1. Generalidades
Antes de adentrarmos, especificamente, no tema alvo deste modesto estudo, mister proceder a breves digressões imanentes às causas e à evolução do Direito de Trabalho.
É a partir da apreciação da “questão social”, sob óticas diversas, que trilharemos o norte que permitirá o aporte no novo ramo da ciência jurídica sob comento: Direito do Trabalho.
Para tanto, impõe-se a delimitação e abrangência da “questão social”, cerne e palco do Direito do Trabalho, impendendo trazer a lume a lição conceitual de Rafael Caldera (“Derecho Del Trabajo”) citado por Octávio Bueno Magano[1], verbis:
“A questão social é problema integral. Não constitui simplesmente um fato econômico, embora suas manifestações mais aparentes se hajam feito sentir na vida econômica. Trata-se de fenômenos que abarcam a Religião, a Filosofia, a Ciência, a Moral e a Política. Trata-se do próprio problema da humanidade sob aspecto econômico: é a decomposição social saturada do sabor amargo da angústia econômica; da miséria que destrói corpos e prepara o terreno para a dissolução das almas”.
2. Questão social: enfoques
2.1 Econômico
O marco evolutivo da questão social, sob o aspecto econômico, tem seu sustentáculo em meados do século XVII, consubstanciado na Revolução Industrial. Esta ensejou o aperfeiçoamento da técnica produtiva, embasado nas invenções (v.g., máquina a vapor); na crescente substituição dos trabalhos manuais; na canalização da força de trabalho para as fábricas, inclusive em centros industriais; e na segmentação do trabalho.
2.2 Religioso
Nesse aspecto, em 1891, a encíclica “Rerum Novarum” (Papa Leão XIII), ensejou maior atividade da igreja nas esferas fática, social, econômica e política, seguindo-se as encíclicas “Quadragesimo Anno” e “Divini Redemptoris” (Papa Pio XI); “Mater et Magistra” (Papa João XXIII); e “Populorum Progressio” (Papa Paulo VI).
A questão social, naquela primeva encíclica, segundo o doutrinador alhures mencionado[2], vinha assim enunciada, verbis:
“… os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre operários e patrões, a afluência da riqueza nas mãos desse pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um terrível conflito”.
2.3 Filosófico
Apercebe-se, no correr do século XIX e início do século XX, com o surgimento das ideologias, o apanágio filosófico da questão social. Consistem aquelas (ideologias), por exemplo, no comunismo, no socialismo (com suas várias espécies), no anarquismo, no fascismo, no nazismo, no corporativismo; todas, a seu modo, aspirando à solução da questão social.
2.4 Científico
Com o fito de estudar a sociedade, objetiva e metodicamente, surge novo ramo da ciência chamado “física social” ou sociologia.
Possibilitou a evolução da sociologia, o estudo mais aprofundado das diversas ciências, tais como, dentre outras, a economia, a ciência política, a antropologia social, a psicologia social, e a geografia econômica.
2.5 Moral
A pobreza, em decorrência da questão social, deixou de ser enfocada como fruto da preguiça e da incompetência, assumindo caráter de seqüela da organização vultuosa da sociedade, tornando-se para muitos – não para a igreja – problema de perfil meramente econômico.
2.6 Político
A questão social culminou por envolver o Estado, induzindo-o a deixar seu perfil abstencionista, passando pela natureza intervencionista, para acolher, posteriormente, a qualidade de “Estado do bem-estar social”.
Por corolário, a própria sociedade distanciou-se da ótica individualista, atrelando-se ao perfil pluralista, reconhecendo a relevância dos grupos que a integram e, conseqüentemente, dos seus interesses.
2.7 Jurídico
Com a sobreposição dos interesses sociais aos individuais, deu-se a socialização do direito, promovendo avanço das linhas limítrofes do Direito Público levando, inclusive, ao questionamento sobre a viabilidade da distinção entre Direito Público e Direito Privado, dada a amplificação, neste, da ordem pública.
O constitucionalismo social daí decorrente, que encontrou guarida na maior parte dos países, excetuados os EUA, Inglaterra e aqueles integrantes da “Common Law”, promoveu a inserção dos princípios dirigentes da economia estatal, e de proteção e melhoria da condição social do trabalhador, no texto constitucional.
2.8 Laboral
Em epítome, emanaram da questão social dois novos ramos do Direito: o Direito Econômico e o Direito do Trabalho, este, especificamente, berço desses apontamentos.
3. Evolução do Direito do Trabalho
Os fenômenos sociopolíticos corporificam a evolução do Direito do Trabalho, cabendo salientar alguns pilares cronológicos, materializados em fases marcantes, tais como:
No Brasil, a evolução do Direito do Trabalho sustenta-se nas seguintes fases:
Extrai-se do contexto que o Direito do Trabalho vem, cada vez mais, dando guarida a pretensões democráticas, aspirando, por exemplo, à autocomposição, à desregulamentação e à flexibilização, máxime após o advento da queda do Muro de Berlim, da transformação do socialismo soviético e dos países da Europa Oriental em pragmatismo, acrescendo-se, ainda, e principalmente, o fenômeno da globalização.
4. Relações de trabalho: transformações
O fenômeno da globalização exige que o Direito do Trabalho seja repensado para amoldar a relação laboral à nova realidade do contexto mundial, sob pena de se agravar, ainda mais, o que se tem chamado de “Crise do Direito do Trabalho”.
Nesse sentido, a árdua tarefa de sua adequação exige a participação de todos, Estado, patrões e empregados, enfim, a unicidade da sociedade volvida ao objetivo comum.
O legislador pátrio tem promovido inovações que nem sempre encontram respaldo social, mas, nem por isso, deixam de ser válidas, pois não se tem a solução definitiva do problema. Por conseguinte, cabe a efetiva participação de todos, mormente da classe trabalhadora, no intuito de equacionar os problemas que envolvem as relações de trabalho.
Causa-nos preocupação o elevado índice de desemprego, que alimenta a violência, o tráfico de drogas, o distanciamento do ensino, levando à degradação da cidadania.
Certa publicação, em conceituada revista[3], dá conta da reviravolta que o mercado de trabalho vem sofrendo, no que concerne à segmentação empregadora, verbis:
Empregos. Quem dá trabalho. Até algum tempo atrás não tinha erro: quem dava emprego mesmo era a indústria. No passado, a eterna campeã Volkswagen ficou abaixo do McDonald’s no pódio de maior empregador privado nacional e viu-se que as coisas estavam mudando. Agora, consolidou-se de vez a supremacia do setor de serviços. O Carrefour (na ponta, com 47.000 funcionários) e o Pão de Açúcar (com 40.000) viraram os maiores empregadores privados do país. A Volks tem de se contentar com a quarta colocação, atrás do McDonald’s.
De igual modo, extraímos da mesma fonte preocupante crescimento da economia informal, verbis:
Viva a economia informal. O mercado de reciclagem movimenta no Brasil quase 200 milhões de reais por ano. Até aí, tudo bem, impressionante mesmo é o exército de 150.000 brasileiros que vivem hoje de catar latinhas de cerveja e refrigerantes pelas ruas. Eles levam para casa uma média de 3,5 salários mínimos por mês.
5. O Sindicato
5.1 Introdução
A democratização das relações de trabalho lança sobre os ombros dos sindicatos papel de extrema importância.
A globalização, principalmente em face do avanço da mecanização e da computação nas empresas, tem impulsionado crescentes conquistas sindicais.
Este instituto (sindicato) mereceria uma abordagem completa, englobando sua evolução história, cujo alvorecer, no Brasil, sob o prisma legislativo e legal, deu-se no início do século XX, quando se começou a falar em sindicalismo.
Todavia, o âmbito restrito desse singelo estudo não comportaria tal enfoque, pelo que traçamos apenas sinóticos elementos a ele adstritos.
5.2 Conceito
Não é uníssona a conceituação jurídico-doutrinária de “sindicato”, devendo-se, contudo, fazê-la sob a visão da CLT, pelo que comungamos do entendimento de Segadas Vianna e Arnaldo Süssekind[4], posto serem, ao lado de outros, seus autores, verbis:
“… o sindicato recebeu a consagração ampla de órgão de defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais de empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais. Situado, com a conceituação clássica, como órgão de defesa e, portanto, de luta a lei o definiu, também, como órgão de colaboração com o Estado, no estudo dos problemas de Interesse dos integrantes da respectiva classe”.
Exsurge, destarte, o papel do sindicato, nele incluindo, também, sua qualidade de parceiro do Estado, na busca da solução dos problemas da respectiva classe laboral.
5.3 Natureza jurídica
O sindicato, sujeito coletivo, dotado de personalidade jurídica, após a Constituição da 1988, incorporou, indubitavelmente, a qualidade de pessoa jurídica privada, impendendo exarar que o Estado não o cria, mas tão-somente o reconhece.
Amauri Mascaro Nascimento[5] destaca a tríplice concepção atinente à constituição do sindicato, ou seja, a teoria da natureza contratual (resulta de acordo de vontades); a teoria institucional (sindicato seria uma instituição); e a teoria mista (que mescla ambos os aspectos).
Destaca, por conseguinte, que admissível a concepção da teoria contratual nos países onde a criação é fruto de ajuste de vontades, sendo sustentável a posição da concepção institucional, naqueles onde se admite o sindicato de fato como, por exemplo, na Itália e na Inglaterra. Este (sindicato de fato), seja pela personalidade restrita, ou pela falta de registro, não é considerado, tecnicamente, pessoa jurídica.
5.4 Funções
Inúmeras são as funções do sindicato, estampadas nas atribuições de representação, negociação, tributação, assistência e postulação judicial. Encontram-se tais funções em vários dispositivos legais, merecendo destaque:
No entanto, sua função de maior destaque é a negocial, justificando Amauri Mascaro Nascimento[6], verbis:
“… uma vez que dela resultam normas de trabalho para toda a categoria e com essa atividade o sindicato desempenha um papel criativo na ordem jurídica como fonte de produção do direito positivo”.
5.5 O Sindicato e a OIT
Acentuado se mostra o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na defesa do regime sindical.
Cabe salientar, por ser considerada por alguns como a mais importante das convenções da OIT, embora não tenha sido ratificada pelo Brasil, conforme adiante se verá, a de número 87 (Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização), aprovada na 31ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (São Francisco – 1948), tendo entrado em vigor no plano internacional em 4 de julho de 1950. Frisa-se, também, que dos 164 Estados-membros da OIT, 108 a ratificaram.
Lamentavelmente, o Brasil não se insere entre os países que aderiram a esse tratado multilateral, quiçá por questões cartoriais e corporativas, pelo que peço vênia para esboçar seu estágio, frente à ordem constitucional, colacionando preleção de Arnaldo Süssekind[7], verbis:
“Em obediência à Constituição da OIT, o Presidente Eurico Gaspar Dutra encaminhou o texto da convenção ao Congresso Nacional (Mensagens n. 256, de 31.5.49). Entretanto, até hoje não foi possível sua aprovação, porque a Constituição de 1946 legitimou o exercício pelos sindicatos de funções delegadas pelo Poder Público, previstas na CLT; A Constituição de 1967 manteve essa norma e explicitou que a essas funções se incluía, desde logo, a de arrecadar contribuições instituídas por lei para custeio de suas atividades; a vigente, de 1988, impôs a unicidade de representação sindical em todos os níveis e manteve a contribuição compulsória dos integrantes das respectivas categorias para o custeio do sistema”.
5.6 O sindicato e a conjuntura atual
Ousamos opinar, acompanhando a abalizada opinião do douto Professor Oris de Oliveira[8], a imprescindibilidade de adequação dos sindicatos ao padrão globalizado, pois “nas propostas de modernização do direito aponta-se a necessidade de alterar o modelo sindical colocando-o em sintonia com as Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT, especificamente com a Convenção 87 sobre liberdade sindical”, esclarecendo, ainda, o mestre, que “esta reforma implicaria a eliminação da unicidade sindical propiciando a pluralidade sindical e das contribuições obrigatórias”.
Nesse contexto, é árdua a tarefa dos sindicatos, vista pela premente necessidade de democratização das relações de trabalho, sem, com isso, voltar-se à mera “humanização” da empresa ou à sua retirada do contexto capitalista, ou, ainda, à busca de extinção do aspecto conflitual das relações de trabalho (individuais e coletivas).
O escopo é outro: a democratização da empresa, sob ótica formal (do povo) e substancial (para o povo), rompendo com o círculo vicioso que entrelaça o Estado (autoritário) e os sindicatos (sem efetivo engajamento), que se nutrem e se sustentam (vide comentários à Convenção n. 87).
A modernidade tem demonstrado preocupante quadro das relações de trabalho, cujas nuanças, em sinopse, procuraremos abaixo expender.
A aparente redução da jornada de trabalho vem sendo infirmada pela concorrência, levando as pessoas a trabalhar cada vez mais.
Outrossim, não se pode olvidar que a simples redução da duração do trabalho individual, criando novos postos de trabalho em tempo parcial, por si só, não é suficiente à criação de novos empregos, não se podendo apreciar a questão sob ótica abstrata, isolada.
Observa-se prognóstico no sentido de que o mercado de trabalho toma o rumo da flexibilização de direitos, da jornada e das formas de contratação. Há estudos apontando que num futuro próximo apenas 25% da população ativa terá um emprego estável, 25% estará em torno dele (empresas fornecedoras), e 50% estaria na periferia do sistema de produção ou no setor de serviços pessoais.
Essa ínfima mostra do caótico mercado globalizado sinaliza, à evidência, para o proeminente papel dos sindicatos, no sentido de contribuir para a equalização desses problemas, efetivando, destarte, sua função perante a “questão social”, algures comentada.
Caso contrário, os cidadãos verão desmoronar o sonho futurista de trabalhar menos e dispor de um tempo maior para o lazer e a família.
Cabe salientar, no entanto, que essa realidade atinge, também, países desenvolvidos como Estados Unidos, Austrália e Japão.
Levantamento do IBGE, estampado na matéria “Tempos Modernos”[9], dá conta que 71% da população brasileira economicamente ativa trabalha mais de quarenta horas por semana, sendo que para 39% a jornada é de pelo menos 45 horas, indagando a repórter, verbis:
Como é que um século chega à metade celebrando como conquista a luta de sindicatos do mundo inteiro para reduzir jornadas fatigantes e termina com boa parte da população trabalhando cada vez mais?
A questão impõe aos sindicatos profunda reflexão, pois parece cada vez mais longe a esperança de se trabalhar menos e ganhar mais, denotando que os movimentos sindicais perderam força, a produtividade ideal aumentou vertiginosamente e a tecnologia, embora tenha diminuído alguns afazeres, aumentou outros – é o apanágio da economia globalizada.
Os dados do IBGE mostram que vem ocorrendo o contrário das aspirações das classes trabalhadoras: o brasileiro tem trabalhado mais e ganhando menos. Em 1991, o rendimento médio mensal do trabalhador brasileiro era de 5,13 salários mínimos, baixado para 4,67, em 1999.
6. Conclusão
A instrumentalização da democratização das relações de trabalho guarda direta adstrição aos sindicatos, que exercem fundamental importância na adequação do seu novo modelo (das relações de trabalho).
Impõe-se-lhes, por corolário, até pelo tino da própria sobrevivência, o abrandamento da resistência aos princípios e alcance da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O momento de crise é próprio e ideal para os sindicatos exercerem, em plenitude, sua precípua função negocial, sob a égide de atuação criativa, quiçá inspirando o surgimento de normas de trabalho capazes de arrefecer o infortúnio da massa de desempregados, otimizar as relações dos “privilegiados” detentores de empregos, enfim, motivar a plena retomada da cidadania.
Assessor judiciário junto ao Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (1ª Câmara Civil); pós-graduado lato sensu (especialização em Direito Empresarial) pela Universidade de Franca; pós-graduando stricto sensu (mestrado em Direito Empresarial pela Universidade de Franca; professor (Direito Civil) e atual vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna
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