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Direito de resistência em Thomas Hobbes. Prenúncio a uma abordagem possível

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Resumo: Aborda-se no presente escrito o polêmico Direito de Resistência na Filosofia Política de Thomas Hobbes, desde três perspectivas: a obediência divina; o direito à vida; e, a irrenunciabilidade de direitos. Leva-se também em consideração a perspectiva de Carl Schmitt, que nega veementemente a hipótese de resistência. E, além disso, esboça-se uma abordagem desde a perspectiva genealógica de Nietzsche, apreendida por Foucault.


De início[i], parece ser necessário delinear as questões que envolvem a presente abordagem. Pois bem, sabe-se que, após derivar da condição miserável, precária, caótica e, principalmente, insegura da humanidade em seu estado natural, isto é, antes da humanidade aderir ao pacto que a conduz um estado de segurança, de paz e de bem estar comum, a necessidade de constituição de um Estado – justamente para assegurar e garantir a consecução destas finalidades específicas –, Thomas Hobbes estabelece como condição de manutenção desta relação à observância das normas emanadas por este poderoso ente moral. Daí a necessidade de se delinear as leis civis (Capítulo XXVI), dentre as quais aquelas relativas aos crimes (Capítulo XXVII) e as penas a eles inerentes (Capítulo XXVIII). Pois bem, no Capítulo XXVII do Leviatã (1651), depois de desdobrar as espécies de penas aplicáveis e conhecidas em seu tempo – e, principalmente, afirmar a gravidade de se aplicar uma pena erroneamente a um inocente –, Hobbes estabelece que ao súdito que, por seus atos ou por suas palavras, sabida e deliberadamente, nega a autoridade do representante do Estado, independentemente da penalidade prevista para a traição, pode-se legitimamente fazê-lo sofrer o que bem se entender, porque – e aqui está a passagem principal – ao negar a sujeição, negou não as leis “penais” estabelecidas pelo(s) representante(s), mas negou a própria Lei de Natureza, precisamente a Terceira Lei de Natureza, que determina que os homens cumpram os pactos celebrados (Capítulo XV). Por assim agir, este súdito, ou cidadão, coloca-se em relação de natureza com o Estado ator (constituído pelos demais súditos autores); logo, a ele pode o Estado impingir quaisquer danos, inclusive atentar contra a sua vida, pois contra ele é legítimo fazer a guerra, por força do direito de natureza original (Capítulo XXVIII).


Mas o que faz Hobbes diferenciar-se dos demais teóricos dos direitos naturais da segunda metade do século XVII é precisamente conceder ao súdito o direito de resistir ao soberano, pois o primeiro direito de natureza deve ser, com efeito, a autodefesa (SOUKI, 2008, p. 51).  Hobbes o faz expressamente, não se tem dúvidas, ao súdito que se mantém atrelado ao pacto; prova disso a Segunda Lei de Natureza (capítulo XIV), que assim determina: Que um homem concorde, quando outro também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. Ora, se se concorda em renunciar ao seu direito à liberdade plena, isto se dá com a finalidade específica de se garantir a paz e a defesa de si mesmo. Logo, os fins últimos do Estado deve ser assegurar a paz aos súditos e defender um súdito dos demais: o duplo gládio: o estado deve garantir a paz externa e internamente. Por isso, se voltar-se o Estado ator a seus autores, os súditos, a representação se perde, o pacto se quebra, e o súdito retoma em toda intensidade sua liberdade. Não é por menos que o próprio Hobbes evidencia que “há alguns direitos que é impossível admitir que algum homem, por quaisquer palavras ou outros sinais, possa abandonar ou transferir. Em primeiro lugar, ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pala força para tirar-lhe a vida, dado que é impossível admitir que através disso vise a algum benefício próprio. O mesmo pode dizer-se dos ferimentos, das cadeias e do cárcere, tanto porque desta aceitação não pode resultar benefício, ao contrário da aceitação de que outro seja ferido ou encarcerado, quando porque é impossível saber, quando alguém lança mão da violência, se com ela pretende ou não provocar a morte. Por último, o motivo e fim devido ao qual se introduz esta renúncia e transferência do direito não é mais do que a segurança da pessoa de cada um, quanto a sua vida e quanto aos meios de preservá-la de maneira tal que não acabe por dela se cansar. Portanto, se através de palavras ou outros sinais um homem parecer despojar-se do fim para que esses sinais foram criados, não deve entender-se que é isso que ele quer dizer, ou que é essa a sua vontade, mas que ele ignorava a maneira como essas palavras e ações irão ser interpretadas” (HOBBES, 1974, p. 84).


Mas a questão não envolve propriamente o súdito, senão que aquele agora nomeado pelo filósofo como “inimigo”, aqui, por questões técnicas[ii], delineado “inimigo declarado”. O que interessa nesta relação de poder, existente entre o Estado-autor e o súdito-ator declarado por sua postura de menoscabo ao pacto de paz e de segurança, é se Hobbes concede ao “inimigo declarado”, que do pacto tenha sido excluído, não por sua vontade, mas pela vontade do soberano-ator, isto é, no limite, pela vontade dos demais súditos-autores, algum direito de resistir ao poder do soberano? Em palavras outras, ao “inimigo” declarado pelo Estado-ator é dada pelo Filósofo alguma possibilidade legítima de resistir à violência daquele que em nome dos demais Súditos-autores vem atentar contra sua vida, sua liberdade, depois de ao estado de natureza ter, não por sua vontade, retornado? E esta possibilidade, se existente, pode ser invocada pelo “inimigo”? Pode limitar o agir hostil do Estado-ator? Pode vincular os súditos-autores? Pois bem, uma primeira hipótese foi já apresentada: por natureza não se pode transferir o direito a resistir, como se delineia no Leviatã. Aliás, este um delineamento que já se via, não nos mesmos termos, é claro, no Do Cidadão (1642), onde no Capítulo I, II, 18, Hobbes afirmava a invalidade de um pacto de não resistência a quem venha, por qualquer meio, prejudicar o corpo, quando dizia: “ninguém está obrigado, por qualquer contrato que seja, a não resistir a quem vier matá-lo, ou ferir ou de qualquer outro modo machucar o seu corpo” (HOBBES, 2002, p. 48-49). O que resta saber é se essa hipótese de resistência pode ser estendida – ou antecipada – ao súdito excluído do pacto não por sua vontade, mas pela vontade daquele que a quem fez representá-lo: do soberano-ator[iii]. Agora bem – eis uma primeira hipótese – se o objetivo da soberania é garantir que o pacto de obediência seja obedecido, “quando o próprio soberano age contrariamente aos fins para os quais a soberania foi constituída – seja deixando de zelar pelo cumprimento do pacto de obediência, seja atentando contra os direitos naturais e irrenunciáveis dos súditos – ele deixa de atender à sua finalidade e necessidade, podendo então ser resistido” (PROGREBINSCHI, 2003, p. 198). Se, então, não é cumprida a finalidade da representação, não há que se falar em autor e ator, mas somente em autores. Logo, o que resta é a condição pura e simples do homem. Nesse caso, não pode mais haver um resistir ao Soberano, que já não é ator, mas um puro e simples autor. A relação, portanto, passa a ser de pura e simples violência entre homens, pois já não haverá mais um poder capaz de intervir neste confronto e estabelecer a paz.


Também se se considerar que o Soberano-ator permanece ator em relação aos demais súditos-autores – e esta, a segunda hipótese – a relação entre este Soberano-ator e o “inimigo declarado” será uma relação de hostilidade pura e legítima, pois entre eles não há relação que não a violência existente entre os homens ausentes de um poder comum.  É que, em última instância, a relação se dá entre súditos que permanecem no pacto e o súdito que já não mais integra a comunidade regida pelas condições do pacto. E mesmo que estes súditos em conjunto possam parecer mais fortes, “quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo” (HOBBES, 1974, p. 78). O que está, em jogo, pois, são forças, a relação entre estas forças, os meandros desta relação e legitimidade e a ilegitimidade que daí derivam. É aqui que a aporia parece se colocar com mais vigor: está em jogo a relação mesma dos homens enquanto tais e enquanto viventes e dependentes de inter-relacionamentos mútuos. A legitimidade desta ou daquela relação, depende do conhecimento da origem: depende da gênese. É preciso ser genealogista para desvendar o mistério. É preciso ser arqueólogo para saber, é preciso vontade de saber para conhecer as teias da vontade de poder.  


Há também uma terceira hipótese, consistente em se estabelecer uma relação entre soberano-ator a súdito-autor excluído do pacto no campo do estado natural, no âmbito do direito natural, regido e limitado, pois, pelas leis de natureza: a leis provenientes da reta razão. Neste caso, haveria um poder maior a ser invocado para estabelecer a paz entre os contendores: Deus. A autoridade divina, aqui, é sempre superior a qualquer autoridade terrena. Ainda que se tenha por autorizado conclamar o Leviatã como um deus mortal, cumpre observar que acima dele há um Deus imortal, fundamento e lugar comum de toda obrigação. Neste hipótese, as leis de natureza seriam leis em sentido estrito provindas da reta razão, e não meros preceitos éticos, e, portanto, obrigariam, vinculariam o soberano-ator a respeitar a vida do súdito, porque, como leis gerais e existentes antes mesmo do pacto, estariam a obrigar a todos os súditos-autores, vinculando, em efeito, a vontade destes. Logo, a vontade do soberano-ator estaria vinculada às leis de natureza desde sua origem, antes mesmo da constituição do pacto. Então, neste caso, o limite da vontade estaria, isto é, o exercício do direito, encontraria seu limite nas leis de natureza.


E há, por fim, que se lembrar que há ainda a tese de que nenhuma das hipótese descritas pode ser aceita, pois, seria possível refutá-las cabalmente na teoria política de Thomas Hobbes, isto é, afirmar que inexiste qualquer hipótese de resistência em Hobbes. Este é o cominho que lê em Hobbes uma coerência lógica total a ponto afastar qualquer coexistência permanente entre o poder ilimitado do soberano e o direito de auto-preservação do súdito, como o faz Carl Schmitt, para quem o direito de resistir não passa de mera utopia, e é algo factualmente e legalmente absurdo. É possível ver os motivos da leitura: o direito de resistência pode ferir e enfraquecer a grande teoria de Hobbes, que pode estabelecer o Estado como um ente pleno, absoluto, superior, poderoso: um ente total. Então, se por um lado, é possível sustentar que Hobbes concede ao soberano um poder ilimitado, ao mesmo tempo em que concede também ao súdito um direito irrestrito aos meios de autopreservação. Por outro, é possível também sustentar que a segunda concessão não ocorre. E se aceita esta segunda hipótese, analisar e delimitar a relação entre o súdito e o soberano, mais precisamente, buscar no direito e nas leis da natureza traçados na filosofia política de Thomas Hobbes os limites da relação entre o poder do soberano que o autoriza a infringir aos seus “inimigos” os danos que entender necessários para o bem do Estado, frente a liberdade de resistir à violência que permeia e se incrusta no ser deste “inimigo”, pode ser um caminho a se percorrer.


Todas as hipóteses possuem relevância e não podem ser simplesmente descartadas, inclusive aquela que nega a hipótese de resistência na Filosofia Política de Thomas Hobbes. Vale lembrar que a admissão da hipótese de resistência é um tanto recente e inovadora. Com efeito, com Renato Janine Ribeiro é que se apresenta pela primeira vez em 1978, no seu livro A marca do Leviatã, e que se desdobra com precisão em 1984, no seu Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo, o tema da resistência política na Filosofia do pouco explorado por esta via Thomas Hobbes de Malmesbury. Antes de Renato Janine Ribeiro, poucos abordaram o tema. Alguns chegaram a problematizá-lo, mas por qualquer razão não chegaram a abordar e desenvolver o tema na posteridade. Não é por menos que se afirma que no século XX, antes do brasileiro Renato Janine Ribeiro, apenas o alemão Carl Schmitt desenvolve a questão da resistência na Filosofia de Hobbes; contudo, ao contrário do nosso autor, com o fito de negar a hipótese. Após Janine, obras relevantes envolvendo a questão passaram a ser publicadas, incluindo aí autores como tais como Anton e Kavca (PROGREBINSCHI, 2003, p. 200).


Era lugar comum na filosofia política antes de Janine abordar a resistência a partir de John Locke, principalmente pela teoria dos dois males extremos, desenvolvida no § 230 do seu Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, e não por Hobbes; daí a inovação do filósofo brasileiro.  Desde a perspectiva da teoria dos dois males, a resistência deve ser tida como o contrário da obediência civil; portanto, contrária à idéia de desobediência. É que na resistência reside o germe da legitimidade, ao passo que isto já não é visto na desobediência. É que, desde uma perspectiva não-teológica, o direito de resistência somente pode surgir em específico momento e sobre específico pressuposto, isto é, somente perante a possibilidade da morte violenta, porque, aqui, e somente aqui, o súdito recupera a autoridade que cedera ao ator-soberano (RIBEIRO, 2003, P. 78). Vale dizer, “o soberano tem todo o direito de me matar, invocando simplesmente o direito de natureza que continua em suas mãos, – mas neste caso eu recupero a liberdade e posso resistir-lhe” (RIBEIRO, 1999, 93). Entre o despotismo e a falta de governo, vale o mal menor; e qualquer mal deve ser menor do que um governo despótico. Mas a hipótese aqui é restrita: somente quando o ator se volta contra a vida do autor. Essa posição de restrição, no entanto, não é totalmente compartilhada, mesmo nos comentários brasileiros que partem sempre de uma visão não-teológica. Com efeito, Nádia Souki, parece estender o direito de resistir, além da morte violenta, também a quem vier me ferir ou me atirar no cárcere ou na prisão, deitando argumento na exegese do Leviatã, XIV. E Thamy Pogrebinschi vai ainda mais além, estendendo o direito de resistência, que prefere tratar no âmbito próprio da desobediência civil – o que pode muito bem ser contestado –, desde a perspectiva da integridade física, até, inclusive, à possibilidade de se abster do serviço militar, além, é claro, da possibilidade de resistir frente a morte violenta, ao vilipêndio corporal e ao encarceramento. Inclui ao direito ou possibilidade de resistência, desde a perspectiva moral, a possibilidade de não se auto-incriminar e a não incriminar a outrem, além, é claro, da possibilidade de não se obrigar pelas próprias palavras (PROGREBINSCHI, 2003, p. 224).


Não obstante, todas as tentativas de estabelecer e desdobrar o direito de resistência não se voltam para a questão do “inimigo declarado”. Por se limitarem a fundamentar e a descrever a hipótese de resistência sempre de um ponto de vista puramente político-jurídico, ou mesmo teológico, parecem não se lembrar de virar o olhar para a origem primeira da fundamentação do problema; uma origem que pode ser encontrada na origem mesma da relação de poder travada entre o súdito-autor e o soberano-ator precisamente quando este se volta a quem lhe serve de fundamento. Mas para encontrar este fundamento, parece ser preciso ir muito mais além da questão política, jurídica ou teológica: é preciso, pois, recuar até o ponto de estabelecimento da relação; é preciso conhecer a qualidade de cada uma das forças postas em relação; é preciso conhecer a hierarquia existente entre as forças postas em relação: é preciso buscar não o poder em sua origem, mas em suas manifestações singulares. Somente após, é que se pode partir para a determinação dos desdobramentos íntimos destas relações, singulares, do poder, como aqueles que se direcionam no corpo e na vida do “inimigo declarado”. Eis, portanto, mais uma hipótese; uma hipótese, pois, a ser experimentada.


Disse-se que se faz necessário conhecer as forças em relação. É com Nietzsche que melhor se pode encontrar o caminho para elucidação da questão. Com efeito, é com Nietzsche que se torna claro o que constitui o corpo político. Com efeito, é somente a partir deste filósofo que se passa a conhecer que toda e “qualquer força está em relação com outras forças, seja para obedecer, seja para ordenar. O que define um corpo é esta relação entre forças dominantes e forças dominadas. Qualquer relação de forças constitui um corpo: químico, biológico, social, político” (DELEUZE, 2001, p. 62). Duas forças, sendo desiguais, constituem um corpo político a partir do momento em que entram em relação. Par distinguir estas forças, e conhecer a hierarquia que há entre elas, aquela que domina e aquela que é dominada, é preciso distingui-las, quantificando-as e qualificando-as na relação que se dá com o acaso. É preciso buscar a gênese das forças. É preciso, pois, conhecer o caos. É preciso conhecer o princípio do eterno retorno, para saber da diferença e da desigualdade constante das forças que constituem o múltiplo, que é a gênese da qual se constitui o ser. Mais do que isso, é preciso conhecer a vontade de poder: o elemento genealógico da força: o princípio para a síntese das forças. Sem recorrer a tais elementos, parece ser inacabada qualquer tentativa de estabelecer a relação de poder que se dá entre as forças em jogo, isto é, entre o soberano-ator e o súdito-autor-excluído. Aqui está o segredo para conhecer o grau de resistência que se deve superar para manter-se dominante na relação e o grau de resistência que se deve enfrentar para buscar o poder e inverter a ordem da hierarquia na relação do poder. Do contrário, quando se busca conhecer a relação sem observar seus segredos, sem conhecer o que é a vontade de poder, não pode conhecer, afinal, o verdadeiro significado de liberdade e justiça e amor (Cf. Nietzsche, 2008, p. 385-386).


Foi Nietzsche quem de fato demonstrou que a vontade de poder aparece não só nos indivíduos oprimidos, mas também nas espécies mais fortes que ainda não ascenderam ao poder, como também nos mais fortes, mais ricos, mais independentes, mais corajosos, etc.; mas Hobbes também pôde perceber a vontade de poder em suas manifestações. E esta é uma questão que pode ser vista quando se aborda, por exemplo, o tema da escravidão no âmbito do pacto de Hobbes: a relação não é de sujeição, mas de luta constante; uma relação de constante luta: entre o cativo e o captor a guerra prossegue sempre e sempre; a luta entre as forças, uma que livrar-se e outra que pretende atender seus próprios interesses sobre o outro, é constante. O escravo, diferentemente do servo, não se submete, não se compromete a obedecer. Não é a relação de trabalho que caracteriza a relação no cativeiro, é a guerra constante entre duas forças. Também o indivíduo pode servir de ponto de partida de uma tentativa de aproximação entre os filósofos. Com efeito, é Nietzsche quem apresenta o indivíduo como algo inteiramente novo e criador do novo, como algo absoluto (A vontade de Poder, 766), algo que diz inteiro respeito a todas as ações, mas também Hobbes não extrai de algo exterior ao indivíduo o fundamento de todas as coisas. Com efeito, Hobbes vai buscar na vontade individual, na vontade de todos os indivíduos, a origem e fundamento do pacto que constitui o grande Leviatã. “A vontade, fazendo a representação, constituirá uma política sem modelos naturais” (RIBEIRO, 1999, p. 153). Aqui reside, também, a originalidade de Hobbes. É Hobbes, pois, o primeiro a estabelecer na Filosofia Política moderna o indivíduo como fundamento de todas as coisas, inclusive do Estado. Muitos outros aspectos podem ser utilizados como base de aproximação, mas um ponto há que ser notado, Hobbes de fato aborda inicialmente os pontos, mas é Nietzsche quem com maestria vai desenvolvê-los.


Mas para aproximá-los, e desdobrar a questão inicial ainda no campo do sistema político hobbesiano em um elemento concreto, como o corpo humano, é necessário ainda mais um recurso; é preciso conhecer o jogo de criação da verdade nas relações jurídicas. Além de conhecer a gênese para descortinar a relação das forças em confronto, é preciso analisar as conseqüências desta relação. Para isso, cumpre recorrer-se ao método genealógico, ao procedimento genealógico. É preciso, pois, desdobrar as conseqüências desta relação de poder nos domínios do indivíduo do conhecimento e da verdade, pautando-se na história da verdade e do indivíduo derivada desdobrada desta mesma relação de poder. Assim, e somente assim, é que pode se completar o círculo que forma está nova hipótese de abordagem da questão da resistência do indivíduo hobbesiano. Do contrário, os avanços podem estar fadados a não passar de meras voltas em si mesmas ao redor de um mesmo círculo e, por isso mesmo, não serem verdadeiros avanços na abordagem da questão. Em síntese, somente com Nietzsche e Foucault, desde a perspectiva genealógica, é que se pode de fato empreender uma verdadeira abordagem do tema da resistência do indivíduo na filosofia política de Thomas Hobbes, isto é, desde o ponto de vista de uma abordagem genealógica, de uma relação específica de poder; do contrário, a abordagem não poderá passar de uma estrita discussão em termos de exegese; o que, não obstante a reconhecida relevância de uma tal abordagem, não é o que se pretende aqui. O que se pretende, é extrair e desdobrar as conseqüências do problema.


 


Referências bibliograficas

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TUCK, Richard. Hobbes. São Paulo: Edições Loyola, 2001.


Notas:

[i] Algumas das idéias e muitas frases aqui dispostas foram antes publicadas no texto Algumas Questões Relativas ao Capítulo XXVIII do Leviatã de Hobbes, disponível em www.ambito-juridico.com .br: MEDEIROS, Carlos Henrique Pereira De. Algumas questões relativas ao capítulo XXVIII do Leviatã de Hobbes. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 69, 01/10/2009 [Internet].

[ii] A distinção entre “inimigo” e “inimigo declarado” deve ser levada a cabo pela necessidade de distinção de figuras. Com efeito, no corpo do Leviatã Hobbes não faz distinções entre “inimigos”. Para o filósofo, todos que atentem contra a vontade dos homens é um inimigo. Portanto, pode-se de início encontrar o inimigo ainda no estado de natureza ou mesmo no estado legal. Mas, no entanto, cumpre distinguir. Assim, o inimigo pode ser dividido em dois grupos: os inimigos internos e os inimigos externos. Também podem ser identificados em momentos distintos: antes ou depois da constituição do Estado. Há uma certa dificuldade aqui, pois antes da constituição do Estado, todos são inimigos de todos, portanto, não se poderia falar em inimigos internos e externos; seria, antes necessário trabalhar com mais um elemento, como a demarcação de uma determinada porção de terra. Mas o que importa por ora, é distinguir o inimigo no Estado Legal. Aqui pode-se encontra o interno e o externo. E estes ficam a cargo do duplo gládio: para o inimigo interno, a Justiça; para o externo, a Guerra. O “inimigo declarado”, porém, não se enquadra em nenhuma das hipóteses. É ele aquele que, mesmo no interior do Estado legal, está em estado de natureza, não por sua vontade, mas pela vontade do soberano-ator. O seu problema fundamental é que não encontra seu campo de delimitação: não é externo, mas também não é interno; por isso, a princípio, contra ele se pode faz a guerra, mas no interior de um corpo moral, criado justamente para que em seu interior não mais haja a guerra. O “inimigo declarado” é, portanto, o paradoxo do Leviatã.

[iii] Cumpre esclarecer. Pode-se dizer tal exclusão como um terceiro momento, do qual precedem, o primeiro, antes do pacto e, o segundo, durante o pacto; sendo, pois, a exclusão o terceiro momento linear: depois do pacto. E, antecipada, se se compreender que o estado de natureza existe sempre e sempre antes de qualquer pacto, pois é inerente à condição humana; logo, no pacto não há uma transferência de direito, mas uma não manifestação, uma quietude, do estado natural humano, que a qualquer momento pode manifestar-se: a condição humana seria, pois, como um vulcão que com o pacto passe à inatividade; mas que se tal ou qual situação ocorrer, pode imediatamente voltar à atividade.

Informações Sobre o Autor

Carlos Henrique Pereira de Medeiros

Mestre em Filosofia, área de concentração Ética e Filosofia Política, pela Faculdade de São Bento – FSB. Professor nos cursos de Direito e Comunicação Social/Jornalismo da Universidade São Judas Tadeu – USJT, Professor no curso de Direito da Universidade Nove de Julho – Campus São Roque FAC/São Roque, Professor no curso de Direito da Faculdade Integrada Torricelli – FIT. Membro de equipe de pesquisa do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba – CCJ/UFPB. Palestrante do Instituto Parthenon. Vice-presidente da Comissão de Assuntos Legislativos e Parlamentares da 57ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil


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Equipe Âmbito Jurídico

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