Das fraudes em certames de interesse público – Lei 12.550/2011

Resumo: O presente artigo trata da lei 12.550/11, que criou o crime intitulado “das fraudes em certames de interesse público” e inseriu uma nova modalidade de pena restritiva de direitos, qual seja: “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos”.


Keywords: Law 12.550/2011. Swindle. Contests. Interest. Public.


Abstract: This article deals about the Law 12.550/11, which created the crime called “swindle in events of public interest” ande inserted a new type of  restriction of rights, namely: “prohibition sign up for tender, evaluation or testing public”.


Palavras-chave: Lei 12.550/2011. Fraude. Certames. Interesse. Público.


Sumário: Introdução. 1. Comentários ao artigo 311-A e parágrafos do CP. 1.1. Fraude a certame de interesse público em sua modalidade simples. 1.1.1. Possibilidade de suspensão condicional do processo e impossibilidade de prisão preventiva. 1.1.2. Bem jurídico tutelado. 1.1.3. Sujeito ativo. 1.1.3.1. Crime praticado por funcionário público. 1.1.3.1.1 Suspensão condicional do processo e prisão preventiva – crime praticado por funcionário público. 1.1.3.1.2. Artigo 325 do CP x Artigo 311-A CP- princípio da especialidade. 1.1.4. Sujeito passivo. 1.1.5. Núcleos do tipo. 1.1.6. Elemento normativo do tipo. 1.1.7. Elementos subjetivos do tipo. 1.1.8. Extensão da expressão “conteúdo sigiloso”. 1.1.9. Certames abrangidos no delito. 1.1.10. “Cola Eletrônica”. 1.1.11. Tipo subjetivo. 1.2. Figura equiparada. 1.3. Inexistência de modalidade culposa. 1.4. Consumação. 1.5. Conduta que gere danos à Administração. 2. Comentários ao artigo 47, V do Código Penal.


Introdução


No dia 16 de dezembro de 2011 publicou-se no Diário Oficial da União a lei nº 12.550 de 15 de dezembro de 2011.


A referida lei criou um novo tipo penal incriminador, inserindo assim o capítulo V, cujo título é “Das fraudes em certames públicos” no título X, que trata acerca dos crimes contra a fé pública.  E a referida lei também inseriu o inciso V ao artigo 47 do Código Penal, criando uma nova modalidade de pena restritiva de direitos, qual seja: “proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos”.


Inauguralmente, em uma análise perfunctória do novo tipo penal, extrai-se que o referido artigo 311-A do Código Penal é um claro demonstrativo da falibilidade no que tange a eficiência da promoção de certames de interesse públicos no nosso país, sejam falhas fiscalizatórias, falhas do próprio sistema e, sobretudo, do desvirtuamento funcional dos executores de certames de interesse público. Acionar o direito penal para esta ocasião é a prova da referida falibilidade, pois, em suma, o tipo penal representa a última expectativa (ou melhor: ultima ratio) materialmente viável para que o Estado promova uma efetiva proteção ao bem jurídico. Pois bem, assim optou o Estado pelo caminho mais fácil: penalizar condutas fraudulentas que violem certames de interesse público, preferindo o direito penal a medidas gestacionais e administrativas com o fito de defenestrar essa mácula. De qualquer forma, esse tipo penal vem serenar a celeuma e incerteza cognitiva que atemoriza as pessoas que confiam o futuro de suas vidas a certames de interesse público, ofuscando, reflexamente, as deficiências das instituições organizadoras dos certames e principalmente do próprio Estado.


Feitas essas considerações iniciais, impende, neste momento, fazermos uma crítica à maneira que a lei 12.550/2011 inseriu o artigo 311-A ao Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).


Denota-se que a referida lei trouxe em seu corpo assuntos diametralmente opostos. Em linhas inaugurais, a lei tratou acerca da autorização concedida ao Poder Executivo para criar a Empresa Pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) – um assunto que foge completamente à órbita penal e ao crime que estamos abordando (fraudes em certames de interesse público). E ao final da lei 12.550/2011, há a inserção do crime em estudo (artigo 319-A, CP), que, ousamos repetir, não tem qualquer relação com o assunto tratado nos artigos 1º ao 17º da lei 12.550/11. Assim, demonstrou-se nosso legislador desorganizado com relação à tratativa dos temas, o que poderia até dificultar a publicização do novo tipo penal aos profissionais que atuam na seara penal, e em especial aos cidadãos que têm o direito de ver um novo crime (uma lei que atinge o bem mais importante do cidadão: liberdade) publicado em uma lei da forma mais ostensiva possível, e não inserindo o novo crime em uma zona de penumbra em uma lei que trata de tema totalmente dissociado, ainda mais frente ao nosso Estado brasileiro que vive e convive em tempos de inflação legislativa, inflação esta que atrapalha o crescimento científico e dificulta o estudo e a aplicação séria da ordem jurídica legislada. Esta atecnia legislativa pode criar, ao nosso ver, um “tipo penal às escuras”, inserido em uma verdadeira “legislação esconderijo”, onde se esconde um tipo penal. O mais correto é que o legislador, ao criar um tipo penal, o faça em uma lei que trate somente do assunto condizente à nova figura típica, evitando-se, assim falha na publicização da norma penal e que os “operadores” do direito fiquem “caçando” normas pertinentes ao seu campo de atuação.


De toda sorte, em que pesem as críticas, com o fenômeno da internet, o novo tipo penal restou disseminado, e vamos, neste momento, estudá-lo.


1. Comentários ao artigo 311-A e parágrafos do CP


1.1. Fraude a certame de interesse público em sua modalidade simples


1.1.1 Possibilidade de suspensão condicional do processo e impossibilidade de prisão preventiva.


Dispõe o caput do artigo 311-A do CP e seus incisos:


Artigo 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:


I – Concurso público;


II – Avaliação ou exames públicos;


III – Processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou


IV – Exame ou processo seletivo previsto em lei;


Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.


O caput do artigo 311-A do Código Penal traz o crime de fraude a certame público na sua modalidade simples.


Analisando a pena do dispositivo em comento, denota-se que a pena mínima do crime em sua modalidade simples não suplanta 1 (um) ano, o que nos leva à conclusão de que é plenamente cabível o benefício da suspensão condicional do processo (artigo 89, lei 9.099/95).


Verifica-se também que a pena máxima do referido delito não ultrapassa 4 (quatro) anos, o que nos leva à conclusão que não cabe prisão preventiva ao agente primário, pois de acordo com o artigo 313, inciso I do Código de Processo Penal (redação inserida pela lei 12.403/11) se o agente é primário só é cabível prisão preventiva quando a pena máxima suplanta 4 (quatro) anos.


1.1.2. Bem jurídico tutelado


O tipo penal incriminador pretende tutelar a confiabilidade, boa-fé, transparência, legalidade, moralidade e segurança dos certames de interesse público, em suma: a confiabilidade dos certames públicos.


1.1.3 Sujeito ativo


Trata-se de crime comum, vale dizer, pode ser praticado por qualquer pessoa, afinal o tipo não exige qualidade ou condição especial do agente.


1.1.3.1 Crime praticado por funcionário público


Importante salientar que caso o crime em estudo seja praticado por servidor público a pena é aumentada de 1/3 (um terço), conforme prevê o § 3º do artigo 311-A, Código Penal. Veja-se redação do dispositivo:


“Artigo 311-A, §3º: aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.”


Recorde-se que, conforme redação do §1º do artigo 327 do CP, equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e também quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública (§ 1º do art. 327 do CP).


Entendemos que só incidirá o aumento da pena se o servidor público efetivamente utilizou-se das facilidades que lhe proporciona o cargo, emprego ou função para a prática do delito. Se assim não fosse, estaríamos apenando alguém em razão do que ele é e não em razão do fato, o que consequentemente estaria implicando em verdadeiro direito penal do autor. Aliás, cumpre salientar, que o Brasil adota o direito penal do fato, proibindo o direito penal do autor, e o Artigo 2º do Código Penal demonstra isso em sua redação: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.


1.1.3.1.1. Suspensão condicional do processo e prisão preventiva – crime praticado por funcionário público


Em decorrência deste aumento de pena, o servidor público que incidiu na conduta criminosa do artigo 311-A do Código Penal não terá direito à suspensão condicional do processo, haja vista que a pena mínima ultrapassará 1 (um) ano, e a infração penal passará a admitir prisão preventiva, mesmo para o agente primário.


1.1.3.1.2. Artigo 325 do CP x Artigo 311-A CP- princípio da especialidade


Outro ponto importante acerca do funcionário público diz respeito ao crime do artigo 325 do Código Penal. Antes mesmo do advento da lei 12.550/11, a conduta do funcionário público que consistisse em revelar (dar a conhecimento de algo a outra ou outras pessoas, verbalmente ou por escrito) ou facilitar revelação de fato sigiloso de certame público que tinha ciência em razão do cargo configurava o artigo 325 do Código Penal. Contudo, com o advento da lei 12.550/11, em razão do princípio da especialidade o artigo 325 do CP deixa de ser aplicado se a revelação de sigilo estiver direta ou indiretamente relacionada a certames de interesse público. O artigo 311-A do CP é especial com relação ao artigo 325 do CP.


Nesta senda, importante verificar a questão do direito penal intertemporal e o conflito de leis penais no tempo no que tange aos artigos 311-A e 325, ambos do Código Penal.


Fazendo-se uma análise dos preceitos secundários dos artigos 325 (crime de violação de sigilo funcional) e 311-A (fraude em certame de interesse público), ambos do Código Penal, denota-se que a pena prevista para o crime do artigo 325 é de “6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção, ou multa, se o fato não constitui delito mais grave”  ao passo que a pena prevista para o artigo 311-A é de “reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.


Tendo em vista que o crime do artigo 311-A do Código Penal é lei penal mais gravosa (Lex gravior) com relação ao artigo 325 do Código Penal, ela não retroagirá para alcançar fatos anteriores à lei 12.550/11. O fato de o artigo 325 do Código Penal informar que só haverá o crime de violação de sigilo funcional se o fato não constituir delito mais grave não pode ensejar a aplicação  do artigo 311-A do Código Penal a fatos anteriores a existência deste último, pois vige em nosso ordenamento o princípio da anterioridade da lei penal (artigo 5º, inciso XXXIX, CF/88). Assim, portanto, o artigo 311-A só alcançará delitos futuros.


1.1.4. Sujeito passivo


O sujeito passivo é o Estado e Instituições Públicas e Privadas de Ensino Superior, secundariamente, eventuais lesados pela conduta criminosa do agente.


Pode surgir certa celeuma no âmbito doutrinário acerca do sujeito passivo do delito em estudo, mormente quando se faz a leitura do inciso III do artigo 311-A do Código Penal, que trata da fraude em certames de interesse público envolvendo “processo seletivo para ingresso no ensino superior”. Ao que nos parece, pela leitura do referido inciso, o legislador não restringiu a sua aplicação apenas a instituições públicas de ensino superior, vale dizer, denota-se que o inciso III abarca também as instituições privadas de ensino superior. Ademais, além de o legislador não ter restringido o referido inciso às instituições públicas de ensino, o próprio nomem iuris atribuído ao delito em estudo “fraudes em certames de interesse público” indica que o tipo penal quis abarcar também alguns entes privados, pois se desejasse apenas abranger entes públicos o nomen iuris do delito seria fraudes em certames públicos. Ao inserir a palavra “interesse público” ao nome dado ao delito demonstrou-se que as instituições privadas de ensino superior estão inseridas no inciso III do artigo 311-A., pois os certames que abrangem instituições de ensino superior possuem o interesse público.


Recorde-se que a “educação não é privativa do Estado, sendo livre a iniciativa privada, resguardando-se ao Estado estabelecer as normas gerais e fiscalizar e autorizar a prestação privada das atividades de educação” (CF/88,  art. 209). Sendo assim, denota-se que as instituições privadas de ensino superior podem ser consideradas também sujeito passivo do delito.


1.1.5. Núcleos do tipo


“Utilizar” ou “divulgar” são os núcleos do tipo penal incriminador. Utilizar significa empregar, aplicar o conteúdo sigiloso em benefício próprio ou de outrem. Divulgar significa tornar público, propagar.


Cuida-se de tipo misto alternativo, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado.


A conduta do caput do artigo 311-A do Código Penal é comissiva.


1.1.6. Elemento normativo do tipo


Perceba que o elemento normativo do tipo é “indevidamente”, que significa sem justo motivo. Vale dizer, o agente só será responsabilizado penalmente se sem justo motivo utilizou o divulgou conteúdo sigiloso em benefício próprio ou de outrem. Se o motivo for injusto e o dado divulgado ou utilizado do certame era sigiloso irá incorrer na prática do delito.


1.1.7. Elementos subjetivos do tipo


Os elementos subjetivos do tipo são: “com o fim de beneficiar a si ou a outrem” ou “de comprometer a credibilidade do certame”.


1.1.8. Extensão da expressão “conteúdo sigiloso”


Conteúdo sigiloso abrange não apenas as questões e os gabaritos, mas todo e qualquer dado secreto que utilizado indevidamente gere desigualdade na disputa. Pretendeu o legislador resguardar o princípio da impessoalidade, tendo por escopo impedir que certos candidatos obtenham informações privilegiadas, inacessíveis à população em geral.


Deste modo, configura do artigo 311-A do Código Penal a conduta de divulgar, antes do edital do concurso, de forma não pública, vale dizer, apenas para uma ou algumas pessoas, a bibliografia do concurso, os nomes dos examinadores, a quantidade de questões que serão cobradas por disciplina, enfim, informações que beneficiem, ainda que em tese e mesmo que de forma mínima beneficiem, determinados candidatos, por gerarem tratamento diferenciado.


Exemplo: Mévio sabe que o Examinador do concurso está preparando a prova com base no livro X. Então, Mévio revela tal fato, adiantando a bibliografia do concurso a alguns candidatos antes de sair o edital. Mévio incorreu na conduta típica do artigo 311-A do Código Penal.


1.1.9. Certames abrangidos no delito


A fraude deve recair sobre:


I- Concurso público – que é um verdadeiro instrumento de acesso a cargos e instrumentos públicos;


II – Avaliação ou exames públicos – Aqui se enquadram, por exemplo: a) exame público de qualificação de mestrados e doutorados; b) concursos para obtenção de bolsas em mestrados e doutorados; c) psicotécnicos; d) exames médicos; concursos para certificações, a exemplo da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear); e) exames para obtenção de  CNH (Carteira Nacional de Habilitação); f) processos seletivos públicos para contratação de profissionais para o Sebrae; g) as seleções para ingresso nos colégios militares e nas escolas técnicas; h) o exame público de habilitação na função de agente da propriedade industrial do INPI; i) seleção de candidatos à residência médica ou odontológica. j) Processo seletivo para ingresso no ensino superior – Exemplo: vestibulares e demais formas de avaliação seletiva para ingresso no ensino superior, como ocorre com o Exame Nacional de Ensino Médio (famigerado ENEM) e nas avaliações seriadas (que abrangem provas de todos os anos do ensino médio);


III – Exame ou processo seletivo previstos em lei – abrange exame da OAB, que tem sua previsão na lei 8.906/94 ou o processo seletivo simplificado para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 3º, da Lei 8.745/93).


1.1.10. “Cola Eletrônica”


“Cola eletrônica” é a utilização de aparelho transmissor e receptor, que fará a ligação entre comunicador (denominado expert nas matérias das provas) e a pessoa que está “realizando” a prova, com o fim deste último obter as respostas às perguntas de determinada prova do expert que a resolve e repassa as informações.


 A cola eletrônica é, hodiernamente, uma das formas mais triviais de fraudar certames de interesse público.


Os Tribunais Superiores, antes da lei 12.550/11, consideraram a “cola eletrônica” atípica, haja vista que a referida fraude não teria enquadramento nos tipos penais à época em vigor, fundamentando tal entendimento com base no princípio da reserva legal e na proibição de aplicação da analogia in malam partem, muito embora fosse considerada ação imoral (Informativo STF 453, de 18 e 19 de dezembro de 2006).


O STF entendeu que a conduta não atenderia aos requisitos do art. 171 do CP (crime de estelionato), e que, portanto, não configuraria o crime estelionato porque não haveria obtenção de vantagem patrimonial. Ademais, também não configurava estelionato em razão da ausência de vítima determinada.


Em outro julgado o STJ entendeu que a “cola eletrônica” não configura o crime de falsidade ideológica, haja vista que nos gabaritos não é omitida, inserida ou feita declaração falsa diversa daquela que devia ser escrita. Asseverou-se que as declarações ou inserções feitas nos cartões de resposta por meio de sinais eram verdadeiras e apenas foram obtidas por meio não convencional. A eventual fraude mostra-se insuficiente para caracterizar o estelionato que não existe ‘in incertam personam’”. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 7376/SC, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves).


Pela explanação acima, percebe-se a fraude através da “cola eletrônica” estava passando incólume a nossa legislação penal.


Com o advento da lei 12.550/11 surge o seguinte questionamento: Teria a lei 12.550/11, através da inserção do artigo 311-A ao Código Penal, tipificado a “cola eletrônica”? O assunto, prima facie, parece polêmico. O ilustre jurista Rogério Sanches Cunha aponta duas situações para o caso, uma sendo caso de tipicidade e outra sendo caso de atipicidade, que passamos a transcrever:


Situação 1:


“Se o modo de execução envolve terceiro que, tendo acesso privilegiado ao gabarito da prova, revela ao candidato de um concurso público as respostas aos quesitos, pratica, junto com o candidato beneficiário, o crime do art. 311-A (aquele, por divulgar, e este, por utilizar o conteúdo secreto em benefício próprio)”[1].


Situação 2:


“Já nos casos em que o candidato, com ponto eletrônico no ouvido, se vale de terceiro expert para lhe revelar as alternativas corretas, permanece fato atípico (apesar de seu grau de reprovação social), pois os sujeitos envolvidos (candidato e terceiro) não trabalharam com conteúdo sigiloso” (o gabarito continuou sigiloso para ambos)[2]


Em que pese a maestria do posicionamento do ilustre jurista que trouxe à tona esta importante colocação, merece, data maxima venia, o seu posicionamento tênues reparos, somente no que tange à situação nº 02 acima transcrita (mantendo-se ipisis literis a situação 1).


Entendemos que, no caso de realização do certame que não permite que seja levado o caderno de provas ao seu término, o candidato que durante a prova divulga o conteúdo da prova ao expert  está praticando o delito do artigo 311-A do CP, pois durante a realização da prova o caderno de provas é sigiloso ao ambiente externo, haja vista que somente os candidatos que realizam a prova naquele momento podem ter acesso ao referido caderno de provas. Com relação ao expert a sua conduta também nos parece que se enquadra perfeitamente no delito do artigo 311-A do CP, pois utiliza-se indevidamente daquele conteúdo sigiloso ao ambiente externo ao local da realização da prova, para beneficiar o candidato com as respostas.


Situação diversa pode ocorrer no caso de a organizadora da prova permitir que os candidatos levem o caderno de prova para fora do ambiente de prova (ambiente externo). Neste caso podemos ter três personagens: Um dos candidatos inscreve-se no concurso apenas para levar o caderno de provas para o ambiente externo e  entregá-lo ao expert (apelidamos este candidato de “candidato mula”, pois faz o transporte da prova ao expert que se encontra no ambiente exterior); o outro candidato inscreve-se no concurso para tomar proveito das respostas do expert por meio da utilização de um ponto eletrônico no ouvido; e o expert, que é quem utilizará a prova e repassará as respostas ao real candidato. Percebam, que neste caso, no momento em que permitir a organizadora que os candidatos saiam do certame com a prova em mãos haverá a quebra do sigilo do caderno de provas com relação ao ambiente externo. Daí surge a indagação: Todos esses três personagens cometem o crime do artigo 311-A do CP ou suas condutas são atípicas?  Resposta: A conduta dos três personagens é atípica, eis que o conteúdo da prova não era mais sigiloso.


Conclui-se, assim, que não estão enganadas as vozes da doutrina que informaram que a cola eletrônica tornou-se crime com o advento da lei 12.550/11, pois temos que analisar o caso concreto. Há situações em que configurará o artigo 311-A, e outras situações continuarão fato atípico, embora o comportamento seja socialmente reprovável.


1.1.11. Tipo subjetivo


O tipo subjetivo do artigo 311-A do CP é o dolo somado à finalidade especial de beneficiar a si ou outrem ou então comprometer a credibilidade do certame. Esta finalidade especial deve estar prevista no caso concreto, sob pena de atipicidade formal.


1.2. Figura equiparada


“Artigo 311, § 1º – Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.”


Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas a informações mencionadas no caput (§ 1º do artigo 311-A do CP).


No que tange ao crime na modalidade do § 1º do artigo 311-A do CP basta o dolo, vale dizer, dispensa-se a finalidade especial de beneficiar a si ou outrem ou então comprometer a credibilidade do certame.


1.3. Inexistência de modalidade culposa


A modalidade culposa é atípica em qualquer das formas estabelecidas no novo tipo penal. Não existe crime na revelação por culpa (negligência no resguardo do conteúdo sigiloso).


1.4. Consumação


Quando esse crime se consuma? O agente precisa obter benefício próprio ou de outrem? Precisa provocar dano à Administração? R: O crime se consuma com a prática dos núcleos, dispensando o agente de conquistar benefício próprio ou de outrem, ou então comprometer a credibilidade do certame. Estamos diante de crime formal ou de consumação antecipada.


A modalidade tentada em qualquer das modalidades é perfeitamente possível.


1.5. Conduta que gere danos à Administração


“Artigo 311-A, § 2º do CP – Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública: Pena- reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.”


Percebam que quando houver dano à Administração Pública não caberá suspensão do processo e será possível preventiva para o agente primário, pois a pena mínima é de 2 (dois) anos e a máxima é de 6 (seis) anos e multa.


Importante salientar que o dano à administração pública aludido no § 2º não é apenas o dano patrimonial. Está abrangido no § 2º também o dano moral. Aliás, como bem salienta Márcio André Lopes Cavalcante:


“Essa conclusão é construída pelo fato de que o tipo penal está incluído no Título que trata sobre os crimes contra a “fé pública”, de modo que tutela a crença da sociedade no valor e legitimidade das Instituições e, no caso específico, dos certames públicos. Abalar essa convicção geral significa produzir danos não aferíveis economicamente, mas igualmente lesivos, como o desestímulo de que os bons profissionais realizem novamente o concurso daquele ente público ou organizado por aquela determinada Instituição”[3].


Há que se destacar que para a incidência do § 2º do artigo 311-A deve-se coprovar efetivamente o dano, seja ele patrimonial ou moral.


Destaca CAVALCANTE que a qualificadora só incide no caso de dano à administração pública, “de sorte que, se a fraude ocorreu em vestibular de universidade privada, por exemplo, tendo sido a seleção anulada por conta do crime, mesmo assim não haverá a incidência do § 2º por se tratar de dano à instituição privada”[4].


2. Comentários ao artigo 47, V do Código Penal


Verificamos que as penas do artigo 311-A do CP é de 1 a 4 anos (mesmo que majorada de 1/3 no caso de servidor público) ou de 2 a 6 anos (se resultar dano a Administração). Deste modo, em princípio, dificilmente essa pena no caso concreto ultrapassará 4 anos.


Assim, como no caso concreto a pena dificilmente ultrapassará 4 anos, e como se trata de crime cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa, será cabível na maioria dos casos penas restritivas de direitos. Nesta esteira, a lei 12.550/11 acrescentou ao artigo 47 do Código Penal mais uma pena restritiva de direitos, não aplicável somente para o artigo 311-A do CP, mas de suma importância para as condutas tipificadas no artigo 311-A do CP.


 


 


Bibliografia

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Nova lei traz punição para a “cola eletrônica”. Consultor Jurídico. 20 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-dez-20/lei-preve-punicao-cola-eletronica-concurso-publico>. Acesso em: 09 de janeiro de 2012.

CUNHA, Rogério Sanches. Novo artigo 311-A do Código Penal.  Atualidades do Direito. São Paulo. 21 -12- 2011. Disponível em <http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/12/21/novo-artigo-311-a-do-codigo-penal/> Acesso em: 09 de janeiro de 2012.


Notas:

[1] CUNHA, Rogério Sanches. Novo artigo 311-A do Código Penal.  Atualidades do Direito. São Paulo. 21 -12- 2011. Disponível em <http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/12/21/novo-artigo-311-a-do-codigo-penal/> Acesso em: 09 de janeiro de 2012.

[2] Idem.

[3] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Nova lei traz punição para a “cola eletrônica”. Consultor Jurídico. 20 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-dez-20/lei-preve-punicao-cola-eletronica-concurso-publico>. Acesso em: 09 de janeiro de 2012.

[4] Idem.

Informações Sobre o Autor

Marcelo Rodrigues da Silva


Equipe Âmbito Jurídico

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