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Desvio social infantojuvenil: um retrato do adolescente em conflito com a lei na cidade de Lages/SC

Resumo: O presente trabalho, inicialmente, traça histórico sobre o Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, para, em seguida, abordar a Doutrina da Proteção Integral e a responsabilidade da Família, da Comunidade, da Sociedade e do Estado pela população infanto adolescente. Delimitados os contextos histórico e doutrinário e, após conceituar e esmiuçar o Ato Infracional, a Medida Socioeducativa e suas modalidades; apresentam-se os resultados de pesquisa documental realizada em parte dos processos de apuração de ato infracional que tramitaram na Vara da Infância e Juventude da comarca de Lages/SC no ano de 2005, com o objetivo de delinear o perfil do adolescente autor em conflito com a Lei naquele recorte temporal.

Palavras-chave: Ato Infracional; Medidas Socioeducativas; Adolescente; Conflito com Lei; Perfil.

Abstract: The present work initially traces the history of the Law of Children and Adolescents in Brazil, and then addresses the Doctrine of Integral Protection and the responsibility of the Family, Community, Society and State for the adolescent population. Delimited the historical and doctrinal contexts and, after conceptualizing and scrapping the Infractionary Act, the Socio-educational Measure and its modalities; The documentary research results are presented in part of the processes of investigation of an infraction that were processed in the Child and Youth Court of the region of Lages / SC in the year of 2005, with the objective of outlining the profile of the adolescent author in conflict with The Law in that temporal cut.

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Keywords: Infractionary Act; Socio-educational measures; Adolescent; Conflict with Law; Profile.

Sumário: Introdução. 1. Histórico do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil. 1.1. Primeiro Período: 1830-1927. 1.2. Segundo Período: 1927-1979. 1.3. Terceiro Período: 1979-1990. 2. O Direito da criança e do adolescente sob a luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A Doutrina da Proteção Integral. 4. A responsabilidade pelo Adolescente em Conflito com a Lei: a Família, a Comunidade, a Sociedade e o Estado. 5. O Ato Infracional: Conduta Típica, Antijurídica e Culpável. 6. As Medidas Socioeducativas: natureza retributiva e conteúdo pedagógico. 6.1. As Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. 6.1.1. Advertência. 6.1.2. Obrigação de Reparar o Dano. 6.1.3. Prestação de Serviços à Comunidade. 6.1.4. Liberdade Assistida. 6.2. Semiliberdade. 6.3. Privação da Liberdade: Internação. 6.3.1. Admissibilidade da Medida Socioeducativa de Internação: art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 6.3.2. Local e condições da Medida Socioeducativa Privativa de Liberdade. 6.3.3. As Garantias e Direitos do Adolescente na Execução da Medida Socioeducativa de Internação. 7. Remissão. 8. O Retrato do Adolescente em Conflito com a Lei: levantamento estatístico dos atos infracionais processados na cidade de Lages-SC no ano de 2005. 8.1. Atos Infracionais cometidos na cidade de Lages-SC no ano de 2005. 8.2. Medidas Socioeducativas aplicadas a cada autor de ato infracional. 8.3. Idade dos adolescentes analisados nos processos consultados. 8.4. Sexo dos Adolescentes em Conflito com a Lei. 8.5. Nível de Escolaridade dos Adolescentes nos processos objeto da pesquisa. 8.6. Frequência escolar dos Adolescentes em Conflito com a Lei. 8.7. Índice de adolescentes autores de ato infracional que possuem atividade laborativa. 8.8. Índice de Adolescentes em Conflito com a Lei que consomem bebida alcoólica e daqueles que fazem uso de substâncias entorpecentes. 8.9. Horário em que o Ato Infracional foi praticado. 8.10. Bairro de origem dos adolescentes e bairros onde foram praticados os atos infracionais. 8.11. Nível de Reincidência após a Imputabilidade Penal. 9. A Correta Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente: propostas de medidas de prevenção e tratamento ao ato infracional. 9.1. Medidas de Prevenção ao Ato Infracional. 9.2. Medidas de Tratamento à Delinquência Infanto Adolescente. Conclusões. Referências.

Introdução

Para que se possa tratar adequadamente o desvio social infanto adolescente, respeitando a Doutrina da Proteção Integral prevista no art. 227 da Constituição da República, é fundamental conhecer o sujeito a quem se destinam as respostas ao ato infracional: o adolescente em conflito com a lei.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ato infracional é conduta descrita como crime ou contravenção penal pratica por adolescente. A este adolescente devem ser aplicadas as medidas socioeducativas previstas no mesmo Diploma Legal. Para que tais medidas surtam seus efeitos de modo a ir além de uma punição simbólica e efetivamente assegurar ao adolescente aquilo que resguarda a Proteção Integral, é necessário conhecer a realidade do adolescente a partir de suas relações, aspirações e perspectivas.

É preciso admitir que aquele adolescente tem uma identidade, que é um sujeito em formação, e que muito do sucesso ou do fracasso da aplicação da medida socioeducativa se encontra no pleno conhecimento dessa identidade, e da identificação da responsabilidade dos entes previstos no art. 227 da Constituição da República de 1988: a família, a sociedade e o Estado.

Observe-se que o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente acrescentou aos entes previstos na norma constitucional a figura da comunidade, entendida esta como uma materialização local da sociedade. Assim, é preciso também conhecer a comunidade onde o adolescente está inserido, para que se possa conhecê-lo como um ser social.

Para que se possa prevenir o ato infracional, é preciso conhecer o seu autor, de modo a se tomar medidas de prevenção. Assim, pergunta-se: quem é o adolescente em conflito com a lei na cidade de Lages? Qual é a sua conduta preferencial, de onde vem e quais medidas recebe? É reincidente?

Deste modo, o presente trabalho propõe um levantamento estatístico dos processos de ato infracional tramitados em Lages no ano de 2005, para que se possa delimitar um perfil do adolescente autor de ato infracional na cidade. Com base nos dados dos processos, serão conhecidos os seguintes dados: tipos penais dos atos infracionais, medidas aplicadas, idade dos autores dos atos, sexo dos autores dos atos, bairro de origem dos adolescentes, locais em que os atos infracionais foram praticados e nível de reincidência. Será averiguado ainda o nível de escolaridade, sempre disponível nos autos.

Com a disseminação de drogas de fácil acesso na cidade de Lages, é provável que o adolescente entre em conflito com a lei através dos tipos penais da Lei de Tóxicos. Assim, aumenta a probabilidade de reincidência, diante da fragilidade do sistema para tratar e prevenir o problema. Como essas drogas, sobretudo o crack, proliferam na periferia, acredita-se que a maioria dos adolescentes em conflito com a lei provenha desses lugares.

Deste modo, espera-se traçar um retrato destes adolescentes, de modo a auxiliar a boa aplicação das medidas socioeducativas e discutir medidas de prevenção ao desvio social infanto adolescente, atendendo ao disposto na legislação constitucional e infraconstitucional.

Assim, será abordado o histórico do direito da criança e do adolescente no Brasil, o direito da criança e do adolescente sob a luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente e por último especificamente a Doutrina da Proteção Integral. Tratar-se-á, também, sobre a responsabilidade pelo adolescente em conflito com a lei, o ato infracional e seus requisitos, as medidas socioeducativas e o instituto da remissão. Ver-se-á, por derradeiro, a análise dos dados coletados nos processos de apuração de ato infracional e a correta aplicação do estatuto, com as propostas de medidas de prevenção ao ato infracional e tratamento à delinquência infanto adolescente.

1. Histórico do Direito da Criança e do Adolescente

Na história da legislação brasileira, nem sempre as crianças e adolescentes obtiveram os seus direitos garantidos ou foram objeto da preocupação e atenção do legislador, que preferia vê-los como responsabilidade exclusiva de seus genitores (LIBERATI, 2003, p. 26).

Logo, a história do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil é hodierna, entretanto firmam-se alguns momentos historicamente relevantes, posicionando sua origem na necessidade de regulamentação de circunstâncias que envolviam crianças e adolescentes (LIBERATI, 2003, p. 27).

Para fim sistemático, utilizar-se-á apenas a produção legislativa genuinamente brasileira, a qual será dividida, para melhor compreensão em três períodos, como apresenta Mauricio Neves de Jesus, em seu livro Adolescente em Conflito com a Lei: Prevenção e a Proteção Integral (2006).

1.1. Primeiro Período: 1830-1927

Não há apontamento, até o início do século XX, da elaboração de políticas sociais projetadas pelo Estado brasileiro. A parcela da sociedade brasileira considerada economicamente carente era adjudicada aos cuidados de algumas instituições pertencentes à Igreja Católica, tal como a Santa Casa. Estas organizações se dedicavam a atuar com os doentes, os órfãos e os desprovidos (LORENZI, n.a., n.p.).

Posteriormente à Proclamação da Independência (1822) e à Carta Constitucional de 1824, o Brasil teve promulgado em 16 de dezembro de 1830 o seu primeiro Código Criminal do Império. Este Código Penal estabelecia a idade mínima para a responsabilização penal, dizendo no primeiro parágrafo de seu art. 10 que não seriam julgados criminosos os menores de quatorze anos (SARAIVA, 2003, p. 24; JESUS, 2006, p. 33).

Ademais, o Código mencionado alhures previu um sistema biopsicológico quanto à punição de crianças entre sete e quatorze anos desde que houvessem operado com discernimento no cometimento do crime, poderiam ser considerados relativamente imputáveis. E assim, nos termos do art. 13 deste mesmo Código, empregava-se a medida de recolhimento a casas de correção, pelo período que parecesse imprescindível ao julgador, de forma que não extrapolasse o limite de idade de dezessete anos (SARAIVA, 2003, p. 24; JESUS, 2006, p. 33).

Portanto, percebe-se, com a referência à teoria do discernimento e com a adoção medida correção ao invés da aplicação de pena, um evidente zelo do legislador com o indivíduo em desenvolvimento, buscando “valer a educação onde havia punição” (JESUS, 2006, p. 34).

Após, em 1871, a Lei nº 2.040, mais conhecida como Lei do Ventre Livre ou Lei do Rio Branco, dava liberdade aos filhos de mulher escrava nascidos a partir da data da sua promulgação. Desta forma, objetivou impedir que a escravidão continuasse por meio dos filhos dos escravos. De tal modo, deu-se início a uma gradual extinção da escravidão e, por conseguinte, uma profunda mudança na sociedade brasileira (JESUS, 2003, p. 35; LIBERATI, 2003, p. 27).

Tal diploma legal (BRASIL, 1871) estabelecia:

Art. 1°. Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.

§ 1°. Os ditos filhos menores ficarão em poder e a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a essa idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade com a lei.”

A Constituição do Império, de 1824, não apresentava dispositivos referentes à criança abandonada. Diante disso, a atuação assistencialista voltada para a criança carente era originária das ordens religiosas e das instruções particulares (JESUS, 2006, p. 36).

Neste sentido, um marco fundamental na evolução da proteção da infância, no período do Brasil Colônia e do Império, foi a criação da Roda dos Expostos, instituída, inicialmente, na Santa Casa do Rio, em 1738 (LIBERATI, 2003, p. 27).

Esta era o sistema assistencial aos expostos, e como Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 37) explica, eram:

“assim chamados porque as crianças enjeitadas eram depositadas em um cilindro oco que girava em torno do seu próprio eixo, com abertura em uma das faces que ficava voltada para a rua, enquanto a outra dava para o interior da Santa Casa. Após deixar a criança na abertura da face externa, a mãe ou a pessoa a quem houvesse sido delegada a missão tocava a sineta. Ao sinal, uma religiosa girava a roda para o interior da casa de recolhimento.”

Entretanto, esse assistencialismo não era cunho social, mas sim simbólico, objetivando apenas “prestar contas” à sociedade brasileira da época (JESUS, 2006, p. 36).

Já em 1854, o Governo Imperial ratificou um regulamento que versava sobre a obrigatoriedade do ensino, mas ao ver de Gizella Werneck Lorenzi (n.a., n.p.):

“a lei não se aplicava universalmente, já que ao escravo não havia esta garantia. O acesso era negado também àqueles que padecessem de moléstias contagiosas e aos que não tivessem sido vacinados. Estas restrições atingiam as crianças vindas de famílias que não tinham pleno acesso ao sistema de saúde, o que faz pensar sobre a influência da acessibilidade e qualidade de uma política social sobre a outra ou como vemos aqui, de como a não cobertura da saúde restringiu o acesso das crianças à escola, propiciando uma dupla exclusão aos direitos sociais.”

Ulteriormente, o Código Penal da República, de 11 de outubro de 1890, estabeleceu que os menores de nove anos de idade seriam absolutamente inimputáveis (irresponsabilidade de pleno direito), do mesmo modo não seriam considerados criminosos aqueles entre nove e quatorze anos de idade, desde que houvessem operado sem discernimento.

Entretanto, o Código Penal de 1890 previa que os “menores” dentre nove e quatorze anos que atuassem com faculdade de julgar clara e sensatamente na prática de delitos, deveriam ser recolhidos a estabelecimento disciplinar industrial, pelo tempo que o juiz considerasse conveniente, desde não extrapolasse os 17 anos de idade. E a pena de cumplicidade se tornou cogente aos maiores de quatorze e menores de dezessete anos, ressalvado a atenuante de menoridade prevista para os menores de vinte e um anos de idade (JESUS, 2006, p. 39-40; LIBERATI, 2003, p. 28).

Infelizmente, por não haver Casas de Correção e muito menos Instituições Disciplinares Industriais, previstas no dispositivo legal vigente à época, os “menores” eram “jogados” em instituições penais destinadas a adultos em deplorável promiscuidade (LIBERATTI, 2003, p. 28).

Em 1921, a Lei nº 4.242, apesar de lei de cunho orçamentária, previu o “Serviço de Assistência e Protecção à Infância Abandonada e aos Delinquentes” e modificou o Código Penal da República no tocante a idade da responsabilidade penal, pela qual o menor de quatorze anos passou a ser totalmente isento de responsabilidade, “eliminando o critério do discernimento como pressuposto à retribuição ao infrator” (PRATES, 2002, p. 53; JESUS, 2006, p. 41).

Já em 1922, a preocupação com a infância desassistida entrou na pauta dos problemas nacionais, e por iniciativa do médico Arthur Moncorvo Filho, promoveu-se no Rio de Janeiro o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. (JESUS, 2006, p. 41).

Outro marco fundamental, foi a criação do Primeiro Juízo de Menores, em 1924, tendo como instituidor o magistrado José Cândido Albuquerque Mello de Mattos. Assim, este fato sinaliza a necessidade da remoção da questão do “menor” de um tratamento puramente penitenciário para ser amparado na cogente implantação de um modelo pedagógico tutelar, no qual a educação tomasse o lugar da punição (JESUS, 2006, p. 42; LIBERATI, 2003, p. 29).

Entretanto, o juizado precisava de uma estrutura de base que não existia ao tempo de sua implementação, o que praticamente impossibilitou a sua perfeita atuação (JESUS, 2006, p. 42; LIBERATI, 2003, p. 29).

E segundo Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 42):

“Os jovens recolhidos, delinquentes ou abandonados, exigiam uma estrutura que a de espaço físico a profissionais especializados em reforma e preservação, sob pena de se ter amontoados de adolescentes recolhidos como em um sistema prisional rudimentar, sem nenhuma finalidade que não a segregação.”

Em que pese se verificar, na realidade, um tratamento punitivo aos adolescentes que praticassem algum delito, as primeiras duas décadas do século XX, foram um período caracterizado pelos debates a respeito da delinquência juvenil e, também, sobre a situação da criança e do adolescente abandonados (JESUS, 2006, p. 43).

Assim, em consequência destes debates, instituiu-se o Código de Menores em 1926, consolidado em 1927, o qual também conhecido como Código Mello de Mattos, em homenagem ao primeiro juiz de menores brasileiro (JESUS, 2006, p. 43).

O Código de Menores Mello de Mattos, foi inovador à sua época e buscou, principalmente, trazer uma legislação específica à criança e ao adolescente.

1.2. Segundo Período: 1927-1979

O Código de Menores, de 12 de outubro de 1927, concretizou os esforços dos especialistas que se empenhavam por uma legislação especial (JESUS, 2006, p. 43).

O art. 1° do Código de Menores dispunha que o menor abandonado ou delinquente, de ambos os sexos, que contasse com menos de dezoito anos, seria subjugado pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas no aludido diploma legal (JESUS, 2006, p.44; LIBERATI, 2003, p. 30).

Ademais, o citado código deu continuidade ao juizado privativo de menores e permaneceu com o entendimento que os menores de quatorze anos não poderiam ser submetidos a nenhum tipo de processo (art. 68) (JESUS, 2006, p. 44; LIBERATI, 2003, p. 30).

Além disso, a nova lei tratou de maneira pontual sobre o trabalho para os menores, acerca do procedimento especial para a delinquência entre as idades de quatorze a dezoito anos e trouxe avanços ao dispor sobre o pátrio poder (JESUS, 2006, p. 44; LIBERATI, 2003, p. 30).

O mencionado código, segundo Tânia Pereira da Silva (1996, p. 16 apud LIBERATI, 2003, p. 30), proporcionou uma significativa abertura do tratamento à criança para a época, preocupando-se em que fosse considerado o estado físico, moral e mental da criança; e, ainda, a situação social, moral e econômica dos pais.

Todavia, o Código de Menores ao acrescentar à classificação de menor abandonado ou pervertido, a locução “ou em perigo de o ser”, estendia-se a possibilidade de enquadrar qualquer adolescente na área de abrangência da lei.

Logo, uma simples desconfiança, o biótipo ou a vestimenta de um jovem poderiam justificar sua apreensão (JESUS, 2006, p. 45).

Para Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 45):

“A abrangência e o protecionismo do Código de Menores, talvez motivados pela ânsia de resolver o problema do menor no país, acabaram gerando situações marcadas pela invasão de privacidade, em um sistema quase inquisitivo. O menor pertencente a uma classe social mais humilde estava, por força de lei, sujeito ao arbítrio da autoridade – quase sempre o policial encarregado das rondas.”

Na década 1930, Roberto Lyra ao visitar a Escola João Luiz de Alves, uma instituição de recolhimento de “menores” no Rio de Janeiro, começou a notar as falhas no modelo de assistência aos “menores”, notando que o abandono e a criminalidade infanto-juvenil eram, na realidade, um problema social (JESUS, 2006, p. 46).

Para Roberto Lyra (apud PILOTTI; RIZZINI, 1995, p. 136 apud JESUS, 2006, p. 46), se a realidade brasileira fosse compreendida, ver-se-ia que as crianças e os adolescentes são:

“mais do que inocentes, vitimas dos tentáculos da miséria, da qual decorrem o abandono, as doenças, os vícios, os crimes e tudo o mais […] Agora mesmo elaboram-se novas leis protetoras. No entanto, os menores não precisam desses monumentos, mas de pão, de saúde, de educação.”

Ao decorrer do tempo, mostrou-se que ainda não existia uma estrutura adequada que suportasse a execução das normas, verificando-se assim a dificuldade de aplicar o Código de Menores em virtude da política da época, a falta de recursos e de autonomia para manutenção dos institutos já existentes e implantação de novos (JESUS, 2006, p. 49).

Conjuntamente com a dificuldade de se aplicar o Código Mello Mattos, tornou-se evidente que o problema da infância e juventude estava profundamente ligado à questão social. (JESUS, 2006, p. 49).

Em 1934, pela primeira vez o movimento constitucional pátrio registrou uma direta proteção à criança, estabelecendo à proibição do trabalho aos menores de 14 anos de idade, do trabalho noturno aos menores de 16 anos de idade e, em indústrias insalubres aos menores de 18 anos. Outrossim, dispunha a proteção e o amparo à maternidade e à infância (LIBERATI, 2003, p. 31).

Subsequentemente, no texto constitucional de 1937 nota-se uma valorização da família, do trabalhador e da previdência. E assim, no seu art. 127, o Estado tomava para si a responsabilidade pelos problemas sociais e a infância e a juventude (JESUS, 2006, p. 50; LIBERATI, 2003, p. 31).

E seguindo esses preceitos, as crianças e os adolescentes desamparados começaram a ser alvo de assistência social. E partindo do princípio que os jovens necessitam de amparo, em 1940, o Código Penal, declarou em seu art. 23 que os menores de dezoito anos eram penalmente inimputáveis e sujeitos às normas e medidas de pedagogia reformatória constantes no Código de Menores (JESUS, 2006, p. 50-51).

Na opinião de Nelson Hungria (1955, p. 353-354 apud JESUS, 2006, p. 51) o art. 23 do Código Penal:

“Resulta menos de um postulado de psicologia cientifica do que um critério de política criminal. Ao invés de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez irremediavelmente, sua existência inteira, é preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos pedagógicos, prevenindo sua recaída no malefício. O delinquente juvenil é, na grande maioria dos casos, um corolário do menor socialmente abandonado, e a sociedade, perdoando-o e procurando, no mesmo passo, reabilitá-lo para a vida, resgata o que é, em elevada proporção, sua própria culpa.”

Outro marco importante, foi a criação do Serviço de Assistência a Menores (SAM), pelo Decreto-Lei nº 3.799/1941, o qual tinha o escopo de proteger os “menores desvalidos e infratores”, utilizando-se de uma política corretivo-repressivo-assistencial (LIBERATI, 2003, p. 31).

Contudo, o Serviço de Assistência a Menores não obteve o êxito esperado, pois não conseguiu alcançar o seu objetivo, mormente por ter uma estrutura inadequada e por não possuir autonomia administrativa e financeira. Sendo o seu maior desacerto aplicar métodos inadequados aos jovens, proporcionando sublevação naqueles que deveriam ser guiados (LIBERATI, 2003, p. 32).

Em virtude disso, a década de 1950 foi marcada pela discussão da reformulação da legislação infanto adolescente. A ânsia pela criação de uma lei mais democrática acendeu com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1954, entretanto foi cessada com o Golpe Militar de 1964. E neste mesmo ano foi criada a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (FUNABEM) (JESUS, 2006, p. 53; LIBERATI, 2003, p. 32).

A Fundação Nacional do Bem-estar do Menor alvitrava assegurar primazia aos programas destinados à integração do menor na comunidade, valorizando a família e criando instituições que se assemelhassem dos ideais de vida familiar, respeitando as peculiaridades de cada região do país. Porém, nada do estabelecido foi implementado nos anos de opressão da Ditadura Militar que seguiram à criação da citada Fundação (JESUS, 2006, p. 54).

E segundo Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 54):

“A Funabem, na prática aumentou o problema que deveria remediar.

A história da instituição é repleta de notícias de desmando, castigos cruéis e motins. Ao contrário do que pretendia, a Funabem ficou conhecida como um instrumento de ameaça e escola do crime.”

No mesmo sentido, relata Wilson Donizete Liberati (2003, p. 32):

“A Política Nacional do Bem-Estar do Menor e a própria FUNABEM foram instrumentos de controle da sociedade civil. A política institucional que o Brasil adotara não supria as necessidades das crianças carentes e marginalizadas, que aumentavam, em número, a cada dia. Além disso, seu método era ineficiente e incapaz de reeducar todas aquelas crianças, que eram consideradas sujeitos passivos e clientes de uma pedagogia alienada.”

A Fundação Nacional do Bem-estar do Menor tinha suas ramificações nos Estados e Municípios, por meio das Fundações Estaduais de Bem-estar do Menor.

Entretanto, o histórico de fugas, rebeliões e violência contra os internos tornou esta fundação em alusão negativa quanto ao tratamento de adolescentes em conflito com a lei (LIBERATI, 2003, p. 33; JESUS, 2006, p. 57).

Em 10 de abril de 1967, foi editada a Lei n.º 5.258, que renovou as disposições sobrepostas aos adolescentes compreendidos na faixa etária de quatorze a dezoito anos. E conforme o novo texto legal, deveria ser decretado o internamento do “menor infrator” em instituição apropriada para a sua reeducação por período não inferior a dois terços do mínimo nem superior a dois terços do máximo da pena privativa de liberdade contida na legislação penal. E apenas a menção de mínimo e máximo de internação alude à idéia de pena (JESUS, 2006, p. 56; LIBERATI, 2003, p. 32-33).

A Constituição Republicana de 1967, outrossim abordou a assistência à maternidade e à infância, vedou o trabalho o trabalho aos menores de 12 anos e previu o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais para as crianças de sete a quatorze anos de idade. A Emenda Constitucional n.1, de 1969, não modificou o previsto quanto à proteção à infância, contudo, garantiu o acesso ao ensino das crianças excepcionais (LIBERATI, 2003, p. 33).

O imperativo de um novo diploma legal, que respondesse as modificações sucedidas nas últimas décadas na sociedade brasileira e que atendesse às soluções apontadas pelos debates que ocorreram nos anos setenta no Brasil e no exterior, cumulou na aprovação do novo Código de Menores brasileiro, de 1979 (JESUS, 2006, p. 57).

O Código de Menores de 1979 iniciou uma nova etapa na legislação brasileira, estabelecendo uma nova política a ser adotada quanto à delinquência infanto adolescente, norteando-se pela Doutrina da Situação Irregular, como se verá adiante.

1.3. Terceiro Período: 1979-1990

No ano de 1979, foi promulgado no Brasil um novo Código de Menores, substituindo o Código de Menores de 1927. O novo diploma legal pretendia, além de atualizar a legislação concernente à criança e ao adolescente, estabelecer novas linhas regulamentadoras de como operar quanto ao problema da delinquência infanto adolescente. Ademais, recepcionou o sistema da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor, como um instrumento de controle da sociedade civil (JESUS, 2006, p. 57-58; LIBERATI, 2003, p. 33).

Em seu art. 1°, o Código de Menores de 1979, tratava a assistência, proteção e vigilância aos menores, que eram aquinhoados em duas categorias: até dezoito anos em situação irregular e entre dezoito e vinte e um anos nos casos expressos em lei. Além disso, dispunha das medidas de caráter preventivo que seriam justapostas aos menores de dezoito anos, independente de sua situação (JESUS, 2006, p. 58).

Assim, o primeiro dispositivo da lei instituiu a doutrina da situação irregular. Esta doutrina pode ser concisamente “definida como aquela em que os menores passam a ser objetos da norma quando se encontrarem em estado de patologia social”, ou seja, quando não se ajustassem ao padrão de normalidade estabelecido (SARAIVA, 2003, p. 44).

E no art. 2° da Lei nº 6.697/1979 trazia seis situações em que o menor poderia ser enquadrado como em situação irregular. Como se nota no texto legal:

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III – em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI – autor de infração penal.”

A decretação de situação irregular tanto poderia derivar da conduta pessoal do “menor” (desvio de conduta), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Portanto, haveria uma situação irregular sem apontar, com nitidez, circunstâncias decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o rodeiam, ou seja, a lei não distinguia o “menor” autor de uma infração daquele vítima (JESUS, 2006, p. 59; SARAIVA, 2003, p. 44).

O Código de Menores de 1979 não ia além de um Código Penal do Menor, mascarado de sistema tutelar e suas medidas, na realidade, representavam genuínas sanções/penas (LIBERATI, 2003, p. 34).

Igualmente, não apresentava nenhuma medida de apoio familiar, apenas abordava a situação irregular da criança e do adolescente, que de fato, eram indivíduos esbulhados dos seus direitos. Na realidade, encontra-se em situação irregular a família que não possuí estrutura e que desampara a criança e o jovem, a sociedade que os ignora e desampara, o Estado que não cumpre suas políticas sociais fundamentais, entretanto, nunca a criança e o adolescente (LIBERATI, 2003, p. 34/35).

Os critérios incertos da aplicação do disposto no Código de Menores de 1979 não foram aptos a prevenir e tratar o abandono e o desvio social infanto adolescente no Brasil. Mediante isso, a sociedade brasileira exigia por novas diretrizes, conceitos, políticas sociais e, principalmente, ansiava pela sua participação (JESUS, 2006, p. 62).

Em 1984, realizou-se no Brasil o I Seminário Latino Americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua. E o seminário foi o marco inicial para que educadores e diversos profissionais constituíssem a Organização Não Governamental (ONG) Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua em 1985. E desta maneira, “o princípio idealizador do movimento era o chamamento para a sociedade e para as próprias crianças excluídas participarem da construção de alternativas que viabilizassem a garantia plena de seus direitos” (JESUS, 2006, p. 63).

A partir desse momento, o estudo da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança mobilizou a sociedade civil, nascendo no Brasil o Fórum Nacional de Entidades Não-Governamentais de Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA. Este Fórum foi o principal articulador junto ao Congresso Nacional, que em trabalho Constituinte, permitiu materializar em norma constitucional os princípios de proteção à infância e juventude bases da Convenção supracitada (JESUS, 2006, p. 64; LIBERATI, 2003, p. 35).

Assim, concretizou-se no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), de 5 de outubro de 1988, a doutrina da Proteção Integral a qual se baseia nos direitos próprios e peculiares das crianças e adolescentes, que, no estado de pessoas em desenvolvimento, precisam de proteção distinta, especial e integral (LIBERATI, 2003, p.35).

Por conseguinte, com a disposição constitucional iniciaram os estudos para preparar um novo diploma legal, que substituísse o ineficiente e rudimentar Código de Menores de 1979. E em 13 de novembro de 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), transformando a aspiração da população infanto adolescente em expectativa de garantia dos seus direitos (JESUS, 2006, p. 64; LIBERATI, 2003, p. 35).

2. O Direito da criança e do adolescente sob a luz da Constituição da República Federativa do Brasil/1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 há uma nova perspectiva sobre o direito da Criança e do Adolescente no Brasil, o que posteriormente venho a ser respaldado e consagrado com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), vigente a partir de 1990.

O Brasil foi o primeiro país da América Latina a transformar em norma constitucional as concepções norteadoras da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, antes mesmo da aprovação desta, que ocorreria em 1989 (JESUS, 2006, p. 64; SARAIVA, 2003, p. 60).

A Constituição da República, de 1988, foi um marco essencial no progresso e evolução da tutela protetiva da criança e do adolescente, destinando especial atenção ao público infanto adolescente em seu Capítulo VII (PRATES, 2003, p.54).

Ademais, observa-se que no art. 227 da CRFB/1988 erigiu o princípio da Prioridade Absoluta e a doutrina da Proteção Integral como preceitos fundante da ordem jurídica, como se verifica a seguir:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A Lei nº 8.069/1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentou o disposto no art. 227, “caput”, da Constituição da República de 1988 (PRATES, 2003, p. 56).

O progresso trazido pela nova legislação é perceptível já no seu título, a denominação “estatuto” remete a uma ideia de regulamento especial, o qual protege e prioriza os seus sujeitos, as crianças e os adolescentes (JESUS, 2006, p. 68).

A Lei nº 8.069/1990 demonstra no seu primeiro dispositivo a mudança de concepção, instituindo que “dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.

Já o art. 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança, para os seus efeitos, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, Assim, estabelece a quem se aplica os direitos, os deveres e as medidas que prevê.

Outro marco fundamental no Estatuto da Criança e do Adolescente, foi a substituição do termo “menor” por “criança e adolescente”, haja vista que “menor” é uma nomenclatura estigmatizada na sociedade brasileira, como bem ressalta João Batista Costa Saraiva:

“Pela nova ordem estabelecida não mais se concebe manchetes de jornal do tipo ‘menor assalta criança’, de manifesto conteúdo discriminatório, onde ‘criança’ era o filho ‘bem-nascido’, e o ‘menor’, o “infrator”. Tal noticiário se constituía em legítimo produto de uma cultura excludente que norteava o anterior sistema, que distinguia crianças e adolescentes de menores (2002, p.16).”

Destarte, a Constituição Republicana de 1988 e o Estatuto estabelecem a doutrina da proteção integral, sendo que a partir desta doutrina a legislação específica “não seria mais um instrumento de controle e repressão dos jovens em situação irregular, mas um conjunto de diretos a ser assegurado com absoluta prioridade às crianças e adolescentes, sem discriminações ou privilégios” (JESUS, 2006, p. 65).

Assim, sob o ponto de vista João Batista Costa Saraiva (2003a, p. 17), contata-se que:

“O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), representa um marco divisório extraordinário no tratado da questão da infância e da juventude no Brasil. Na esteira do texto Constituição (art. 227 da Constituição Federal de 1988 […]), o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe uma completa transformação ao tratamento legal da matéria. Em todos os aspectos, com a adoção da Doutrina da Proteção Integral; em detrimento dos vetustos primados da arcaica Doutrina da Situação Irregular, que presidia o antigo sistema; operou-se uma mudança de referenciais e paradigmas na ação da Política Nacional, com reflexos diretos em todas as áreas, especialmente no plano do trato da questão infracional.”

É notável mudança de paradigma entre a Lei nº 8.069/1990 e o Código de Menores de 1979: antes, a criança e o adolescente eram considerados objetos de proteção por meio de medidas assistenciais e judiciais; atualmente, a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos, sob a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitando proteção diferenciada, especializada e integral (LIBERATI, 2003, p. 35).

Como mencionado alhures, a Lei nº 8.069/1990 engloba vastamente a proteção aos direitos e garantias da criança e do adolescente; a responsabilidade da sociedade perante estes; a inimputabilidade dos menores de dezoito anos; e, entre outras medidas a serem adotadas pelo Estado conjuntamente com a sociedade, “prevê a ressocialização do adolescente em conflito com a lei e as medidas socioeducativas a estes aplicadas na prática de ato infracional” (PRATES, 2003, p. 57).

O Estatuto da Criança e do Adolescente “considera tanto a criança quanto o adolescente como sujeitos em desenvolvimento, entretanto diferencia as medidas aplicáveis a um e outro quando da prática de ato infracional”, levando em consideração a idade à data do fato (JESUS, 2006, p.68).

Concernente à prática de ato infracional por crianças (pessoa até doze anos incompletos), aplicam-se as medidas do art. 101 do Estatuto, que partem do encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; até o acolhimento institucional ou colocação em família substituta. Atinente ao adolescente, será observado o disposto no art. 112 do Estatuto:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI;”

As medidas poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, entretanto sempre ponderando a gravidade do ato praticado, a reintegração familiar e comunitária, além da capacidade de cumprimento destas medidas (JESUS, 2006, p. 69; PRATES, 2003, p. 57).

O Estatuto da Criança e do Adolescente representa um marco importantíssimo na política de atendimento e desenvolvimento social dos jovens, como se verifica no seu art. 4°. Este dispositivo legal lança os fundamentos do chamado Sistema Primário de Garantias, estabelecendo as diretrizes para uma Política Pública que priorize a criança e o adolescente, na condição de pessoa em desenvolvimento. É mister mencionar, para melhor entender essa nova ordem resultante da Lei nº 8.069/1990, os três grandes sistemas de preceitos em que se baseia (SARAIVA, 2003, p. 61-62):

a) Sistema Primário trata das Políticas Públicas de Atendimento à criança e ao adolescente (sobretudo nos arts. 4° e 85/87) (SARAIVA, 2003, p. 62);

b) Sistema Secundário que compreende as Medidas de Proteção dirigidas à criança e ao adolescente em circunstancias de risco pessoal ou social, não autores de ato infracional, contendo um caráter preventivo, assegurando, sobre tudo, a garantia dos seus direitos (mormente nos arts. 98 e 101) (SARAIVA, 2003, p. 63);

c) Sistema Terciário aborda sobre os as medidas socioeducativas, apostas aos adolescentes em conflito com a lei, autores de atos infracional (principalmente nos art. 103 e 112) (SARAIVA, 2003, p. 63);

Este sistema de tríplice prevenção se opera de maneira harmônica, com a ativação gradativa de cada um deles. Interessa ao terceiro setor aquele adolescente que cometeu algum ato infracional, na condição de vitimizador. Enquanto, a vítima, seja da negligência familiar, exclusão social, entre outros estará sujeita à medida de proteção (SARAIVA, 2003, p. 64).

Posto o presente, conclui-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das legislações mais avançadas do mundo em relação a sua matéria, optando por um tratamento educativo, de inspiração tutelar, visando ressocializar a criança e o adolescente. Entretanto, no que se atine a sua aplicação, nota-se que a lei, em muitos casos, não é devidamente observada e respeitada, como será analisado na parte final deste artigo.

3. A Doutrina da Proteção Integral

A Doutrina da Proteção Integral surgiu no panorama jurídico, motivada por movimentos internacionais de proteção à infância, materializada em tratados e convenções, notavelmente: a Convenção sobre os Direitos da Criança; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing); Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção aos Jovens Privados de Liberdade; e Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad) (LIBERATI, 2003, p. 39).

No Brasil, a Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente adotaram a doutrina da proteção integral, garantindo irrestrita prioridade estatal, social e familiar às crianças e adolescentes e os reconhecendo como sujeitos de direito na qualidade peculiar de pessoas em desenvolvimento, substituindo (JESUS, 2006, p. 13 e 17; SARAIVA, 2003, p. 53).

Destarte, a Doutrina da Proteção Integral, além de se opor ao tratamento de segregação social estabelecido no antigo Código de Menores, proporciona um conjunto conceitual, metodológico e jurídico que permite perceber e levantar as questões relativas às crianças e aos adolescentes sob a ótica dos direitos humanos, ultrapassando o anoso paradigma da situação irregular para instituir um novo modelo (SARAIVA, 2006, p.18).

Esta escola parte do pressuposto de que os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos e constituídos em direitos específicos. Assim, a legislação e o sistema jurídicos deverão “garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até dezoito anos”, não instituindo apenas o aspecto penal do ato praticado pelo ou contra a criança ou adolescente; porém, também deverá tratar do seu direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outras (SARAIVA, 2002, p. 15).

A doutrina da proteção integral tornou-se um marco, “cumprindo uma função hermenêutica dentro dos limites do próprio direito da infanto adolescência ao mesmo tempo em que permite interpretar, sistematicamente, suas disposições, reconhecendo o caráter integral dos direitos da infância” (BELOFF, MENDÉZ, 1998, p. 78 apud LIBERATI, 2003, p. 40).

Esta doutrina garante que os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos, considerando-se a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Sobre este aspecto, Antonio Gomes da Costa (1992, p. 39 apud LIBERATI, 2003, p. 43) considera que esta característica intrínseca da criança e do adolescente:

“Não pode ser definida apenas a partir do que a criança não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, a sua maneira, um período de plenitude, que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela Família, pela Sociedade e pelo Estado.”

Assim, quando se fala em proteção integral dos direitos, busca-se que o sistema legal garanta a satisfação de todas as necessidades das crianças e dos adolescentes até os dezoito anos de idade, principalmente o direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, à liberdade, enfim, todos os direitos assegurados as pessoas (LIBERATI, 2003, p. 43).

Desta forma, a Doutrina da Proteção Integral:

“tem, como fundamento, a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade, e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto, colocando-se como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (VERCELONE, 1999, p. 19).”

Pela análise de Mary Beloff (1999, p. 18/19 apud SARAIVA, 2003, p. 54-56), as principais características da Doutrina da Proteção Integral são:

a) A família, a sociedade, a sua comunidade e o Estado deverão assegurar o exercício dos direitos das crianças e dos adolescentes, por meio de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativo quanto judicial, se for necessário;

b) Afastam-se as ambiguidades, as vagas categorias de “risco”, “perigo moral e moral”, “situação irregular”, entre outras;

c) Assenta que, quem se encontra em “situação irregular”, quando o direito da criança e do adolescente foi violado ou se encontra ameaçado, é a família, a sociedade e o Estado;

d) Distinguem-se a competência pelas políticas sociais e a competência para tratar as questões relativas à infração à lei penal;

e) “A política pública de atendimento deve ser concebida pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralização e focalizada nos municípios;

f) Abandona-se o conceito de “menor”, já estigmatizado pela Doutrina da Situação Irregular, começa a ser utilizados os termos “criança” e “adolescente”;

g) Garante de forma igualitária e universal os direitos de todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua condição social. Ademais, reconhece e promove esses direitos, sem violá-los ou restringi-los,

h) Não será admitida a intervenção estatal coercitiva, como ocorria no Código de Menores de 1979;

i) As crianças e os adolescentes já não são tratados como incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas, mas sim de pessoas completas, cuja particularidade é que está em desenvolvimento. Reconhecem-se a eles os direitos que todas as pessoas possuem, além de uma gama de direitos específicos que objetivam assegurar a sua condição de pessoa em desenvolvimento;

j) Recoloca-se o juiz na sua função jurisdicional, devendo a Justiça de Infância e Juventude ocupar-se de questões jurisdicionais atinentes às crianças e aos adolescentes, limitando-se a sua intervenção pelo sistema de garantias;

k) No tocante ao adolescente em conflito com a lei reconhecem-se todas as garantias constitucionais aplicadas aos adultos nos juízos criminais. Entretanto, o adolescente autor de ato infracional deverá ser julgado por juízo especial, com procedimento próprio, aplicando-se as medidas socioeducativas previstas em lei especial;

Por fim, a meta da Doutrina da Proteção Integral é assegurar o desenvolvimento humano, físico, mental, espiritual e social da criança e do adolescente, resguardando os direitos a elas dirigidos. Uma sociedade somente será justa ao passo que oportunizar, irrestritamente, às crianças e aos adolescentes estas condições de desenvolvimento integro.

4. A responsabilidade pelo adolescente em conflito com a Lei: a Família, a Comunidade, a Sociedade e o Estado.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 227, estabelece à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade pela criança, pelo adolescente pelo jovem, assegurando a estes:

“com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

No mesmo sentido e acrescentando um ente ao rol estabelecido no art. alhures mencionado, o art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente encarrega à Família, à Comunidade, à Sociedade e ao Poder Público a responsabilidade pela concretização dos direitos da criança e do adolescente, sendo que essas entidades são formas básicas de convivência (DALLARI, 2002, p. 23; JESUS, 2006, p. 66).

Desta forma, a Constituição da República de 1988 e a Lei nº 8.069/1990 preveem um sistema de corresponsabilidade da Família, da Comunidade, da Sociedade e do Estado na aplicação da doutrina da proteção integral e do princípio da absoluta prioridade (VALDARA, disponível em: <http://www.mpdft.gov.br>).

A Família não pode mais compreendida apenas pelo modelo da entidade iniciada, com o casamento de homem e mulher, da qual resultam filhos, fundada no patriarcalismo. Atualmente, concebe-se como família grupos monoparentais, famílias formadas com apenas a figura de um genitor, casais homoafetivos, entre outras formas de entidades familiares, as quais vivem em um estado de família. São núcleos familiares, diferentes entre si, “mas caracterizados pela intenção de continuidade, organizados internamente e relacionados com a necessidade de afeto” (JESUS, 2006, p. 115-116).

Assim, a Família é um núcleo social adstrito, dando vida à sociedade que está inserida. É uma entidade composta por pessoas que possuem laços afetivos e que convivem conjuntamente, dando origem ao núcleo familiar (SCHEREIBER, 2001, p. 17 apud JESUS, 2006, p. 116).

A afeição e a convivência entre membros de um núcleo familiar suscitam recíproca responsabilidade entre estes. E no caminho de desenvolvimento da criança e do adolescente, é na família que se percebe a primeira provedora dos direitos fundamentais como o afeto, saúde, alimentação, abrigo e educação (JESUS, 2006, p. 116).

A família moderna se focaliza, principalmente, na formação da personalidade dos indivíduos, ademais sua função básica é a socialização primária das crianças e dos adolescentes (VEZZULLA, 2006, p. 42).

E conforme Maria Berenice Dias (Disponível em: <www.mariaberenice.com.br>).

“O prestígio de que desfruta a família, no entanto, está muito mais ligado às enormes responsabilidades que são impostas a seus integrantes, em decorrência da sua origem: o afeto. Basta atentar que é da família o encargo de cuidar, formar, educar os futuros cidadãos. Igualmente, todos os que demandam algum tipo de cuidado, devem socorrer-se da entidade familiar a qual pertencem, que tem o dever de cuidar daqueles que não têm condições de prover a próprio sustento, como as pessoas especiais e os idosos.”

A educação mais eficaz é aquela oferecida no seio familiar. Desta forma, a entidade familiar, seja ela qual for, deverá ser responsável pela instrução e educação das crianças e adolescentes, e, especialmente, deve dar-lhes o devido exemplo.

Nota-se atualmente que há uma intensa relação entre desestruturação familiar e a delinquência infanto adolescente. Logo, sendo a Família a primeira instituição a fornecer os direitos fundamentais, também é essa a primeira estrutura de controle social informal. Desta maneira, um grupo familiar que não tem estrutura e não provê os direitos básicos à criança e ao adolescente, frequentemente não terá como controlá-los socialmente (JESUS, 2006, p. 117).

É sabido que a desestruturação familiar, o baixo poder aquisitivo das famílias, a proximidade com agentes da violência na comunidade e a falta de perspectiva para o futuro, em inúmeros casos, levam os adolescentes à prática de atos infracionais. E o intuito do legislador, ao eleger o sistema de corresponsabilidade alhures mencionado, foi bloquear esse ciclo prejudicial aos jovens e possibilitar-lhes um futuro melhor e, com isso, também garantir mais segurança à sociedade (VALDARA, disponível em: <www.mpdft.gov.br>).

Assim, a estrutura familiar, transmissão cultural de valores e a observância dos direitos atinentes à criança e ao adolescente são essenciais para evitar um comportamento antissocial e afastá-los do crime. Entretanto essa tarefa será tão complicada quanto maior for a desorganização social da comunidade que a família se encontra inserida.

Independentemente, da classe social, as crianças e os adolescentes são influenciados pela mídia e pelo meio comunitário. Todavia, as crianças e os adolescentes de famílias pobres lutam também contra a escassez de recursos, fator relevante no processo de desestruturação que resulta na vulnerabilidade social (JESUS, 2006, p.120).

Como bem aponta Dalmo de Abreu Dallari (2002, p 23):

“Se a Família for omissa no cumprimento dos seus deveres ou se agir de modo inadequado, poderá causar graves prejuízos à criança e ao adolescente, bem como a todos os que se beneficiam com seu bom comportamento e que poderão sofrer os males de um eventual desajuste psicológico ou social.”

Nota-se, em inúmeros casos, que quando o adolescente está conflito com a lei, possivelmente, ele não recebeu no seu meio familiar os limites e valores necessários a impedi-lo de violar os direitos dos outros. Assim, conclui-se que muitas famílias brasileiras estão constantemente descumprindo o disposto na Lei nº 8.069/1990, que impõe aos pais ou responsáveis o dever de criar e educar adequadamente os filhos/tutelados para poderem viver de forma saudável em sociedade. “Em contrapartida, isso traduz em um direito dos filhos de receberem de seus pais ou responsáveis os cuidados necessários para que se tornem, na vida adulta, membros saudáveis da sociedade em que vivem” (VALDARA, disponível em: <http://www.mpdft.gov.br>).

Quanto à responsabilidade da Sociedade pela criança e pelo adolescente vale dizer que “a solidariedade humana é uma necessidade natural e um dever moral de todos os seres humanos”. Já dizia Aristóteles que o ser humano é um “animal político”. Desta locução, conclui-se que o ser humano necessita viver em sociedade, precisa da interação com seus semelhantes para poder se desenvolver (DALLARI, 2002, p. 24/25).

Em sociedade o “homem” satisfaz suas necessidades materiais (alimentação, moradia, vestuário, etc.), espirituais, intelectuais e afetivas. Como se torna manifesto, “todos dependem de muitos outros para sobreviver, e não há uma só pessoa que não receba muito, direta ou indiretamente, das demais (DALLARI, 2002, p. 24/25).

Nesse raciocínio está o fundamento da solidariedade e da responsabilidade abrangidas na Constituição da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente. As crianças e os adolescentes como seres em desenvolvimento são mais dependentes e vulneráveis a todas as formas de violência, por essa razão parece lógico que a sociedade seja responsável pela sua criação, educação, desenvolvimento e proteção. E a Sociedade deve assumir esse encargo, para que “a falta de apoio não seja fator de discriminações e desajustes, que, por sua vez, levarão à prática de atos antissociais” (DALLARI, 2002, p. 25).

A responsabilidade da Sociedade pela criança e pelo adolescente vai além do dever de zelar por eles. Em determinadas situações é possível considerar que a sociedade estimula o crime. Como bem explana Maurício Neves de Jesus (2006, p. 120):

“Tome-se como exemplo o caso do adolescente envolvido com o tráfico de entorpecentes. É a Sociedade quem consome as drogas, e é para a Sociedade que vai o dinheiro ganho pelos adolescentes no tráfico, na medida em que estes consomem e movimentam a economia formal”.

Por outro lado, verifica-se que a existência de organizações, exemplos de responsabilidade social, que denunciam abusos, criam oportunidades de inserção social e promovem ações de conscientização, as quais respondem à responsabilidade pela criança e pelo adolescente que a Constituição da República atribuiu à Sociedade. Dentre estas organizações pode-se mencionar a Agência de Notícias dos Direitos da Infância, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência, a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude e a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (JESUS, 2006, p. 122 a 124).

Outra forma de responsabilidade social se dá através da organização comunitária. O art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta a comunidade à enumeração constante da Constituição da República. Desta forma o legislador enfatizou uma espécie de agrupamento que há dentro de uma sociedade que possui ligações mais estreitas entre seus membros, que implicam em vínculos de proximidade e identidade (JESUS, 2006, p. 124).

Como Comunidade pode-se compreender o bairro, as associações recreativas e culturais, grupos religiosos e demais agrupamentos de pessoas que possibilite, de forma continuada, a proximidade e a pessoalidade das relações (JESUS, p.125).

 Os grupos comunitários, melhor que o remanescente da sociedade, podem indicar mais facilmente se os direitos das crianças e dos adolescentes estão sendo observados ou negados em seu meio, identificar a quais riscos os jovens estão expostos, bem como avaliar quando uma criança ou adolescente adota comportamento prejudicial à boa convivência  (DALLARI, 2002, p. 23).

Sob a perspectiva Tânia da Silva Pereira (1998, p. 136):

“A família e a criança vivem na comunidade e é neste grupo social que deverão ser reforçados os projetos, programas e iniciativas de proteção desta parcela considerável da população. É no Município que crianças e jovens se desenvolvem é lá que eles se tornam cidadãos. O ser humano é se defrontam interesses individuais e coletivos.”

A convivência comunitária implica em situações e iniciativas que estabelecem a superação de conflitos habituais nos relacionamentos sociais onde se confrontam interesses individuais e coletivos. A Comunidade conhece suas realidades, perspectivas, possibilidades e, além disso, prováveis soluções de conflitos (PEREIRA, 1998, p.136).

A Lei nº 8.069/1990, reconhece a necessidade do controle social informal e da antecipação ao desvio social. E para Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 67):

“Para prevenir o desvio social do adolescente através do controle social informal, a Comunidade não estabelece uma relação vertical e hierarquizada com o adolescente; é, antes, uma relação autodisciplinar da comunidade com ela mesma, na medida em que só podem prevenir desvios sociais os grupos que não são socialmente desviados. Superada esta etapa, há o encontro conceitual dos grupos sociais com a comunidade prevista no Estatuto, quando se dá, enfim, a relação comunidade-adolescente que, ao contrário do que pode indicar a ideia de controle social, não é uma relação sujeito-objeto, mas de sujeito para sujeito, horizontalizada pelos interesses comuns.”

A Comunidade proporciona à criança e ao adolescente um meio insubstituível de transmissão cultural e humanização, ideal para atender as necessidades culturais destes na sua condição especial de pessoas em desenvolvimento (JESUS, 2006, p. 67).

Insta salientar a indiscutível importância do Conselho Tutelar para a comunidade: órgão permanente, autônomo e não jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente pela Sociedade. E por ser de organização municipal é o órgão ideal para acompanhar as comunidades no tratamento do comportamento antissocial juvenil, uma vez que inserido na realidade cultural comunitária (JESUS, 2006, p. 125-126).

Destarte, a atribuição por parte da Comunidade da responsabilidade pela criança e pelo adolescente é um instrumento de participação ativa social, pois torna a esta responsável por sua própria coordenação e principalmente pelo auxílio ao desenvolvimento do infante e do jovem (JESUS, 2006, p. 67).

Já a responsabilidade estatal pela criança e pelo adolescente se manifesta na criação de políticas sociais com fim de efetivar os direitos garantidos na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilitando uma democracia participativa. Deve-se lembrar que no Estado contemporâneo há a necessidade de uma estreita vinculação com a Sociedade Civil. Portanto, cabe ao Estado organizar meios de interação entre este, os cidadãos e núcleos sociais, honrando o pacto social estabelecido no art. 227 da CRFB/1988 (JESUS, 2006, p. 126).

O Estado deverá fornecer garantir prioritariamente a destinação de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Entretanto, nota-se a escassez verbas estatais, embora insistentemente reclamadas pela sociedade. Somente com um atendimento efetivo poderá verdadeiramente conduzir crianças e adolescentes para um futuro melhor, contribuindo, assim, para a diminuição do desvio social infanto adolescente.

Assim, pois, o Estatuto da Criança e do Adolescente propõe o esforço conjunto da Família, Comunidade, Sociedade e Estado como garantidores dos direitos infantojuvenis e protagonistas do desenvolvimento de crianças e adolescentes. E por meio dessa cooperação será possível minimizar o problema da criminalidade e violência na área da infância e juventude.

5. As Medidas Socioeducativas: natureza retributiva e conteúdo pedagógico

O Estatuto da Criança e do Adolescente apresentou um novo padrão com relação à imputação de responsabilidade ao jovem em conflito com a lei (SARAIVA, 2003, p. 75).

A doutrina da Proteção Integral, estabelecida no art. 227 da Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, considerou o a criança e o adolescente como sujeitos do processo, e não mais como meros objetos, além de constituir uma relação de direito e dever, ressalvado a sua condição de pessoa em desenvolvimento (SARAIVA, 2003, 76).

Conforme o disposto no art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. E segundo o art. 104 do referido diploma legal, dispõe que os menores de dezoito anos não serão considerados penalmente imputáveis, estando sujeitos às medidas previstas pelo Estatuto (BAPTISTA, 2001, p. 60).

Para Napoleão X. do Amarante (2002, p. 325):

“Significa dizer que o fato atribuído à criança e ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção penal, só pela circunstância de sua idade, constituí crime ou contravenção, mas na linguagem do legislador, simples ato infracional. O desajuste existe, mas, na acepção técnico-jurídico, a conduta do seu agente não configura uma ou outra daquelas modalidades de infração, por se tratar simplesmente de uma realidade diversa. Não se cuida de uma ficção, mas de uma entidade jurídica a encerrar a ideia de que também o tratamento a ser deferido ao agente é próprio e específico”.

Desta forma, quando uma criança ou adolescente, por ação e omissão, venham a cometer um ilícito penal, serão autores de ato infracional com consequências para a sociedade, igual ao crime ou a contravenção penal, entretanto, com contornos diversos. Para o crime e para contravenção penal impõe-se pena na sua mais pura acepção. Todavia, para os atos infracionais, em relação à criança (menor de doze anos) estará sujeita às medidas protetiva, previstas no art. 101 da Lei nº 8.069/1990. Quanto ao adolescente, aplicam-se as medidas socioeducativas previstas no art. 112 da mencionada Lei (AMARANTE, 2002, p. 325-326).

Insta salientar, que na Constituição da República de 1988 vige o princípio da legalidade ou da anterioridade da lei, previsto nos incisos II e XXXIX do art. 5º. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por óbvio, atende a esse princípio constitucional (SARAIVA, 2003, p. 77).

Portanto, somente haverá medida socioeducativa se ao adolescente for atribuída a prática de uma conduta típica, prevista em lei. Ou seja, para que a ação estatal haja sobre o adolescente, visando a socioeducação deste, precederá que uma conduta reprovável juridicamente, que seja passível de uma resposta socioeducativa (SARAIVA, 2003, p. 77).

Ademais, a conduta além de ser tipifica em lei, há de ser antijurídica, isto é, que não tenha sido praticada sob o escopo de quaisquer justificativas legais estabelecidas no art. 23 do Código Penal, quais são: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (SARAIVA, 2003, p. 77).

Por exemplo, se um adolescente cometeu uma conduta típica, considerada ato infracional, todavia agiu em legitima defesa, deverá ser absolvido, com base no inciso II do art. 23 do Código Penal e do inciso III do art. 189 da Lei nº 8.069/1990 (SARAIVA, 2003, p. 77).

Da mesma forma, não há de se falar em ato infracional se a conduta não for culpável, “excluindo-se do conceito de culpabilidade o elemento biológico da imputabilidade penal, ou, como para alguns, o pressuposto da culpabilidade”. Assim, excluído o fator da inimputabilidade penal, os demais elementos da culpabilidade deverão ser apreciados (SARAIVA, 2003, p. 78).

Não haverá culpabilidade e, por conseguinte, não haverá imposição de medida socioeducativa, quando houver na conduta do adolescente a presença de erro inevitável sobre a ilicitude do fato (art. 21 do Código Penal); erro inevitável a respeito do fato que configuraria uma discriminante – descriminantes putativas (art. 20, § 1º, do Código Penal); obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico (art. 22, segunda parte, do Código Penal) e ainda a inexigibilidade de conduta diversa na coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, do Código Penal) (SARAIVA. 2003, p. 79).

Destarte, se a conduta praticada pelo adolescente, não obstante típica e antijurídica, estiver eivada por um dos elementos descaracterizadores de culpabilidade, logo, esta não será reprovável, não competindo a imposição de medida socioeducativa ao adolescente (SARAIVA, 2003, p. 78).

Portanto, a conduta do adolescente será considerada como ato infracional e, desta forma, passível de aplicação de medida socioeducativa, se for típica, antijurídica e culpável (SARAIVA, 2003, p.79).

6. As Medidas Socioeducativas: natureza retributiva e conteúdo pedagógico

As medidas socioeducativas estão estipuladas no art. 112 da Lei nº 8.069 de 1990, e poderão ser aplicadas ao adolescente que cometer ato infracional, e são essas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semi-liberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.”

Assim, no momento em que o adolescente comete um ato infracional, ele passa a estar em conflito com a lei. Desta forma, verifica-se que o adolescente tem um “dever” de responder pelo seu ato; entretanto por ser pessoa em desenvolvimento, destinatário de proteção integral e sujeito de direitos, receberá uma medida socioeducativa, que irá, ao mesmo tempo, responsabilizá-lo e auxiliá-lo na construção da sua cidadania (SAUT, 1998, p. 193).

Ressalta-se que a medida socioeducativa tem escopo pedagógico, além do natural caráter educativo da própria sujeição ao processo. “O objetivo da medida socioeducativa é pedagógico, mas não é simplesmente educar, mas educar para o exercício da liberdade na convivência familiar e social” (MUGIATTI, disponível em: <www.parana-online.com.br>).

As medidas socioeducativas possuem natureza punitiva e finalidade pedagógica. Deve-se minimizar aquela ao ponto estritamente necessário com objetivo de demonstrar o erro e visando da (re)inserção social do adolescente (JESUS, 2006, p. 95).

Afonso Kozen (2005, apud SARAIVA, 2006, p. 69) faz uma respeitável ponderação sobre a natureza jurídica das medidas socioeducativas:

“As considerações sobre os significados material e instrumental da medida socioeducativa permitem, à guisa de conclusão, identificar a sua natureza jurídica. Ou seja, em solução à questão geral, no sentido de se saber o que é medida socioeducativa, percebe-se a presença de uma resposta estatal de cunho aflitivo para o destinatário, ao mesmo tempo em que se pretende, com a incidência de técnicas pedagógicas, a adequada (re)inserção social e familiar do autor de ato infracional. Assim, se a medida socioeducativa tem características essenciais não uniformes, pode-se concluir pela complexidade de sua natureza jurídica. A substância é penal. A finalidade deve ser pedagógica (grifo da autora).”

E como ressalta Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 94/95) a utilização das medidas socioeducativas como defesa social:

“Não podem se transformar em instrumentos de vingança. A reprodução de um Direito Penal falido deve ser rechaçada na área do Direito Infanto Adolescente e a coerção é uma tenção a ser evitada. Rotular adolescente como delinquentes irrecuperáveis é cômodo porque permite a abstração de um mundo maniqueísta, onde a única responsabilidade que cabe aos bons em relação aos maus é a de punir.”

Entretanto, diferentemente “das penas, as medidas socioeducativas significam comprometimento comum e continuidade social: o medo, o preconceito e a estigmatização não podem separar o Estado e a Sociedade dos adolescentes em conflito com a lei” (JESUS, 2006, p. 95/96).

As medidas socioeducativas em meio aberto representam o Direito Penal Mínimo, pois se mostram como uma opção à privação de liberdade, sendo esta, muitas vezes, desproporcional ao bem jurídico tutelado. Assim, as medidas socioeducativas permitem ao jovem conhecer o valor do bem jurídico violado na proporção em que se “insere na comunidade reparando o mal causado” (JESUS, 2006, p. 95/96).

Na ótica de Olympio Sotto Maior (2002, p. 365):

“Então para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba ele medidas socioeducativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social.

O educar para a vida social visa, na essência, ao alcance de realização pessoal e de participação comunitária, predicados inerentes à cidadania. (grifo da autora)”

É essencial que o adolescente se convença, mesmo que somente no curso da execução da medida socioeducativa, que a prestação jurisdicional é apropriada. Pois, “se a justiça da medida socioeducativa for invencível, esta não surtirá efeitos. O objetivo do Direito da Criança e do Adolescente não é aterrorizar para disciplinar. A principal relação da medida não se dá com a gravidade do ato infracional, mas com o seu poder de intervenção na realidade do adolescente” (JESUS, 2006, p.85).

Vale destacar, que somente poderá ser aplicada a medida socioeducativa aos adolescentes autores de ato infracionais, como foi asseverado alhures. Desta forma, para sofrer a ação estatal visando a sua socioeducação deverá a conduta pratica pelo adolescente ser típica, antijurídica e culpável (SARAIVA, 2006b, p. 77).

O grande objetivo proposto no Estatuto da Criança e do Adolescente é prover uma transformação de comportamento nos adolescentes em conflito com a lei, entretanto, sem livrá-los da responsabilidade pelo que cometeram. A medida socioeducativa propõe a responsabilização do adolescente, todavia com intenção pedagógica, de reinseri-lo no seio familiar e social (SECREETARIA DE ESTATO DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Disponível em: <http://www.seds.mg.gov.br>).

6.1. Das medidas socioeducativas em meio aberto

Consideram-se medidas socioeducativas em meio aberto a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços a comunidade e a liberdade assistida. E são assim consideradas pois não há privação da liberdade do adolescente em conflito com a lei (JESUS, 2006, p. 96).

A seguir serão analisadas as medidas socioeducativas de forma individual para melhor compreensão.

6.1.1. Da Advertência

A primeira das medidas socioeducativas, como alhures mencionado, é a advertência, que consiste na prestação estatal socioeducativa em forma de admoestação verbal reduzida a termo e assinada pelo adolescente e por seu representante legal (JESUS, 2006, p. 83; LIBERATTI, 2003, p. 102).

A advertência trata-se uma medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, podendo ser executada pelo Promotor (no momento da apresentação do adolescente ao Ministério Público e a medida cumulada com remissão) ou pelo Juiz da Infância e Juventude (ao final da produção judicial). “A coerção manifesta-se no seu caráter intimidatório, devendo envolver os responsáveis num procedimento ritualístico (JESUS, 2006, p. 83).

Tal medida deverá estar revestida das formalidades legais, que exigem, para sua aplicação, a ocorrência de indícios suficientes de materialidade e autoria, conforme o parágrafo único do art. 114 da Lei nº 8.069/1990 (LIBERATTI, 2003, p. 102).

Tendo em vista que os princípios do contraditório e da ampla defesa regem a apuração do ato infracional, a adolescente a quem se atribui a autoria de ato infracional, tem direito ao devido processo legal, admitindo-se, assim, a presença de advogado para que promova a sua defesa (ABREU, 1999, p.91; LIBERATTI, 2003, p. 104).

Importante ressaltar que a advertência será aplicada ao adolescente que praticar infrações leves, quanto à natureza ou consequências desta, o qual seja primário e que não revele, pelas circunstâncias dos atos praticados, pessoa de periculosidade (LIBERATTI, 2003, p. 104).

Todavia, a essa intervenção não se limita a imposição da medida socioeducativa, mas deverá submeter conteúdo capaz de oferecer ao adolescente sujeito a ela, a percepção de condições objetivas que o permitam encarar os desafios cotidianos, sem a necessidade de violar os direitos de outrem (JESUS, 2006, p 85).

Entretanto, na análise de Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 85), tal medida:

“carece de instrumentos interdisciplinares que demonstrem ao adolescente o desvalor de sua conduta e o seu próprio valor como protagonista da transformação da sua realidade. Na prática, porém, funda-se a advertência em uma relação de poder, de exercício de autoridade; e impõe sanção quando deveria fazer compreender regras sociais. A repreensão não pode se esgotar em si, mas há uma barreira para a completa aplicação da advertência: a mais branda das medidas socioeducativas também padece do mal da falta de estrutura. Se aplicada sem o apoio de um corpo interdisciplinar, em um primeiro momento a advertência pode ser apenas um discurso simbólico sancionatório. Porém, mesmo que não venha a surtir efeito, porque aplicada de modo inadequado, legítima a aplicação futura de medidas mais severas.”

A autoridade, Juiz e/ou Promotor de Justiça ou Juiz de Direito da Infância e Juventude, ao aplicar a medida socioeducativa de advertência, deverá se ater ao pressuposto do processo educativo, com o regime de direitos e liberdades do adolescente, promovendo, desta forma, o equilíbrio entre a disciplina e a liberdade (LIMA, 2002, p. 375).

A medida socioeducativa de advertência deverá propiciar ao adolescente, condições para que descubra e desenvolva as suas potencialidades, instigando a construção de uma autoimagem positiva. Atendo-se, sempre, às particularidades do caso apresentado, as condições socioculturais do adolescente, questões atinentes a sua personalidade e seu nível de compreensão da realidade. Porquanto a medida socioeducativa deverá atingir positivamente o adolescente em conflito com a lei, a fim de evitar que este cometa novo ato infracional.

6.1.2. Da obrigação de reparar o dano

A reparação do dano visa que o adolescente, que cometeu um ato infracional com reflexos patrimoniais, restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou compense o prejuízo da vítima, por um procedimento de execução de medida que se exaure na contraprestação, conforme estabelecido em sentença e cientificado o adolescente em audiência admonitória (SARAIVA, 2002, p. 157).

A medida em questão deverá ser aplicada quando o ato infracional proceder da posse por parte do adolescente de coisa alheia móvel. Não sendo possível a restituição, caberá o ressarcimento do dano pelo adolescente, de modo integral ou solidariamente com seus responsáveis, nos termos do art. 932, incisos I e II, do Código Civil de 2002 (JESUS, 2006, p 86).

O principal objetivo desta medida é fazer com que o adolescente em conflito com a lei “se sinta responsável pelo ato que cometeu e intensifique os cuidados necessários, para causar prejuízo a outrem” (LIBERATTI, 2003, p. 105).

João Batista Costa Saraiva (2002, p. 158), entende que:

“Nesse caso, o importante é que a capacidade de reparação do dano seja do próprio adolescente, não se confundindo essa medida com o ressarcimento do prejuízo feito pelos pais do adolescente (de natureza de responsabilidade civil, inerente à espécie, corolário do exercício do Poder Familiar). A reparação do dano há que resultar do agir do adolescente, de seus próprios meios, compondo com a própria vítima, muitas vezes, em um agir restaurativo. Daí sua natureza educativa.'

Nesse sentido, Wilson Donizeti Liberatti (2003, p. 105) sustenta que a medida socioeducativa de reparação visa, sobretudo, conferir ao adolescente autor de ato infracional uma conduta pessoal e intransferível, que deve ser, se plausível, cumprida exclusivamente por ele. Conforme o disposto no art. 106, parágrafo único da Lei nº 8.069/1990, a medida poderá ser substituída quando houver manifesta impossibilidade de seu cumprimento.

A medida socioeducativa de reparação do dano poderá ser aplicada na fase pré-processual, pelo Órgão de Execução do Ministério Público, cumulada com o benefício da remissão; ou pela autoridade judicial na sentença, julgando a representação formulada contra o adolescente (LIMA, 2002, p. 380).

Tal medida deverá ser imposta em procedimento contraditório, observados os direitos constitucionais da ampla defesa, da igualdade processual, da presunção de inocência, entre outros, e, inclusive, com a imprescindível assistência técnica de Advogado (LIBERATTI, 2003, p. 105).

6.1.3. Prestação de serviços à comunidade

A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade está prevista no art. 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários e governamentais (LIBERATTI, 2003, p. 107).

O parágrafo único do dispositivo legal acima mencionado estabelece que as tarefas serão atribuídas segundo as aptidões pessoais do adolescente, devendo ser cumprida durante a jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo que não prejudique a frequência escolar ou à jornada normal de trabalho (LIBERATTI, 2003, p. 107).

A prestação de serviços à comunidade visa obter por meio do trabalho sem exploração, a reinserção social, dignificando o indivíduo, amoldando-lhe inclusive a grandeza, principalmente nos adolescentes, indivíduos ainda em formação em desenvolvimento (ABREU, 2002, p. 94).

Na opinião de Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 88):

“A prestação de serviços à comunidade, assim como as duas medidas que a antecedem, visa ao exercício da autocrítica por parte do adolescente em conflito com a lei. Embora traga consigo a imagem de uma punição mais severa, tem a vantagem de envolver o adolescente com o meio social: ao mesmo tempo que aquele compensa a conduta desviante, pode entender, o valor da organização da comunidade, que passa a ter um traço do seu próprio esforço. Reconhecendo-se no cenário, eis que inserido e atuante, o adolescente cria um vínculo afetivo comunitário. Se ele passa a ser da comunidade, esta passa a ser sua, objeto de zelo e apreço”.

A referida medida coloca o adolescente em conflito com a lei face à necessidade de organização social, inserindo-o na comunidade como protagonista, sujeito de direitos, colaborador ativo da organização estatal. O adolescente que presta serviços à comunidade relaciona-se intimamente coma sua realidade e a sua comunidade, materializando o disposto no art. 4º da Lei nº 8.069/1990 (JESUS, 2006, p. 89).

Posteriormente à sentença que determinar a medida socioeducativa, formará o respectivo processo de execução da medida e o jovem será encaminhado ao órgão executor. O encaminhamento do adolescente se dará por meio de uma audiência admonitória, onde receberá a orientação relativa ao cumprimento da medida, sendo cientificado de suas responsabilidades e dos objetivos almejados (SARAIVA, 2002, p. 158).

Este órgão executor, alheio ao órgão judiciário, Governamental (Prefeitura) ou de Organização Não-Governamental deverá centralizar a ação de condução do adolescente, dotado de uma equipe técnica apta a fazer a avaliação do jovem e encaminhá-lo a um dos serviços disponíveis que melhor corresponda a característica e aptidão desse (SARAIVA, 2002, p. 159).

A medida será mais efetiva quando houver a adequada fiscalização e acompanhamento do adolescente pelo órgão judiciário, o apoio e comprometimento da entidade que lhe recebe (LIBERATTI, 2003, p. 109).

6.1.4. Liberdade Assistida

O art. 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a liberdade assistida deverá se adotada quando se apresentar a medida mais adequada para o acompanhamento, auxílio e orientação do adolescente em conflito com a lei, com designação de um orientador judiciário (JESUS, 2006, p. 92).

Essa medida é uma das alternativas à privação de liberdade e à institucionalização do adolescente em conflito com a lei. Entretanto, impõe ao jovem de forma coercitiva a se comportar conforme a ordem judicial (LIBERATTi, 2003, p. 109).

A medida concretiza-se pelo acompanhamento do adolescente em suas atividades sociais (família, escola, trabalho). O caráter pedagógico se manifesta no acompanhamento personalizado, garantindo-se: a proteção, inserção comunitária, manutenção dos vínculos familiares, frequência escolar e inserção no mercado de trabalho e/ou em cursos profissionalizantes e formativos (LIBERATTI, 2003, p. 110).

A pessoa designada para orientar o adolescente deverá ter formação que propicie a identificação das necessidades do adolescente e, portanto, da correta aplicação da medida socioeducativa.

Infelizmente, não há uma estrutura que permita o acompanhamento do adolescente por um profissional de cada área, todavia é importante que exista um corpo interdisciplinar reunindo diversas áreas do conhecimento, ao qual o responsável pelo acompanhamento submeterá relatórios constantes (JESUS, 2006, p. 93).

E assim como na medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, os programas liberdade assistida deverão ser estruturada pelo poder executivo municipal, pois serão mais efetivos se centrados/aplicados na comunidade de origem do adolescente. Desta forma, buscará a criação de vínculos entre o adolescente e sua comunidade, inclusive interação ou reintegração com a família (JESUS, 2006, p. 93).

Assevera João Batista Costa Saraiva (2002, p. 161) que:

“não há programa de liberdade assistida eficaz que se limite ao atendimento burocrática do adolescente. Daí porque incumbe ao orientador de liberdade assistida o encargo de envolver-se em programas socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhe orientação e inserindo-se (ao adolescente e sua família), se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social, havendo ainda de supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula, diligenciando no sentido da profissionalização do adolescente e da sua inserção mo mercado do trabalho.”

A medida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor do adolescente. Ademais, deverá ser acompanhada por relatórios periódicos, avaliações concernentes desenvolvimento ao da medida, nunca inferiores a seis meses (CAVALCANTE; 2002, 387-388; SARAIVA, 2002, p. 161).

Por fim, importante destacar que a medida socioeducativa de liberdade assistida será determinada em sentença e se iniciará em uma audiência admonitória, onde o adolescente e o seu orientador judiciário serão apresentados e na qual serão estabelecidos os termos iniciais sobre o cumprimento da referida medida, advertindo da necessidade implemento, sob pena de regressão da medida (SARAIVA, 2002, p. 162).

6.2. Da Semiliberdade

A semiliberdade, além da internação, é uma medida socioeducativa que comina a institucionalização do adolescente em conflito com a lei (BARATTA, 2002, p. 394).

O art. 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a medida socioeducativa de semiliberdade, que poderá ser determinada desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, admitida a realização de atividades externas, não dependendo de autorização judicial.

Ademais, conforme o § 1°, do art. 120 da Lei nº 8.069/1990: são obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

E consoante o § 2° do art. mencionado alhures, a medida de semiliberdade não comporta prazo determinado e será aplicado, no que couberem, as disposições concernentes à internação.

 A aplicação desta medida ficará condicionada a localidades que possibilitem ao adolescente frequentar a escola e possuir atividade laborativa, durante o dia, recolhendo-se à entidade apenas à noite. Assim, o regime de semiliberdade caracteriza-se pela privação parcial da liberdade do adolescente que praticou ato infracional (ABREU, 1999, p. 95).

A dinâmica dessa medida se estabelece em dois momentos distintos:

a) o adolescente executará atividades externas, como frequência em escola e relação de trabalho, e deverá estar incluído em serviços e programas sociais e de formação (LIBERATTI, 2003, p. 112).

b) no período noturno, quando o adolescente deverá se recolher à entidade de atendimento, terá acompanhamento com o orientador e/ou técnicos sociais (LIBERATTI, 2003, p. 112).

Importante ressaltar, que a qualquer tempo a medida socioeducativa de semiliberdade poderá ser revertida em medida em meio aberto, quando essa não se apresentar mais necessária (LIBERATTI, 2003, p. 112).

Tal medida, sempre, será aplicada ao final do devido processo legal de apuração de ato infracional (art. 171 e seguintes da Lei nº 8.069/1990), considerando a capacidade do adolescente cumpri-la, segundo seu estágio de desenvolvimento intelectual, físico, moral e psíquico (LIBERATTI, 2003, p. 113).

6.3. Da Privação de Liberdade: Internação

Estabelece o art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente que a medida socioeducativa de internação constitui:

“medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”

No mesmo sentido, dispõe o art. 227, § 3°, inciso V da Constituição da República Federativa do Brasil/1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[…]

§ 3º – O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: […]

V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;”

A medida socioeducativa de internação se apresenta como a mais grave e mais complexa das estabelecidas pela Lei nº 8.069/1990, pois impõe dura restrição à liberdade do adolescente. Por isso será decretada somente pela autoridade judicial, após o trâmite do devido processo legal de apuração de ato infracional, observadas as garantias da ampla defesa e do contraditório (LIBERATTI, 2002, p. 113).

Portanto, tal medida deverá ser norteada pelos princípios da brevidade e excepcionalidade, respeitando a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento do adolescente (SARAIVA, 2006, p. 170).

Nesse sentido Antônio Carlos Gomes da Costa (401, 2002) assevera:

“Três são os princípios que condicionam a aplicação da medida privativa de liberdade: o princípio da brevidade enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto limite lógico no processo decisório acerca da sua aplicação; e o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite ontológico, a ser considerado na decisão e na implementação da medida.”

Destarte, a medida há de ser breve, pois deverá ser reavaliada periodicamente para que se examine a sua substituição (art. 113 cominado com art. 99 e art. 100 da Lei nº 8.069/1990) ou sua extinção. O princípio da brevidade está estreitamente ligado à condição de pessoa em desenvolvimento, levando a capacidade de transformação do adolescente nesta fase fundamental da sua vida, onde o tempo do adolescente tem um valor diferente ao tempo da vida adulta (SARAIVA, 2002, p. 170).

Para João Batista Costa Saraiva (2006, p. 170-171):

“O menor tempo possível de privação de liberdade se constitui em uma garantia constitucional, até mesmo como mecanismo capaz de combater esta inevitável contaminação com outras experiências negativas. No cotejo entre vantagens e desvantagens da internação, há que se levar em conta o interesse da sociedade, enquanto mecanismo de defesa social, e o interesse do adolescente, enquanto sujeito de um processo educativo.”

Decorre do Princípio da Brevidade o mandamento constitucional no sentido de estabelecer que a privação de liberdade persistirá pelo menor tempo possível, somente devendo manter-se até um limite máximo de três anos e com revisões periódicas a cada seis meses, até que a autoridade judiciária determinar que o adolescente está apto ao convívio social (SARAIVA, 2006, p. 171).

Insta salientar, conforme o art. 121, § 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente, que a medida de internação poderá ser reavaliada a qualquer tempo. Mas esta reavaliação não está relacionada à justiça da medida aplicada, mas sim, ao adolescente, em face do ato cometido e da repercussão desta no processo pedagógico do cumprimento da medida (ZAGAGLIA, 2000, p. 733-734).

A medida de privação de liberdade será excepcional, pois será aplicada como último recurso, uma vez analisado que as demais medidas não serão adequadas ao adolescente (ZAGAGLIA, 2000, p. 733).

João Batista Costa Saraiva (2006, p. 171) analisa que o Princípio da Excepcionalidade:

“se sustenta na ideia de que a privação de liberdade não se constitui na melhor opção para a construção de uma efetiva ação socioeducativa em face do adolescente, somente acionável se, enquanto mecanismo de defesa social, alternativa não se apresentar.”

No mesmo sentido, colhe-se do acórdão proferido pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em ocasião do julgamento da Apelação 22.716-0 (Rel. Yussef Cahali, j. 2-3-1995 apud ISHIDA, 2003, p. 199):

“A internação somente deve ser admitida em casos excepcionais, quando baldados todos os esforços à reeducação do adolescente, mediante outras medidas socioeducativas.”

Portando, examina-se que a internação do adolescente autor de ato infracional resulta mais da inexistência de alternativa do que da constatação de essa se apresentar como melhor medida socioeducativa a ser aplicada, pois, mostra-se falaciosa a suposição que a privação de liberdade poderá representar um bem para o jovem a quem se atribui a prática de um ato infracional (SARAIVA, 2006, p. 172).

Aduz Mauricio Neves de Jesus (2006, p. 103):

“[…] os que forem submetidos à privação de liberdade só o serão porque sua contenção e submissão a um sistema de segurança são condições sine qua non para o cumprimento da medida socioeducativa. Ou seja, a contenção não é em si a medida socioeducativa, é condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da liberdade deve significar apenas limitação no exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para a sua inclusão na perspectiva cidadã (grifo no original).”

Por fim, averigua-se que a internação do adolescente, como último recurso, em tese, é meio que possibilita a aplicação dos instrumentos pedagógicos hábeis, com o fim de que o adolescente compreenda e valorize os vínculos familiares e comunitários, reintegrando-se na sociedade.

6.3.1. Admissibilidade da Medida de Internação: art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente

Com fulcro no princípio da excepcionalidade, o art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a medida de privação de liberdade só poderá ser aplicada quando (i) se tratar de ato infracional praticado com grave ameaça ou violência a pessoa, (ii) pela reiterada prática de outras infrações graves, (iii) pelo descumprimento frequente e injustificado da medida anteriormente aplicada.

Ademais, o rol das condições do art. 122 da Lei nº 8.069/1990 é taxativo e exaustivo, não se admitindo da aplicação da medida fora das hipóteses apresentadas, pois violaria literalmente a lei (LIBERATTI, 2002, p. 117).

O ato infracional praticado com grave ameaça é, na concepção de Júlio Fabbrini Mirabete (2004, p. 53), “aquele em que o mal prenunciado deve ser certo (não vago), verossímil (possível de ocorrer), iminente (que está para ocorrer, e não previsto para futuro longínquo) e inevitável (que o ameaçado não possa evitar).

Já o ato infracional cometido mediante violência a pessoa se caracteriza pelo emprego da força física, com o fim de vencer a resistência real ou suposta da vítima. A violência estará presente sempre que são aplicados meios físicos sobre a vítima, resultando lesões corporais ou, até mesmo, a morte (LIBERATTI, 2003, p. 117).

No tocante à segunda hipótese prevista no art. 122 da Lei nº 8.069/1990, pondera-se a condição prévia do cometimento de atos infracionais graves, que tiveram como decorrência qualquer das medidas do art. 112 da mencionada lei, exceto a privativa de liberdade. Por ato infracional grave, consolida-se o entendimento que é aquele que a Lei Penal comina com pena de reclusão no preceito secundário da norma (MENDEZ, 2002, p. 402; SARAIVA, 2006, p. 175).

Nesta situação, observada a reiterada prática de atos infracionais graves pelo adolescente e, principalmente, a ineficácia das medidas socioeducativas anteriormente cominadas, as quais não foram suficientes para reintegrá-lo na sociedade (LIBERATTI, 2002, p. 118).

Relativo ao inciso III do art. 122 da Lei nº 8.069/1990, verifica-se uma modalidade de internação-sanção, configurando a possibilidade de regressão de medida mais branda para a de privação de liberdade, objetivando o “constrangimento do adolescente à retomada da medida socioeducativa anteriormente imposta e reiterada e injustificadamente descumprida (SARAIVA, 2006, p. 173).

Entretanto, o simples fato da configuração da hipótese objetiva, ou seja, aquelas listadas no art. 122 da Lei nº 8.069/1990, não acarretará na submissão do adolescente à privação de liberdade. Haja vista, que deverá ser avaliada capacidade do adolescente de cumprir a medida socioeducativa, as circunstâncias e a gravidade da infração (condições subjetivas), pois em nenhuma hipótese a internação será aplicada se outra medida for mais adequada.

6.3.2. Local e condições da medida privativa de liberdade

Estabelece o art. 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente que a medida de privação de liberdade “deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração”.

Primeiramente, ressalta-se a rigorosa separação do estabelecimento destinado à internação e aquele voltado às funções de abrigo, pois este se destina ao adolescente que aguarda colocação em família substituta, enquanto aquele é destinado à reclusão com o fim de garantir a medida socioeducativa (COSTA, 2002, p. 405).

Ademais, o artigo estabelece a separação dos adolescentes por idade, compleição física e a gravidade da infração cometida, tendo em vista a prevenção de violência cometida adolescente uns contra os outros.

Sobre esta separação, Mauricio Neves (2006, p. 105) explica:

“A separação dos internos prevista em lei objetiva impedir a influência dos adolescentes mais experientes sobre os demais, a fim de que não se forme um aprendizado informal que se convencionou chamar de ‘escola do crime’, bem como permitir a aplicação dos métodos pedagógicos mais adequados para as diferentes idades. Porém, a separação impede também a troca de experiências positivas e a simulação de um convívio comunitário privilegiado em diversidade, que atenderia mais adequadamente ao espírito do Estatuto. De certa forma, fica a impressão de que neste trecho o legislador já se preocupava com a estrutura precária e a má aplicação da medida, permitindo a segregação como remédio a um mal maior.”

Além do mais, os estabelecimentos educacionais devem ser um ambiente que privilegie o resgate e exercício da cidadania (JESUS, 2005, p. 104).

De outro vértice, a internação em instituição fechada de privação de liberdade, não significa o isolamento do adolescente com o mundo, com a sociedade. Limitar a liberdade do adolescente em cumprimento de medida de internação em instituição fechada, em tese, deverá proporcionar educação, desenvolvimento, condições físicas, mentais e sociais para capacitá-lo para vida em sociedade (ZAGAGALIA, 2000, p. 735).

Por fim, o parágrafo único do art. 123 da Lei nº 8.069/1990 dispõe que “durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas, sendo este o fator que caracteriza a natureza socioeducativa da medida. Uma vez que, sem esse aspecto a internação seria uma mera detenção, mesmo que observados os demais cuidados na sua aplicação. E por sua condição de pessoa em desenvolvimento, o adolescente em conflito com a lei deverá receber do Estado condições que lhe permita desenvolver o seu potencial como pessoa e cidadão (COSTA, 2002, p. 405).

6.3.3. As garantias e direitos do adolescente na execução da medida de privação de liberdade

Além dos aspectos alhures mencionados, o art. 1211 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece parâmetros expressos para a execução da medida de privação de liberdade (SARAIVA, 2006, p. 177).

No § 1° do referido dispositivo legal, prevê o direito do jovem privado de liberdade, por internamento, exercer atividades externas, ou seja, fora da instituição, mediante acompanhamento de monitores, educadores ou pessoas designadas para a função (SARAIVA, 2006, p. 177).

Para Emílio García Mendez (2002, p. 400) tal previsão visa:

“preparar o jovem, a partir do exato momento da internação, para sua plena reinserção na sociedade. Esta disposição […] inverte radicalmente as concepções tradicionais que reafirmavam o caráter total da internação. O pleno reconhecimento do fracasso da readaptação através do isolamento orienta esta disposição. Trata-se, na verdade, de converter a internação (e a instituição que a executa) em uma medida o mais dependente possível dos serviços e atividades do mundo exterior.”

Importante destacar, que as atividades externas somente serão vedadas com expressa determinação judicial, nos termos da parte final do §1° do art. 121 da Lei nº 8.069/1990.

Outrossim, consoante o disposto nos §§ 3º e 4 º do art. 121 da Lei nº 8.069/1990, não será admitido, em qualquer hipótese, que a privação de liberdade exceda três anos. Completos três anos de internação, o jovem deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida, observando o melhor interesse do adolescente.

Se durante o curso da execução o adolescente completar 21 anos de idade, obrigatoriamente haverá a sua liberação, na forma do § 5º do art. 121 do estatuto alhures mencionado.

Analisa-se do § 6º do art. 121 da Lei nº 8.069/1990, que ponderado o melhor interesse do adolescente e avaliada a possibilidade de sua desinternação, esta será decretada por decisão judicial, e mediante parecer do Ministério Público.

Já o art. 124 estabelece os direitos do adolescente sujeito a medida socioeducativa de privação de liberdade.

Tais direitos versam sobre os direitos do adolescente perante o sistema de Justiça da Infância e Juventude (incisos I, II, III e IV); direitos perante a direção, o pessoal técnico e a equipe auxiliar do estabelecimento socioeducativo em que seja internado (incisos V, IX, X, XI, XII, XV e XVI); direitos do adolescente em relação aos seus vínculos com sua família e comunidade (incisos VI, VII, VIII, XIII e XIV).

O art. 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente representa para Emílio Gracía Mendez (2002, p. 407):

“[…] em primeiro lugar, que o adolescente infrator deixa de constituir, definitivamente, uma categoria sociológica para se converter em uma categoria jurídica restrita. As garantias contidas no art. 124 devem ser entendidas como a consequência lógica e, principalmente, necessária das garantias reconhecidas nos arts. 106, 110 e 111 do próprio Estatuto […].”

O § 1° do art. 124 determina que não será admitida a incomunicabilidade do adolescente em nenhuma hipótese. Em contrapartida, o § 2° do mesmo dispositivo legal, possibilita a restrição do direito de visita, se verificada a prejudicialidade aos interesses do adolescente, mediante decisão judicial.

Por fim, o art. 125 da Lei nº 8.069/1990 impõe, de forma evidente, a integral responsabilidade dos órgãos públicos competentes pela integridade física do adolescente internado, devendo adotar medidas de contenção e segurança.

Essa segurança deve se preocupar com todas as possibilidades de ofensa à integridade física, psicológica e moral dos adolescentes em privação de liberdade (COSTA, 2002, p. 410).

Desta forma, a segurança em um estabelecimento de internação para adolescentes que praticaram ato infracional, não poderá ser tratada com descaso, pois ela é uma parte fundamental para o bom desenvolvimento da medida. E caberá à equipe de apoio social e aos educadores promover uma política de conscientização para essa questão basilar do trabalho socioeducativo, além de dotar as instituições com recursos físicos apropriados de contenção e segurança (COSTA, 2002, p. 410).

7. Da Remissão

A palavra remissão, deriva do vocábulo latino “remissio” e significa renúncia, clemência, desobrigação espontânea como causa de extinção de obrigações (Dicionário Compacto Jurídico, 2007, p. 166).

O instituto da remissão está previsto nos art. 126 a 128[1] do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo uma forma de exclusão, suspensão ou extinção do processo de apuração de ato infracional, observando as circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional (MIRABETTE, 2002, p. 411).

Tal instituto visa, em determinados casos, fundamentalmente evitar ou atenuar os efeitos negativos da instauração ou da continuidade do processo de averiguação de ato infracional, evitando o estigma de uma sentença condenatória (MIRABETTE, 2002, p. 411).

A remissão poderá ser concertada como forma de exclusão, cumulada – ou não – com qualquer medida prevista em lei (art. 127), pelo Ministério Público, antes de iniciado o processo judicial de apuração de ato infracional, devendo ser homologada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude (ABREU, 1998, p. 102).

A remissão pré-processual na opinião de Júlio Fabbrini Mirabete (2002, p. 411):

“Reserva-se […] às hipóteses em que a infração não tem caráter grave, quando o menor não apresenta antecedentes e quando a família, a escola ou outras instituições de controle social não institucional já tiveram reagido de forma adequada e construtiva ou seja provável que venham a reagir desse modo.”

Entretanto, se já iniciado o processo de averiguação de ato infracional, a remissão poderá ser conferida na forma de suspensão ou extinção, cominada com medidas dispostas em lei, será exclusivamente concedida pela autoridade judiciária, ouvindo o órgão Ministerial, possuindo eficácia após a homologação do juiz. Poderá ser concedia em qualquer fase do processo, entretanto antes da sentença. Será recomendada nos casos de atos infracionais de baixa gravidade, de pequena participação do adolescente na prática do ato, de primariedade, entre outras situações (ABREU, 1998, p. 102).

A respeito da remissão outorgada pelo Juiz, durante o processo de apuração de ato infracional, aduz José Luiz Leal Vieira (1997 apud SARAIVA, 2002, p. 60):

Sendo concedida remissão cumulada com prestação de serviços a comunidade e/ou liberdade assistida, o processo fica suspenso até o integral cumprimento dessas medidas. Na hipótese de descumprimento injustificado por parte do adolescente, o processo reinicia onde parou, com possibilidade, conforme o caso, de internação provisória e aplicação, ao final, de medida mais severa do que aquela ajustada em sede de remissão.

Dessa forma, apenas suspendendo o feito, a remissão incute no adolescente maior responsabilidade, na medida em que ele, ciente de que o processo não findou, empenhar-se-á mais no correto cumprimento do que foi ajustado.”

Insta advertir, que em nenhum caso a remissão poderá ser cumulada com medida socioeducativa de semi-liberdade ou internação, haja vista o caráter de provação de liberdade de ambas as medidas (ABREU, 1998, p. 103).

E nos termos do art. 127 da Lei nº 8.069/1990, a remissão, concedida e homologada, antes ou depois de instaurado o procedimento de apuração de ato infracional, não implicará no reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem cominará para efeitos de antecedentes (ABREU, 1998, p. 103).

Por fim, o art, 128 da Lei nº 8.069/1990 prevê a possibilidade de revisão da medida aplicada por força do instituto da remissão, a qualquer tempo, mediante requerimento expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público (ISHIDA, 2003, p. 217).

O juiz da Infância e Juventude, ao analisar e deliberar acerca da revisão, poderá:

a) cancelar a medida aplicada, com retorno ao processo à situação que se encontrava anteriormente (MIRABETE, 2002, p. 413);

b) substituí-la por outra mais adequada, salvo o regime de semi-liberdade e da internação (MIRABETE, 2002, p. 413);

c) “convertê-la em perdão puro e simples” (MIRABETE, 2002, p. 413); 

Em face do exposto, analisa-se que a remissão poderá ser um instrumento eficiente para o tratamento do ato infracional, quando observados os seus requisitos legais, mas deverá ser utilizada com cautela, de modo que não crie a sensação de impunidade nem atinja os direitos do adolescente em conflito com a lei.

8. O retrato do adolescente em conflito com a lei: levantamento estatístico dos atos infracionais processados na cidade de Lages-SC, no ano de 2005

Como objetivo geral do presente Trabalho de Conclusão de Curso visa possibilitar um diagnóstico situacional sobre o perfil do adolescente em conflito com a lei e as circunstâncias que envolvem o ato infracional na cidade de Lages-SC, no ano de 2005, mediante um levantamento estatístico dos processos de ato infracional tramitados em nessa cidade e ano, a fim de que se implementem políticas adequadas de prevenção, proteção, reeducação e reintegração social.

Como objetivos específicos objetiva-se:

1.Trazer à sociedade o perfil do adolescente em conflito com a lei na cidade de Lages, para conhecê-lo e poder ressocializá-lo;

2. Analisar as medidas socioeducativas aplicadas a cada processo de ato infracional, para comparar quais delas são mais eficazes e cumprem o seu fim de ressocialização do infante;

3. Discutir medidas de prevenção ao desvio social de adolescentes, atendo ao disposto na legislação constitucional e infraconstitucional;

A pesquisa foi realizada por amostragem, utilizando-se a técnica de pesquisa documental na fase de coleta de dados e a pesquisa bibliográfica para análise das informações coletadas. E o método de abordagem utilizado foi o dialético.

Assim, com base nos dados dos processos analisados, obteve-se conhecimento dos seguintes dados:

a) tipos penais dos atos infracionais cometidos na cidade de Lages-SC, no ano de 2005;

b) medidas socioeducativas aplicadas a cada autor de ato infracional;

c) idade dos autores de atos infracionais;

d) sexo dos autores de atos infracionais;

e) bairro de origem dos adolescentes autores de atos infracionais;

f) bairro que os atos infracionais foram praticados;

g) se o bairro é de origem do adolescente autor de ato infracional é igual ao bairro em que o ato infracional foi cometido nível de escolaridade dos autores de atos infracionais;

h) se os autores de atos infracionais freqüentavam instituição regular de ensino à época dos fatos;

i) se os autores de atos infracionais possuíam atividade laborativa à época dos fatos;

j) se os autores de atos infracionais consumiam bebida alcoólica;

k) se os autores de atos infracionais faziam uso de substancias entorpecentes;

l) nível de reincidência;

Durante os meses de fevereiro a abril de 2011 foi realizado o levantamento estatístico de 83 (oitenta e três) processos de apuração de ato infracional, processados na cidade de Lages-SC em 2005, perante a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lages – SC, onde figuraram 113 (cento e treze) adolescentes autores de atos infracionais.

Por fim, com base no retrato destes adolescentes, busca-se auxiliar a boa aplicação das medidas sócio-educativas e discutir medidas de prevenção ao desvio-social infanto-juvenil, atendendo ao disposto na legislação constitucional e infraconstitucional.

8.1. Tipos penais dos atos infracionais cometidos na cidade de Lages-SC, no ano de 2005

Como mencionado alhures, foram analisados 83 processos de apuração de ato infracional, onde constam que 113 adolescentes cometeram 125 atos infracionais.

Constatou-se, mediante a pesquisa documental, que os atos infracionais de maior incidência foram a lesão corporal, com 25,6%, e o furto, com 20,8%. Seguidos pelos atos infracionais de ameaça, com 10,4%; de vias de fato, com 9,6%; de perturbação do sossego ou trabalho, com 6,4%; de dano, com 5,6%; de direção de veículo automotor sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação e de injúria, ambos com 4,8%; de roubo e constrangimento ilegal, ambos com 2,4%; de violação de domicílio e sonegação de estado de filiação, ambos com 1,6%; de receptação, e os atos infracionais previstos no art. 24, 24 e 61 do Decreto Lei nº 3.688/1941 e art. 16 da Lei nº 6.368/1976, ambos com 0,8%. Como se analisa no gráfico a seguir:

Preocupante a ampla incidência de atos infracionais graves como a lesão corporal, mesmo que considerada leve, pois atos mediante violência física direta não deveriam ser praticados por adolescentes.

De outro vértice, analisa-se a vasta ocorrência de atos infracionais contra o patrimônio, como o furto (20,8%), o dano (5,6%) e o roubo (2,4%), totalizando 28,8% dos atos infracionais praticados.

Os atos infracionais contra a liberdade individual, como a ameaça e o constrangimento ilegal, também se mostraram freqüentes, com índice de 12,8% dos atos infracionais examinados.

8.2. Medidas socioeducativas aplicadas a cada autor de ato infracional

Como já mencionado foram analisados 83 processos, nos quais figuram como autores de atos infracionais 113 adolescentes, e examinou-se a situação exposta no gráfico a seguir:

Dos 113 adolescentes em conflito com a lei, verificou-se a medida socioeducativa mais aplicada foi a advertência.

Com menor incidência foram aplicadas as medidas: de liberdade assistida, com 4%; prestação de serviços a comunidade, com 2%; internação, com 1%.

A medida socioeducativa de reparação de danos e semi-liberdade não foram aplicadas em nenhuma situação.

Entretanto, analisou-se um alto índice de processos arquivados sem a aplicação de medida socioeducativa e sem a devida averiguação da materialidade e/ou da autoria do delito.

Percebe-se, de certo modo, um descaso do Poder Público (executivo e sistema de justiça, onde se inclui o Judiciário e o Ministério Público) com o adolescente em conflito com a lei, pois a finalidade maior da medida socioeducativa não é punir, mas sim educar e ressocializar o adolescente, para que possua um desenvolvimento saudável em família, comunidade e sociedade.

Pois, não se mostra exacerbado aplicar uma medida, por exemplo, de prestação de serviços a comunidade a um adolescente que praticou ato infracional, desde que por meio desta o adolescente compreenda a gravidade do seu ato, não reincida e possa ter garantido o seu pleno desenvolvimento como cidadão.

Deste modo, entende-se que os juízes, promotores e demais profissionais competentes para atuar em questões atinentes a infância e juventude, deverão desprender uma maior atenção aos adolescentes em conflito com a lei. Assim, deverá ser analisada a situação familiar, social e escolar, além de todos os pormenores que poderão identificar as razões que levaram esses jovens à delinquência e buscar meios para a sua reinserção na sociedade.

8.3. Idade dos adolescentes analisados nos processos consultados

Analisa-se do quadro a seguir:

Para a confecção dessa estatística foram consultados 83 processos e 113 adolescentes. Nesse quesito, visa-se identificar qual a idade dos adolescentes autores de ato infracional e qual a idade apresenta maior índice de jovens em conflito com a lei.

Notou-se uma maior incidência de adolescentes de 17 e 16 anos de idade, respectivamente com índice de 45% e 24%, em conflito com a lei.

O adolescente poderá estar em conflito com a lei em qualquer idade, e em qualquer idade é preocupante que o jovem encontre-se delinqüindo. Todavia, notou-se certa negligência do poder judiciário ao arquivar alguns processos sob o argumento de o adolescente ter completado a maioridade (18 anos) durante o curso processo.

Entretanto, frisa-se, nos termos do §5º do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que o adolescente será liberado compulsoriamente ao completar 21 anos do cumprimento da medida socioeducativa, e não aos 18 anos. Ademais, o parágrafo único do art. 2° dispõe que “nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade”.

Preceitua o parágrafo único do art. 104 que para efeitos da incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerar-se-á a idade do adolescente à época dos fatos.

Neste sentido decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao julgar recurso de agravo da Comarca de Capanema (ac. n° 7.313, rel. Des. Angelo Zattar, j. 21/08/95):

“AGRAVO – PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL PRATICADO POR MENOR – PEDIDO DE EXTINÇÃO EM RAZÃO DE HAVER AQUELE COMPLETADO DEZOITO ANOS DE IDADE – IMPOSSIBILIDADE POR PERMANECER SUJEITO À ATUAÇÃO DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – ARTIGO 104, § ÚNICO, DO ECA – ARTIGO 125, § 5°, ECA – ARTIGO 228, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ARTIGO 27, DO CÓDIGO PENAL – ORDEM DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR – INTERNAÇÃO PROVISÓRIA – DECISÃO – FUNDAMENTAÇÃO – AUSÊNCIA – REVOGAÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.”

Na interpretação do artigo 104, § único, artigo 125, § 5º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 228, da Constituição Federal e artigo 27, do Código Penal, decorre o posicionamento de que, se o adolescente completar 18 anos antes de instaurado o procedimento socioeducativo ou sem ter sido executada a medida, permanecerá sujeito à atuação do Juízo da Infância e da Juventude. Revoga-se a decisão que determinou a expedição de mandado de busca e apreensão de adolescente, para internação provisória, quando carente de fundamentação.

Entende-se que a aplicação de medida socioeducativa ao adolescente em conflito com a lei, que durante o curso do processo atingiu a maioridade civil e penal, é edificante, salutar e aconselhável, pois ao mesmo tempo impedirá o falso juízo que não poderá ser atingido pela lei, e ajudará a aperfeiçoar esse jovem, possibilitando a ele ser auxiliado do seu desenvolvimento educacional e profissional, além de sua reinserção na sociedade.

Outrossim, examina-se que é com o aumento da idade, também, eleva-se o índice de adolescentes autores de ato infracional. Averigua-se, talvez, uma falha do poder público, da sociedade, da comunidade e da família em proteger e garantir os direitos garantidos pela CRFB/88 e da Lei nº 8.089/1990 à criança e ao adolescente, evitando que estes entrem para o mundo da criminalidade.

8.4. Gênero dos adolescentes em conflito com a lei

Verifica do gráfico acima uma discrepância entre o índice de adolescente do sexo masculino e do feminino em conflito com a lei. Os jovens do sexo masculino se mostram mais propensos a violência e a prática de atos infracionais.

8.5. Nível de Escolaridade dos Adolescentes nos processos objetos da pesquisa

Um fator fundamental para compreender a delinquência infanto juvenil é analisar a escolaridade dos adolescentes em conflito com a lei.

Nota-se que a maioria dos adolescentes em conflito com a lei possui baixo nível escolar (58%). Ademais comparado com a estatística que analisou a idade do adolescente que praticou ato infracional, verifica-se que grande parte desses adolescentes deveria cursar o 2° grau.

O baixo grau de instrução é um grave problema, pois prejudicará o bom desenvolvimento e um futuro próspero desses adolescentes. Não necessariamente o adolescente que possuí baixo nível escolar cometerá ato infracional, mas ele estará mais propenso a mundo da criminalidade.

8.6. Frequência escolar dos adolescentes em conflito com a lei

Este quesito é intimamente ligado ao anterior, mas buscou especificamente avaliar se à época do ato infracional o adolescente em conflito com a lei frequentava a escola.

É importante apurar se o adolescente estava estudando ou não quando cometeu o ato infracional, pois se verificado o seu afastamento da instituição educacional, busque-se o seu retorno. E o juiz, promotor e todos os envolvidos na apuração de ato infracional deverão se ater a esse detalhe, o qual não poderá ser esquecido em nenhuma hipótese.

A pesquisa se realizou com base nas alegações dos próprios adolescentes nos autos de apuração de ato infracional.

Apesar de 45% dos adolescentes afirmarem que frequentam instituição regular de ensino, não há nos autos qualquer prova (documento de matrícula e atestado de frequência escolar) que corrobore tal alegação.

De outro vértice, analisa-se que as estatísticas de adolescentes que não frequentavam a escola (34%) e nos processos que não havia menção de tal situação (21%), juntas superam em 10% o índice de adolescentes matriculados em escola.

Esse fato é preocupante, pois a primeira medida para reinserir o adolescente na sociedade deveria ser trazê-lo para a escola, garantindo e possibilitando o seu desenvolvimento educacional.

8.7. Índice de adolescentes autores de ato infracional que possuem atividade laborativa

Deve-se conhecer todas as peculiaridades desse jovem, pois somente dessa forma se conseguirá a correta aplicação das medidas socioeducativas. Deste modo, faz-se essencial analisar se o adolescente possui atividade laborativa.

Mediantes os dados colhidos, analisa-se a seguinte situação:

Averigua-se que 38% dos adolescentes não trabalhavam à época que cometeram o ato infracional. Em 36% dos casos, não havia dados que comprovassem se adolescente exercia atividade laborativa ou não. E somente 26% dos adolescentes encontravam-se empregados.

Em estudo intitulado “O Perfil Socioeconômico do adolescente em conflito com a lei atendido pelo Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, sob a coordenação de Rosângela Fátima Penteado Brandão, observa-se:

O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal fazem expressa referência ao dever de se promover programas de assistência integral em favor da criança e do adolescente, visando sua inserção na sociedade de forma sadia, a sua integração comunitária, a sua participação nos processos de educação, de capacitação para o trabalho, entre outros direitos, através de medidas de proteção. Assim sendo, o adolescente envolvido com o ato infracional merece atenção especial, buscada através do respeito e do diálogo. Consequentemente, a compreensão desses adolescentes atendidos pelo NEDIJ é condição essencial para o desenvolvimento de ações educativas voltadas para essa população específica, bem como para ações preventivas pretendidas pelo Núcleo, que busca fundamentalmente a garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes (Disponível em: <200.135.112.124/seurs/anais/Direitos%20Humanos%20e%20Justi%C3%A7a/Oficinas/UEPG/O_PERFIL_SOCIOECON%C3%94MICO_DO_ADOLESCENTE_EM_CONFLITO_COM_A_LEI_ATENDIDO_PELO_NEDIJ.pdf>).

Assim, durante o processo de averiguação de ato infracional, os profissionais envolvidos devem apurar a essa situação, e verificando que o adolescente não se encontra desenvolvendo atividade laborativa poderá inseri-lo no mercado de trabalho e/ou em cursos profissionalizantes, observadas as disposições do art. 60 e seguintes da Lei nº 8.069/1990.

8.8. Índice de adolescentes autores de ato infracional que consomem bebida alcoólica e daqueles fazem uso de substâncias entorpecentes

Atualmente, o alcoolismo e a drogadição no meio infanto juvenil é um problema grave e crescente na sociedade brasileira, levando, em diversos casos, adolescentes à prática de atos infracionais.

No livro Adolescente Infrator: prestação de serviços à comunidade, Flávio Cruz Prates (2001, p. 69) disserta que o adolescente por sua curiosidade, ímpeto, rebeldia e necessidade de “romper com padrões e regramentos preestabelecidos” é um alvo fácil diante da persuasão para experimentar bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes. Essas substâncias para muitos jovens representam fonte inesgotável de satisfação e prazer, possibilitando uma fuga da realidade. Ademais, há o falso juízo que o uso de álcool e tóxicos trará ao adolescente status de alguém vigoroso, atraente, destemido e distinto dos demais, possuidor de uma personalidade forte.

Diante da falta de dialogo no meio social e, portanto, do desconhecimento dos efeitos nocivos do álcool e das drogas ilícitas, muitos adolescentes se rendem à tentação, dividem da experiência com os seus similares e, por razões evidentes escondem de seus pais ou responsáveis (PRATES, 2001, p. 70).

A utilização dessas substâncias pode motivar ou poderá ser a causa da prática do ato infracional.

A embriaguez será um agente impulsionador/motivador, por exemplo, quando estiver embriagado e praticar um ato infracional de lesão corporal; talvez se o jovem não estivesse sobre o efeito da embriaguez, não cometeria esse ato, não teria coragem de ofender a integridade de outrem.

Um exemplo de quando a utilização de substâncias entorpecentes será a causa da prática de um ato infracional, é quando o jovem furta ou rouba para ter condições de comprar droga.

Deste modo, faz-se essencial averiguar se os adolescentes em conflito com a lei consomem bebida alcoólica ou utilizam algum tipo de tóxico, para que se possibilite o seu tratamento além da aplicação da medida socioeducativa, se for o caso.

Na presente pesquisa, notou-se que 49% dos adolescentes analisados afirmaram que não consomem bebida alcoólica e 55% que não usam substâncias entorpecentes.

Apenas 11% dos jovens admitiram que utilizam bebida alcoólica e 6% que fazem uso de tóxicos.

Em aproximadamente 40% dos casos não havia informações nos autos que pudessem indicar o uso dessas substâncias pelos adolescentes. Como se examina dos gráficos abaixo:

Assim, os profissionais atuantes na apuração do ato infracional deverão estar atentos a essa situação, analisar se o adolescente está consumindo bebida alcoólica ou substâncias psicoativas, de modo a buscar o devido tratamento desse jovem, mediante emprego medida protetiva de tratamento médico ou inclusão em programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, nos termos dos incisos V e VI do art. 101 da Lei nº 8.069/1990.

8.9. Horário em que o ato infracional foi praticado

A presente pesquisa também buscou determinar em quais horas foram cometidos os atos infracionais, conforme mostra o quadro a seguir:

Percebe-se uma maior incidência de atos infracionais a partir das 16 até as 23 horas. 

Preocupante o índice de que os atos infracionais cometidos em horários não tão tardios, períodos que esses jovens poderiam estudar ou trabalhar, inseridos em atividades produtivas eficazes para mantê-los longe das ruas e da criminalidade.

8.10. Bairro de origem do adolescente e bairros onde foram cometidos os atos infracionais

É essencial conhecer o bairro de origem dos adolescentes em conflito com a lei, o bairro em que o ato infracional foi praticado e posteriormente analisar se o bairro onde o jovem reside é o mesmo onde ele comete o ato infracional.

O quadro a seguir mostra os bairros de origem dos adolescentes autores de ato infracional:

Nota-se que não há uma concentração em uma única região, esses adolescentes são provenientes de todos os bairros da cidade, bairros de periferia e bairros de classe média e alta.

No próximo gráfico se avalia o bairro onde os adolescentes cometeram os atos infracionais:

O gráfico acima mostra que a prática de atos infracionais teve maior incidência nos bairros Centro (13), Santa Catarina (9), Coral (8) e Universitário (8). Todavia, os atos infracionais ocorreram por vários bairros da cidade, sem larga incidência em determinada região.

Ademais, foram comparadas as duas informações. Em cada caso analisou-se se o bairro onde reside o jovem é o mesmo onde ele cometeu o ato infracional. Obteve-se o seguinte resultado:

Desta forma, examina-se que em 56% dos casos o adolescente não comete o infracional no seu bairro de origem, longe da sua comunidade e do seu seio familiar. Nesse contexto, é importante trazer esse jovem para a sua comunidade e para família e aplicar uma medida socioeducativa que atinja esse objetivo.

A medida socioeducativa de prestação de serviços a comunidade poderia ser utilizada amplamente nesses casos, levando o jovem a prestar serviços para a sua comunidade, como por exemplo, pintando o muro de uma escola municipal/estadual do seu bairro.

8.11. Nível de Reincidência após a Imputabilidade Penal      

Por fim, faz-se essencial analisar a reincidência dos adolescentes pesquisados em sua vida adulta.

Foi averiguado o nível de reincidência em cada medida socioeducativa aplicada 

Nos processos de apuração de ato infracional em que foi aplicada ao adolescente a medida socioeducativa de advertência, examinou-se a seguinte situação:                                               

Na medida de prestação de serviços à comunidade foi aplicada somente a dois adolescentes  em conflito com a lei e se verificou 50% de reincidência, consoante a analise do gráfico abaixo:

Quanto a medida socioeducativa de liberdade assistida apresentou 75% de reincidência, desta forma, apenas 25% dos jovens submetidos a essa medida não voltaram a delinqüir. Tal conjectura se mostra preocupante, pois a referida medida pressupõe o acompanhamento, orientação e aconselhamento continuo do adolescente, reinserindo-o no na família e no meio comunitário, buscando o seu retorno a escola e a sua inserção no mercado do trabalho. Concluí-se, portanto, que a medida de liberdade não está surtindo os efeitos desejados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

No tocante à medida socioeducativa de privação de liberdade se averiguou total reincidência, pois no único caso em que foi aplicada, o adolescente voltou a delinquir, apresentando-se inexitosa no seu objetivo de recuperar do jovem em conflito com a lei.

E por fim, nos autos de apuração de ato infracional em que se promoveu o arquivamento se observou índice de 25% de adolescentes quando se tornaram adultos cometeram crimes.

O Promotor de Justiça e o Juiz de Direito da Infância e Juventude devem evitar arquivar tais processos, não para evitar o estigma da impunidade, mas sim em razão que o adolescente tem o direito ao devido processo legal, mostra-se mais benefico ao adolescente ter extinta sua punibilidade pela inocência, do que ter o seu processo arquivado por insuficiência de provas.

Vá-se ao gráfico:

Ademais, há a possibilidade de se examinar, durante o curso do processo, que o adolescente da aplicação de uma das medidas protetivas elencadas no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, haja vista que o adolescente em conflito com a lei carece especial atenção do Poder Público e deverá ter seus todos direitos observados.

9. A Correta Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente: propostas de medidas de prevenção e tratamento ao ato infracional

O Estatuto da Criança e do Adolescente, como já exposto no primeiro capítulo da presente monografia, adotou a Doutrina da Proteção Integral (art. 4), já consagrada nos art. 227 e 228 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conferindo à criança e ao adolescente a condição de sujeito de direitos e prioridade absoluta; tendo a família, a comunidade, a sociedade e o Estado responsabilidade pela sua proteção.

Importante ressaltar que crianças e adolescentes deverão ser tratados de forma respeitosa e digna, mesmo aqueles que se estejam em conflito com a lei (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 1999, p. 95).

A criminalidade infanto adolescente é um reflexo da profunda desestruturação familiar, social e do Estado, que falham e cumprir os direitos assegurados na CRFB/1988 e na legislação infraconstitucional, desta forma os adolescentes em conflito com a lei carecem especial atenção.

Ademais, conforme afirma João Batista Costa Saraiva (disponível em <www.mp.rs.gov.br>. Acesso em 15/05/2011), que “o modelo preconizado pelo ECA é totalmente eficaz e adequado, e estão aí as experiências onde houve uma efetiva aplicação […], responsabilizando e recuperando jovens.

Averigua-se que existem inúmeras falhas, mas não são falhas de legislação. O erro está, principalmente, na falta de observância dos direitos da criança e do adolescente, na incorreta aplicação da Lei nº 8.069/1990 aos adolescentes autores de ato infracional, na falta de investimentos nesta área, na escassez de organizações próprias e especializadas para o trato de adolescentes em confronto com a lei.

E por meio da criação de políticas governamentais que visem a eficaz aplicação da CRFB/1988 e da Lei nº 8.069/1990, além da concreta articulação dessas políticas com a sociedade civil organizada, poderá conquistar-se avanços expressivos na prevenção e tratamento da delinquência infanto adolescente.

As medidas de prevenção e tratamento ao desvio social infanto juvenil devem ser mais amplas e distintas daquelas aplicadas aos penalmente imputáveis, buscando prioritariamente a prevenção e o aprimoramento do controle social informal, e menos na punição; assim a medida socioeducativa deverá ser máxima no seu caráter pedagógico e mínima no seu caráter punitivo (JESUS, 2006, p. 153).

9.1. Medidas de Prevenção ao Ato infracional

No Brasil, as medidas de prevenção à delinquência infanto adolescente são pouco priorizadas, entretanto, é fundamental que o Estado e a sociedade comecem considerar sua importância como forma de combate a esse problema social.

Um dos enfoques da prevenção à delinquência infanto adolescente deverá ser a municipalização da segurança pública, respeitando as limitações constitucionais, visando políticas públicas capazes de interceptar os fatores geradores da criminalidade e da violência, produzindo efeitos a curto prazo. Tais políticas deverão combater o problema da violência, deverá voltar-se a questões como a delinquência infanto adolescente, violência doméstica, recrutamento pelo tráfico, maternidade precoce e tantos outros problemas conexos. Buscar-se-á medidas especiais para o tratamento de cada questão, sensível as suas particularidades (JESUS, 2006, p. 167).

A gestão municipal da segurança pública deverá facilitar o envolvimento dos agentes oficiais com a comunidade. Ademais, o município por estar próximo dos problemas e dos fatores que os geram, terá maior facilidade para compreendê-lo e enfrentá-lo de forma eficaz (JESUS, 2006, p. 167).

Outro meio de prevenção do ato infracional é o Protagonismo infanto adolescente. Em suma, deverá compreender o adolescente como “protagonista da transformação da sua realidade”, fazendo-o perceber que é responsável por si mesmo e por suas relações interpessoais. “O protagonismo é o agir consciente, autônomo e transformador a partir do reconhecimento de que o bem-estar individual é parte de um bem-estar comum”(JESUS, 2006, p. 171-172).

Desta forma, protagonismo deverá ser compreendido como a participação da criança e do adolescente no amoldamento e na execução da solução educativa que se sugere, ou seja, sua reintegração ocorrerá paralelamente à aquisição de uma consciência cidadã participativa e solidária (JESUS, 2006, p. 172).

 Para ser plausível a prevenção criminal infanto adolescente por meio da municipalização da segurança pública e da promoção do protagonismo, a atuação da escola deverá ser reavaliada e ampliada, pois a educação é um meio eficaz de combate à criminalidade infanto adolescente e à desigualdade social (JESUS, 2006, p. 174).

Para Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Procurador de Justiça do Paraná (disponível em <www.mp.rs.gov.br>. Acesso em 13/05/2011):

Na perspectiva da formação de verdadeiros cidadãos, o processo educativo deve atender a propósitos de valorização do ser humano, de seu enriquecimento no campo das relações interpessoais, de respeito ao semelhante e, identicamente, de desenvolvimento do senso crítico, da responsabilidade social, do sentimento participativo, da expressão franca e livre do pensamento, enfim, constituindo-se a escola em espaço democrático propício ao desenvolvimento harmônico do educando.

Destarte, a escola deverá ser um ambiente integrador que proporcione o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, a transmissão de conhecimento, além de possibilitar a formação de crianças e adolescentes protagonistas. A escola deverá ser constituída como “instituição multissetorial e interdisciplinar, aberta à comunidade e à família” (JESUS, 2006, p. 174).

Insta salientar que é fundamental que a escola se transforme em um espaço comunitário, buscando a conexão da família, da sociedade e do Estado com as crianças e adolescentes, incentivando a participação social e política, tornando-se meio para o desenvolvimento da cidadania.

A escola como ambiente de integração, desenvolvimento e prevenção social deverá oferecer às crianças e adolescentes programas de combate às drogas e condutas preventivas e, também, proporcionando atividades de esporte, lazer, cultura, saúde e informações profissionais, mediante parceria com entidades públicas, privadas e comunitárias.

Para Simone Gonçalves de Assis e Edinilsa Ramos de Souza (Spergel e Curry,1990 apud disponível em <www.mp.rs.gov.br>. Acesso em: 15/05/2011) observam que a prevenção do ato infracional terá que se basear quatro estratégias de ação:

a) Organização comunitária: mobilizando toda a comunidade para criar uma rede de suporte para estes jovens;

b) Intervenção social: em que profissionais das áreas de psicologia, direito, assistência social, educadores, entre outros atuem diretamente com os jovens em risco para a delinqüência;

c) Criação de oportunidades: vagas de empregos, educação e capacitação profissional aos jovens em risco;

d) Repressão: estratégias legais que visam a fortalecer a segurança pública.

Outrossim, há que se reconhece a importância da família e da escola na implementação de programas de prevenção, com a primeira operando desde a infância e a segunda introduzindo modificações no currículo escolar, treinando seus educadores, introduzindo programas de aconselhamento e trabalho voluntário (ASSIS; SOUZA; disponível em <www.mp.rs.gov.br>. Acesso em: 15/05/2011).

Diante do exposto, examina-se que para prevenir os atos infracionais é fundamental, primeiramente, conhecer os motivos que levam o seu cometimento e, depois, buscar medidas de segurança pública eficazes ao seu combate. Outros fatores importantes para combater a delinquência infanto adolescente são a valorização dos laços familiares e comunitários, o protagonismo infanto adolescente e a ampliação da função da escola no meio social.

9.2. Medidas de Tratamento à Delinquência Infanto Adolescente

Quando as medidas de prevenção ao ato infracional não evitarem a delinquência infanto adolescente, será necessária a aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A política criminal adotada para combater a delinquência infanto adolescente e recuperar os adolescentes em conflito com a lei será um sistema flexível de medidas protetivas e/ou socioeducativas, objetivando proteger, educar, e, se necessário, punir, para melhor prevenir as práticas antissociais (JESUS, 2006, p. 153).

Nesse sentido, posiciona-se Elcio Resmini Meneses, Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Bento Gonçalves-RS (diponível em: <www.mp.rs.gov.br>):

“Se partirmos de uma abordagem ampla de educação, entendendo-a como valoração, então poderemos visualizar pedagogia nas medidas a serem aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei. A educação do ser humano estende-se pela vida, sustentada em alguns pilares, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. Se as medidas educativas não estiverem relacionadas a tais aprendizados, são meramente legais, e, então sim, somente retributivas. Embora a induvidosa importância dos dois primeiros pilares para a formação da cidadania, aos dois últimos, aprender a ser e aprender a viver juntos, devem estar engajadas as medidas socioeducativas: aprender à convivência comunitária, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências, em projetos comuns, preparando-se para gerir conflitos, com respeito ao pluralismo, em busca da compreensão mútua e da paz; aprender a ser, desenvolvendo a personalidade, em busca de uma maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Ao ter a meta de contribuir com a edificação de tais pilares no adolescente em conflito com a lei, a medida que se diz retributiva terá, então, cumprido sua finalidade educativa.”

Assim, a medida socioeducativa, que tem natureza retributiva e conteúdo pedagógico. Entretanto, a ressocialização do adolescente se encontra mais no caráter educativo da medida, do que na punição pura e simples.

Vale enfatizar que a resposta à prática de ato infracional por parte de adolescentes deverá estar embasada pelo de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, cuja conduta demonstra precocidade bio-psicológica. E pondera Olympio de Sá Sotto Maior Neto (disponível em: <www.mp.rs.gov.br>):

“Nesse rumo e em se tratando de adolescentes autores de ato infracional, as medidas carecem atender a um conteúdo educativo, capaz de auxiliar o jovem a superar os conflitos próprios da chamada crise da adolescência, singularmente marcada pelo insurgimento contra os padrões sociais estabelecidos e, em assim sendo, determinante das transgressões aos comandos legais. As denominadas ‘infrações em razão de sua condição’ (cuja incidência será tanto maior se, além das dificuldades de ordem psicológica, comparecerem também as provenientes da falta ou carência de recursos materiais, isto é, da miséria ou da pobreza) reclamam a intervenção no sentido da orientação, assistência e reabilitação, buscando-se alcançar o inerente potencial dirigido à sociabilidade e cidadania”.

Quando bem aplicada a medida socioeducativa ajuda o jovem a repensar suas atitudes, a refazer seu projeto de vida, a recuperar seus sonhos e esperança em si mesmo. “Trata-se de uma pedagogia da disciplina necessária à defesa da vida numa sociedade democrática, fraterna e solidária” (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente: Comitê Gaúcho Contra a Redução da Idade Penal, disponível em: <www.mp.rs.gov.br>).

E para que haja a correta aplicação da medida socioeducativa a cada adolescente em confronto com a lei, é necessário que o Promotor e o Juiz da Infância e Juventude e demais operadores sociais busquem conhecer quem é o jovem que a eles se apresenta.

Averiguar quem é o adolescente delinquente, as razões que o levaram a cometer o ato infracional, sua situação socioeconômica, o meio social onde vive, como está estruturada sua família, se frequenta a escola, se possui atividade laborativa, se consome bebida alcoólica, se faz uso de alguma substância entorpecente e entre outras questões é imprescindível para a correta aplicação do preceituado na Lei nº 8.069/1990.

A medida socioeducativa só surtirá os efeitos pretendidos se observado o espírito preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, a medida justaposta ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as suas circunstâncias pessoais e a gravidade da infração.

E para João Costa Saraiva, a (disponível em <www.mp.rs.gov.br>):

questão toda se funda na incompetência do Estado na execução das medias socioeducativas previstas na Lei, a inexistência ou insuficiência de programas de execução de medidas em meio aberto e a carência do sistema de internamento (privação de liberdade), denunciado diariamente pela imprensa, com raras e honrosas exceções. […]

Estatuto é a receita, que a nós cumpre aviar. Em resumo: falhas há e são graves, mas não são falhas de legislação”.

Concomitante à aplicação da medida socioeducativa poderá ser empregada quaisquer das medidas de proteção elencadas no art. 101 da Lei nº 8.069/1990, quando verificada alguma situação que enseje a sua aplicação.

E para que se avalie a incidência cogente da medida protetiva far-se-á uso da Perícia Social, podendo ser advinda de uma equipe interprofissional, onde se incluem o assistente social, o psicólogo, o pedagogo, o sociólogo, o médico, entre outros de áreas afins (DAL PIZZOL, 2003, p. 71).

Conforme ponderação de Alcebir Dal Pizzol (2003, p. 90):

“aos peritos judiciais compete estudar os fatos e suas conseqüências para o adolescente, sua família e comunidade, cada qual sob o enfoque profissional, sugerindo ao magistrado, se couber, a melhor medida a ser aplicada e informando os comunitários disponíveis. Fica ao juiz a tarefa de julgar e, quando for o caso, determinar a melhor medida a ser adotada”.

 Observa-se que mediante estudo social ou perícia interprofissional, os profissionais do sistema de Justiça Infanto Adolescente deverão, primordialmente, manifestar-se sobre a medida mais compatível com os interesses e desenvolvimento do adolescente em conflito com a lei, para que se atinja efetiva a recuperação/educação/inclusão/reinserção deste, restaurando a sua convivência familiar e comunitária (PIZZOL, 2003, p. 91).

Consoante o exposto, verifica-se que a escolha da medida socioeducativa a ser aplicada ao adolescente não está vinculada ao ato infracional, mas sim à qual medida proporcionará a devida recuperação/ressocialização, mediante a observância de todos os fatores (personalidade, situação socioeconômica, etc.) atinentes à vida deste jovem.

Insta salientar que não há medida socioeducativa mais ou menos eficaz, pois todas aquelas dispostas no art. 112 da Lei nº 8.069/1990 são aptas a recuperar/educar/ressocializar o adolescente, desde que observados os requisitos preconizados pela mencionada lei.

Todavia, a delinquência infanto adolescente não é apenas um problema jurídico, mas, também social, econômico, educacional e cultural, assim não cabe somente ao judiciário promover a efetivação dos direitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais das crianças e adolescentes, devendo haver um esforço conjunto da família, da comunidade/sociedade e do Estado para o tratamento desses jovens em conflito com a lei.

Com advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, e com a adoção da Doutrina da Proteção Integral, reconheceu-se à necessidade de entender a delinquência infanto adolescente e averiguar falhas da família, da comunidade, da sociedade e do Estado. É impossível ignorar o problema da delinquência infanto adolescente, que se multiplicou e atingiu a sociedade como um todo, portanto, é imperioso que se busquem medidas eficientes de prevenção e tratamento ao ato infracional.

Conclusão

O Estatuto da Criança e do Adolescente está de acordo com a Doutrina da Proteção Integral, consagrada pela Constituição da República Federativa do Brasil/1988, conferindo à criança e ao adolescente a condição de sujeito de direitos, garantindo-lhe prioridade absoluta, responsabilizando-se pela sua proteção a família, a comunidade, a sociedade e o Estado.

Insta salientar, que todas as crianças e adolescentes devem ser tratados com respeito e dignidade, principalmente aqueles em conflito com a lei.

Os autores de atos infracionais são a representação da desestruturação familiar e social, e por essa razão merecem maior atenção e cuidado da família, da comunidade, da sociedade e do Estado.

Para que se possa prevenir o ato infracional, é preciso conhecer o seu autor de modo a se tomar medidas de prevenção.

Para o correto tratamento do adolescente em conflito com a lei, também, é necessário conhecê-lo, pois a eficácia da medida socioeducativa não está atrelada somente à natureza do ato infracional praticado, mas também as circunstâncias e características do jovem que o praticou.

 A presente monografia visou traçar um perfil do adolescente em conflito com a lei na cidade de Lages-SC, no ano de 2005, procurando conhecer esse adolescente, descobrir os atos infracionais mais praticados e avaliar algumas circunstâncias atinentes ao seu cometimento, além de averiguar posterior reincidência após a imputabilidade penal.

Deste modo, obteve-se que a maioria dos adolescentes em confronto com a lei: eram do sexo masculino, tinham 17 anos à época do cometimento do ato infracional, tinham 1° grau incompleto, frequentavam a escola, não trabalhava, não consumiam bebida alcoólica, não usavam substâncias entorpecentes, moravam nos bairros da periferia da cidade.

Apesar da maioria dos adolescentes afirmarem que frequentam a escola, é preocupante o número de jovens fora do ambiente escolar. Pois, a frequência escolar do adolescente, a redução do tempo vago com atividades pedagógicas complementares/atividades de acompanhamento/curso profissionalizantes, a qualidade do ensino e os atrativos que o estabelecimento pode proporcionar são fundamentais para a prevenção e tratamento de condutas inadequadas.

Conforme mencionado alhures, a maioria dos adolescentes não possui atividade laborativa. Deste modo, é importante a inserção do jovem em programas e ações específicas de profissionalização, conferindo-lhe uma profissão ou meios para consiga uma vaga de emprego.

A maior parte dos adolescentes asseverou que não faz uso de bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes. Entretanto, vale ressaltar que todos os adolescentes prestaram tal informação ao Promotor de Justiça e ao Juiz de Direito da Infância e Juventude, sendo natural que existisse certo receio de admitir o contrário.

Quanto ao ato infracional se averiguou que o mais cometido foi o de ameaça; o horário de maior incidência foi o das 17 horas; e o bairro onde a maioria dos atos foram cometidos foi o Centro. Ademais, analisou-se que na maioria dos casos o bairro de origem do adolescente é diferente do bairro do cometimento do ato infracional.

A medida socioeducativa mais a aplicada foi a advertência. E as medidas que apresentaram maior nível de reincidência foram a Liberdade Assistida e a Privação de Liberdade.

Independente da medida socioeducativa empregada ao adolescente em conflito com a lei, o sucesso dessa está condicionada à necessidade pedagógica do jovem e a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, além da capacidade de envolver e comprometer o Poder Judiciário, o Estado, a família e a sociedade na execução dessa medida.

A aplicação da medida socioeducativa é o momento oportunizar ao adolescente transformação e responsabilidade de ser o protagonista de sua história, com o apoio dos entes responsáveis pela sua proteção.

Analisa-se que há uma falta de estrutura e de capacitação para implementação da Doutrina da Proteção Integral e da efetivação do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que acarreta na má aplicação e execução da medida e, consequentemente, na reincidência apos a imputabilidade penal.

Com a crescente disseminação de drogas de fácil acesso na cidade de Lages, acreditava-se que o adolescente entrasse em confronto com a lei através dos tipos penais da Lei de Tóxicos. Tal hipótese não foi confirmada, haja vista que houve apenas um ato infracional da Lei de Tóxicos e só 6% dos adolescentes afirmaram que consumiam drogas.

Por fim, constatou-se que somente se conquistará avanços significativos na prevenção e tratamento à delinquência infanto adolescente com a devida aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a ampla integração de políticas públicas, através da transformação da escola em um ambiente de desenvolvimento pessoal e mediante a participação ativa da família e comunidade. A busca de soluções, sejam elas preventivas e de incidência da lei, podem variar de acordo do com a realidade local, conquanto devem ter sempre como princípio balizador a Doutrina da Proteção Integral.

 

Referências
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Nota
[1] Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.

Informações Sobre o Autor

Vanessa Kettermann Fernandes

Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina, Bacharela em Direito pela Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac, Assistente de Procuradoria de Justiça no Ministério Público do Estado de Santa Catarina


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Equipe Âmbito Jurídico

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