Desistência voluntária e Arrependimento Eficaz como modalidades de Regressão Criminosa: Uma proposta de classificação

Resumo: o presente trabalho tem por objetivo propor uma nova classificação doutrinária, qual seja, a de demonstrar que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são modalidades de regressão criminosa, traçando-se, para tanto, um paralelo com a já conhecida classificação de “progressão criminosa”.


Palavras-chave: desistência voluntária. Arrependimento eficaz. Regressão criminosa.


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Abstract: this paper has for objective to consider a new doctrinal classification, which is, to demonstrate that the voluntary waiver and the efficient repentance are modalities of criminal regression, tracing itself, for in such a way, a parallel with already known classification of “criminal progression”.


Keywords: voluntary waiver. Efficiente repentance. Criminal regression.


Sumário: 1. Introdução. 2. Principais aspectos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. 3. Progressão criminosa e regressão criminosa. 4. Desistência voluntária e arrependimento eficaz como modalidades de regressão criminosa. 5. Conclusão


1. Introdução


O art. 15 do Código Penal brasileiro prevê duas figuras em que o agente de um fato típico, antijurídico e culpável será beneficiado, por ter mostrado sua vontade em voltar agir de maneira conforme ao Direito, quais sejam, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Neste trabalho, buscaremos demonstrar que, traçando-se um paralelo com a “progressão criminosa”, os referidos institutos são modalidades de “regressão criminosa”, partindo de uma análise preponderantemente doutrinária.


2. Principais aspectos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz


O art. 15 do Código Penal assim dispõe: “Art. 15 – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.


Da redação do referido artigo, é possível extrair que o agente que, ao praticar um delito, desiste de prosseguir na execução ou evita que a consumação ocorra, em razão de sua vontade, responde somente pelo atos praticados.


Luiz Regis Prado1 esclarece o seguinte:


“A partir desse enunciado legal, deduz-se que, na desistência voluntária, o agente desite ou abandona voluntariamente a execução do delito (ação típica inconclusa), quando podia terminá-la; já no arrependimento eficaz, o processo de execução do delito se encontra esgotado (ação típica realizada), tendo o agente que agir para evitar a produção do evento.”


Ou seja, no primeiro caso, o autor ainda está executando a ação delitiva, ao passo que no último, o autor após a prática da ação típica resolve evitar que o resultado se manifeste.


Pela redação do mencionado art. 15, é possível extrair ainda que um importante elemento comum desses institutos reside na voluntariedade. Isto é, o agente que inicialmente queria realizar a conduta criminosa e alcançar o seu resultado desiste desse comportamento contrário ao Direito.


A consequência da adoção desse retorno ao âmbito da licitude e da juridicidade é a de que o agente irá somente responder pelos atos até então praticado.


Nesse contexto, é importante observar que, ao lado da corrente majoritária, entendemos que esses institutos têm a natureza jurídica de causas de exclusão da tipicidade, haja vista que a tipicidade do crime ao qual à vontade do agente estava inicialmente dirigida é afastada, aplicando-se o tipo penal referente aos atos já praticados2.


Entendemos assim que nesses institutos, havendo uma modificação da vontade do agente, há, em última análise, uma modificação do dolo, haja vista que a vontade é um de seus elementos. Por exemplo, o agente “A” que, em primeiro momento, tinha o dolo de matar, desferiu um disparo de arma de fogo contra “B”, acertando-lhe a perna; ocorre que, antes de desferir o segundo disparo desistiu de prosseguir na execução, razão pela qual não há mais de se falar em dolo de matar, mas apenas em dolo de lesionar, respondendo o agente pela lesão corporal praticada.


3. Progressão criminosa e regressão criminosa


Entre as classificações do crime comumente apontadas pela doutrina temos a progressão criminosa. Segundo Cleber Masson3, “verifica-se quando ocorre mutação no dolo do agente, que inicialmente realiza um crime menos grave e, após, quando já alcançada a consumação decide praticar outro delito de maior gravidade”. E segue o autor: “Há dois crimes, mas o agente responde por apenas um deles, o mais grave, em face do princípio da consunção”.


Vê-se, assim, que, na progressão criminosa, o agente inicialmente atua com dolo de praticar um crime menos grave (ex. Lesão corporal) e, consumado este, surge o ânimo de praticar um delito mais grave (ex. Homicídio).


O dolo na primeira conduta é menos grave, é de praticar um crime de menor reprovabilidade; ao passo que na segunda, o dolo é mais grave, é de praticar um crime de maior reprovabilidade. Daí falar-se em progressão criminosa – há um “aumento do dolo”.


Traçando-se um paralelo com essa classificação, podemos propor a regressão criminosa, que seria exatamente o contrário.


Na regressão criminosa, conforme pretendemos propor, o agente inicialmente age visando uma determinada conduta criminosa mais grave e, no curso da execução dela ou após finda, a repudia, razão pela qual resta praticada somente uma conduta criminosa menos grave. Verifica-se assim que o dolo inicial é maior e o dolo final menor. Ou seja, houve uma regressão no dolo do agente. A vontade inicial era mais reprovável e, entretanto, o sujeito muda o seu animus, o que acaba por fazer com que a vontade final seja menos reprovável.


4. Desistência voluntária e arrependimento eficaz como modalidades de regressão criminosa


Delineados os principais aspectos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, bem como traçada a nossa proposta de regressão criminosa, cabe agora demonstrar como esses dois institutos se qualificam como modalidades dessa classificação.


Conforme foi dito no item 2, tanto na desistência voluntária como no arrependimento eficaz, o sujeito ativo de determinado delito que inicialmente queria praticar um crime mais grave, em razão de uma modificação em sua vontade, acaba por praticar um crime de menor gravidade.


Por outro lado, no item 3, dissemos que a regressão criminosa seria uma modificação do dolo, no sentido de que, apesar de no primeiro momento o agente atuar com um dolo mais grave, acaba modificando o seu agir, culminando em um dolo menos grave.


Nessa perspectiva, deve-se considerar ainda que um dos elementos do dolo é a vontade. Nesse sentido:


“O dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa.”4


Feitas tais considerações, é possível afirmar que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são institutos que importam em uma regressão criminosa, em razão da modificação do dolo em sentido regressivo, isto é, o agente inicialmente age com um dolo maior e acaba por terminar a sua realização típica com um dolo menor, seja desistindo de prosseguir na execução, seja evitando a produção do resultado.


Pela adoção dessa conduta regressiva, o agente que inicialmente incorreria em um tipo penal mais grave (em que o dolo do agente é mais reprovável e, portanto, sua conduta é mais grave e, por consequência, sua pena é maior), acaba por ser responsabilizado por um tipo penal menos grave (em que o dolo do agente é menos reprovável e, portanto, sua conduta é menos grave e, portanto, sua pena é menor).


É oportuno lembrar ainda que o dolo é um dos elementos do fato típico e, portanto, havendo modificação da vontade e, por consequência, do dolo, é natural que o tipo penal também mude, sendo este mais um argumento a favor de nossa proposta.


5. Conclusão


Ante todo o exposto, é possível afirmar que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz qualificam-se como modalidades de regressão criminosa, classificação esta que propomos a partir de um paralelo  com a já conhecida “progressão criminosa”, haja vista a trasmudação da vontade e, por consequência, do dolo. Configuradas as situações do art. 15 do CP, é possível afirmar que o sujeito modificou o seu dolo, que inicialmente era mais grave, passando a restar configurado um dolo menos grave.


 


Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez 1940.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal – parte geral. 2 ed. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2007.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 7 ed. São Paulo: RT, 2007.


Notas:

1 PRADO, Luiz Regis.Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 466.

2 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2009. p. 318.

3 Ibidem, p. 198.

4 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal – parte geral. 2 ed. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2007. p. 132.

Informações Sobre o Autor

Shymene Silva Queiroz

Advogada.


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Equipe Âmbito Jurídico

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