Qualquer pessoa, seja ela natural ou fícta (jurídica) que sentir-se ameaçada ou tiver lesado direito seu, pode e deve recorrer ao Poder Judiciário para dele obter a cessação dessa ameaça ou a restituição ao status quo ante e, se impossível esta hipótese, que lhe seja prestada uma tutela jurisdicional garantindo-lhe a reparação quanto ao prejuízo suportado.
Não só na Ciência Jurídica, mas em qualquer outra ciência, visualiza-se um nexo entre o que se busca (almeja), a sua causa e qual a melhor maneira de satisfazer esse almejo. E a ciência jurídica não foge à regra.
Cediço é a distinção doutrinária entre o direito realmente lesado ou ameaçado, por alguns denominado de material, objetivo ou ainda substantivo, ao lado do processual ou adjetivo. Em face dessa distinção (material versus processual), convém ressaltar que o Direito é uno, mas por questões práticas esta dualidade ensejou a autonomia dos dois ramos, cabendo ao direito dito processual servir como um instrumental, um meio, e não fim como defende alguns, para a real satisfação do direito material (substancial) lesado ou ameaçado.
Em face da autonomia do direito processual, este alicerça-se sob três critérios: ação, jurisdição e processo, este último desdobra-se em procedimentos. Diante disto advém a discussão quanto à natureza jurídica da ação. Melhor doutrina entende que trata-se de um direito público subjetivo, consistindo na faculdade de quem sentir-se lesado ou ameaçado levar ao conhecimento do Poder Judiciário sua pretensão e que este a solucione, proferindo uma sentença que conceda “tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter” (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 2005, p.37). Assim, ação “é o direito de pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisdicional num caso concreto” (Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v1. 1999, p. 159).
Apesar do posições contrárias, não há incongruência ao interpretar o Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988, pois esta, além de assegurar (garantir) direitos, também estabelece princípios a serem observados e seguidos pelas normas infra-constitucionais, no caso em comento, o CPC. Da mesma forma, não há choque intertemporal entre tais normas, ainda que precedente o CPC (Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973), e a CF, promulgada em 05 de outubro de 1988. A ausência dessa contradição origina-se da dinâmica da ciência jurídica, pois adaptações foram e continuam sendo inseridas no texto infra-constitucional, a exemplo das Leis 5.925/73, 8.952/94 e 10.358/01, dentre outras, adequando-se, portanto o CPC ao texto constitucional.
A dicção do art. 5°, CF/88, in verbis, dispõe que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, também denominado de princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou ainda de princípio do livre acesso ao Judiciário, deve ser interpretado de maneira cuidadosa, pois este preceito constitucional visa impedir que através de qualquer norma legal o legislador venha a impedir que o Poder Judiciário fique impedido de analisar determinadas matérias (Pedro Lenza. Direito Constitucional. 2005, p 490.). Este entendimento é a manifestação cristalina de que o acesso ao Judiciário não seja obstaculizado, não sofra óbices.
Assim, presente uma ameaça ou violado um direito, de um lado teremos o prejudicado que exercerá o seu direito de propor a ação perante o Estado-Juiz, e este, provocado, sai da inércia, ficando com a incumbência de aplicar a lei (abstrata e genérica) ao caso concreto suscitado pelo prejudicado.
Merece comentário o art. 267, VI, CPC, que determina a observância pelo magistrado quanto às condições da ação, análise esta feita desde o recebimento da inicial até a prolação da sentença de mérito (definitiva). Dessa forma, não merece amparo garantir o acesso à via judicial daquele que não tem aptidão para figurar quer seja no pólo ativo ou passivo de uma contenda, ou ainda, quando seu pleito não tem amparo legal, pois permitir que o processo tenha seu curso normal: postulação, saneamento, instrução e decisão, se nesta fase a tutela buscada pelo prejudicado não será acolhida em face do reconhecimento da ilegitimidade de partes ou ainda, da impossibilidade jurídica do pedido.
Permitir que a máquina judiciária se atenha a casos onde manifestam-se as hipóteses mencionadas acima e deixá-la desafeta à função para a qual foi idealizada e criada, isto sim, configura a imposição de óbice do acesso à justiça (tutela jurisdicional justa) para aqueles que tenham demanda sub judice, e não é só, pois haverá também afronta à celeridade e razoabilidade (art. 5º, LXXVIII, CF) da prestação jurisdicional.
Dessa forma, uma decisão judicial em que se reconhece a carência da ação por falta de uma das condições da ação (art. 267, VI, CPC) não é obstáculo e muito menos óbice de acesso ao Judiciário, pois esta decisão está revestida somente de coisa julgada formal, e suprida a “carência”, nada impede que novamente o prejudicado venha a exercer seu direito de ação, ensejando, portanto, que sua demanda tenha o curso normal e ao final, o juiz prolate uma decisão (definitiva), onde efetivamente decidirá pela improcedência ou procedência do direito pleiteado, este ato sim, é a manifestação do pleno exercício do direito de ação, acesso à justiça e da efetividade do processo, pois atendeu a finalidade buscada (solução da demanda).
Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/Sp em 2004. Aluno da especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito-EPD/SP
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