Quando falamos em crimes que envolvem pessoas ligadas à administração pública, geralmente só pensamos no crime de corrupção.
No entanto, além desse, há outros crimes que podem ser praticados por agentes públicos, como é o caso do crime de concussão, que estudaremos no presente artigo.
O combate à corrupção é um assunto muito discutido no Brasil. O tema ocupa boa parte dos jornais televisivos e da imprensa, sendo recorrente ser discutido em vários ambientes.
Entretanto, por mais que a corrupção seja um tipo penal mais conhecido e que popularmente abarca outros conceitos, existem outros crimes contra a administração pública e que possuem suas peculiaridades.
É o caso da concussão, crime que iremos analisar neste artigo, muito parecido com outros tipos penais, mas que se configura um delito autônomo.
Antes de mais nada, cabe analisarmos a disposição legal sobre esse crime.
O Código Penal de 1940 traz o crime de concussão em seu Título XI, dos crimes contra a Administração Pública, no Capítulo I, dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral.
Vejamos a redação do artigo 316, dada pela Lei nº 13.964, de 2019.
Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Podemos fazer um recorte da norma para identificar os principais elementos elementos do crime de concussão:
A missão do funcionário público é, principalmente, servir a coletividade com eficiência, respeito e dedicação. Atendendo assim, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Ao expropriar os bens públicos, desvirtua-se de seu propósito e acaba por ferir fatalmente uma das funções mais nobres do Estado, que é justamente a prestação de serviço com qualidade e cortesia.
A função pública não pode servir de imunidade para o agente se esconder a fim de apropriar-se do erário público. Afinal, a própria coletividade o investe de confiança para ser fiel aos ditames da moralidade.
Por tudo isso, o Código Penal brasileiro dedica um capítulo exclusivo para os crimes praticados por funcionário público contra a administração pública em geral.
Como está disposto no artigo 316 do Código Penal, a concussão é, antes de tudo, um crime contra a administração pública.
Trata-se também de um crime próprio, pois só pode ser cometido por funcionário público, ou seja, exige-se uma qualidade especial do sujeito ativo.
A definição de Funcionário Público se dá através do artigo 327 do Código Penal, que o define como quem exerce cargo, emprego ou função pública, mesmo que de forma transitória ou sem remuneração.
Ainda, equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Já o sujeito passivo do crime de concussão é o próprio Estado, de forma imediata na sua figura Administração Pública, e de forma mediata, temos o particular
O bem jurídico atingido é a própria administração pública, no que se refere ao seu patrimônio e a sua moralidade.
A conduta tipificada no crime de concussão é descrita pelo verbo exigir, que significa ordenar para que se dê uma coisa ou impor uma obrigação.
Assim, o crime de concussão possui elemento subjetivo especial, o dolo específico, pois é necessário exigir para si ou para outrem. Se ausente o dolo, torna-se o fato atípico.
Vale lembrar que não há modalidade culposa para o crime de concussão, pois só há crime culposo se houver previsão expressa a respeito, conforme o artigo 18, parágrafo único do Código Penal.
O sujeito ativo pode exigir pessoalmente a vantagem indevida, de forma direta, ou utilizar terceiros para concluir o intento criminoso, portanto de forma indireta.
Ainda, pode o sujeito ativo praticar o crime de concussão fora da função ou antes de assumi-la, desde que em razão dela. Neste caso, pode configurar crime de concussão até mesmo nas hipóteses de licença do funcionário público ou quando nomeado antes de tomar posse.
Já a vantagem indevida, a que se refere o dispositivo penal do crime de concussão, é aquela que não é obtida de forma proba, que é ilegal.
Por se tratar de um crime formal, o crime de concussão se consuma no momento da exigência da vantagem indevida. O agente efetivamente receber a vantagem indevida é mero exaurimento do crime, que será levado em conta na aplicação da pena base.
Já a tentativa é tema controverso. Autores como Nelson Hungria entendem como inadmissível. Entretanto, entende-se cabível a tentativa diante do fracionamento do iter criminis, quando o delito estiver em sua modalidade plurissubsistente, ou seja, composto por vários atos.
Por exemplo, a exigência de uma vantagem indevida por escrito admitiria tentativa, mas a exigência verbal da vantagem indevida não seria possível a tentativa.
Há ainda causa de aumento de pena, quando o sujeito ativo detém de cargo em comissão ou função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de
economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Essa majorante, prevista no artigo 327, parágrafo segundo do CP institui aumento de pena de um terço.
Os parágrafos 1º e 2º, do artigo 316, do Código Penal, preveem o excesso de exação, que são as formas qualificadas do delito de concussão.
Analisemos a redação dada pelo Código Penal:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Nos termos do parágrafo primeiro, o sujeito ativo exige um tributo ou contribuição social sabidamente indevido, ou, se devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não permite.
No segundo caso, o sujeito ativo desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos.
Com a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como Pacote Anticrime, houve uma atualização na pena do delito de concussão.
Antes, a pena base do crime de concussão era de 2 a 8 anos, e agora com a atualização passou a ser de 2 a 12 anos.
A referida lei solucionou uma questão controvertida na jurisprudência, pois o crime de concussão possuía pena mais branda do que o crime de corrupção passiva, mesmo sendo mais grave que este último.
Entretanto, é desproporcional que o crime de concussão tenha pena equivalente aos crimes de peculato, corrupção passiva, dado justamente a gravidade diversa das condutas.
Também, contrário ao princípio da proporcionalidade e, por um grave erro legislativo, o aumento da pena somente atingiu o crime de concussão pelo caput do artigo 316, não alterando a pena da forma qualificada presente nos parágrafos do mesmo dispositivo.
Assim, o excesso de exação, previsto no parágrafo 1º do artigo 316 do Código Penal, entendido como crime mais grave, ficou com a pena inalterada e menor do que a do crime de concussão, gerando um perigoso caso de desproporcionalidade.
Por fim, como a lei aumentou a pena do crime de concussão, estamos diante de uma novatio legis in pejus, que portanto não retroagirá seus efeitos.
Por mais que os crimes de peculato, concussão, corrupção e prevaricação sejam todos contra a administração pública e praticados por funcionário público, cada um possui uma distinção própria.
O peculato, previsto no art. 312 do Código Penal, ocorre quando o funcionário público, em proveito próprio ou de outra pessoa, desvia ou apropria-se de dinheiro, valor ou qualquer bem, público ou particular, de que tenha posse em função do cargo.
A conduta tipificada para esse crime é apropriar-se de dinheiro, valor ou bem móvel, de que tem a posse em razão do cargo.
Já o crime de concussão é muito parecido com o crime de corrupção passiva. A diferença basicamente está no tipo de atitude, no verbo descrito no tipo penal incriminador.
Na concussão, a lei traz como conduta criminosa o ato de exigir, ato grave e mais danoso, já no crime de corrupção passiva a lei fala em solicitar, receber ou ainda aceitar promessa.
O crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, é praticado pelo agente público que solicita ou recebe, para si próprio ou para outra pessoa de seu interesse, seja de forma direta ou indireta, alguma vantagem indevida em função do cargo que ocupa.
O crime de concussão diferencia-se da corrupção passiva, pois além de também haver solicitação de vantagem, na concussão é uma exigência que causa temor de represálias, em função do cargo exercido pelo funcionário público.
A prevaricação, por outro lado, acontece quando o funcionário retarda ou deixa de praticar, indevidamente, um ato que deveria obrigatoriamente fazer, ou quando pratica um ato de ofício contra disposição expressa da lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Estudamos neste artigo o crime de concussão, que sucintamente pode ser resumido a seguir.
O crime de concussão é praticado por funcionário público, em que este exige, para si ou para outrem, vantagem indevida, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela. É punido com pena de reclusão, de dois a doze anos cumulativamente com multa.
A exigência trazida pelo artigo está ligada a uma ideia de ordem, imposição, comando. Ainda, pode ocorrer de forma direta, pessoalmente e pelo próprio agente, ou indireta, quando o agente o faz de forma mascarada, velada, ou quando se utiliza de um terceiro para realizá-la.
É necessário, também, que o agente se valha da função de funcionário público para realizar a exigência.
Ainda, o objetivo da obtenção deve ser uma vantagem indevida, que pode estar associada à ideia de ganho, benefício, privilégio, que seja contrário ao direito, ilegal. Ainda que essa vantagem seja para um terceiro.
Ainda vimos que há uma relação de semelhança entre os tipos penais do crime de concussão e do crime de corrupção passiva.
Antigamente ocorria uma desproporcionalidade, pois a pena conferida à concussão era menor do que a da corrupção passiva, sendo esta um crime que se utiliza de meio menos grave, pois trata-se de uma solicitação e não de uma exigência.
Assim, vimos que a Lei 13.964/19 atualizou a pena do crime de concussão, equiparando-a ao da corrupção. Entretanto, destacamos nova incongruência em se dar a mesma pena para dois tipos penais cujas condutas são diferentes.
Ainda apontamos para a desproporcionalidade criada para com o crime de excesso de exação, compreendido como uma qualificadora do crime de concussão, que após a mudança legislativa, agora ficou com pena menor, sendo também um crime mais grave.
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