Resumo: Tentatamos neste modesto trabalho desmonstrar que numa indevida e eventual decisão do Presidente da República em processo extradicional ao STF é impossível apreciá-la.
Sumário: 1. Processo extradicional de Cesare Battisti 2. Do arquivamento do processo 3. Do Desarquivamento do processo 4. Dos pedidos anexados ao processo 4.1 A defesa da Itália 4.2 A defesa de Cesare Battisti – uma armadilha 5. Uma ofensa gratuita 6. A errônea interpretação do ministro Eros Grau 6.1 Fundamento de seu voto 6.2 O vot fúnebre 7. O inciso \”f\” do § 1º do art. 3º do Tratado Brasil-Itália 8. Uma fundamentação errada, mas uma conclusão acertada 9. Discurso do presidente do STF, min. Cezar Peluso, na abertura do Ano Judiciário de 2011 10. Conclusão.
PROCESSO EXTRADICIONAL DE CESARE BATTISTI
Não, não se trata de implicância com o senhor Cesare Battisti. Em outros trabalhos salientamos que nada temos contra esse senhor que sequer conhecemos. Repetimos: a referência que fazemos ao seu processo extradicional é um recurso de que nos valemos com fim meramente didático. Pouco nos importa a sorte que venha a ter esse senhor, seja aqui ou alhures. Preocupa-nos, sim, a sorte de nossas instituições democráticas e, no momento, especialmente, o Poder Judiciário, na sua mais alta expressão, o Supremo Tribunal Federal, o guardião de nossa Carta Legal Maior e, por conseqüência, do nosso ordenamento jurídico como um todo, e que por isso é o mais importante pilar da República Federativa do Brasil. Insistimos: o entendimento que, modestamente, aqui externaremos se aplica a todo e qualquer processo do gênero.
DO ARQUIVAMENTO DO PROCESSO
Julgado o pedido de extradição do senhor Cesare Battisti, formulado pela República Italiana, cuja procedência foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inexplicavelmente, foi o processo remetido ao arquivo da Corte (Seção de Baixa e Expedição), como se com o simples julgamento do feito tivesse o STF oferecido a prestação jurisdicional que lho foi requerida.
Continuou o Supremo Tribunal Federal mergulhado num profundo estado de letargia. Em nosso modesto trabalho “EXTRADIÇÃO – DECISÃO IMPERATIVA. Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal” deixamos consignado: “… de que valeram as horas de discussões acaloradas entre os pares do STF e que chegaram a propiciar clima de animosidade entre eles? Foram em vão os gastos de tempo, de dinheiro com energia elétrica, material de expediente, horas extras de funcionários, na tramitação desse processo, com cobertura radiofônica e televisa, inclusive? Sinceramente, não acreditamos que algum ministro-juiz do STF tenha coragem de admitir que aquilo tudo não passou de um espetáculo teatral custeado com dinheiro público e que não causa nenhum constrangimento ver o que lhes consumiu tantas horas de labor jogado na cesta do lixo do gabinete do Presidente da República, em troca de um desvalido parecer da Advocacia-Geral da União”.
Bem, continuando o Supremo Tribunal Federal nessa injustificada inércia e não se admitindo que aquilo tudo não passou de um espetáculo, restar-nos-á tão somente admitir que o que ocorreu mesmo foi uma encenação pedagógica, uma reciclagem prática de Direito Internacional Público envolvendo ministros da mais Alta Corte de Justiça do País, em que ficou evidenciado que boa parte de seus integrantes não assimilaram os ensinamentos que lhos foram ministrados a respeito do instituto da extradição regrado pela legislação brasileira.
DO DESARQUIVAMENTO DO PROCESSO: “Há males que vêm para o bem”.
O processo foi desarquivado para a anexação de dois pedidos: o da defesa de Battisti, cobrando a soltura imediata do extraditando, e o da defesa da Itália, impugnando esse pedido.
O desarquivamento do processado foi providencial para que se ponha o “trem nos trilhos”; para que o Supremo Tribunal Federal ofereça a prestação jurisdicional que lhe foi requerida por inteiro, para o que é “exclusivamente” competente.
DOS PEDIDOS ANEXADOS AO PROCESSO: A defesa da Itália
Para a defesa da Itália, a decisão de Lula de não extradita não é autoexecutável e ainda cabe ao STF analisar sua compatibilidade com o julgamento da Corte que determinou a extradição do senhor Cesare Battisti para a Itália.
Com todo o respeito que merecem os ilustres patronos da República Italiana, entendemos nós, estão “malhando em ferro frio”; e não é de hoje. Desde que publicado o acórdão concedente da extradição, estavam eles autorizados – incontinenti, pois a decisão do STF em processo extradicional é irrecorrível, fazendo-se coisa julgada logo que prolatada – a solicitar do STF providências no sentido de o Governo brasileiro entregar à requerente o paciente reclamado. Não tinham nada que aguardar decisão do Presidente da República sobre a extradição. Ele é incompetente em razão da matéria. Decidir sobre extradição é competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: …; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; …”), em sua composição plena (art. 83 da Lei nº 6.815/80: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”). Agora, em vez de solicitarem essas providências pedem análise da compatibilidade da não só descabida, mas, acima de tudo, ignorante, acintosa, desrespeitosa “decisão” do ex-presidente da República com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal.
A “decisão” do ex-presidente “ayatoLula” não só não é autoexecutável. Ela, “aquela coisa”, é “inexeqüível”. Ele, o ex-presidente, era incompetente em razão da matéria. “Aquela coisa” é juridicamente inexistente. Parodiando o ex-presidente, fazemos uso de metáfora futebolística para deixar mais claro a inexistência “daquela coisa”: é como se num clássico Corinthians X Palmeiras um torcedor do alvinegro saísse da arquibancada, invadisse o gramado e, sob a vista pasma da zaga palmeirense, pegasse a bola e fizesse um gol no Marcos. O árbitro, é claro, haveria de considerar esse gol inexistente. Não seria um gol nulo – como seria um gol feito por um dos jogadores com o uso da mão; nem anulável – como seria um gol confirmado pelo árbitro, mas que, posteriormente, o seu auxiliar a ele comunicasse que o jogador estava impedido; é, inexistente mesmo, pois aquele torcedor não se configurava como um dos legítimos contendores.
O processo extradicional agasalhado pelo Direito brasileiro é judicial. Não pode, pois, o Supremo Tribunal Federal verificar compatibilidade de decisão “judicial” e “irrecorrível” de sua exclusiva competência com algo que não existe no mundo jurídico. A “decisão” do ex-presidente ficou somente no campo da “suposição” idealizada pela Advocacia-Geral da União.
Portanto, permissa vênia, os doutos causídicos que defendem os interesses da República Italiana deveriam, sim, era requerer ao STF que oficiasse o Governo brasileiro – esse mesmo que aí está, pois a obrigação não era pessoal, do Lula, era do órgão – no sentido de dar cumprimento ao julgado.
Se serventia teve a súplica dos advogados da República Italiana foi para chamar a atenção do STF para o fato de que o processo havia sido arquivado sem que a prestação jurisdicional a si requerida tivesse sido ofertada por inteiro, já que foi reconhecida a procedência do pedido e, por conseqüência, deferida a extradição solicitada. Foi o beliscão de que precisava o STF para sair do estado de letargia em que estava mergulhado.
A defesa de Cesare Battisti – uma armadilha.
O pedido da defesa do senhor Cesare Battisti é um verdadeiro contra-senso; autoriza-nos a considerá-lo uma subestimação à inteligência do ministro Cezar Peluso. Entende ela, defesa, que ao Presidente da República é facultado descumprir a decisão proferida pelo Judiciário brasileiro, na sua mais alta expressão – o Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal e a lei ordinária pertinente concedeu prerrogativa exclusiva para processar e julgar extradição. Por que solicitar ao STF a soltura do extraditando? Solicitasse ao Presidente da República. Quem pode o mais pode o menos. Ele autorizando a soltura do extraditando estaria revogando uma prisão feita por simples ordem de um seu preposto, o Ministro da Justiça, o que seria menos grave do que a cometida desobediência à decisão judicial. Com isso também evitar-se-ia entraves de ordem burocrática; desnecessário seria a expedição de alvará judicial de soltura, uma vez que o extraditando está sob a custódia do Governo que, por sua vez, está na posse da chave do cárcere. Então, por que dividir a responsabilidade com o STF? “É querer fazer dos demais bestas”. É, o pedido da defesa do senhor Cesare Battisti, claramente, uma pretensão a expor o STF ao ridículo; é enfim querer fazê-lo “pau mandado” do Executivo.
UMA OFENSA GRATUITA
Segundo a defesa de Battisti, o ministro Cezar Peluso poderia determinar a soltura do ex-ativista sem desarquivar os autos; que a opção pelo desarquivamento indica que o caso pode voltar a ser discutido pelo plenário do STF. Inconformado com a determinação do presidente do Supremo, o principal patrono do paciente reclamado, doutor Luís Roberto Barroso, dos Estados Unidos, onde se encontrava, divulgou a seguinte nota:
“A defesa de Cesare Battisti não tem interesse em discutir a decisão do Ministro Peluso pela imprensa mas, como é próprio, irá fazê-lo nos autos do processo, com o respeito devido e merecido. A manifestação do eminente Ministro Peluso, no entanto, viola a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, o princípio da separação de poderes e o Estado democrático de direito.
O Excelentíssimo Senhor Presidente do STF votou vencido no tocante à competência do Presidente da República na matéria. Ainda uma vez, com o respeito devido e merecido, não pode, legitimamente, transformar sua posição pessoal em posição do Tribunal. Como qualquer observador poderá constatar da leitura dos votos, quatro Ministros do STF (Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia) entenderam que o Presidente da República poderia decidir livremente. O quinto, Ministro Eros Grau, entendeu que, se o Presidente decidisse com base no art. 3, I, f, do Tratado, tal decisão não seria passível de revisão pelo Supremo. O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau.
A manifestação do Presidente do Supremo, sempre com o devido e merecido respeito (afirmação que é sincera e não meramente protocolar), constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país acreditava já ter se libertado. Não está em jogo o acerto ou desacerto político da decisão do Presidente da República, mas sua competência para praticá-la. Trata-se de ato de soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está sendo descumprido e, pior que tudo, diante de manifestações em tom impróprio e ofensivo da República italiana. De mais a mais, as declarações das autoridades italianas após a decisão do Presidente Lula, as passeatas e as sugestões publicadas na imprensa de que Cesare Battisti deveria ser seqüestrado no Brasil e levado à força para a Itália, apenas confirmam o acerto da decisão presidencial. Em uma democracia, deve-se respeitar as decisões judiciais e presidenciais, mesmo quando não se concorde com elas”.
“Com o devido e merecido respeito”, a nota do ilustrado causídico é uma gratuita ofensa ao ministro Cezar Peluso. É um verdadeiro “morde e assopra” – os devidos e merecidos respeitos não o descaracterizam como tal. Mas nem de longe nos passa a idéia de comparar o ilustre causídico com uma barata; é, simplesmente, força de expressão.
Não temos procuração para fazer defesa do ministro-juiz-presidente – não o conhecemos e tampouco lhe devemos qualquer favor – e muito menos da Suprema Corte. Mas, na falta de uma ostensiva defesa de nosso ordenamento jurídico por quem de direito, não podemos nos furtar de demonstrar nossa irresignação com as levianas assertivas do principal advogado do senhor Cesare Battisti.
Eis, abaixo, o conteúdo da ementa nº 08 do acórdão proferido no processo extradicional do senhor Cesare Battisti, tombado sob o número 1085 no STF:
“EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do -Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando”.
O Ilustrado patrono do extraditando não explicita em que pontos a simples determinação do ministro Cezar Peluso para desarquivar o processo extradicional do senhor Cesare Battisti – a fim de anexar os pedidos da defesa da Itália e da defesa do extraditando – viola a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, o princípio da separação dos Poderes e o Estado Democrático de Direito, caracterizando-se como um golpe de Estado – como se o ministro-presidente do STF pretendesse usurpar poderes da Presidência da República. Por maior esforço que façamos não conseguimos vislumbrar essas violações, razão por que, sem qualquer temor, afirmamos que suas assertivas são realmente levianas; uma vã tentativa de inibir o Supremo Tribunal Federal.
A mera anexação dos pedidos ao processo não implica em reapreciação do julgado – o que, entendemos nós, é desnecessário – e, muito menos, numa provável mudança do quanto nele consubstanciado, já que, segundo preceitua o supra transcrito art. 83 da Lei nº 6.815/80, a decisão proferida pelo STF em processo extradicional é irrecorrível, fazendo-se coisa julgada e, pois, imutável, desde quando proferida. O STF decidiu pelo “deferimento da extradição”; determinou que a execução do julgado se efetivasse com a “entrega do extraditando ao Estado requerente; e, por fim, recomendou que o Governo brasileiro observasse os termos do Tratado “quanto à entrega do extraditando”. Decidiu e está decidido; não há possibilidade de mudança do julgado. A simples reapreciação do julgado para verificar sua compatibilidade com “aquela coisa” do ex-presidente, que a defesa do extraditando chama de decisão, é “inconcebível”. Se, por absurdo, for reapreciado o julgado e o STF resolver reconhecer ao Governo a faculdade de extraditar ou não, aí, sim, violará a Suprema Corte sua própria decisão. E se isso vier a acontecer fica aqui registrado nosso pedido de perdão ao ilustre patrono do extraditando, pois, nesse ponto, sua assertiva quanto à auto-violação do STF se verificará, pelo que ver-se-á que suas afirmações, nesse particular, não foram levianas.
Ao determinar o desarquivamento do processo de extradição do senhor Cesare Battisti para anexação de petições dos interessados nada mais fez o ministro Cezar Peluso do que desincumbir-se de um dos encargos que recaem sobre seus ombros como presidente do STF. Praticou ele ato inerente ao seu cargo e não ato de competência do Governo ou de quem quer que seja. Não há, pois, como vislumbrarmos nisso violação ao princípio da separação dos Poderes e ofensa ao Estado Democrático de Direito e muito menos caracterizar o despacho do ministro Cezar Peluso como golpe de Estado.
A ingerência do Governo – que culminou com a indevida, grotesca e impatriótica manifestação do ex-presidente da República nesse processo extradicional (como seria em qualquer outro) – sim; não só violou a decisão do STF, o princípio da separação dos Poderes e o Estado Democrático de Direito, como causou um clima de verdadeiro terror. Ludibriou a opinião pública, fazendo-a crer que a competência para extraditar é do Presidente da República e não do Poder Judiciário, com isso jogando grande parte da sociedade brasileira contra o Supremo Tribunal Federal.
As indevidas e irresponsáveis manifestações do Governo, desde o início do processo, foram deveras contundentes que chegaram a provocar confusões mentais em alguns ministros do STF. É isso. Só podemos acreditar que, à luz da cristalina legislação pertinente, os ministros que reconheceram discricionariedade do ex-presidente da República em processo extradicional assim entenderam por se encontrarem perturbados mentalmente. Mergulhados ficaram num estado letárgico profundo. Hoje, acreditamos nós, os ministros-juízes que reconheceram em seus votos poder discricionário do Presidente da República para decidir sobre extradição não votariam da mesma forma, pois já psicologicamente refeitos dos efeitos do terror. E é esse o temor do ilustre patrono do extraditando: que o processo volte a ser reapreciado, agora com os juízes-ministros, todos, em pleno gozo de suas faculdades mentais. Mas, batemos na mesma tecla, em nosso modesto entendimento, o processo não carece de reapreciação para que a vontade do STF expressada no acórdão seja executada nos termos da lei, como tentaremos demonstrar com maior clareza.
Na sua missiva o ilustrado patrono do extraditando diz que o ministro Cezar Peluso quer “transformar sua posição pessoal em posição do Tribunal”. E assim assevera porque o ministro “votou vencido no tocante à competência do Presidente da República na matéria”, já que quatro ministros entenderam que o Presidente da República tem poder discricionário em matéria de extradição e o ministro Eros Grau entendeu que se o Presidente decidisse com base no art. 3º, § 1º, letra f, do Tratado Brasil-Itália tal decisão não seria passível de revisão, uma vez que “O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau”.
Entendemos a posição do ilustre causídico defensor do extraditando. Como advogado deve se valer de recursos intelectivos para a defesa de seu cliente. Mas isso não lhe autoriza a ser descortês com o ministro-presidente do STF, principalmente porque ele está se valendo de construção fictícia para chegar à não menos fictícia conclusão de que o Presidente da República tem poder discricionário em matéria de extradição e que, se decidir – no caso Brasil-Itália – por não conceder a extradição com base no art. 3º, § 1º, letra f, do Tratado, o STF não pode reformar tal decisão. É claro que não está incorrendo em equívoco, seus conhecimentos jurídicos são inquestionáveis. Ele, inteligentemente, pega carona na equivocada interpretação do ex-ministro Eros Grau.
A precipitada manifestação do douto advogado do extraditando não é menos contundente do que a do ex-presidente. Pelo menos com relação ao ministro Cezar Peluso. Joga também contra ele a opinião pública; não só pelo fato de ele entender que a competência para decidir sobre extradição é do STF, mas, sobretudo, por imputar a ele, ministro Cezar Peluso, ambição pelo poder presidencial, já que caracteriza seu “despacho” como “golpe de Estado”.
Bondosos leitores, especialmente aqueles que já têm conhecimento do nosso posicionamento – aos quais pedimos que, se não suportarem reler o que transcreveremos, simplesmente, pulem, mas não deixem de ler o que ainda temos a dizer -, permitam-nos aqui repetir o que expusemos no nosso modesto trabalho “EXTRADIÇÃO – DECISÃO IMPERATIVA. Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal”.
“SUBMISSÃO ABSOLUTA OU DISCRICIONARIEDADE?
Deferida a extradição, os ilustrados juízes-ministros do Supremo Tribunal Federal resolveram discutir a execução do julgado. Repetimos, diante da clareza dos dispositivos constitucionais e da legislação ordinária pertinentes, injustificadamente e, pois, uma providência desnecessária e inconcebível. E a decisão a que se chegou – se é que se pode dizer que o que se concluiu é uma decisão – foi a seguinte:
“Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente” (grifos nossos).
Enfatizamos mais uma vez: o tema ora em tela é por nós encarado com extrema seriedade. Diante da decisão supra transcrita – não reconhecimento da submissão absoluta do Presidente ao acórdão e não reconhecimento do poder discricionário do Presidente da República – não encontramos expressão outra que melhor possa caracterizá-la – e que certamente por muitos será considerada chula, indigna de fazer parte de um trabalho que se pretende jurídico: “um balaio de gatos”.
Submissão do Presidente República ao acórdão
No Direito brasileiro o Presidente da República é figura praticamente estranha ao processo extradicional. Já no nosso trabalho Extradição – Lei nº 6.815/80 alertávamos: “Da análise do quanto contido no art. 86 da Lei nº 6.815/80, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que o honroso papel que desempenha o Governo num processo de extradição é o de “porta voz” do povo brasileiro, o que não se faz necessariamente com a intervenção direta do seu Chefe Maior”. Por determinação da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Governo brasileiro se faz representar nesses processos pelo Ministério das Relações Exteriores. Reza o art. 80 desse diploma: “A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, …” (grifos nossos). O legislador caracterizou o processo extradicional como eminentemente judicial. O Governo funciona como um auxiliar, um elo de ligação – o que não revela subjugação alguma; não como “fiel da balança”. A intromissão do Governo no processo extradicional foi levada pelo legislador ao texto do Estatuto do Estrangeiro por coerência; para que o texto ficasse em consonância com mandamento da Constituição Federal (art. 84: “Compete ao Presidente da República: …; inciso VII – “manter relações com Estados estrangeiros…;”.
A Lei nº 6.815/80 reservou ao Governo alguns procedimentos de natureza meramente administrativa, como não poderiam deixar de ser, e que nem a leigos deixam margem para assim não serem considerados. São procedimentos referentes ao recebimento do pedido de extradição (art. 80); à prisão administrativa do extraditando (art. 81); ao encaminhamento da solicitação da extradição ao STF (art. 84 ); à regularização do processo (art. 85, §§ 2º e 3º); à comunicação da decisão sobre o requerimento – deferimento ou indeferimento (art. 86); à verificação da conveniência ou não da entrega imediata do extraditando, em face do seu estado de saúde (art. 89, parágrafo único) ou no caso de ele estar sendo processado ou condenado por cometimento de contravenção (art. 90); e, por fim, os referentes à efetivação da entrega do paciente (art. 91).
Não se sabe de onde o STF tirou a infeliz idéia de que no julgamento do pedido de extradição do senhor Cesare Battisti necessário se fazia discutir e decidir sobre a submissão do Presidente da República ao acórdão por si prolatado no processo de extradição desse senhor, que pelo visto é havido como figura diferenciada dos demais mortais – não se tem notícia de que outro pedido de extradição tenha deixado o STF de “togas tão justas” como as que, sem razão alguma, travestiram-se alguns de seus Ministros nesse julgamento. Tratou o STF o processo extradicional do senhor Cesare Battisti como se tivesse sido submetida à sua apreciação uma demanda de “natureza contenciosa”, havendo como partes litigantes a República Italiana e a República Federativa do Brasil. O que se esperava do STF – e é a incumbência que a Constituição Federal (art. 102) e a Lei nº 6.815/80 (art. 83) lhe conferem – era a decisão sobre a procedência ou improcedência do pedido da Itália.
Discutir e decidir se o Presidente da República devia ou não obediência ao acórdão proferido no processo não foi tanto. O pior estava por vir. E veio! E veio de forma inimaginável. O Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil, contrariando não só a máxima de que “decisão judicial não se discute se cumpre”, e, sobretudo, afrontando disposição constitucional que declara expressamente que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, …” (art. 5º, “caput”), não reconheceu a submissão do Presidente da República ao comando contido no acórdão prolatado no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Mantida essa covarde tomada de posição do STF – que só pode ser havida como uma ilegal e conveniente excepcionalidade -, não vemos por que não se providenciar a revogação do inciso I, letra g, do art. 102 da Constituição Federal e também do art. 83 da Lei nº 6.815/80. Por que submeter à apreciação do STF uma solicitação de extradição se sua decisão é de nenhum valor?
Poder discricionário
Manifestamos aqui, também, nosso modesto entendimento quanto a essa absurda proposição do STF que, felizmente, foi descartada no julgado. Não há que se falar em poder discricionário do Presidente da República em matéria de extradição no Direito brasileiro. Enfatizamos: em nenhuma situação! Pelo contrário; encontra-se na legislação pertinente trancamento a propósitos discricionários. São justamente os impedientes. Não há como coexistir impedientes de extradição (art. 77) com poder discricionário; são incompatíveis. Só assim não entende quem não quer; os convenientes. Com facilidade se demonstra a incompatibilidade. Suponhamos que o senhor Cesare Battisti não tivesse cometido crimes comuns e sim crimes políticos, assim reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, decorrendo disso o reconhecimento da ilegalidade e, consequentemente, da improcedência do pleito da Itália. Se o Presidente, contrariando o entendimento do STF e usando desse inventado poder discricionário, concedesse a extradição do senhor Cesare Battisti o que achariam seus aficionados de sua decisão? Não temos a menor dúvida de que aqueles que, hoje, entendem que extraditar ou não compete ao Presidente – descartados os que cegamente o concebem como “semideus” – não teriam o mesmo entendimento. Sem pestanejar, exigiriam a observância do nosso ordenamento jurídico: invocariam o art. 102, letra g, da Constituição Federal e arts. 77, § 2º, e 83 da Lei nº 6.815/80 para que ele se reconhecesse incompetente para decidir sobre extradição e, sobretudo, os arts. 5º, inciso LII, da C.F. e 77, inciso VII, da Lei nº 6.815/80, para que o mesmo também se considerasse impedido de extraditar estrangeiro por cometimento de crime político ou de opinião. Rechaçada, pois, seria a decisão do Presidente – temos plena certeza. A situação ora conjeturada torna de mais fácil compreensão as nefastas implicações que motivariam a intromissão do Presidente num processo extradicional sobrepujando-se a uma decisão do STF. Ver-se-ia que tal postura não é para ser suportada num país que “constitui-se em Estado Democrático de Direito” (art. 1º da CF). A insegurança jurídica é incompatível com o estado democrático de direito, como também é a instabilidade institucional motivada pelo desrespeito aos princípios constitucionais da independência e harmonia dos poderes (art. 2º da C.F.). Tal expediente é próprio de regimes autoritários.
Nem contra, nem a favor; muito pelo contrário
Os ilustrados juízes-ministros do Supremo sacrificaram seus privilegiados neurônios na busca de uma solução para o dilema que eles próprios criaram, qual seja: o Presidente está obrigado a extraditar o senhor Cesare Battisti conforme deferido pelo STF ou, muito embora tenha o STF decidido pela extradição, ele não está obrigado a dar cumprimento ao deferimento – ele pode extraditar ou não, decidirá como bem lhe aprouver? E “magistralmente”, decidiram: “Não reconhecimento”, o que vale dizer: o STF não reconhece a absoluta submissão do Presidente da República ao quanto por ele decidido, mas também não reconhece que o Presidente tenha poder discricionário, ou seja, que a extradição fique ao seu bel-prazer. O que equivale dizer: “Não somos contra nem a favor, muito pelo contrário”. Em resumo, discutiu-se, discutiu-se, e nada se decidiu a respeito do dilema que o próprio STF criou. E da “indecisão” resultou a não menos “magistral” e inútil conclusão:
“Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente”.
Meu Deus! A celebração do tratado extradicional entre Brasil e Itália não teve outro escopo senão o de os celebrantes obrigarem-se reciprocamente ao cumprimento do quanto nele entabulado. Está no papel; o Estado brasileiro e o Estado italiano sabem que se impuseram uma obrigação que, preenchidos os requisitos estabelecidos no tratado, não pode ser negada, sob pena de desgaste da honradez de um perante o outro e, também, perante a comunidade internacional, especialmente quando, hoje, se vive num mundo globalizado. O art. 1º do Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, diz o seguinte: “O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém” (grifos nossos). No Artigo I do Tratado de Extradição Brasil-Itália está estabelecido: “Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal” (grifos nossos). Em artigo anterior (Extradição – Lei nº 6.815/80) dissemos: “… o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la”.
Desnecessário, inócuo, o alerta do STF, como não poderia deixar de ser, pois fruto (podre) de uma injustificada apreciação”
Continuamos achando que a decisão a que chegou o STF sobre a submissão ou não do Presidente da República ao acórdão prolatado em processo extradicional foi um “balaio de gatos”. Mas compreensível diante das circunstâncias que envolveram o julgamento e das quais alguns ministros-juízes não conseguiram se desvencilhar, deixando-se, por conseqüência, envolver por infundados argumentos que os levaram a entender que o Presidente da República podia se valer de poder discricionário para decidir sobre extradição. Mas desse “balaio de gatos” não se extrai o quanto pretendido pelo ilustrado advogado do extraditando. O que dele se extrai é justamente o entendimento de que a competência para extraditar é do STF. Senão vejamos.
Quatro ministros que não se deixaram envolver psicologicamente pelo clima de terror que envolveu o julgamento e que por isso tiveram condições de, com calma, se debruçarem sobre as letras da lei, reconheceram a submissão do Presidente da República ao julgado; outros quatro ministros que não tiveram essa mesma serenidade, tornando-se vulneráveis aos reclamos dos aficionados do extraditando, perdendo assim, temporariamente, a capacidade de vislumbrar os comandos legais a respeito da matéria, votaram reconhecendo poder discricionário do Presidente da República para decidir sobre extradição; e, um ministro, Eros Grau, se limitou a exigir a observância do Tratado.
O douto causídico patrono do senhor Cesare Battisti, na suposição de que venha o processo a ser reapreciado pelo STF – o que, repetimos, no nosso modesto entendimento, não só é desnecessário, mas inconcebível, diz que o ministro Cezar Peluso quer forçar a barra para uma reapreciação do julgado e sobrepor sua posição pessoal à do STF expressada no julgado. Isso não é verdade, o que, sem muito esforço, demonstraremos a seguir.
O hábil advogado do extraditando quer se valer da errônea interpretação do ministro Eros Grau, quando afirmou que “se o Presidente decidisse com base no art. 3, I, f, do Tratado, tal decisão não seria passível de revisão pelo Supremo”. Diz também na sua nota o ilustre causídico que “O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau”. Onde está essa autorização que o STF deu ao Presidente da República para decidir sobre a extradição do senhor Cesare Battisti? Da ementa supra transcrita isso não se pode extrair. E que autoridade têm as razões do ministro Eros Grau para se fazer impor sobre as dos demais ministros-juízes? Não nos consta que as errôneas “razões adiantadas pelo ministro Eros Grau” tenham sido submetidas a escrutínio no STF quando do julgamento do processo ora em pauta; que com elas comunguem os demais pares do ex-ministro-juiz; e, muito menos que elas tenham sido sacramentadas no acórdão. Essas errôneas razões é que são, sim, ponto de vista pessoal do ex-ministro Eros Grau.
A ERRÔNEA INTERPRETAÇÃO DO MINISTRO EROS GRAU
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 16/04/2010, por votação majoritária, retificar a proclamação do resultado do julgamento do pedido de Extradição do senhor Cesare Battisti. A decisão foi tomada na apreciação de uma questão de ordem levantada pelo governo italiano quanto à proclamação do resultado da votação no dia 18/11/2009. A proclamação dizia que, por maioria (5 a 4), a Suprema Corte autorizou a extradição, porém, também por maioria (5 a 4), “assentou o caráter discricionário” do cumprimento da decisão pelo presidente da República. Ou seja, que caberia ao Presidente da República decidir sobre a entrega ou não do paciente reclamado. Na sessão do dia 16/04 ficou assentado que seria retirada da proclamação do resultado a discricionariedade do Presidente da República para efetuar a extradição. Como se vê da ementa nº 08, supra transcrita, foi realmente retirada da proclamação a discricionariedade do Presidente da República e se fez constar que “deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando”.
Nessa mesma sessão, justificando seu confuso e equivocado voto, o ministro Eros Grau proferiu as seguintes impropriedades:
“O presidente da República tem a possibilidade de entregar ou não o extraditando”;
“O presidente autoriza ou não, nos termos do tratado”;
“O único ponto que precisava ser esclarecido é que, no meu entender, ao contrário do que foi afirmado pela ministra Cármen Lúcia, em primeira mão, o ato não é discricionário, porém há de ser praticado nos termos do direito convencional”, observou o ministro Eros Grau, lembrando que, neste ponto, seguia jurisprudência firmada por voto do ministro Vítor Nunes Leal (aposentado), em outro caso de extradição.
“… para evitar confusão: … Eu acompanhei, quanto à questão da não vinculação do presidente da República à decisão do Tribunal, a divergência. Mas, com relação à discricionariedade ou não do seu ato, eu direi: esse ato não é discricionário porque ele é regrado pelas disposições do tratado”.
A menos que se considere o voto do ex-ministro Eros Grau tendencioso – idéia de que nos afastamos, sinceramente!! -, só se pode admitir que foi ele, o ex-ministro-juiz, o mais gravemente afetado psicologicamente pelo terror causado pelo fã-clube do extraditando.
O FUNDAMENTO DO SEU VOTO
O ex-ministro perdeu a noção do que significa a mais Alta Corte de Justiça do Brasil – e nisto se fez acompanhar por alguns de seus pares. Mas a linha de raciocínio abraçada pelo ex-ministro foi por demais extravagante. Para segui-la fez uma descabida e cansativa viagem: foi além túmulo. Disse o ex-ministro Eros Grau que fundamentou seu voto em “jurisprudência” firmada por voto do ex-ministro-juiz do STF Victor Nunes Leal, que em determinado caso de extradição não reconheceu poder discricionário do Presidente da República, mas que o ato de extraditar deveria observar “os termos do direito convencional”. Um entendimento errôneo e hoje, mais do que nunca, imprestável para o deslinde de qualquer caso de extradição. E isto que ora afirmamos é de fácil entendimento. Senão reparem. O ex-ministro-juiz Victor Nunes Leal, falecido em 1985, teve assento no Supremo Tribunal Federal em período conturbado de nossa história – de 1960 a 1969. À época em que o ex-ministro Victor Nunes Leal exerceu a magistratura no STF viveu o Brasil sob a égide de duas Constituições: a de 1946 e a de 1967.
Estabelecia a Constituição de 1946:
Art 5º – “Compete à União:
I – manter relações com os Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções; … ;“
Art 87 – “Compete privativamente ao Presidente da República: …;
VI – manter relações com Estados estrangeiros;
VII – celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional; …”
Art 101 – “Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I – processar e julgar originariamente: …;
g) a extradição dos criminosos, requisitada por Estados estrangeiros e a homologação das sentenças estrangeiras; …”
A Constituição de 1967 repetiu quase “ao pé da letra” os dispositivos retro transcritos:
Art 8º – “Compete à União:
I – manter relações com Estados estrangeiros e com eles celebrar tratados e convenções; participar de organizações internacionais; …”
Art 83 – “Compete privativamente ao Presidente: …;
VII – manter relações com Estados estrangeiros;
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional; …”
Art 114 – “Compete ao Supremo Tribunal Federal:
I – processar e julgar originariamente: …;
g) a extradição requisitada por Estado estrangeiro e a homologação das sentenças estrangeiras; …”.
Não nos demos ao trabalho de investigar em que processo extradicional o falecido ministro Victor Nunes Leal proferiu o voto que cegamente, “in memorium”, seguiu o ex-ministro Eros Grau. Percebe-se que foi um voto completamente equivocado. Tanto a Constituição de 1946, no seu art. 101, inciso I, letra g, como a Constituição de 1967, no seu art. 114, inciso I, letra, g, outorgaram prerrogativa ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a extradição requisitada por Estado estrangeiro. Essas duas Cartas também delegaram ao Executivo competência para celebrar com Estados estrangeiros tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.
Da história do falecido ex-ministro Victor Nunes Leal depreende-se que competência intelectual lhe sobejava. Diante do que dispunham as retro mencionadas Constituições não havia como se admitir que o Governo celebrasse acordo, tratado ou convenção extradicional estabelecendo que a si coubesse a decisão sobre extradição passiva. Seria um contra-senso; um explícito, indesejável e inadmissível “pré-estabelecido” conflito de competência, já que as Constituições brasileiras vigentes legaram essa prerrogativa ao Supremo Tribunal Federal. Certamente, esses instrumentos não seriam referendados pelo Congresso Nacional. Não sabemos que razões levaram o falecido ministro a proferir esse esdrúxulo voto e do qual o ministro Eros Grau é simpatizante. Mas se foi com base em dispositivo de tratado similar ao inciso “f” do parágrafo 1º do art. 3º do Tratado Brasil-Itália está claro que incidiu em equívoco injustificável; foi de uma infelicidade sem tamanho, como adiante se verá.
O ex-ministro Eros Grau enveredou pelo mesmo caminho. E ainda mais injustificável foi sua errônea interpretação do retro citado inciso “f” do § 1º do art. 3º do tratado ora em foco. O voto do ex-ministro-juiz do STF Victor Nunes Leal foi proferido na década de 60, há mais de quarenta (40) anos portanto, quando o instituto da extradição ainda não tinha uma regulamentação, um regramento que deixasse claro suas nuances. Como antes dissemos, hoje, mais do que nunca, não se concebe a interpretação do ministro Eros Grau. O instituto da extradição está regulamentado pela Lei nº 6.815/80 que, por sua linguagem simples, é bastante elucidativa; não deixa margem para errôneas interpretações nem mesmo para leigos. Sua perfeição é inquestionável, principalmente no que diz respeito ao instituto da extradição. Tanto é verdade que mesmo após a promulgação da Constituição de 1988 continuou em vigor.
O VOTO FÚNEBRE
Perdoe-nos o ilustrado ex-ministro Eros Grau. Sua interpretação com base no entendimento do ex-ministro-falecido é irracional. Se, por hipótese, as Constituições de 1946 e 1967 (regulamentações não existiram nos períodos de suas vigências) tivessem contemplado o Governo com poder para celebrar acordos, tratados ou convenções extradicionais e nesses instrumentos inserir cláusula a ele, Governo, assecuratória do poder de decidir sobre a matéria não haveria razão alguma para um processo extradicional se submeter à análise do Supremo Tribunal Federal. Teria o Presidente da República poder discricionário para decidir sobre o pedido do Estado estrangeiro. Como essa prerrogativa não foi reconhecida por nenhuma das Constituições, só podemos concluir que o voto ex-ministro Victor Nunes Leal, se não decorreu de um momento de rara infelicidade, foi tendencioso, visivelmente apaixonado, afastado da legalidade – “para um bom entendedor meia palavra basta”: no início de 1969 foi ex-ministro afastado do STF por força de Ato Institucional. E, em face deste raciocínio, por questão de justiça – abandonando a descrença antes registrada – passamos a entender que o voto do ex-ministro Eros Grau deve, com maior razão, ser adjetivado como o voto do ex-ministro Victor Nunes Leal: tendencioso, apaixonado, ilegal. Dissemos “com maior razão” porque ele seguiu um voto que, mesmo que tivesse sido proferido com base legal, hoje, diante da legislação que rege a matéria, estaria obsoleto. O ex-ministro Eros Grau não sabia que o ex-ministro Victor Nunes Leal teve assento no STF na década de 1960? Que está o ex-ministro nas Graças de Deus desde 1985 – três (3) anos antes da promulgação da vigente Constituição? Sabia, sim, o ex-ministro Eros Grau que o entendimento esposado no voto do falecido ex-ministro não poderia ter aplicabilidade em processo extradicional hodierno.
“… PARA EVITAR CONFUSÃO: … EU ACOMPANHEI, QUANTO À QUESTÃO DA NÃO VINCULAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À DECISÃO DO TRIBUNAL, A DIVERGÊNCIA. MAS, COM RELAÇÃO Á DISCRICIONARIEDADE OU NÃO DO SEU ATO, EU DIREI: ESSE ATO NÃO É DISCRICIONÁRIO PORQUE ELE É REGRADO PELAS DISPOSIÇÕES DO TRATADO”.
Um impropério digno de ser submetido a um psicanalista. Terminantemente, não estava o ex-ministro Eros Grau em seu normal estado psíquico. Deve ter deixado seus pares não só atônitos, mas extremamente preocupados com seu estado de saúde.
Dizendo o ilustrado ex-ministro que não reconhece a vinculação do Presidente da República à decisão do Supremo Tribunal Federal em processo de extradição passiva e que o ato de extraditar ou não é regrado pelas disposições do tratado nada mais fez do que reconhecer que num tratado extradicional pode ser incluída cláusula que confira ao Presidente da República poder para decidir sobre extradição. Ou não? E que significa isso senão poder discricionário?
No capítulo em que tratamos “do arquivamento do processo” reproduzimos nosso ponto de vista sobre a submissão absoluta do Presidente da República ao acórdão prolatado pelo STF. E este modesto entendimento é compartilhado com muitos outros – leigos e operadores do Direito. Acreditamos que o ex-ministro Eros Grau e poucos de seus pares são raríssimas exceções. Na abertura do Ano Judiciário de 2011, inquirido por alguns jornalistas, o ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou a respeito do assunto: “Eu destaquei que não fazia sentido o tribunal se pronunciar, uma Corte com o papel do STF, para produzir uma sentença, digamos assim, litero-poética recreativa. Um tribunal desse tem que decidir com efeito vinculante. Continua sendo minha posição, mas não foi a posição majoritária naquele momento”.
O INCISO “f” DO § 1º DO ART. 3º DO TRATADO BRASIL-ITÁLIA
Nobres leitores, o Tratado Brasil-Itália, no que diz respeito ao instituto da “extradição”, não regra ato discricionário, seja de quem for. Os acordos, tratados e convenções internacionais é que são regrados pelas legislações próprias das partes celebrantes. Com o Brasil não poderia ser diferente. O instituto da extradição agasalhado pelo Direito brasileiro é, hoje, regrado pela Constituição Federal “de 1988” e pela Lei nº 6.815/80 – “Estatuto do Estrangeiro”. No regramento desse instituto esses diplomas não contemplam o Executivo com poder para decidir sobre extradição. A prerrogativa é do poder Judiciário na sua mais alta expressão – o Supremo Tribunal Federal – e plenitude. Nenhum acordo, tratado ou convenção internacional de que seja o Brasil parte pode se afastar dos regramentos estabelecidos nos retro mencionados diplomas. O parágrafo 3º do Tratado Brasil-Itália observou, no que diz respeito ao Brasil, o quanto estabelecido na Constituição Federal, e na Lei nº 6.815/80
Reza o art. 5º, inciso LII, da Constituição: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.
O art. 77 da Lei nº 6.815/60 estabelece: “Não se concederá a extradição quando:
I – se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;
II – o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
III – o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV – a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
V – o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
VI – estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII – o fato constituir crime político; e
VIII – o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.
§ 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal”.
O Tratado Brasil-Itália, com relação ao Brasil, ao tratar dos impedientes da extradição devia observância aos supra transcritos dispositivos, e assim o fez. Seu art. 3º, § 1º, ganhou a seguinte redação: “A Extradição não será concedida:
a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida:
b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena:
c) se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na parte requerida, e estiver sob a jurisdição penal desta;
d) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal de exceção na parte requerente;
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político;
f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivode raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”;
g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da parte requerida, crime exclusivamente militar. Para fins deste tratado, consideram-se exclusivamente militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes de direito comum.
A “parte requerida” a que se refere o § 1º, inciso f, do retro transcrito dispositivo é a REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, que tem como Poderes “independentes (?) e harmônicos (?)” entre si o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A parte requerida, pois, não é o Poder Executivo, não é o Governo. No Direito brasileiro, em matéria de extradição, pela República Federativa do Brasil, quem dá a palavra final é o Poder Judiciário, repetimos, na sua mais ata expressão – o Supremo Tribunal Federal, a quem os legisladores, constituinte e ordinário, concederam a prerrogativa, a exclusividade, de sobre ela, extradição, conhecer e decidir. Vale aqui transcrever os dispositivos que credenciam o Poder Judiciário a tanto:
art. 102 da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: …; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; …”
art. 83 da Lei nº 6.815/80: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”.
Também, e não poderia ser diferente, foi ao Poder Judiciário que os legisladores atribuíram a competência “exclusiva” para apreciar o caráter da infração. Reza o § 2º do art. 77 da Lei nº 6.815/80: “Caberá, EXCLUSIVAMENTE, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração”.
Os motivos elencados no inciso “f” do § 1º do artigo 3º do Tratado Brasil-Itália – assim como os discriminados nos demais incisos – devem, pois, ser apreciados pelo Supremo Tribunal Federal. E isto fica mais claro ainda ao nos depararmos com o que está disposto no § 3º do retro citado art. 77: “O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social”.
Ora, se é o Supremo Tribunal Federal legalmente credenciado para, diante de certas circunstâncias, deixar de considerar crimes políticos atos cometidos por motivos realmente políticos, mas que, no seu entender, por razões ponderáveis, extrapolam o tolerável para serem havidos como tais, por que se entender que é o Executivo “a parte requerida” com prerrogativa para negar extradição com fundamento no inciso “f” do § 1º do art. 3º do Tratado Extradicional celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana?
Estamos cansados de dizer que o processo extradicional adotado pelo Direito brasileiro é eminentemente judicial e que para apreciá-lo e julgá-lo a prerrogativa exclusiva é da mais Alta Corte de Justiça do Brasil, que – pelo menos se presume – é composta da elite jurídica da nação brasileira e que por força de juramento é imparcial – também presumivelmente.
O multicitado inciso “f” diz: “se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição …” .
Desnecessário, mas, para abusar da tolerância que até aqui nos dispensaram os distintos leitores, perguntamos: quem tem mais idoneidade e sapiência para expor essas “razões ponderáveis”?
Razões ponderáveis são razões detalhadamente estudadas, desapaixonadas, imparciais. Então, agora, respondam-nos: o Executivo, um poder político, sem comprometimento com imparcialidade, ou o Judiciário – na sua maior expressão, o STF , que tem por dever de ofício professar a imparcialidade?
UMA FUNDAMENTAÇÃO ERRADA, MAS UMA CONCLUSÃO ACERTADA
O ex-ministro Eros Grau nos convenceu de que não só Deus escreve certo por linhas tortas: ele também escreve. Senão vejamos.
Após a inconcebível e cansativa viagem para justificar seu confuso voto concluiu: “… Mas, com relação à discricionariedade ou não do seu ato, eu direi: esse ato não é discricionário porque ele é regrado pelas disposições do tratado” (grifo nosso).
Referiu-se, é claro, o ex-ministro Eros Grau ao ex-presidente da República – o ayatoLula. Sem querer, desnecessariamente, concluiu – “magistralmente” – que o ex-presidente deveria seguir, quanto à entrega do paciente-reclamado, o regramento do tratado.
Bem, quanto à entrega do extraditando a regra que o ex-ministro exige observância está traçada logo no art. 1º do Tratado Brasil-Itália: “Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal” (grifos nossos). Portanto, esta é a regra a que se referiu o ex-ministro Eros Grau e que deve ser observada pelo Governo. A conjecturada por ele simplesmente não existe.
Convencidos estamos da “tendenciosidade” do voto do ex-ministro Eros Grau; de que – na impossibilidade de o ex-ministro da Justiça, senhor Tarso Genro, se fazer presente no STF criando embaraços nas mentes dos ministros-juízes – coube a ele a missão de dar continuidade ao clima de terror instalado por aquele desde o início do processo; mas travestindo o terrorismo de falsa juridicidade.
Quisesse ele, ex-ministro Eros Grau, chamar a atenção do ex-presidente para a observância de uma regra “necessária” e que, se não observada, poderia ensejar – temporária ou definitivamente – a não entrega do extraditando à requerente pediria a ele, que atentasse para o quanto contido no art. 91 da Lei nº 6.815/80, que está assim redigido: “Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:
I – de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III – de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV – de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e,
V – de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena”.
Também por ocasião da abertura do Ano Judiciário de 2011, o ministro Gilmar Mendes, indagado sobre os pedidos da República Italiana e da defesa do extraditando, assim se manifestou: “Nós vamos analisar dentro dos parâmetros estabelecidos dentro do próprio acórdão [do julgamento do STF]. Os senhores conhecem o acórdão que foi emitido, que reconheceu a competência do presidente da República para definir sobre a extradição nos termos do tratado. Esses são os limites que podemos discutir”.
Com todo o respeito que nos merece o ilustrado ministro Gilmar Ferreira Mendes, entendemos, por tudo quanto com muito esforço mental expusemos, que essa análise não tem cabimento no corpo dos autos do processo extradicicional ora em foco. O julgamento está pronto e acabado. Resta tão-só executar o quanto foi nele decidido.
DISCURSO DO PRESIDENTE DO STF, MIN. CEZAR PELUSO, NA ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO DE 2011.
Prezados leitores, permitam-nos transcrever abaixo parte do discurso do Ministro Cezar Peluso.
“As perspectivas do Poder Judiciário, para este ano de 2011, são ambiciosas. Mas, sozinhos, não poderemos concretizá-las na plenitude de suas forças. Não é por acaso que a Constituição prescreve, como afirmação, programa e tarefa, que os Poderes são independentes, mas não podem deixar de ser harmônicos entre si. Se assim tem sido neste já algo longo período de estabilidade político-democrática, que é também obra inegável da atuação do Judiciário, a quadra histórica pede-nos um passo além na construção, não apenas de uma nova consciência cívica, mas sobretudo de uma revigorante cultura de solidariedade, interação e respeito institucionais entre os Poderes, nos limites que nos outorga a Constituição da República.
É mister reafirmar, mediante ações concretas, as duas inseparáveis dimensões republicanas conciliadas no seu texto: a independência do Judiciário, que não abre mão desse predicado que constitui a essência de suas atribuições constitucionais, e a convivência harmônica dos Poderes. Independência, está claro, não é submissão, mas tampouco pode significar oposição sistemática. E a proclamação da harmonia, sobre figurar perceptível exigência da fecundidade das ações práticas, convoca os Poderes para busca permanente de entendimento ordenado ao desenvolvimento virtuoso da nação, entendido não apenas como progresso econômico, mas como avanço social, educacional e cultural, necessários à emancipação da sociedade em todos os planos das potencialidades humanas. Afinal, é essa a razão mesma da existência das instituições do Estado que nos cabe representar neste momento histórico.
Senhora Presidente, ao finalizar, quero agradecer, ainda uma vez, a honrosa presença de V.Exª, que, no ato de abertura do Ano Judiciário, traz o sentido simbólico da confirmação da idéia de harmonia entre os Poderes. E, em nome desta Suprema Corte, manifestar a fundada expectativa de que, sem prejuízo da indeclinável independência, possamos manter uma relação marcada sob o signo do diálogo, da compreensão mútua e da disposição permanente para o elevado entendimento que nos pedem os superiores interesses da pátria” (grifos nossos).
O recado foi dado. Facilmente se depreende, a tirar pela ênfase que deu o ministro Cezar Peluso ao vocábulo “independência”, que doravante o Supremo Tribunal Federal não tolerará ingerência, de quem quer que seja, no exercício de suas prerrogativas constitucionais; que subestimação ao pilar mais substancial da República Federativa do Brasil não será suportada; enfim, que a guarda da Constituição Federal está restaurada. Que assim seja!
CONCLUSÃO
Diante de toda baboseira por nós aqui exposta, mas que, sem qualquer cerimônia, asseveramos ser menos lastimável do que o voto do ex-ministro Eros Grau e a nota do ilustrado causídico doutor Luís Roberto Barroso, concluímos que não cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar a compatibilidade de sua decisão, proferida nos autos tombados sob o nº 1085 – Processo Extradicional em que é paciente-reclamado pela República Italiana o senhor Cesare Battisti, cuja procedência foi reconhecida e, por conseqüência, deferida a extradição solicitada –, com a insubordinada manifestação do ex-presidente da República negando o cumprimento do julgado, por ABSOLUTA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. Não pode o Supremo Tribunal Federal verificar compatibilidade de decisão “judicial”, “irrecorrível” e, pois, “imutável”, de sua exclusiva competência, com algo juridicamente inexistente. O que cabe agora é a entrega pelo Supremo Tribunal Federal da prestação jurisdicional que lho foi requerida, ou seja, a execução do julgado, o que se concretizará com a entrega do paciente-reclamado à nação requerente. Espera-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal oficie o Governo no sentido de que dê cumprimento ao julgado. Assim não procedendo o Governo, espera-se que o STF, como lídimo guardião da Constituição Federal, de ofício, represente por crime de responsabilidade – por desobediência à lei e ao comando sentencial por si proferido – contra o titular do Governo brasileiro, demonstrando que o PODER JUDICIÁRIO não é figura simplesmente decorativa do nosso sistema republicano, mas, sim, seu pilar, seu sustentáculo, mais sólido e que sua decisão não é “uma sentença lítero-poética-recreativa” (Gilmar Ferreira Mendes – ministro do STF).
Por fim congratulamo-nos com o ministro Cezar Peluzo pelo seu pronunciamento na abertura do Ano Judiciário de 2011, onde “reproclamou” a independência do Poder Judiciário brasileiro, pelo que se entendeu que esse principal pilar da República, doravante, assumirá, a qualquer custo, suas prerrogativas constitucionais – principalmente a guarda da nossa tão vilipendiada Constituição. Não mais será subserviente, não mais se sujeitará a subestimações, não mais aceitará ingerências em suas decisões e, assim sendo, não mais se exporá a críticas de pessoas com parco ou nenhum embasamento jurídico – como nós.
Advogado
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