Resumo: Este artigo se propõe a apresentar uma discussão sobre a relação entre a Democracia e os meios de comunicação. Iniciando o debate pelo controverso e variado uso da expressão democracia. Posteriormente discorrendo sobre as concepções liberais e socialistas de democracia e, em especial, as variáveis liberais da democracia elitista e democracia participativa. Propõe como uma possibilidade de análise das democracias contemporâneas a consideração de elementos da democracia formal e substancial. Por fim, o artigo apresenta, de forma preliminar, como a relação entre Estado, sociedade e meios de comunicação (mídia) determina a compreensão da Democracia na atualidade.
Palavras-chave: Democracia. Mídia. Relação.
Abstract: This article aims to present a discussion of the relationship between democracy and the media. Starting the debate by the controversial and varied use of the term democracy. Later in talking about the liberal and socialist conceptions of democracy and, in particular, the variables elitist liberal democracy and participatory democracy. Proposed as a possible analysis of contemporary democracies consideration of elements of formal and substantive democracy. Finally, the article presents, in a preliminary way, as the relationship between state, society and media are considered key elements of how democracy is conceived today.
Keywords: Democracy. Media. Relationship.
Sumário: 1. Introdução. 2. Democracia: a confusão conceitual e a necessidade atual da afirmação democrática. 3. Liberais e socialistas: a democracia em campos opostos. 4. Meios de comunicação e democracia: uma relação definitiva. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Esse artigo se propõe a apresentar uma discussão sobre as relações entre a Democracia e os Meios de Comunicação. A importância desse debate deriva de que tanto a Democracia quanto os Meios de Comunicação são elementos constitutivos das diversas esferas da vida social, seja no cotidiano das pessoas seja nas preocupações daqueles que se propõe a tentar entender a complexa realidade social contemporânea. Mais do que isso, são objetos de reflexão e ação de quem pretende agir politicamente de forma consciente na para a transformação ou manutenção da ordem social, ou seja, são temas que precedem, inclusive do ponto de vista histórico, a academia, e que originalmente ocuparam e ocupam parlamentares, ativistas sociais, militantes políticos que – ao menos no mundo ocidental – se defrontam com a democracia como regime de governo, mais ou menos consolidado do ponto de vista institucional. E também com um tipo de sociedade que tem no conteúdo midiático uma das principais fontes de informação e entretenimento, portanto, ainda, transmissora de valores, padrões de comportamento e estereótipos.
Ainda que possam ser tratado do ponto de vista analítico como campos ou aspectos singulares da realidade social, Mídia e Política (e, assim, Democracia) estão cada vez mais relacionadas. Com efeito, qualquer análise que pretenda abordar Meios de Comunicação e Democracia para além do seu significado em si, mas em sua relevância social atual tende a pelo menos levar em conta as conseqüências dessa espécie de simbiose temática. Dois acontecimentos históricos parecem contribuir para o aumento dessa associação. Primeiro, a complexidade da vida social moderna, sobretudo a partir da Revolução Industrial, que, entre outras coisas, alterou de forma drástica a organização territorial e populacional, tendo como forma máxima de expressão de poder político formal o Estado Moderno, o que implica em um repensar da política e da democracia em seu sentido clássico. Segundo, o próprio desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, que, grosso modo, deixaram de ser meramente impressos, para a partir do século XX se tornarem também audiovisuais e digitais. O desenvolvimento tecnológico e econômico ainda permitiu que além do formato dos veículos de comunicação, o seu próprio acesso fosse massificado em maior ou menor proporção de acordo com elementos de contexto (região, faixa etária, hábitos culturais, etc.).
Como conseqüência dos processos citados, ocorre também uma popularização da temática da Democracia e dos Meios de Comunicação, na prática cotidiana e no plano das idéias. Essa espécie de “vulgarização” também gerou uma série de interpretações e concepções variadas e por vezes conflituosas ou contraditórias a respeito do significado desses temas, em especial sobre a Democracia já que, fundamentalmente, trata-se de um conceito abstrato sem uma materialidade tão específica quanto um veículo de comunicação, por exemplo. A própria relação entre Mídia e Democracia colabora, em alguma medida, para essa confusão conceitual que atinge o uso cotidiano prático, mas também o debate teórico e acadêmico.
2. Democracia: a confusão conceitual e a necessidade atual da afirmação democrática
Dentre os numerosos temas que são abordados pela ciência, há aqueles que transcendem o espaço acadêmico e ganham diferentes concepções em outros campos da vida social. A Democracia é um desses casos, pois além de uma extensa tradição filosófica e de um volumoso debate científico, não raramente observamos o uso desse termo em diversas situações da vida cotidiana e também pelos meios de comunicação. Quase sempre seu uso está associado a maneiras de tomada de decisão, não necessariamente em relação com o poder estatal. O que não significa, em absoluto, que são utilizadas com o mesmo sentido, ainda que seja possível observar certos procedimentos que culturalmente e, sobretudo, em determinado contexto, possam ser identificados como democráticos. Assim, embora seja uma temática corriqueira na política institucional e nas Ciências Humanas e Sociais, a expressão Democracia é utilizada nas relações pessoais, nas relações de trabalho e mesmo na imprensa, não somente nas notícias e reportagens que tratam da política institucional.
Essa vulgarização da palavra Democracia por si só já bastaria para afirmar que seu significado é múltiplo. Mas há, concomitantemente, uma diversidade de sentidos e concepções do termo na política institucional e no próprio debate acadêmico, que colaboram ainda mais para essa grande variedade de entendimentos. Giovanni Sartori afirma em sua obra Teoria Democrática (1965) que vivemos em uma Era da Confusão Democrática, isso porque o termo democracia é talvez o mais controverso da política. Esse quadro de confusão se fundamenta na “popularização” do termo bem como no triunfo da Democracia como um valor almejado:
“[…] democracia tornou-se cada vez mais um termo universalmente honorífico. Nos dias atuais, o povo associa a tal palavra um sentimento profundamente laudatório. Isso pode ser considerado como um desenvolvimento positivo, pois tal termo faz com que todos desejem ser – ou pareçam ser – democratas. Mas há um aspecto negativo do desenvolvimento honorífico que não pode ser negligenciado: que a palavra pode triunfar às expensas da clareza, e consequentemente às custas do conteúdo.” (SARTORI, 1965, p. 22)
Com efeito, ainda no campo político tornou-se comum, especialmente a partir do século XX que grupos, muitas vezes com práticas e interesses opostos, reivindicassem para si o status de democráticos ou de defensores da democracia. Como relata Maria Lúcia DURIGUETTO: “Não existe hoje nenhuma corrente de opinião significativa que não defenda a democracia e não se afirme democrática. (2007, p. 11)” Um exemplo bastante intrigante dessa necessidade contemporânea de aparentar ser democrático é o que ocorre com um partido brasileiro que atualmente se intitula Democratas. Esse partido conservador brasileiro é oriundo do antigo PFL (Partido da Frente Liberal), que por sua vez tinha origem em uma cisão da antiga ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido criado pela ditadura civil-militar brasileira para lhe dar sustentação. O que, aliás, demonstra que democracia passou a ser compreendida não apenas como uma forma de governo, mas como uma espécie de “valor universal[1]“, mesmo que restrito, muitas vezes ao plano discursivo.
Ao comentar um documento da UNESCO, de 1949, que comemorava uma suposta conciliação de todas as doutrinas políticas em defesa da Democracia, Sartori é menos otimista:
“Todos são a favor da democracia – mas qual democracia? Se a resposta for “Tudo que se entende por tal nome”, então o preço da unanimidade de opinião sobre democracia seria por demais elevado. Isso porque, acreditar-se que um sistema político é uma democracia justamente porque assim é denominado, é um modo de destruir a democracia às custas de seu próprio nome. E isso pode muito bem ser a conseqüência derradeira se, ao invés de realçar que nomes diferentes devem ser empregados para denotar coisas diferentes, estimularmos a ambigüidade pela aplicação do mesmo rótulo a práticas opostas.” (SARTORI, 1965, p.24)
Para tentar amenizar essa confusão, a academia costuma adjetivar a Democracia, um exemplo brasileiro é expressão Democracia Racial utilizada a partir da metade do século XX, por alguns estudiosos das relações étnicas no Brasil, para classificar o tipo de sociedade em formação no país[2]. Não é por acaso, portanto, que tanto no campo político quanto científico, a palavra democracia muitas vezes aparece precedida ou sucedida de alguma complementação: democracia racial, democracia social, democracia burguesa, democracia liberal, democracia formal, democracia de massas, democracia participativa, entre outros. Em sentido semelhante, o substantivo Democracia também se transforma em um adjetivo. Alain TOURAINE, em O que é a Democracia, para citar apenas um exemplo entre tantos, utiliza expressões como “cultura democrática” e “espírito democrático” para designar “um esforço de combinação entre unidade e diversidade, liberdade e integração” (1996, p.29) A Democracia assim, apresenta um aspecto valorativo. Cultura, espírito podem ser ou não ser democráticos, assim como uma ação individual, coletiva, de governo ou de Estado pode ser mais ou menos democrática.
Certo de que não há consenso preciso nas ciências sobre o que é Democracia, é necessário, no entanto, reconhecer alguns pontos em comum em alguns teóricos que se dispuseram a tentar desvendar os significados e as formas da Democracia. Dois elementos comuns são evidentes. O primeiro, que já foi explicitado, é de que não há apenas uma concepção de Democracia. O segundo é que, malgrado toda a dificuldade da tarefa, é fundamental buscar uma definição do termo, justamente pra evitar seu esvaziamento de significado. A partir disso, é possível com maior precisão compreender de que Democracia se fala, qual se defende, o que a caracteriza.
Uma boa referência para começar a desenvolver uma definição de Democracia é o Dicionário de Política de Norberto BOBBIO, Nicola MATTEUCCI e Gianfranco PASQUINO. Eles iniciam o verbete afirmando que nas sociedades ocidentais do nosso tempo, o debate teórico sobre a democracia, deriva de três grandes tradições filosóficas: a teoria clássica (aristotélica); a teoria medieval (romana) e a teoria moderna (conhecida também como teoria de Maquiavel):
“O problema da Democracia, das suas características, de sua importância ou desimportância é, como se vê antigo. Tão antigo quanto a reflexão sobre as coisas da política, tendo sido reposto e reformulado em todas as épocas.” (2000, p.319 e 320)” [3]
Se hoje parece lugar comum a defesa da democracia, é importante compreender que nem sempre foi assim. Na Antiguidade, Aristóteles apontava na democracia uma forma corrupta em contraposição as formas puras de governo, por ser em sua aplicação um governo que fraciona o poder político. Os pobres passam a ter poder sobre os ricos por serem maioria. A democracia também seria propícia a dominação demagógica e a liberdade desenfreada. Platão classificava a democracia como “a menos boa das formas boas e a menos má das formas más de governo” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.320) Ou seja, as diferentes concepções de democracia tem uma caminhada histórica desde os antigos até os modernos) que abre flancos para diferentes interpretações e cada interpretador ou tendência a adota com o cariz que defende.
3. Liberais e socialistas: a democracia em campos opostos
Ainda que a teoria e prática política seja uma construção histórica e, portanto, permeada em maior ou menor grau de influências antigas, nos interessa para o debate contemporâneo sobre democracia, a teoria moderna. Com o advento do Estado Moderno e a publicação da obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, a teoria moderna tem seu marco inicial. Em O Príncipe, Maquiavel não tratou diretamente da Democracia, mas, ao discorrer sobre a república e principalmente sobre a relação do príncipe (Estado) com seus governados, o autor florentino contribui para este debate. Em sua afirmação célebre, de que as principais bases de um Estado são boas leis e boas armas, reside de certa forma uma espécie de síntese histórica de toda forma de dominação política já existente. A relação entre convencimento (leis) e coerção (armas) é fundamental para o debate sobre o Estado, a política e a Democracia. Contudo, em Maquiavel não importa tanto se a manutenção do poder se dá de forma mais ou menos democrática, desde que se mantenha o poder do príncipe.
Assim como os antigos, entre os contratualistas não existe consenso quanto a uma valoração positiva da democracia. Basta lembrar que Hobbes e Kant são contratualistas, mas não são e nem se proclamam democráticos. É entre os contratualistas, todavia, que encontramos um dos principais pensadores da Democracia moderna, Jean-Jaques Rousseau, que foi responsável pela confluência da soberania popular – tão presente nos autores medievais – com o pensamento republicano moderno.
Em um de seus textos mais importantes, Do Contrato Social, estão descritas, além das três formas de governo concebidas por Rousseau (Democracia, Aristocracia e Monarquia) importantes reflexões a respeito da soberania popular, da vontade geral, da relação entre governo e povo, da divisão de poderes. Convém lembrar que Rousseau é também uma importante referência do assembleísmo e da democracia direta. Não obstante, o próprio pensador francês é cético no que diz respeito a uma Democracia direta plena e indefectível:
“Rigorosamente falando, nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá. Contraria a ordem natural o grande número governar, e ser o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos; e é fácil de ver que não poderia ele estabelecer comissões para isso, sem mudar a forma da administração. […] Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens”. (ROUSSEAU, 2002, p.33 e 34)
Rousseau pode ser considerado um crítico do Estado representativo e, portanto, do liberalismo, doutrina político-econômica que surgia com força em sua época. Aliás, durante o século XVIII e XIX o pensamento liberal em grande medida também era avesso a Democracia:
“De outra parte, os modernos liberais nasceram exprimindo uma profunda desconfiança para com toda forma de governo popular, tendo sustentado e defendido o sufrágio restrito durante todo o arco do século XIX e também posteriormente”. (BOBBIO, 2000, p.37)
Nesse sentido DURIGUETTO é mais contundente ao afirmar que a teoria liberal clássica, em sua raiz, nunca defendeu a incorporação e/ou ampliação de componentes democráticos em seus ordenamentos político-institucionais[4]. Tendo como cerne do projeto liberal a defesa dos interesses individuais frente ao Estado e, em especial, da propriedade privada, tendo em John Locke o autor fundamental desse Estado de classe. (2007, p. 36) A autora indica o início do século XX como o possível período de adesão do pensamento liberal à Democracia:
“A partir de um certo momento, que talvez possamos situar no período posterior à Revolução de Outubro de 1917, o pensamento liberal resolveu adotar positivamente o termo democracia, utilizando-o não só contra o nazifascismo, sobretudo durante a Segunda Guerra, mas talvez sobretudo contra o socialismo, apresentado como algo despótico e totalitário. Assim, de termo essencialmente subversivo, democracia passou a fazer parte também de um discurso conservador”. (DURIGUETTO, 2007, p.11)
Nas doutrinas liberais e socialistas, que desde o século XIX polarizam com maior ou menor intensidade o debate político não é difícil encontrar, por exemplo, o uso da democracia como sinônimo de liberalismo ou socialismo, de acordo com o pólo que a emprega. Assim como o contrário acontece: liberais e socialistas acusando-se mutuamente de antidemocráticos. Robert Dahl em Análise Política Moderna apresenta uma crítica à confusão entre sistema político e econômico:
“Muitas pessoas aplicam indiscriminadamente termos como “democracia”, “ditadura”, “capitalismo” e “socialismo” igualmente aos sistemas políticos e econômicos. Essa tendência de confundir os sistemas políticos com os econômicos nasce da falta de um conjunto padronizado de definições, da ignorância da origem histórica desses termos e, em alguns casos, do desejo de explorar um termo político altamente favorável, ou desfavorável (como “democracia” ou “ditadura”), com o objetivo de influir nas atitudes alheias a respeito dos sistemas econômicos.” (DAHL, 1988, p.14)
Todavia, a posição de Dahl, de tratar democracia e ditadura como sistemas políticos e de liberalismo e socialismo como sistemas econômicos não encontra unanimidade entre os autores. Ainda que Bobbio, por exemplo, afirme em diversas passagens que tanto socialismo quanto liberalismo podem ser democráticos ou antidemocráticos, ou seja, supostamente se aproximando da diferenciação proposta por Dahl, o próprio Bobbio em Estado, Governo, Sociedade indica que não basta conceber Democracia apenas em seu sentido político, mas também substancial como veremos mais adiante. Giovanni Sartori radicaliza ainda mais a posição contrária a dissociação de Dahl, ao argumentar sobre o “infortúnio” do desprestígio do liberalismo diante da Democracia. Para ele, o liberalismo político foi confundido com o que chama de “liberismo” econômico. (SARTORI, 1965, p. 376) Liberismo, inclusive, é uma expressão corrente na Ciência Política italiana, com adesão do próprio Norberto Bobbio.
Curiosamente, o mesmo Giovanni Sartori, um autor de forte inspiração liberal corrobora, ao menos em causalidade, a interpretação de que o liberalismo assimila à Democracia para se opor ao socialismo. Só que ele indica essa mudança tendo como marco a Revolução de 1848 e a emergência do pensamento socialista. Remetendo a Alexis de Tocqueville responsabilidade da junção entre liberalismo e Democracia. A antítese entre socialismo e liberalismo encontra vazão nos ideais de liberdade e igualdade, com os liberais acusando os socialistas de cercear a liberdade individual sobre o pretexto da igualdade econômica. Com efeito, liberdade e igualdade também têm sentidos diversos para os liberais e os socialistas. Sartori afirma que, no campo liberal, durante o século XIX, prevaleceu o aspecto liberal sobre a nuance democrática, mas isso se inverte durante o século XX, ou seja, o elemento democrático sobrepõe o liberal, cada vez mais.
A associação de liberalismo à Democracia foi um dos pilares da batalha ideológica travada durante toda a chamada Guerra Fria, entre o liberalismo e o socialismo. Convém lembrar que as ditaduras latino-americanas da segunda metade do século XX, muitas vezes, contraditoriamente, justificavam os Golpes de Estado e a manutenção do poder autocrático como necessários para a defesa da Democracia, ante o perigo comunista. Esse “argumento democrático” serviu algumas vezes como retórica para algumas guerras e invasões coloniais de países europeus, para com, principalmente, países africanos. E foi, e ainda é utilizado para a invasão militar e logística estadunidense frente a países da Ásia e do Oriente Médio. Aliás, com o fim dos Estados socialistas no leste europeu e a crise do Estado de Bem Estar Social, na Europa e Estados Unidos da América resulta no que a autora chama de “… falsa equação entre democracia, capitalismo e liberalismo” (DURIGUETTO, 2007, p.31) Levada às últimas conseqüências, essa equação foi responsável pelo surgimento teórico e prático da doutrina neoliberal, também conhecida como Consenso de Washington[5].
Em pleno século XXI continua a ecoar a propaganda da democracia capitalista como a única possível de existir. Os exemplos vão além das guerras norte-americanas. Países como Venezuela, Equador e Bolívia, têm seus respectivos governos constantemente taxados de antidemocráticos pela oposição e pela grande mídia empresarial local e estrangeira. Mais do que isso, todos eles, de 2002 até agora, sofreram tentativas de derrocadas. A Venezuela, no seu caso mais dramático, com a reversão de um golpe de Estado em 2002. A Bolívia com a insurgência de setores de departamentos importantes, que chegaram a pregar separatismo. O Equador com um recente levante de setores militares. Em 2009, um golpe militar depôs o presidente eleito de Honduras. Todos esses países funcionavam – e funcionam, com exceção de Honduras – dentro de uma normalidade no que diz respeito às instâncias formais da democracia, mas sofrem esses ataques de setores sociais nacionais e estrangeiros por contrariarem interesses econômicos e políticos, travestidos quase sempre de bandeiras como a liberdade de expressão e a democracia.
Retomando o debate da relação entre liberalismo e democracia, as variações de prevalência de um sobre o outro produziu algumas vertentes de concepção. Uma delas, na tentativa de superar a crítica liberal à democracia direta e responder a contrapor a crítica socialista à democracia representativa, é conhecida como teoria das elites, ou ainda, “modelo elitista”. Resumidamente, a teoria elitista afirma a impossibilidade prática de qualquer democracia plena, assumindo que o é importante para um modelo democrático não é, portanto, se este é o governo de muitos, de poucos ou de um. Para esta teoria, o poder tende a estar concentrado em poucos, sendo na prática uma oligarquia. Todavia, é relevante conhecer como essa elite governante se forma, se reproduz, se articula e, ainda, como exerce o poder.
“Esse modelo é uma corrente da teoria da democracia, hegemônico no e a partir do pós-guerra, que supõe a existência de uma contradição ineliminável de entre a governabilidade democrática e a participação política. O produto teórico dessa tradição é o surgimento de uma teoria restrita da democracia, o assim chamado “elitismo democrático”. Inaugurada por Schumpeter, essa tradição é a que se encontra reatualizada pelo neoliberalismo”. (DURIGUETTO, 2007, p. 74)
Joseph Schumpeter é o principal nome desta corrente elitista, que também é influenciada por Max Weber:
“[…] especialmente por este caracterizar a complexidade da dinâmica da vida social moderna nos termos da sua “modernização”, o que o levou a expressar um novo modelo de democracia, o do “elitismo competitivo”. (DURIGUETTO, 2007, p. 75)
Para Weber a racionalização da produção capitalista resultou em aparatos técnico-burocráticos que, no interior do Estado, formam um corpo administrativo especializado de funcionários. O poder estatal tende a se concentrar nesse grupo. Porém, mesmo com esse aparato “sufocando” a expressão social e as individualidades, em determinadas situações excepcionais surgem lideranças políticas capazes de ordenar essa burocracia. É a respeito da relação entre essas lideranças e a democracia procedimental – que seriam os mecanismos de revezamento das elites no poder – que se compreende a concepção weberiana de Democracia.
“Dessa forma, a democracia se resumiria a um mecanismo de competição entre líderes políticos eficientes pelo voto do eleitor. A primeira virtude da luta eleitoral consistiria em que esta proporcionaria a capacitação de líderes para administrar a política, sujeitando a burocracia à sua vontade. Nessa direção, as instituições e os direitos democráticos eram, para Weber, considerados pragmaticamente, ou seja, a partir de suas conseqüências para a seleção de líderes políticos eficientes.” (DURIGUETTO, 2007, p.76)
As concepções liberais ou democráticas que concebem a Democracia apenas em seu aspecto formal, ou procedimental, tendem a se aproximar das teses elitistas. Não se trata de uma negação da existência de Democracia – a não ser daquela plena – mas de uma redefinição que se tornou dominante na Ciência Política moderna, sobretudo entre os norte-americanos após a II Guerra Mundial, perdendo um pouco dessa dominância no final do século XX. Seus estudos se encaixam em uma linha conhecida como institucionalista (embora nem todos os institucionalistas sejam elitistas). Considerável exemplo dessa linha é Robert Dahl, que em Um Prefácio à Teoria Democrática recupera conceito de Poliarquia de Johannes Althusius, e utiliza para designar uma das três formas de Democracia[6]. Com a Democracia Poliárquica se busca:
“[…] condições de ordem democrática não em expedientes de caráter constitucional, mas em pré-requisitos sociais, isto é, no funcionamento de algumas regras fundamentais que permitem e garantem a livre expressão do voto, a prevalência das decisões mais votadas, o controle das decisões por parte dos eleitores, etc.” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.328)
Robert Dahl e Charles Lindblom (outro expoente da teoria elitista) reformulam criticamente sua concepção de Democracia depois dos anos 80, apresentando um modelo chamado de “neopluralismo” e se aproximando da teoria participativa que veremos mais adiante.
Norberto Bobbio defende que liberalismo e Democracia confluem quando esta passa a ser entendida no sentido procedimental de tomada de decisões institucionais do Estado, ou seja, o liberalismo de vertente democrática entende a Democracia como uma série de procedimentos institucionais, de mecanismos de participação dos indivíduos nas decisões pertinentes ao Estado. No entanto, Bobbio se afasta dos elitistas por entender que essas “regras do jogo democrático” devem envolver cada vez mais um maior número de pessoas possível, ainda que na forma liberal da Democracia representativa. Nesse sentido o autor costuma fazer distinção entre democracia política e democracia social. A primeira garantidora dos direitos políticos em uma linha liberal e a segunda com o alargamento desses direitos, avançando para a conquista de direitos sociais, mais distantes dos interesses liberais e próximos dos ideais socialistas.
São inúmeras as tentativas de ordenar a partir de quais critérios é possível avaliar a Democracia formal. Trataremos a seguir daquelas elencadas no verbete Democracia, no Dicionário de Política (2000, p.327), de BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO por, justamente, consistirem num esforço de sintetizar os critérios existentes: 1 – que o poder legislativo seja composto por membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo; 2 – eleições também para o poder executivo; 3 – todos os cidadãos na maioridade etária devem ser eleitores, sem qualquer tipo de distinção discriminatória; 4 – o valor do voto deve ser igual para todos; 5 – liberdade formar opinião resultando em escolha eleitoral (com a existência de partidos que compõe uma representação); 6 – alternativas diante das escolhas eleitorais; 7 – o princípio da maioria numérica nas eleições, respeitando possibilidades de formação de maioria, como por exemplo, em um segundo turno de eleição presidencial; 8 – decisões de maioria não podem limitar os direitos de minoria, sobretudo a paridade de condições que possibilite se tornar maioria; 9 – o parlamento e o chefe do poder executivo devem confiar no Governo (no sentido de reconhecimento de legitimidade).
Esse conjunto de regras estabelece a forma de decisão política e não seu conteúdo (o que decidir) “aprioristicamente”, excetuando deliberações que ataquem as próprias regras do jogo. Por serem tipologias
“Certamente nenhum regime histórico jamais observou inteiramente o ditado de todas essas regras; e por isso é lícito falar de regimes mais ou menos democráticos. Não é possível estabelecer quantas regras devem ser observadas para que um regime possa dizer-se democrático. Pode afirmar-se somente que um regime que não observa nenhuma não é certamente um regime democrático, pelo menos até que se tenha definido o significado comportamental de Democracia”. (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.327)
Sobre a relação entre socialismo e Democracia, o Dicionário de Política indica que as expressões também nem sempre são confluentes, como no liberalismo, nas idéias socialistas “[…] o ideal democrático representa um elemento integrante e necessário, mas não constitutivo.” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.324) Isso porque, ainda que com diferentes táticas, a estratégia socialista é indissociável da revolução social e não apenas das relações políticas.
“O que muda na doutrina socialista a respeito da doutrina liberal é o modo de entender o processo de democratização do Estado. Na teoria marxista-engelsiana, para falar apenas desta, o sufrágio universal, que para o liberalismo em seu desenvolvimento histórico é o ponto de chegada do processo de democratização do Estado, constitui apenas o ponto de partida”. (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.320)
Para o socialismo a tomada do poder estatal é uma etapa importante do seu projeto societal, mas que tem por fim a desconstrução do próprio Estado para o afloramento de um “autogoverno dos produtores”, como desenvolveu Lênin em Estado e Revolução. O meio para esse fim seria, além de uma série de transformações na ordem econômica e cultural, uma radicalização do controle popular – em sentido de classe aqui – das instancias decisórias do poder político. O que se observou ao longo da História, no entanto, é que a tomada do poder político pelos socialistas se viu quase sempre em um dilema entre: a implementação da descentralização do poder político e a concentração desse poder no aparato estatal através da burocracia e dos dirigentes dos partidos governantes. Por diversas razões, em quase todos os casos registrados ao longo do século XX, o ideal socialista não se realizou, com a prevalência da concentração de poder pelas burocracias sobre a democratização e desconstrução do Estado. O chamado socialismo real teve seu ocaso com a queda do muro de Berlim e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), restando alguns poucos casos de resistência isolados. As causas desses acontecimentos não são objeto desse trabalho. No entanto, cabe a ressalva, pertinente ao nosso debate, que não se deve atribuir, de forma preguiçosa, a derrocada do socialismo somente a sua própria incapacidade de ser democrático. Recordemos dois exemplos: o caso do governo de Salvador Allende, no Chile dos anos 70, eleito democraticamente e derrubado por um golpe militar; e o caso cubano, em que as forças da reação atuam permanentemente – em maior ou menor intensidade – contra o governo e o país, recorrendo a atentados, associações criminosas e tentativas de golpe.
Se o pensamento liberal acusa os socialistas de atentarem contra a Democracia, principalmente no que diz respeito às liberdades individuais, os socialistas, de sua parte, costumam atacar o caráter meramente formal da Democracia dos liberais (estão falando da Democracia representativa e, sobretudo, do capitalismo). Já que as desigualdades de ordem econômicas acabam com a isonomia dos indivíduos e grupos diante das instituições de poder político, favorecendo a classe dominante. Alegam os socialistas, que a validade da Democracia também se dá naquilo que Bobbio chama de Democracia substancial, ou seja, na capacidade que o modo de organização da política estatal tem ou não de garantir condições (direitos, assistência) do desenvolvimento social e individual. Enfim, o que se trava aqui é um debate entre meios e fins. Os liberais – de linha democrática – defendem a Democracia formal como meio e fim de um sistema de tomada de decisões. Já os socialistas – de linha democrática – compreendem a Democracia formal como um meio para se chegar a Democracia Substancial, está sim, o fim.
“Os dois tipos de regime são democráticos segundo o significa de Democracia escolhido pelo defensor e não é democrático segundo o significado escolhido pelo adversário. O único ponto sobre os quais uns e outros poderiam convir é que a Democracia perfeita – que até agora não foi realizada em nenhuma parte do mundo, sendo utópica, portanto – deveria ser simultaneamente formal e substancial.” (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2000, p.329)
Essa aparente improbabilidade de simbiose entre uma Democracia formal e substancial não impede, porém, que sejam feitas análises que levem em conta ambos os aspectos: o funcionamento das regras de tomada de decisão e a capacidade que uma forma de organização social e política tem do desenvolvimento social e individual, de todos, ou da maior parte das pessoas, diga-se. Essa seria a forma mais completa e profunda de estudar uma realidade social do que a mera opção de uma das concepções de Democracia.
Uma vertente da democracia formal que tenta superar o elitismo liberal e alargar os parâmetros do formalismo procedimental interessa é a da Democracia Participativa. Mais do que isso, segundo Estevez:
“Los modelos democráticos participativos transformaron nuestras concepciones de la democracia e problematizaron como nunca antes lãs complejas relaciones entre la democracia y liberalismo, y entre democracia y socialismo”. (1999, p. 211)
Emergindo entre as teorias políticas a partir dos anos 60 e 70, a teoria participativa não pactual com tradição da democracia direta, mas com a combinação de procedimentos representativos com a ampliação da participação dos cidadãos nas tomadas de decisões. Os dois motivos principais pelo qual uma série de autores, principalmente da própria Ciência Política norte-americana (então predominantemente elitista) adere a produção de modelos e análises sobre a participação são: a tentativa de superar os limites da teoria elitista; e de mudanças históricas e estruturais como a crise econômica que levou ao esgotamento do Estado de Bem Estar Social, no mundo ocidental e os limites impostos pelo socialismo real à participação popular no mesmo período. Não é coincidência que, nesse mesmo momento, o modelo de representação clássica, através dos partidos politicamente e do sindicato, na luta econômica, também entra em crise. Nem que dessa crise da representação e de identidade surjam os chamados novos movimentos sociais, com suas demandas específicas.
Os principais autores do início da teoria participativa são Peter Bachrach, Maurice Durveger, Jürgen Habermas, Crawford Macpherson, Carole Pateman, Nicos Poulantzas. E as obras inaugurais mais importantes foram: Crítica a Teoria Elitista da Democracia (Peter Bachrach, 1967), Participação e Teoria Democrática (Carole Pateman, 1970), A Democracia Liberal e sua Época (Crawford Maspherson, 1977) e Prefácio à Democracia Econômica (Robert Dahl[7], 1985). Como já foi dito, a maior parte desses autores oriundos da própria Ciência Política norte-americana e que, com efeito, buscaram suas referências em elementos participativos que escapavam de autores liberais daquele contexto como: John Stuart Mill, John Dewey e Harold Laski, entre outros. No flanco socialista, obra importante foi a de Nicos Poulantzas, O Estado, O Poder e o Socialismo (1980), podendo ser incluída também a contribuição de Erich Fromm com A Revolução da Esperança (1968). (ESTEVEZ, 1999, p.210)
Discípulo da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas pode ser considerado um dos mais importantes autores da teoria da Democracia participativa. Com uma vasta e importante obra, das quais a principal é Teoria da Ação Comunicativa, de 1981. A teoria da Ação Comunicativa de Habermas e sua contribuição para o debate da Democracia contemporânea é dos eixos principais em que o debate entre mídia e democracia ocorre hoje dentro da academia, porém o pensamento crítico de cunho marxista já apontou os limites e equívocos de sua Ação Comunicativa, em que a centralidade do trabalho passou a ser substituída, na análise sobre a sociedade contemporânea, pela centralidade da esfera comunicacional ou da intersubjatividade[8]
De forma mais recente, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos se tornou o principal defensor e proponente da vertente da Democracia Participativa. Seu entusiasmo deriva da experiência junto aos novos movimentos sociais e também do novo formato societal que concebe a partir do entende por ser o paradigma pós-moderno.
“Assim, para Santos, a democracia participativa constituiria um dos grandes campos sociais e políticos, nos quais, no início do novo século, a emancipação social está sendo reinventada. Ela está ligada aos processos de democratização por que passaram os países do Sul, nos quais houve um processo de redefinição de seu significado cultural e da gramática social, possibilitando a disputa pelo significado de práticas políticas e a incorporação de novos atores sociais e novos temas à democracia”. (MARQUES, 2008, p. 71)
No entanto, ainda que a participação e a renovação de procedimentos democráticos possam fazer avançar uma espécie de “cultura democrática” em que descentralização do poder e o localismo ganhem relevância frente a um Estado centralizador, as diferentes vertentes da Democracia Participativa esbarram ou se esquivam de uma perspectiva transformadora radicalmente substancial. Mesmo quando essa democracia substancial é colocada como horizonte utópico, na prática as formas de participação democrática, ou na tutela do próprio Estado (caso das experiências de orçamento participativo, de conselhos temáticos e de conferências), tem mais de conquistas corporativas ou de demandas específicas (caso dos novos movimentos sociais) do que de emancipação em sentido amplo (o que equivaleria à emancipação humana defendida pelos marxistas.
Porém a Democracia Participativa, todavia, segue como um caminho aberto que pode ficar dentro dos limites formais ou procedimentais impostos ou de experiências fragmentadas – como ocorre na maioria das experiências – como pode evidenciar esses próprios limites e a impossibilidade de uma democracia efetiva (em forma e conteúdo) dentro da ordem capitalista.
4. Meios de Comunicação e Democracia: uma relação definitiva
A comunicação se relaciona com a política desde seus primórdios. E aqui não nos referimos meramente à comunicação pessoal, entre indivíduos, mas principalmente a comunicação social, em que os meios de comunicação, a mídia, tem um papel preponderante.
Há uma série de estudos, em variados formatos, que argumentam o grande papel representado pela mídia na vida social, sobretudo nas últimas décadas. Nesse sentido, Venício Artur de Lima afirma em Mídia: Teoria e Política: “Uma das características mais marcantes do início do novo milênio é a centralidade da mídia na vida humana, seja como fonte de informação ou como instrumento de trabalho.” (LIMA, 2001, p.175)
É necessário acrescentar que essa centralidade ganha um caráter ainda mais especial quando falamos da política. Manuel Castells, ao tratar dos processos democráticos na sociedade em rede e, portanto, da política, usa a expressão “política informacional” para designar as transformações ocorridas nesses processos e na própria sociedade. Sem cair em um determinismo fatalista, que superestime os meios de comunicação na ordem social e política, defende de maneira precisa: “A política da mídia não se aplica a todas as formas de fazer política, mas todas as formas de política têm necessariamente de passar pela mídia para influenciar o processo decisório.” (CASTELLS, 2000, p. 374).
Venício Lima e Manuel Castells ao afirmarem o protagonismo da mídia na vida e na política estão olhando, principalmente, para o início do século XXI. Porém, essa centralidade não ocorre ao acaso e nem com a chegada dos novos meios de comunicação como uma compreensão estreita do processo pode supor. A comunicação social, em proporções variadas, sempre foi uma preocupação de quem faz ou estuda a política, mas passou a ter relevância quase suprema em virtude do desenvolvimento tecnológico – com o aprimoramento dos meios de comunicação – e a complexidade social própria da modernidade.
Sendo a comunicação social algo indissociável da política, estabelecendo uma relação definitiva, o debate sobre Democracia não pode ignorá-la. Sem entrarmos em detalhes sobre a história longínqua da relação entre política e comunicação, podemos lembrar de todo o espaço que os antigos gregos davam à retórica, já que na pólis grega, expressar publicamente as idéias era uma necessidade política. No período medieval, uma das expressões da relevância da comunicação era o controle que a Igreja Católica impunha ao conhecimento, através da proibição e destruição de diversas obras literárias que contrariavam seus interesses[9], bem como de uma enorme restrição à educação formal. Desde a Antiguidade também encontramos uma infinidade de peças artísticas – além de literárias – que procuravam combater, referendar, ridicularizar ou registrar os acontecimentos políticos. Antes do século XVI, os meios utilizados para se fazer crítica social eram basicamente a literatura e arte. Em épocas que o alfabetismo era privilégio de uma minoria e a imprensa inexistente ou incipiente e irrelevante, a arte era – como ainda hoje é – uma forma unitária da comunicação política.
Em Maquiavel encontramos fortes indicações dá necessidade do governante muitas vezes, mais do que ser, parecer ser[10]. Não está falando ainda de meios de comunicação – nem é esse seu foco – mas, sem dúvida, sua análise possui elementos que depois seriam utilizados nos debates sobre a opinião pública. Essa preocupação com o parecer ser da política – e, portanto, do comunicar ser com eficácia – está presente de forma constante na maior parte dos analistas da política moderna.
Ao mesmo tempo em que governos e correntes políticas buscaram ao longo da história estratégias de comunicação e acesso aos meios para se comunicar com a população, jornalistas, ensaístas, intelectuais também usavam de diversos meios para criticar, apoiar ou mesmo relatar acontecimentos ou processos. Com o surgimento da imprensa e principalmente com o desenvolvimento das forças produtivas a partir do século XVIII, os jornais e panfletos passaram a ocupar espaço, sobretudo no século XIX.
No século XX com a consolidação do rádio, do cinema e o surgimento da televisão, a cobertura jornalística se tornou a principal forma de se ter acesso as informações estatais e políticas. Soma-se a isso o próprio desenvolvimento tecnológico que permitiu a imprensa escrita também se transformar radicalmente, em forma e em conteúdo e na própria logística de acesso. Aliás, esse último século é o exemplo mais evidente dessa associação, seja na perspectiva de manter o poder (governar), ou de se conquistar (em processos eleitorais, golpes, revoluções). Os meios de comunicação ganharam tanta preponderância na vida cotidiana do século XX que levaram, em especial na segunda metade do século, uma série de ideólogos a forjar expressões como “sociedade da informação”, “sociedade do conhecimento[11]“, entre outras, para tentar definir o tipo de sociedade em que vivemos.
Um dos meios de comunicação que sem dúvida merece ser destacado, podendo ser indicado como o principal do último século e deste também, é a televisão. Sua relação com a política e as democracias modernas é algo tão intenso que levou o cientista político Giovanni Sartori a cunhar o termo “Videopolítica”, em seu livro Homo Videns, para designar as transformações que a utilização e a forma televisiva impuseram a política. Trata-se de uma visão pessimista sobre os efeitos televisivos na cultura e na Democracia e de uma guinada de pensamento do próprio autor, antes completo entusiasta:
“Foi sempre atribuído a imprensa, ao rádio e à televisão uma importância democrática especial, contribuindo para uma mais ampla difusão de informação e de idéias. Mas o valor democrático da televisão – no âmbito das democracias – vai aos poucos se tornando um engodo: um poder democrático atribuído a uma demo-cracia esvaziada” (SARTORI, 1997, p116 e 117)
Isso porque, para Sartori, além de outros aspectos, um dos componentes fundamentais da Democracia, a formação autônoma da opinião, sofre um verdadeiro atentado televisivo. Semelhante pessimismo – porém, com conteúdo e objeto diferentes – a respeito desse meio de comunicação de massa é o que encontramos em Sobre a Televisão, de Pierre Bourdieu.
Há, não só a respeito da televisão, uma enorme controvérsia entre diferentes autores e correntes de pensamento sobre a relação entre mídia, política e democracia. As interpretações são as mais variadas. Temos os pessimistas e num campo mais extremo os fatalistas, que apontam as mazelas sociais e políticas reforçadas ou trazidas pela mídia. Do outro lado, há os que são entusiastas dos benefícios para os indivíduos e para a sociedade de um sistema de comunicação social bastante acessível e influente[12]. Existe, por óbvio, um grande número de autores que não assume posição entre esses pólos, conciliando aspectos positivos e negativos da mídia. Um único consenso que se identifica é que, sem dúvida, mídia e política são objetos cada vez mais correlacionados. Especialmente na sociedade contemporânea, na qual se amplia de forma extraordinária e complexa a gama de alternativas midiáticas e de relações sócio-políticas que se estabelecem a partir das mesmas.
5. Conclusão
Se a disputa e manutenção do poder passa pela mídia, os diferentes governos usarão de táticas – mais ou menos adequadas – para que os meios de comunicação favoreçam sua representação junto ao público ou aos eleitores. Ou, quando isso não for possível, buscarão maneiras alternativas para tentar minimizar o impacto negativo que a mídia possa ter em seu mandato ou campanha. De modo que, por mais que alguns finjam não se importar (o que também é uma tática), todo sujeito social que se pretenda influente não ignora a mídia. “Desde os seus primórdios, a imprensa se impôs como uma força política. Os governos e os poderosos sempre a utilizam e temem; por isso adulam, vigiam, controlam e punem os jornais.” (CAPELATO, 1998, p.13). O que está em jogo, entre outras coisas, é uma acirrada disputa por uma “imagem” favorável na opinião pública.
A “velha” e controversa democracia se defrontou, em teoria e prática, com os problemas e as mudanças provocadas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação. Em certa medida, a teoria clássica da democracia deve ser considerada em mediações capazes de articular seus pressupostos e analises com essa interface do campo da comunicação. A relação definitiva entre mídia e política se tornou um desafio indesviável a quem se propõe a pensar a democracia, mas, sobretudo aos atores políticos contemporâneos dispostos a praticá-la.
A democracia liberal, principalmente em sua vertente elitista, pode conceber a mídia como um aparato de controle ou de “distração” de uma massa incapaz ou desautorizada – segundo essa concepção – de exercer qualquer protagonismo ou intervenção na política para além do simples ato de votar. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação, podem ser um verdadeiro empecilho para os elitistas, a partir, justamente, do uso e da possibilidade de intervenção que os meios criam para diferentes setores sociais.
Já para os socialistas, a mídia pode se apresenta dubiamente como um instrumento de dominação de classe e de disputa de hegemonia no interior da própria sociedade. Não se subverte a ordem social somente com o uso dos meios de comunicação. Mas é certo, que pelas características sociais de nossa época, parece inconcebível que qualquer transformação mais aguda ignore a mídia, seja no que se concebe como “grande mídia” ou ao menos na construção de um projeto alternativo de comunicação. O aprimoramento ou a denúncia dos limites da democracia formal e a construção do elemento substancial da democracia – incluindo, também, o direito a informação e a expressão como importantes – coloca o debate sobre a mídia na ordem do dia de qualquer projeto de democracia que se pretenda socialista.
Quanto aos teóricos da chamada Democracia Participativa, a mídia pode representar, de acordo com uma série de variáveis, um mecanismo a mais para a participação mais efetiva de um maior número de pessoas no processo democrático. Cabe, no entanto, o alerta de que dependendo dessas variáveis e, principalmente, de quem controla a mídia, o efeito dos meios de comunicação para a democracia pode ser problemático, ao contribuir, por exemplo, para uma acomodação ou confusão no que diz respeito às informações.
Aqueles que melhor desenvolverem a teoria e a prática política no que diz respeito à relação entre mídia, política e democracia tendem a ganhar espaço para a implementação de seu projeto societal e, portanto, a efetivação de sua concepção de democracia. Esse desafio – que já era enorme ao considerar os meios de comunicação tradicionais do século XX – se tornou ainda mais instigante e complexo com a entrada em cena dos novos meios de comunicação, especialmente os meios digitais. Com efeito, surgem novas preocupações e novas possibilidades, ou, ao menos, novas motivações para a velha problemática da democracia.
Mestrando em Ciências Sociais Aplicadas, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Professora doutora do curso de serviço social e do mestrado em Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
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