova Interpretação – Novo Entendimento.

Abstract: This essay aims to emphasize the importance of the study the institute of moral damage and legal persons, because with the advent of the statement no. 186, proposed during the IV Journey of Civil Law, conducted by the Center for Legal Studies – CEJ – Council of the Federal Judiciary – CJF, there is a change in the interpretation of Article 52 of the Civil Code, going against the understanding of the doctrine and jurisprudence. In conclusion, the aim of this work is to bring to the fore the discussion of matters so important to the civil law: legal person may be a victim of moral damage?

Keywords: Moral Damage – Legal Person – Article 52 of the Civil Code – New Interpretation – New Understanding.

Sumário: Introdução. 1. Das pessoas jurídicas. 1.1. Conceito. 1.2. Pessoa jurídica no Código Civil de 2002.1.3. Classificação da pessoa jurídica.1.4. Capacidade da pessoa jurídica. 2. Dano: conceito. 2.1. Dano material. 2.1.1. Classificação do dano material. 2.1.1.1. Dano emergente. 2.1.1.2. Lucro cessante. 2.1.1.3. Dano decorrente da perda de uma chance. 2.2. Dano moral. 2.2.1. Classificação do dano moral. 2.2.1.1. Dano moral direto. 2.2.1.2. Dano moral indireto. 2.2.1.3. Dano moral reflexo. 2.3. Reparação do dano moral. 2.3.1. Espécies de reparação do dano moral. 2.3.1.1. Reparação in natura. 2.3.1.2. Reparação pecuniária. 2.4. Natureza da compensação do dano moral. 2.5. Fixação dos danos morais. 2.5.1. Compensação tarifada. 2.5.2. Arbitramento. 2.6. Reparação integral do dano. 3. Danos morais e pessoas jurídicas.

Introdução

Com o advento do enunciado nº. 186, proposto durante a IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários – CEJ – do Conselho da Justiça Federal – CJF, no ano de 2006, há uma alteração no paradigma do dano moral naquilo que se relaciona com as pessoas jurídicas, indo na contramão do entendimento da doutrina e da jurisprudência majoritária.

Entretanto, ainda vigora em nosso ordenamento jurídico a corrente que sustenta a tese de que pessoa jurídica pode ser vítima de dano moral, como disposto no artigo 52 do Código Civil e em entendimento solidificado pela súmula nº. 227 do Superior Tribunal de Justiça.

Esse trabalho tem o objetivo de levar à tona a discussão de matéria tão importante no direito civil: pessoa jurídica pode ser vítima de dano moral?

1. Das pessoas jurídicas

1.1. Conceito

Entendemos ser pessoa jurídica aquela entidade formada ou concebida por um agrupamento humano, agrupamento de patrimônio ou agrupamento humano e de patrimônio, com a finalidade de alcançar determinado objetivo, criadas na forma da lei e sendo dotadas de personalidade jurídica. Sua existência é distinta das pessoas físicas que a compõe, bem como também o patrimônio dessas pessoas jurídicas não se confundem com o das pessoas físicas.

Podem ser titulares de alguns direitos, bem como contrair obrigações. Entretanto a personalidade jurídica das pessoas jurídicas não é exercida diretamente pela pessoa jurídica em si; depende da vontade da pessoa humana por trás da pessoa jurídica.

1.2. Pessoa jurídica no Código Civil de 2002

A exemplo do Código Civil de 1916 que também regulamentava a matéria, nosso Código Civil vigente dedica um Título (Título II) às pessoas jurídicas, dividindo o assunto em três capítulos (capítulo I – disposições gerais (artigos 40 a 52); capítulo II – das associações (artigos 53 a 61) e capítulo III – das fundações, regulado pelos artigos 62 a 69.

1.3. Classificação da pessoa jurídica

O Código Civil, em seu artigo 40, classifica as pessoas jurídicas entre: direito público, interno ou externo, e de direito privado.

Correspondem às pessoas jurídicas de direito público interno, de acordo com o artigo 41: a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios (ou seja, a administração direta); as autarquias, inclusive as associações públicas (como a OAB, INSS, CADE, FUNAI etc.); e as demais entidades de caráter público criadas por lei; enquanto que o artigo 42 diz que são pessoas jurídicas de direito público externo “os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”. São exemplos: as nações estrangeiras e organismos internacionais, como a ONU, UNESCO, FAO entre outros.

O artigo 44 do Código Civil define que são pessoas jurídicas de direito privado: “as associações; as sociedades; as fundações; as organizações religiosas; os partidos políticos; as empresas individuais de responsabilidade limitada.

As pessoas jurídicas de direito privado passam a existir com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Em alguns casos, deve haver a autorização ou aprovação do Poder Executivo, devendo ser averbando em seu registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Tal registro, como prevê o artigo 16 do Código Civil vigente, deve declarar: a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais e as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

1.4. Capacidade da pessoa jurídica

A capacidade da pessoa jurídica decorre do seu registro. Tal capacidade permite à pessoa jurídica o exercício de determinados direitos, como por exemplo, o direito ao nome, direito a nacionalidade, ao domicílio. As pessoas jurídicas possuem direitos patrimoniais, como o de adquirir bens.

Ademais, a pessoa jurídica possui personalidade diversa da de seus membros, além de possuir patrimônio distinto destes.

Entretanto, essa capacidade é limitada.

Difere justamente da pessoa física no que tange a alguns direitos inerentes à pessoa humana. Pessoas jurídicas não contraem casamento, não adotam, não podem testemunhar. Pessoas jurídicas não sofrem dor, amargura, arrependimento. Não praticam, diretamente, seus atos (como disposto no artigo 47[1] do Código Civil). Entendemos também que não podem cometer crimes por si (faltam os elementos que são indispensáveis, como o dolo e a culpa, a imputabilidade ou o conhecimento da ilicitude. Entendemos que a decisão sobre a conduta é cometida por pessoa(s) física(s) responsável ou responsáveis pela pessoa jurídica).

2. Dano: conceito

Entendemos que dano (ou prejuízo) é qualquer ofensa a um interesse juridicamente protegido, seja patrimonial ou moral.

É um dos pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que sem dano não há o que indenizar ou reparar. Dessa forma, só há responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Para nós, a reparação de um dano sem que este exista configuraria como enriquecimento ilícito.

Ressalta-se que há dano inclusive onde não há culpa, como no caso da responsabilidade civil objetiva. Outrossim, entendemos que o dano pode ocorrer inclusive em atividades lícitas (TOZZI, 2013, p. 63), como no caso de alguns danos ao meio ambiente.

2.1. Dano material

Dano material (ou patrimonial) é aquele que incide sobre os bens que afetam o patrimônio do ofendido.

Por patrimônio entendemos ser o conjunto de bens (dinheiro, máquinas, imóveis, móveis, automóveis etc.), direitos (são os bens incorpóreos, mas que possuem valor, como aluguéis, contas a receber etc.) e obrigações (é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, cujo objeto consiste em uma prestação pessoal, econômica, que pode ser de dar, fazer ou não fazer, ao credor pelo devedor, garantindo-se, então, o cumprimento da obrigação, extinguindo-a. É o pagamento de determinada conta, é concretizar uma atividade em benefício do seu credor, ou se abster de fazer determinado comportamento, também em benefício do credor).

A lembrar que o crédito que não é honrado, a lesão ao nome ou a reputação também causam prejuízo, assim como o dano causado por uma vidraça quebrada.

2.1.1. Classificação do dano material

2.1.1.1. Dano emergente

Dano emergente é o que efetivamente se perdeu, é a diminuição do patrimônio que sofre a vítima do dano, como prevê o artigo 402 do Código Civil[2]. É o prejuízo concreto e provado causado a alguém. É o prejuízo efetivamente comprovado e mensurável: é o conserto de uma vidraça quebrada ou o conserto de um veículo. O dano emergente é o efetivo valor desembolsado para a reparação dos danos causados nos exemplos citados.

Entende Carlos Roberto Gonçalves que dano emergente “representa, pois, a diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois” (GONÇALVES, 2009, p. 343).

2.1.1.2. Lucro cessante

Entendemos que são lucros cessantes os prejuízos causados pela interrupção da atividade da pessoa lesada. É a perda de um ganho futuro, mas esperado.

Se um taxista, por exemplo, sofre um acidente e fica sem poder exercer seu trabalho por 30 dias pois seu veículo ficou parado na oficina por todos esses dias, os lucros cessantes é o que ele deixou de auferir durante esse período de inatividade, ou usando a expressão prevista na parte final do artigo 402 do Código Civil, “(…) o que razoavelmente deixou de lucrar”.

De acordo com o artigo 944 do Código Civil, a indenização deve ser medida pela extensão do dano. Sendo assim, não achamos suficiente sua apreciação apenas em relação aos danos emergentes (dano atual), mas também dos lucros cessantes (dano futuro), quando cabíveis.

Contudo, se o dano emergente pode ser provado pela simples prova de notas fiscais, o lucro cessante é apurado com base em fatos passados, mediante perícia ou demonstrativo contábil. Se o dano emergente é a certeza do prejuízo, o lucro cessante não. Trata-se de apenas uma probabilidade de que o lucro viria no curso normal dos acontecimentos, durante o período de inatividade do taxista. Há de se ter, entretanto, bom senso na apuração da indenização.

Entendemos que essa probabilidade pode ser tanto positiva quanto negativa. No mesmo exemplo citado, será positiva se, durante o período de inatividade do taxista ocorre crise qualquer, com conseqüente aumento dos preços dos combustíveis, dificultando o labor como taxista. A probabilidade não leva em conta a crise, pois o lucro cessante é apurado com base em fatos passados.

Da mesma forma, será negativa quando o período de inatividade do taxista, por exemplo, que exerce seu labor em cidade turística, coincide com o período de alta temporada no turismo. Possivelmente o taxista teria bom lucro durante esse período, no entanto, novamente frisamos que o lucro cessante é aquele apurado com base em fatos passados.

2.1.1.3. Dano decorrente da perda de uma chance

Originária do direito francês, através da decisão da Corte de Cassação de 17 de julho de 1889[3], visa à indenização do dano quando, por ato de terceiro, há a frustração de expectativa concreta de que se poderia obter benefício ou evitar uma perda.

Citando Aguiar Dias, Sérgio Severo menciona que a perda de uma chance é a “diminuição da probabilidade de bom êxito futuro” (SEVERO, 1996, p. 12).

Severo diferencia a perda de uma chance em obtenção de uma vantagem esperada e afastamento de uma perda (SEVERO, 1996, p. 12).

A obtenção de uma vantagem esperada pode representar um dano atual ou futuro. Será atual no caso do “cavalo impossibilitado de participar de uma corrida por culpa do transportador” (SEVERO, 1996, p. 12); por seu turno, será dano futuro no caso da pessoa que, por atraso de vôo, impede sua posse em concurso onde fora aprovado.

Entretanto, entendemos que no caso de dano atual há conseqüências futuras. O cavalo favorito que não participa da corrida, por exemplo, vencendo sua competição, valorizar-se-ia futuramente. O prejuízo, portanto, gera conseqüências futuras.

Em relação à chance de afastamento de uma perda, ela pode se manifestar, por exemplo, no caso do advogado do réu que não contesta ou recursa quando há duvidas em relação à autoria de fato criminoso, onde poderia evitar-se que o acusado seja processado criminalmente.

Como dissemos, não há na nossa legislação qualquer dispositivo que regule a perda de uma chance.

Na jurisprudência pátria, em alguns julgados, o assunto é colocado à tona, mas é negada a indenização, como podemos depreender na jurisprudência abaixo citada:

“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA DE ADVOGADO, QUE SERIA RESPONSÁVEL PELA REVELIA E INTERPOSIÇÃO INTEPESTIVA DE APELAÇÃO. PROVA QUE SÓ PERMITE CONCLUIR PELA CULPA DO PROFISSIONAL NA ÚLTIMA HIPÓTESE. PERDA DE UMA CHANCE. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO. NECESSIDADE, PORÉM, DA SERIEDADE E VIABILIDADE DA CHANCE PERDIDA. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO PRESENTES NA ESPÉCIE. ACOLHIMENTO DO PEDIDO APENAS PARA CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL AO RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS PAGOS PELOS AUTORES E PREPARO DO RECURSO INTEMPESTIVO. APELO EM PARTE PROVIDO.” (TJRS, Apelação Cível nº 70005635750, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 17.11.2003).

Por outro lado, entendemos no sentido de que é juridicamente possível o pedido de indenização pela perda de uma chance, devendo ser utilizado analogia para adaptar a lei ao caso concreto, afinal a vítima não pode ficar sem indenização quando esta é possível, devendo haver a prova do prejuízo e do nexo causal.

2.2. Dano moral

Dano moral é a lesão aos direitos de personalidade. É a honra ferida, a sensação de bem-estar. É o dano que afeta a dignidade humana, nos termos do artigo 1º, inciso III, da nossa Carta Magna. É a perda da qualidade de vida. O dano moral surge em decorrência de uma conduta ilícita ou injusta, que venha a causar forte sentimento negativo em qualquer pessoa, como vexame, constrangimento, humilhação, dor, a auto-estima, ao respeito, a intimidade etc.

2.2.1. Classificação do dano moral

O dano moral pode ser direto, indireto ou ainda reflexo (ou em ricochete). Para tanto, basta analisar a área que foi lesada da esfera jurídica da vítima.

2.2.1.1. Dano moral direto

O dano moral direto (ou puro) é aquele causado diretamente em aspecto extrapatrimonial da vítima. Como exemplo, podemos citar que a anotação restritiva do crédito, desde que ilícita, acarreta a caracterização do dano moral. É nesse sentido a jurisprudência que temos a oportunidade de colacionar:

“APELAÇAO CÍVEL – VALORES DO ACORDO – EFETIVAMENTE PAGOS – INSCRIÇAO INDEVIDA DA APELADA NOS CADASTROS DE RESTRIÇAO AO CRÉDITO – DANO MORAL PURO QUE INDEPENDE DE PROVA. PRECEDENTES DO STJ – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. A inscrição indevida do nome de pessoa nos cadastros de proteção ao crédito enseja indenização por danos morais, sem que haja necessidade de prova do prejuízo, uma vez que se cogita de dano moral puro.” (TJSE – 2ª. Câmara Cível – AC 2012202004/SE, Rel.: Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. DJ: 10.04.2012).

2.2.1.2. Dano moral indireto

Dano moral indireto é o causado no patrimônio ou em outros elementos materiais da vítima, gerando reflexos na esfera extrapatrimonial. Como exemplo, é “o dano nascido no constrangimento sofrido pela vítima de lesão deformante do corpo” (BIRNFELD, 2009, p. 40). Nesse sentido e a título de exemplo, temos a oportunidade de colacionar a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTEFERROVIÁRIO. QUEDA DE TREM. DANOS MATERIAL E MORAL RECONHECIDOS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DANO ESTÉTICO AUTÔNOMO. DIREITO À REPARAÇÃO. RECURSO PROVIDO.

1. "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (Súmula 387/STJ), ainda que derivados de um mesmo fato, mas desde que um e outro possam ser reconhecidos autonomamente, sendo, portanto, passíveis de identificação em separado.

2. Na hipótese em exame, entende-se configurado também o dano estético da vítima, além do já arbitrado dano moral, na medida em que, em virtude de queda de trem da companhia recorrida, que trafegava de portas abertas, ficou ela acometida de "tetraparesia espástica", a qual consiste em lesão medular incompleta, com perda parcial dos movimentos e atrofia dos membros superiores e inferiores. Portanto, entende-se caracterizada deformidade física em seus membros, capaz de ensejar também prejuízo de ordem estética.

3. Considera-se indenizável o dano estético, autonomamente à aflição de ordem psíquica, devendo a reparação ser fixada de forma proporcional e razoável.

4. Recurso especial provido.” (STJ – Quarta Turma. REsp: 812506/SP 2006/0005009-7. Rel.: Ministro Raul Araújo. DJ: 19.04.2012).

2.2.1.3. Dano moral reflexo

Pablo Stolze Gagliano afirma a existência dessa espécie de dano moral (GAGLIANO, 2008, p. 67), sendo dano moral reflexo (ou em ricochete) aquele que projeta-se além da vítima e atingir a esfera jurídica de terceiro, que é ligada por laço de afetividade.

A jurisprudência também acata esse tipo de dano moral, como podemos observar pelo julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Apelação – Indenização por Danos Materiais e Morais – Infecção contraída por recém-nascida em ambiente hospitalar – Meningite – Seqüelas cerebrais – Responsabilidade objetiva – O réu deve indenizar os prejuízos sofridos pela menor – Além disso, os pais também merecem indenização pelo dano moral reflexo ocorrido – Recursos parcialmente providos”. (TJSP – 8ª Câmara de Direito Privado. APL 9174654662007826 SP 9174654-66.2007.8.26.0000. Rel.: Des. Ribeiro da Silva. DJ: 16.02.2011).

2.3. Reparação do dano moral

Como entende Maria Helena Diniz, “a reparação do dano moral não é uma indenização por dor, vergonha, humilhação, perda da tranqüilidade ou do prazer de viver, mas uma compensação pelo dano e injustiça sofridas pelo lesado, suscetível de proporcionar-lhe uma vantagem, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando, assim, em parte, seu sofrimento” (DINIZ, 1998, p. 5).

Entretanto não é qualquer dano moral passível de reparação, como já dissemos. O dano moral passível de reparação é aquele que acarreta sofrimento além do normal e não o mero aborrecimento causado por atritos que normalmente ocorrem nas relações humanas. Deve haver certa tolerância face à agressão. Como já entendeu o Ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, “(…) o dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor” [4].

Mero aborrecimento é aquele motivo fútil, é o mero dissabor da vida cotidiana. Nesse sentido é a jurisprudência:

“APELAÇAO CÍVEL. INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS. BLOQUEIO INDEVIDO DE CARTAO DE CRÉDITO. MERO ABORRECIMENTO. APELO CONHECIDO E PROVIDO.

I – A não liberação da compra por motivos de segurança não caracteriza dano moral, tratando-se de mero aborrecimento.

II – Não havendo violação à ordem, não há que se falar em dano moral.

III – Apelo conhecido e provido”. (TJSE – 2ª Câmara Cível. AC 2012202181/SE. Rel.: Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima. DJ: 24.04.2012).

Portanto, para ser reparável, o dano moral deve ser todo aquele que fere os valores inerentes à personalidade, a alma da pessoa, pois como entende Xisto Tiago de Medeiros Neto, a “personalidade humana revela, manifestamente, atributos de ordem física, psíquica, moral e social” (NETO, 2004, p. 55). E no sentido mais abrangente possível, é também o que abala a esfera de bem-estar da vítima e a dignidade da pessoa humana.

2.3.1. Espécies de reparação do dano moral

2.3.1.1. Reparação in natura

Reparação in natura, ou natural, é aquela que satisfaz o lesado sem que se recorra a um meio pecuniário para a recomposição de tais danos. Essa forma de composição dos danos visa o retorno ao statos quo ante.

Na revogada Lei de Imprensa, em seu artigo 29, existia a recomendação da retratação, através do direito de resposta e de retificação: “tôda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que fôr acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação”. (Grifos nossos).

Ademais, é norma constitucional o direito de resposta, como podemos depreender da interpretação do inciso V do artigo 5º da Carta Magna: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. (Grifos nossos).

Para nós, existe ainda a reparação in natura:

a) No parágrafo 3º do artigo 243 do Código Eleitoral (Lei nº. 4.737/65), que assegura o direito de resposta à vítima da injuria, calúnia ou difamação, através da imprensa de rádio, televisão, ou ainda, alto-falante. É dessa forma que é entendido por nossos tribunais:

“Recurso. Direito de Resposta. Eleições 2012. Decisão originária que julgou parcialmente procedente a representação, concedendo direito de resposta à recorrida. Legitimidade do órgão de imprensa escrita para figurar no pólo passivo do pedido de direito de resposta. Assegurado o direito de resposta ao candidato atingido por afirmação injuriosa, difamatória ou ofensiva, difundida por qualquer veículo de comunicação social. Notícia veiculada no jornal que extrapola a crítica moderada, externando opinião maliciosa e tendenciosa. Provimento negado”. (TRE/RS – RE 82676/RS. Rel: Dr. Artur dos Santos e Almeida. Publicado em Sessão: 11.09.2012). (Grifos nossos).

b) No artigo 108 e seus incisos, da Lei de Direitos Autorais (Lei nº. 9.610/98), que prevê: “quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: I – tratando-se de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração, por três dias consecutivos; II – tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor; e III – tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior”. Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2ª Turma Cível, em Apelação nº. 809236320088070001, através do Desembargador Waldir Leôncio Lopes Júnior (DJ: 04.05.2011), já decidiu:

“Direitos autorais. Ofensa. Publicação de trabalho cartográfico sem autorização do autor e sem citação do título da obra, da autoria e da fonte. Pedidos de indenização por danos morais e de inclusão de errata em exemplar da revista IstoÉ, com divulgação da identidade do autor, e a comunicação com destaque, por três vezes consecutivas, no jornal "Correio Braziliense".”

2.3.1.2. Reparação pecuniária

A reparação pecuniária é a forma utilizada quando há a impossibilidade de se retornar ao estado anterior antes da lesão moral, atenuando o sofrimento da vítima, visando satisfazê-la do dano causado e punindo o ofensor, visando também o desestimulo da ação lesiva.

A dificuldade dessa espécie de reparação é a fixação do valor, da valoração de algo que não possui valor de mercado, como a dor, o sofrimento, a angústia, a sensação de bem-estar, como veremos logo mais.

Ademais, entendemos que a reparação in natura e a reparação pecuniária podem coexistir num mesmo caso, se complementando, se o entendimento for o de que a forma in natura não for suficiente para alcançar o fundamento da reparação integral do dano[5].

2.4. Natureza da compensação do dano moral

Temos que a reparação dos danos morais possui sempre dupla natureza (ou como entende Yussef Said Cahali, tal reparação tem “natureza mista” (Cahali, 2005, p. 38): por um lado, visa compensar, atenuar o sofrimento da vítima, satisfazê-la do dano moral causado.

Tem, por outro lado, natureza punitiva ao ofensor, servindo como sanção, cujo objetivo é o de desestimular a repetição do ato lesivo pelo causador do dano.

É nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça já vem aplicando, como no caso do Recurso Especial cujo Relator, o Ilustre Ministro José Delgado entendeu que “o valor fixado pra o dano moral está dentro dos parâmetros legais, pois há eqüidade e razoabilidade no quantum fixado. A boa doutrina vem conferindo a esse valor um caráter dúplice, tanto punitivo do agente quanto compensatório em relação à vítima” [6].

Contudo, apesar de compensar o sofrimento do ofendido, frisamos que a reparação dos danos morais não é indenização, mas sim compensação, no sentido de que não recompõe o patrimônio do ofendido, até porque em algumas ocasiões este não sofre qualquer diminuição, tendo em vista o caráter extrapatrimonial dos danos morais. Ademais, não há meios de, como entendemos, indenizar o que não possui valor econômico.

2.5. Fixação dos danos morais

A fixação de um valor monetário para as compensações de dano moral surge como talvez o grande problema, afinal a dificuldade é imensa de se estabelecer um valor em pecúnia para aquilo que não tem valor financeiro, não é bem controlado pelo mercado, mas sim aquilo que cada um carrega em si, como a honra, o sofrimento, a imagem, a consciência, entre outros.

Entretanto, essa dificuldade não significa que os danos morais não devem ser reparados, muito pelo contrário.

Surge então dois critérios para a mais correta fixação de danos morais: a compensação tarifada e o arbitramento.

2.5.1. Compensação tarifada

Por essa forma, a legislação estabelece normas para a fixação dos danos morais.

A título de exemplo, podemos encontrar essa forma na Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/67), que em seu artigo 51 e incisos, indica que:

“A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:

I – a 2 salários-mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, ns. II e IV);

II – a cinco salários-mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decôro de alguém;

III – a 10 salários-mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém; 

IV – a 20 salários-mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (art. 49, § 1º)”.

Entendemos que indenizações por danos morais que sejam tarifadas seria “pasteurizar” o sentimento de cada um, a sensação de bem-estar do ofendido, deixando na mão do legislador equiparar situações que, para nós, devem ser analisadas caso a caso pelo juiz da causa. Permitiria também a absurda situação de o agressor avaliar o custo-benefício de se cometer o ato danoso, ofendendo quando julgar que pode valer a pena praticar o ato ilícito. 

Nesse mesmo sentido entende Maria Helena Diniz ao ensinar que “tarifar não seria a solução ideal para encontrar o justo equilíbrio na indenização do dano moral” (DINIZ, 2010, p. 103).

Ademais, é o entendimento da Súmula nº 281 do Superior Tribunal de Justiça ao determinar que: “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

2.5.2. Arbitramento

Para nós a forma mais correta de fixação dos danos morais. Aplica-se, aqui, a regra do inciso II do artigo 475-C do Código de Processo Civil: “far-se-á a liquidação por arbitramento quando (…) o exigir a natureza do objeto da liquidação”.

Pelo arbitramento deve o juiz analisar alguns aspectos do caso concreto, que encontramos no artigo 53 da Lei nº. 5.250/67, como a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social do ofendido, bem como a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável e sua situação econômica, proporcionando assim uma condenação mais justa, e mais ampla, tanto para o ofendido quanto para o ofensor.

Dessa forma, ao contrário da compensação tarifada, o arbitramento permite a individualização da sanção segundo as circunstâncias objetivas do fato e subjetivas dos agentes.

Entendemos que a indenização deve ser fixada considerando-se os elementos da lide, como os transtornos gerados, a capacidade econômica dos envolvidos, atendendo aos objetivos da reparação civil, quais sejam, a compensação do dano, a punição ao ofensor e a desmotivação social da conduta lesiva, sem que gere um enriquecimento sem causa à vítima ou um empobrecimento demasiado do ofensor.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM. Embora seja difícil aquilatar-se o dano causado ao patrimônio moral da vítima, decorrente especialmente da variabilidade do limite de tolerância à agressão inerente à condição humana, extraem-se da legislação pátria alguns critérios úteis para a fixação do valor da indenização compensatória, como o grau de culpa do ofensor, a extensão do dano e a situação econômica das partes ("ex vi" dos arts. 944 do código civil e 53 da lei nº. 5.250/67), que devem ser observados pelo julgador em consonância com as peculiaridades de cada caso”. (TRT 12ª Região – Terceira Turma. RO 0003152-87.2010.5.12.0053. Rel. Juiz Hélio Bastida Lopes. DOESC 18/10/2012).

Como salienta José Roberto Ferreira Gouvêa, “assume importância central, nesse ínterim, o arbítrio do juiz, que, para não se tornar arbitrariedade, deve se fundamentar na prudência, na equidade e na razoabilidade” (GOUVÊA, 2005, p. 151).

Por fim, se houver, no caso concreto, eventual parcela de culpa da vítima, o juiz deverá levar tal fato em consideração, descontando do montante indenizatório, de acordo com o grau de culpa do ofendido.

2.6. Reparação integral do dano

Diz o artigo 944 do Código Civil que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. No mesmo sentido, prevê o artigo 12 do Código Civil que “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. (Grifos nossos). Também o artigo 948[7] e o artigo 949[8], ambos do Código Civil, prevêem a ampla indenização, a reparação integral do dano.

A indenização proveniente de ato ilícito deve ser a mais ampla possível, abarcando todos os aspectos cabíveis no caso, como o dano moral e/ou material, lucros cessantes, perda de uma chance. Tudo deve ser levado em conta para a correta indenização, visando o retorno ao statos quo ante, ou que chegue a uma situação que seja, na medida do possível, ao menos equivalente aquela de que seria beneficiado o ofendido se o dano não tivesse sido causado.

Como salienta Maria Helena Diniz, a indenização deve ser a mais ampla possível, “até onde suportarem as forças do patrimônio do devedor, apresentando-se para o lesado como uma compensação pelo prejuízo sofrido sem, contudo, servir de locupletamento indevido ao lesado” (DINIZ, 2005, p. 733).

Entendemos, por fim, que a indenização deve comportar, quando cabível, juros[9] e correção monetária, nos exatos termos previstos no enunciado da Súmula nº. 562 do Supremo Tribunal Federal: “na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, os índices de correção monetária”.

E mais. Como entende Xisto Tiago de Medeiros Neto, a reparação do dano deve possuir um duplo objetivo: deve recompor o dano do lesado e deve evitar que novas condutas antijurídicas ocorram (NETO, 2004, p 76).

3. Danos morais e pessoas jurídicas

Prescreve a Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, que entrou em vigor em 1999, que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Esse entendimento é corroborado pelo que dispõe o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”), e pelo disposto no inciso VII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), que prevê que são direitos básicos do consumidor (e consumidor, de acordo com o artigo 2º da Lei do Consumidor é toda pessoa física ou jurídica), “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”. (Grifos nossos).

Ademais dispõe o artigo 52 do Código Civil que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. Portanto, de acordo com os dispositivos legais citados, tem-se a conclusão de que à pessoa jurídica admite-se a concessão dos danos morais.

Esse entendimento de que pessoa jurídica faz jus a danos morais foi concretizado por inúmeros doutrinadores e julgados.

Cavalieri Filho leciona que o dano moral, no que se relaciona à pessoa jurídica, afeta a honra subjetiva, “refletida na reputação, no bom nome e na imagem perante a sociedade” (FILHO, 2010, p. 101). Nesse sentido é a jurisprudência que temos a oportunidade de citar, onde o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar proferiu seu voto no seguinte sentido:

“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua”. (STJ. REsp 60033-2/MG. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJ 27.11.1995[10]).

Como podemos depreender do voto do Ilustre Ministro, pessoa jurídica é passível de sofrer danos morais em virtude de atos que possam abalar o respeito, a admiração, o apreço, a reputação, ou seja, a honra subjetiva que esta pessoa jurídica possui perante a terceiros.

Para nós, entretanto, o entendimento mais correto é o de que a pessoa jurídica não é vítima de dano moral.

Em que pese o fato de que a pessoa jurídica possui capacidade (que é decorrente do seu registro), e que tal capacidade permite à essa pessoa jurídica o exercício de determinados direitos, como por exemplo, o direito ao nome, ao domicílio, de adquirir bens, entre outros, essa capacidade é limitada.

Difere justamente da pessoa física no que tange a alguns direitos próprios e exclusivos da pessoa humana.

Pessoas jurídicas não contraem casamento, não adotam, não podem testemunhar. Pessoas jurídicas não sofrem dor, amargura, arrependimento, ressentimento. Não praticam, diretamente, seus atos (como disposto no artigo 47[11] do Código Civil). Como já dissemos, pessoas jurídicas não cometem crimes por si (faltam os elementos que são indispensáveis, como o dolo e a culpa, a imputabilidade ou o conhecimento da ilicitude – a decisão sobre determinada conduta é cometida por pessoa física, responsável pela pessoa jurídica, ou que tenha poder gerencial sobre ela).

Aos poucos vai sendo formada uma nova corrente, onde pessoa jurídica não é capaz de sofrer danos morais.

Tal corrente ganha força com o advento do enunciado nº. 186, proposto durante a IV Jornada de Direito Civil, no qual o artigo 52 ganharia uma interpretação diversa: “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua exclusiva humanidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos[12]. (Grifos nossos).

Como nós entendemos, e corroborado pelo disposto no citado enunciado nº. 186, o dano moral é característica inerente à pessoa humana. O dano moral protege os direitos de personalidade que são exclusivos e inerentes à pessoa humana. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Carta Magna) constitui-se no fundamento do instituto do dano moral e de sua correspondente indenização.

Pessoa jurídica, como já dissemos, não tem sentimentos. Não sofre, não tem dor, não sente tristeza. A pessoa jurídica não busca o seu próprio bem-estar. E justamente esses direitos que são os protegidos em relação ao dano moral.

Outro motivo é que, quando falamos em dano moral onde a pessoa jurídica se encontra na posição de vítima, falamos de matéria que reflete no campo patrimonial, e não moral. O nome, a imagem, a reputação, o conceito. Todos esses elementos, no que se referem às pessoas jurídicas, têm natureza patrimonial.

Para o professor Mário Luiz Delgado Reis, autor do enunciado nº. 186, “a privacidade da pessoa natural representa um valor existencial, enquanto o sigilo comercial exprime um interesse patrimonial da pessoa jurídica. O direito ao nome comercial, de expressão patrimonial e protegido por normas específicas, também não se confunde com o direito ao nome da pessoa natural” [13].

Todos esses elementos (nome, imagem, reputação, conceito), quando atingidos, interferem diretamente no patrimônio da pessoa jurídica: é a empresa que deixa de lucrar, é a empresa que pede falência, é a empresa que tem prejuízo, que perde chances de negócio.

Nesse sentido, temos a oportunidade de colacionar a seguinte jurisprudência:

“Dano moral. Pessoa jurídica. Pessoa jurídica que pode sofrer dano moral. Súmula 227 do STJ. Caso em que, todavia, diversamente do que se dá com a pessoa física, as hipóteses em que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral são bem mais restritas, já que ela não possui “sentimentos” passíveis de serem abalados. Dano moral Pessoa jurídica – Transtornos ocasionados pela retenção indevida do sinal fornecido pela autora à ré que não representam fato passível de repercussão em verba de dano moral à pessoa jurídica, caracterizando-se como lesão de bem patrimonial – Eventual aborrecimento daí resultante que já está abrangido pelo dano material Afastada a condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais Apelo provido”. (TJSP – 23ª Câmara de Direito Privado. APL 579498020038260000/SP 0057949-80.2003.8.26.0000. Rel.: Des. José Marcos Marrone. DJ: 14.09.2011). (Grifos nossos).

A ofensa à imagem de uma pessoa física resulta um sentimento de humilhação e que merece ser indenizado. No caso da pessoa jurídica, a ofensa à sua imagem, como no caso de um protesto indevido de título, dá ensejo à perda de clientela, de crédito, de novos negócios, queda de lucros etc. Estes prejuízos, conforme disposto no artigo 402[14] do Código Civil, são passíveis de indenização, porém essa indenização tem natureza patrimonial, não a título de dano moral.

De acordo com o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, “a expressão “dano moral” deve ser reservada exclusivamente para designar a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial” [15].

Dessa forma, fica cristalino para nós o entendimento de que a pessoa jurídica não pode ser vítima de dano moral.

Deve-se frisar que não distinguimos as espécies de pessoa jurídica (seja de direito público, interno e externo ou pessoa jurídica de direito privado). Nosso entendimento é no sentido de que qualquer espécie de pessoa jurídica não sofre dano moral[16].

Citamos, por exemplo, as seguintes jurisprudências:

“Apelação – Ação Civil Pública – Ex-Prefeito do Município de Alfredo Marcondes – Improbidade Administrativa – Aquisição superfaturada de material gráfico – Responsabilização configurada – Prejuízo ao patrimônio público caracterizado – Restituição devida – Indenização por dano moral afastada – Caráter abstrato da pessoa jurídica (ente público) – Sentença reformada – Recurso parcialmente provido”. (TJSP – 1ª Câmara de Direito Público. AC 994.05.059859-0. Rel. Des. Castilho Barbosa. DJ: 26.04.11). (Grifos nossos).

e

“INDENIZATORIA – DANOS MATERIAL E MORAL – PESSOA JURÍDICA – AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL – DESACOLHIMENTO. A pessoa jurídica não caracteriza condição de auferir direito ao dano moral. Quanto ao dano material é indispensável a caracterização de nexo causai, em especial em situação de alegação de inadequado serviço público prestado, cuja situação fática deve representar direto e imediato efeito quanto aos resultados do alegado insuficiente serviço público. Recurso negado”. (TJSP – 1ª Câmara de Direito Público. AC 0178638-51.2006.8.26.0000. Rel. Des. Franklin Nogueira. DJ 27.11.07). (Grifos nossos).

 Finalmente, entendemos que a pessoa jurídica merece proteção. Entretanto, jamais podemos admitir reparação por dano moral. É cabível, sim, a indenização por danos materiais.

 

Referências
IV jornada de direito civil, volume I. Org. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. Brasília: CJF, 2007.
BARROSO, Darlan e ARAÚJO JÚNIOR, Marco Antonio. Vade mecum especialmente preparado para a OAB e concursos. 2º ed. Coleção RT Códigos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
BIRNFELD, Dionísio Renz. Dano moral ou extrapatrimonial ambiental. São Paulo: Editora LTr, 2009.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3º ed. revista, ampliada e atualizada conforme o código civil de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 11º ed., revista, aumentada e atualizada de acordo com o novo código civil (lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
_____. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 24ª ed., 2º tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
_____. Dicionário jurídico. Vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.
Filho, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 9º ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 6ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil, 4º ed. revista. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
GOUVÊA, José Roberto Ferreira; Silva, Vanderlei Arcanjo da. A quantificação dos danos morais pelo STJ. In Revista Síntese de Direito Civil e processo Civil nº. 37. Porto Alegre: Editora Síntese, setembro/outubro, 2005, pp. 147/159.
NETO, Xisto Tiago de Medeiros. Dano moral coletivo. São Paulo: Editora LTr, 2004.
SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e sua reparação civil. 1º, 2º tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
Superior Tribunal de Justiça. STJ define em quais situações o dano moral pode ser presumido. Disponível em: [http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255]. Acesso em: 29.05.2013.
TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. As teorias do risco na responsabilidade civil ambiental. In Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico nº. 46. Porto Alegre: Editora Magister, fevereiro/março, 2013, pp. 63/78.
Notas:
[1] “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. Nesse sentido é a jurisprudência: “RECURSO ORDINÁRIO. ASSOCIAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELOS ATOS PRATICADOS PELOS ADMINISTRADORES. Responderá apenas a associação pelos atos praticados por seus administradores, dentro dos limites de suas atribuições estabelecidos no ato constitutivo. Inteligência do art. 47, do Código Civil”. (TRT 01ª R.; RO 0040900-22.2009.5.01.0401; Rel. Des. Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha; Julg. 22/09/2010; DORJ 01/10/2010). (Grifos nossos). No mesmo sentido: TJ-PR; ApCiv 0819256-7; Londrina; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Paulo Cezar Bellio; DJPR 24/04/2012; TJ-AC; AC 0000968-71.2010.8.01.0003; Ac. 4.936; Rel. Juiz Marcelo Badaró Duarte; DJAC 06/05/2011; entre outros.
[2] Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. (Grifos nossos).
[3] De acordo com Sérgio Severo, a Corte de Cassação “determinou a indenização por ato de funcionário ministerial que impediu o autor de uma ação de levá-la adiante e, portanto, frustrou-lhe a chance de obter ganho de causa” (Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 11). Entendemos que nesse caso, não se poderia prever que o litigante obteria êxito em sua demanda, mas o ato do funcionário retirou a possibilidade de um possível êxito.
[4] STF – Segunda Turma. RE 387.014-AgR. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ: 08.06.2004.
[5] No mesmo sentido já entendeu Américo Luís Martins da Silva (O dano moral e sua reparação civil. 1º, 2º tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 238).
[6] STJ – Primeira Turma. REsp: 965500/ES 2007/0152416-4. Rel.: Ministro José Delgado. DJ: 17.12.2007.
[7] “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: (…)”. (Grifos nossos).
[8] “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. (Grifos nossos).
[9] Nesse sentido: TST – 8ª Turma. RR 1160009320055170007 116000-93.2005.5.17.0007. Rel.: Ministra Dora Maria da Costa. DJ: 22.05.2013; TJPR – 10ª Câmara Cível. Apelação Cível 9177124/PR 917712-4 (Acórdão), Rel.: Des. Albino Jacomel Guerios. DJ: 28.06.2012.
[10] Nesse sentido: TJDF – Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. Rec 2012.09.1.013526-3; Ac. 637.495. Relª Juíza Sandra Reves Vasques Tonussi. DJDFTE 29.11.2012; TJSC – Quinta Câmara de Direito Comercial. AC 2009.000530-6. Rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein. DJ: 06.12.2012; TJSP – Trigésima Câmara de Direito Privado. APL 9171340-44.2009.8.26.0000; Ac. 6268285. Rel. Des. Carlos Russo. DJ: 17.10.2012; TJES – Segunda Câmara Cível. AGInt-AC 48060057337. Rel. Des. Namyr Carlos de Souza Filho. DJES: 10.11.2011.
[11] “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. Nesse sentido é a jurisprudência: “RECURSO ORDINÁRIO. ASSOCIAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELOS ATOS PRATICADOS PELOS ADMINISTRADORES. Responderá apenas a associação pelos atos praticados por seus administradores, dentro dos limites de suas atribuições estabelecidos no ato constitutivo. Inteligência do art. 47, do Código Civil”. (TRT 01ª Região. 0040900-22.2009.5.01.0401/RO. Rel. Des. Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha. DJ: 22.09.2010). (Grifos nossos). No mesmo sentido: TJPR – Décima Sexta Câmara Cível. ApCiv 0819256-7. Rel. Des. Paulo Cezar Bellio; DJPR 24.04.2012; TJAC. AC 0000968-71.2010.8.01.0003; Ac. 4.936. Rel. Juiz Marcelo Badaró Duarte. DJAC 06.05.2011.
[12] IV jornada de direito civil, volume I. Org. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. Brasília: CJF, 2007, p. 124.
[13] IV jornada de direito civil, volume I. Org. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. Brasília: CJF, 2007, p. 125.
[14] “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
[15] Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil, 4º ed. revista. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 340.
[16] Nesse sentido: TJ-SP – 1ª Câmara de Direito Público; APL 093292762006826 SP 9093292-76.2006.8.26.0000, Relator: Castilho Barbosa, DJ: 09/08/2011; TJ-SP – 31ª Câmara de Direito Privado; APL 9214105642008826 SP 9214105-64.2008.8.26.0000, Relator: Marcia Tessitore, DJ: 07/08/2012.

Informações Sobre o Autor

Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável (PUCRS). Especialista em Direito Ambiental (FMU). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.


Equipe Âmbito Jurídico

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