Direito à saúde na ordem do dia: obstáculos para a concretização do estado mínimo de saúde

Resumo: O presente artigo tem como escopo analisar a situação da garantia do direito à saúde pública no Brasil, previsto em texto constitucional. Apontar o surgimento e delimitar a questão dos direitos sociais, analisar a relação existente entre o direito à saúde e as normas programáticas que preveem uma eficácia imediata e por fim relacionar a teoria das escolhas drásticas com a situação orçamentária do Estado brasileiro, indicando os aspectos negativos dessa questão, que vem a prejudicar, sobretudo os mais pobres. [1]

Palavras-Chave: Direitos Sociais; Direito à saúde; Normas Programáticas; Escolhas Drásticas.

Abstract: This article aims to analyze the situation of the guarantee of the right to public health in Brazil, provided for in constitutional text. To point out the emergence and delimitation of the issue of social rights, to analyze the relationship between the right to health and the programmatic norms that provide for immediate effectiveness, and finally to relate the theory of drastic choices to the budgetary situation of the Brazilian State, indicating the negative aspects Of this issue, which is detrimental, especially the poorest.

Keywords: Social Rights; Right to health; Programmatic Norms; Drastic Choices.

Sumário: Introdução; 1. Direitos sociais em delimitação; 2. O direito à saúde e as normas programáticas; 3. Teoria das escolhas drásticas em prol da concretização do estado mínimo de saúde. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Os direitos sociais são aqueles que visam garantir o mínimo de dignidade à pessoa humana, esse conjunto de direitos denominados direitos de segunda dimensão foram consagrados em instrumentos internacionais como a Declaração do Homem e do Cidadão (1789) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Dentre esse conjunto de direitos fundamentais sociais, destaca-se o direito a saúde previsto na DUDH e na Constituição Federal de 1988, esse direito é considerado basilar na garantia da dignidade da pessoa humana e sua eficácia é determinada pelas chamadas normas programáticas.

É dever do Estado brasileiro garantir um serviço de saúde pública equitativo, igualitário e universal, segundo previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Por ser uma norma programática existe um grande debate em torno de sua eficácia que em tese deveria ser imediata. Porém, a situação do Sistema Único de Saúde (SUS) é caótica, reflexo da corrupção e da péssima administração. Muitas vezes o orçamento público é insuficiente para atender as demandas. É importante discutir acerca da questão do direito a saúde e das normas programáticas, e da questão da teoria das escolhas drásticas, na elaboração desse artigo foi de suma importância à busca por artigos, livros e monografias relacionados a tal tema.

1 DIREITOS SOCIAIS EM DELIMITAÇÃO

Segundo Macedo e Silva (s.d.) em meados do século XIX os direitos sociais passaram a ter maior relevância na vida dos cidadãos operários, o marco para consagração desses direitos foi a Revolução Industrial que embora alcançou o desenvolvimento econômico foi responsável por sacrificar a classe trabalhadora e os que estavam a margem da sociedade, situação que culminou em revoltas populares pela intervenção do Estado na garantia direitos que amenizassem a situação de injustiça social. Segundo Bertramello (2013) a declaração norte americana e a declaração francesa de 1789 sobre direitos humanos representaram a “emancipação histórica do indivíduo perante grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu”.

Ainda segundo Bertramello (2013), a liberdade oferecida pelo sistema liberal se mostrou fútil e ineficiente, pois devido ao avanço do sistema capitalista os trabalhadores foram “amontoados” nas fábricas sem garantias mínimas de respeito a dignidade da pessoa humana, a partir de certo ponto essa situação levou as classes trabalhadoras, influenciadas pelos ideais socialistas da época, a reivindicar a garantia de direitos humanos de cunho econômico e social. O exercício da liberdade exigia condições mínimas para tal, se não houvesse meios adequados para o exercício desse direito, não faria sentido promovê-lo. A partir dessa corrente de pensamentos surgiram os direitos sociais que estão ligados a princípios como solidariedade, chamados de direitos humanos de segunda dimensão.

Segundo Macedo e Silva (s.d.), após o reconhecimento desse conjunto de direitos, surgiu a necessidade de sua positivação durante o século XX, primeiramente foram citadas na constituição Mexicana e na Constituição de Weimar (1919), revolucionando e positivando tais direitos. Em âmbito internacional os direitos sociais foram retratados e positivados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

De acordo com Glatt e Lage (s.d.), os direitos sociais são um conjunto de direitos de caráter substantivo ou material e, em caso de violação desses direitos o mesmo também poderá ser elencado como um direito processual. Segundo Pachú (2015) os direitos à educação, saúde, alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, a segurança e previdência social, a assistência aos desamparados são previstos pela Constituição Federal de 1988, com objetivo de alcançar a justiça social e exigir ações positivas por parte do Estado. Em harmonia com o artigo 6º da Constituição Federal de 1988:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”, (BRASIL, 1988).

A primeira constituição brasileira que trouxe a tona os direitos sociais foi a Constituição de 1934 elencando principalmente o direito ao trabalho, mas a Constituição Federal de 1988 elencou uma maior quantidade de direitos, previstos em seu artigo 6º. Os direitos sociais são formados por direitos fundamentais que inerente às pessoas se configuram como direitos de segunda dimensão. Em tom de complemento, o escólio de Pachú é no sentido que:

“Direitos Sociais são direitos básicos, fundamentais do homem, visando promover a justiça social, exigindo do Estado atuação positiva como forma de atenuar as desigualdades existentes e proporcionar vida digna aos indivíduos, assegurando necessidades fundamentais de sobrevivência como saúde e educação.

Doutrinariamente, direitos sociais são conceituados como direitos de segunda dimensão, e, assim, exigindo do Poder Público, proteção e efetivação. Versam sobre direitos econômicos, culturais e sociais. Seu reconhecimento está intimamente relacionado às lutas por direitos sociais emergidas no século XX”, (PACHÙ, 2015, p. 28-29).

Ainda segundo Pachú (2015) é dever do Estado garantir a todos o acesso aos direitos sociais, sem distinção, através de políticas públicas e ações positivas por parte do Estado. Os direitos sociais são abordados também em legislações com a Lei Orgânica de Assistência social (LOAS), pelo código de Defesa do consumidor (CDC), pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e pelo Estatuto da criança e do adolescente e pelo Estatuto do idoso (GLATT; LAGE, s.d.). Ainda segundo Glatt e Lage (s.d.) precisam de maior atenção na garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais pessoas que estão na base da pirâmide econômica, pois as pessoas que estão no topo podem obter o acesso e esses recursos nas próprias relações de mercado.

Os direitos sociais foram conquistados a partir da luta dos trabalhadores, pois a princípio esses direitos eram apenas dos trabalhadores e qualquer um que não estivesse no mercado de trabalho, embora tivesse dignidade, não havia a garantia de seus direitos sociais por meio de mecanismos jurídicos. Quanto ao assistencialismo, garantidor do acesso aos direitos sociais, esse se encontra fundamentado em três objeções jurídicas: a legitimidade social, a neutralidade do Direito e o caráter de justiça (BERTRAMELLO, 2013).

Segundo Bertramello (2013, s.p.), os direitos sociais estão subdivididos em quatro grandes grupos, quais sejam “os direitos sociais dos trabalhadores, os direitos sociais de seguridade social, os direitos sociais de natureza econômica, os direitos sociais da cultura e os de segurança”. Ademais, são características dos direitos sociais o princípio da máxima efetividade, que está relacionado com a exigência e aplicação dos direitos prevista no dispositivo constitucional, a reserva do possível, trabalha a questão do limite orçamentário que o Estado possui (BERTRAMELLO, 2013). O mínimo existencial é o conjunto de direitos materiais e imateriais básicos para garantia da dignidade da pessoa humana, e a vedação do retrocesso, impede o legislador de retroceder perante os direitos sociais já conquistados.

Segundo Macedo e Silva (s.d.) os direitos sociais se compõem de princípios essenciais e direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. Através de diretrizes, deveres e tarefas a serem cumpridas pelo Estado é que são garantidos esses direitos, com objetivo de garantir aos indivíduos uma melhor qualidade de vida e assim garantir direitos como a liberdade. Os direitos sociais são aqueles que são essenciais para o exercício dos direitos fundamentais, portanto são normas basilares para o Estado Democrático de Direito.

2 O DIREITO À SAÚDE E AS NORMAS PROGRAMÁTICAS

Entende-se, de acordo com Pimenta (2012), por as normas constitucionais programáticas são aquelas cujo objetivo é buscar atender os interesses de grupos políticos e sociais diferentes, apresentando meios para que sejam cumpridos os direitos previstos no ordenamento jurídico. Esse conjunto de normas surgiu junto ao Estado social, e a partir daí as constituições passaram a consagrar em seus textos direitos econômicos e sociais, como por exemplo, o direito à saúde. O direito à saúde é elencado como um direito básico, se relacionando com a garantia da dignidade da pessoa humana e com o direito à vida, tal direito é de grande importância e foi citado inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos sendo considerado também um direito fundamental (SANTOS, s.d.).

Esse direito fundamental social é previsto também pela Constituição Federal de 1988, evidenciando a necessidade essencial de garantir a satisfação desses direitos individuais e coletivos, o direito à saúde é previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 no capítulo da ordem social (PACHÚ, 2015). A saúde pode ser caracterizada como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”, segundo Nordenfelt (2000, apud, PACHÚ, 2015, p.109) a saúde pode ser definida como “estado físico e mental em que é possível alcançar todas as metas vitais, dadas às circunstâncias”, sendo de responsabilidade do pode público da União, Estados, Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde e garanti-la a população. Os artigos 196 e 198 da Constituição Federal de 1988 ressaltam:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Artigo 198 da Constituição Federal de 1988:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I – no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)”, (BRASIL, 1988).

O direito à saúde pode ser definido como uma norma programática “pois deflui naturalmente da redação do preceito, porém com máxima efetividade e possibilidade de concretização pelo poder judiciário em caso de inércia do administrador”, sendo que a aplicação dessa norma é de caráter imediato (VILLAS-BÔAS, 2014, s.p.). Em complemento, o escólio de Santos acena:

‘Pode-se inferir que a saúde é um direito fundamental social autoaplicável, e não uma norma de cunho meramente programático, gerando, consequentemente, para os administrados, o direito subjetivo de exigir do Estado prestações materiais no sentido de garantir o acesso universal e igualitário as ações e serviços públicos que dizem respeito a sua promoção, proteção e recuperação, consoante dispõe o art. 196, da Constituição Federal do Brasil.

Todavia, a eficácia imediata disposta no art. 5°, §1°, da Constituição Federal, não tem a característica de, por si só, assegurar a aplicabilidade de todos os direitos fundamentais sociais de imediato, muito embora sirva para reforçar a garantia de um direito subjetivo à legislação” (SANTOS, s.d., p. 11).

A saúde pública trata da garantia de saúde a nível populacional, procurando melhorar a situação de saúde da população por meio da efetivação de políticas voltadas a educação alimentar, saúde e higiene e campanhas para promover uma vida saudável. Pode-se citar como funções da saúde pública: a prevenção de epidemias por meio da vacinação gratuita, proteção e promoção sanitária e recuperação da saúde (PACHÚ, 2015).

As entidades de saúde pública devem analisar as carências da saúde da população, investigar e combater os riscos para a saúde, estabelecer prioridades e desenvolver programas para atender essas necessidades. A saúde pública no Brasil, configurada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988, se encontra em uma situação anárquica: longa espera para o atendimento, desvio de materiais, unidades superlotadas, administradores e governantes corruptos, tornando o serviço de saúde oferecida de péssima qualidade. O SUS tem como base o conceito de “universalização do atendimento à saúde que surgiu com a Constituição Federal de 1988” (PACHÙ, 2015, p. 111). Inicialmente, o objetivo era contemplar o atendimento a todos os cidadãos, cabendo ao sistema privado apenas a ação complementar, mas o que se vê não é apenas a ação suplementar, mas o que se vê não é bem isso, o SUS atende pessoas pobres, desempregados ou subempregados e que não possuem nenhum plano privado (PACHÚ, 2015). O artigo 4º da Lei 8080/90 preceitua o SUS:

“Lei nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990:

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar” (BRASIL, 1990).

A introdução do SUS unificou um sistema, que anteriormente era de responsabilidade de vários ministérios, sua gestão foi descentralizada, passando a ter responsabilidade também os Estados e municípios. “Segundo o ministério da saúde o SUS possui 6,1 mil hospitais credenciados, 45 mil unidades de atenção primária e 30,3 mil equipes de saúde da família (ESF)”, (PACHÚ, 2015, p.113). Ainda segundo Pachú (2015):

“A Constituição Federal de 1988 revolucionou a questão da saúde, estendendo o direito à saúde a todas as pessoas, impondo ao Estado a obrigação de prestar a assistência integral à saúde. Partindo do princípio Constitucional, todos nós temos direito a saúde e esta vem sendo prestada através da integração do SUS, muito embora, de certa forma deficitária, pois deixa muito a desejar no pronto atendimento e no tratamento dispensado ao doente.

Ainda, a prevenção para redução dos riscos das doenças está longe de ser considerada como aceitável, pois falta investimento na área da saúde para que a determinação legal tenha eficácia plena. Importante decisão sobre saúde, que merece destaque especial, foi proferida pelo Excelso Suprema Tribunal Federal: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica da República (art. 196). Traduz bem jurídico, constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e programar políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar” (PACHÚ, 2015, p. 114).

Pela constituição, a saúde é considerada um dos mais importantes direitos fundamentais, em que o Estado no cumprimento de suas obrigações e responsável por garantir a cada indivíduo, isso significa que todos têm os mesmos direitos. O direito a saúde como consectário do direito à vida, deve ser assegurado pelo Estado e a divisão dessa responsabilidade deve ser feita entre os entes governamentais e os dirigentes administradores do SUS que tem o dever de facilitar o acesso de todos a medicamentos e tratamentos (PACHÚ, 2015).

3 TEORIA DAS ESCOLHAS DRÁSTICAS EM PROL DA CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO MÍNIMO DE SAÚDE

Quando se trata da insuficiência de recursos públicos na resolução de problemas decisivos, como por exemplo, à vida e a dignidade humana, por vezes acabam culminando em escolhas tidas como drásticas ou trágicas. O uso de recursos públicos bem como sua destinação acabam levando a situações de conflito interesses, seja com a efetivação das políticas públicas previstas no texto constitucional ou coma implementação de direitos previstos na ordem constitucional (ORTEGA, 2016). Ainda segundo Ortega:

“Resultam contextos de antagonismo que impõem ao Estado o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade orçamentária, a proceder a verdadeiras escolhas trágicas, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na Carta Política de 1988.

Com efeito, as escolhas trágicas exprimem o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretos direitos prestacionais fundamentais e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, tão drasticamente escassos” (ORTEGA, 2016, s.p.).

Portanto se existem muitas demandas e os recursos são limitados, vão existir escolhas que atendem certas demandas em detrimento de outras, o que fere as regras que postulam a questão da dignidade da pessoa humana. No Estado Democrático no qual se vive, a escassez é uma realidade e a previsão constitucional não garante que os mesmos sejam realizados, o que ocorre é o entendimento de que eles existem e na medida do possível devem ser realizados (ORTEGA, 2016). Segundo Scaff (2013) na democracia é no parlamento que devem ser tomadas as decisões a respeito dos gastos públicos para que a sociedade alcance seus objetivos. Ainda segundo Scaff (2013, s.p.), “ninguém dorme em uma ditadura e acorda em uma sociedade livre, justa e solidária no dia seguinte”, não existem direitos que não emanam gastos, não se tratando apenas de direitos sociais, mais qualquer direito.

Atualmente a saúde é vista como uma mercadoria comercializável, entre os que tem poder econômico para financia-la e grande parte da população, em torno de 70%, que depende do SUS à margem desse direito fundamental, que é omitido e negligenciado. De acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) junto a FIOCRUZ concluiu que os brasileiros gastam em média 19% da renda familiar com saúde (dentre os que têm planos privados), já 74,2% da população depende do SUS (ANDRADE, 2011).

Levando em consideração o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 chega-se a conclusão que é dever do Estado garantir saúde a todo e qualquer cidadão devendo ser prestada de forma integral, gratuita, universal e igualitária (ANDRADE, 2011). No caso de omissão por parte do Estado no cumprimento desse direito a pessoa prejudicada pode junto ao poder judiciário exigir ao Estado um ressarcimento pelo prejuízo sofrido (ANDRADE, 2011). Os recursos destinados pelo Estado à saúde não são suficientes e compatíveis com as exigências demandadas pelo SUS, a sociedade precisa de dignidade e o Estado de Direito tem o dever de garanti-la (ANDRADE, 2011).

O poder público ressalta que a saúde dever ser prestada de forma equitativa, igualitária e universal, por exemplo, quando o Estado é obrigado a fornecer medicamentos, e atende apenas um indivíduo, ocorre um beneficiamento do interesse individual em detrimento do coletivo. Daí surgem os princípios da razoabilidade e o da proporcionalidade. A razoabilidade trata “de um instrumento metodológico para demonstrar que a incidência da norma é condição necessária, mas não suficiente para sua aplicação” (SERPA, 2009, p.6), esse princípio protege os interesses públicos e os direitos fundamentais, pois controla a discricionariedade legislativa e administrativa. Já a proporcionalidade é responsável por “fazer uso da ideia de proporção entre o gravame criado por um ato de poder público e o fim por ele a ser perseguido”, (SERPA, 2009, p.6). Existe um grave desrespeito por parte dos entes públicos e do poder Estatal com o direito à saúde e com os brasileiros. Não acorre corretamente a aplicação do artigo 196, e a não garantia/efetivação desse direito compromete sistemas sociais, jurídicos, burocráticos, econômicos e políticos (SERPA, 2009).

CONCLUSÃO

O direito à saúde é um direito fundamental social, e sua efetividade implica na ralização e garantia de outros direitos, como por exemplo, o direito à vida, daí a importância de garanti-lo. Um ponto de suma importância é a questão das escolhas drásticas ou “trágicas” com relação da garantia à saúde, é desrespeitoso afirmar que as pessoas que dependem do SUS são apenas números que devem ser adequados ao orçamento do Estado, nao há empatia e nem respeito por parte dos governantes e administradores. Por conta do descaso com a saúde pública, a garantia de uma prestação desse serviço se tornou uma moeda de troca comercializavel, onde os que podem pagar aderem cada dia mais aos planos privados, por outro lado, grande parte da população depende do SUS.

Entende-se ser importante adequar os gastos públicos ao orçamento, mas é inaceitável que sejam os mais pobres que sofram com os cortes de gastos, a política de adequar o atendimento do SUS a um orçamento que prejudique aqueles que pouco tem é desumana e a não garantia do direito à saúde vai contra as propostas do Estado Democrático de Direito. A situação em que se encontra a saúde pública no Brasil atualmente viola os princípios previstos na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cabe ao Estado adequar o sistema de saúde a realidade do povo brasileiro.

 

Referências
ANDRADE, Zenaida Tatiana Monteiro. Da efetivação do direito à saúde no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, a. 14, n. 86, mar. 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9037>. Acesso em 13 jul. 2017.
BERTRAMELLO, Rafael. Os direitos sociais: conceito, finalidade e teorias. Jusbrasil: portal eletrônico de notícias, 2013. Disponível em: <https://rafaelbertramello.jusbrasil.com.br/artigos/121943093/os-direitos-sociais-conceito-finalidade-e-teorias> Acesso em 11 jul. 2017.
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GLATT, Rachel; LAGE, Telma. A efetividade dos direitos sociais no Brasil. Disponível em: < http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2013/relatorios_pdf/ccs/DIR/DIR-Rachel%20Glatt.pdf> Acesso em 11 jul. 2017.
MACEDO, Aruza Albuquerque de; SILVA, Clayton Barreto. A fundamentalidade dos direitos sociais. Disponível em:< http://www.uni7setembro.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic/v_encontro/afundamentalidadedosdireitossociais.pdf> Acesso em 11 jul. 2017.
ORTEGA, Flávia Teixeira. A “teoria das escolhas trágicas” à luz da jurisprudência do STF. Jusbrasil: portal eletrônico de notícias, 2016. Disponível em:< https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/306634652/a-teoria-das-escolhas-tragicas-a-luz-da-jurisprudencia-do-stf> Acesso em 13 jul. 2017.
PACHÚ, Clésia Oliverira. Direitos Sociais: O artigo 6º da Constituição Federal e sua efetividade. UEPB/ 2015. Disponível em:< file:///C:/Users/W7/Downloads/Direitos%20Sociais%20-%20O%20artigo%206%C2%BA%20da%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%20e%20sua%20efetividade.pdf> Acesso em 11 jul. 2017.
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VILLAS-BÔAS, Eduardo da Silva. Perfil constitucional do Direito à saúde: natureza jurídica, eficácia e efetividade. In: Revista Conteúdo Jurídico, Brasília, 28 abr. 2014. Disponível em:< http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,perfil-constitucional-do-direito-a-saude-natureza-juridica-eficacia-e-efetividade,47837.html> Acesso em 12 jul. 2017.
Notas
[1] Trabalho vinculado ao Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.

Informações Sobre os Autores

Douglas Souza Guedes

Acadêmico de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. Técnico em Agropecuária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense Campus Bom Jesus do Itabapoana

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


Equipe Âmbito Jurídico

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