Direito penal do inimigo e sua incompatibilidade com o estado democrático brasileiro

Resumo: O presente artigo refere-se à tese defendida por Günther Jakobs, que começou a se legitimada em diversos países, após o atentado de 11 de setembro de 2001 nos EUA, trazendo a tona o Direito penal do autor adormecido desde a hegemonia de Adolf Hitler, com o objetivo de combater à criminalidade organizada que atenta contra a estrutura do Estado. Através de um estudo aprofundado sob o tema concluo que ocorre uma incompatibilidade entre a Teoria do Direito Penal do Inimigo e a Constituição Federal Democrática Brasileira promulgada no ano de 1988, pois prevê como Cláusula Pétrea o direito de igualdade entres as pessoas. Logo não é possível dividir em dois o Direito Penal brasileiro, direcionando um lado ao cidadão, respaldado por todas as garantias processuais e constitucionais, e no outro lado os inimigos com tais garantias retiradas, vigorando um procedimento de guerra, mesmo sem o país está em guerra, ferindo, assim o Estado de Direito. Dessa forma, a utilização do Direito Penal do Inimigo configuraria um retrocesso a evolução da sociedade, no que tange às garantias.[1]


Palavras-chave: Estado de Direito; Constituição Federal de 1988; Inaplicabilidade do Direito Penal do Inimigo; Retrocesso do Direito Penal.


Abstract: This article refers to the thesis defended by Günther Jakobs, who became legitimized in several countries, after the attack of September 11, 2001 in the US, bringing to light the criminal law of author asleep since the hegemony of Adolf Hitler, with the goal of combating organized crime which attempts against the structure of the State. Through an in-depth study under the theme I conclude that there is a mismatch between the theory of criminal law of the enemy and the Brazilian Democratic Federal Constitution promulgated in the year 1988, because it provides as eternity clause the right of equality between people. Soon it is not possible to divide in two the Brazilian criminal law, directing a citizen side, backed by all constitutional and procedural guarantees, and on the other hand the enemy with such guarantees withdrawn, with a war, even without the country is at war, hurting, so the rule of law. This way, the use of criminal law of the enemy would configure a retrogression of developments in society, with respect to guarantees.         


Keywords: Rule of law, Federal Constitution of 1988, Inapplicability of the criminal law of the Enemy, Kicker of the criminal law.


Sumário: 1.Introdução; 2.Desenvolvimento do Trabalho; 2.1.Questões Preliminares; 2.3.Direito Penal do Inimigo na visão de Günther Jakobs; 2.4.Críticas ao Direito Penal do Inimigo; 2.5.Vestígios do Direito Penal do Inimigo no Ordenamento Jurídico Brasileiro; 3.Considerações Finais; 4.Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO


Com o decorrer dos anos, mais precisamente após a Globalização Mundial, surge uma expansão do direito punitivista, com o intuito de diminuir à criminalidade e consequentemente proporcionar segurança à nação frente a novos crimes cometidos. O estopim para o ressurgimento de um direito penal que restringi ou elimina as garantias basilares do direito penal clássico, foi os atentados terroristas que ocorreram no EUA e na Europa, no inicio desse século. Após tais acontecimentos muitos países passaram a aplica-lo como uma nova forma de punição, mesmo sabendo que os direitos humanos são restringidos de maneira absoluta.  


O ilustre professor penalista alemão Günther Jakobs, após o milénio, apresenta à sua tese denominada Direito Penal do Inimigo, que nada mais é que o direito punitivista que retira as garantias fundamentais inerentes àqueles classificados como inimigos pelo Estado, que age de forma autoritarista. De acordo com o autor a reprovação se dá mediante o caráter do agente e não pelo fato criminoso que praticou, configurando-se um direito penal do autor, que foi tão criticado na 2º Guerra Mundial quando foi usado por Adolf Hitler para justificar o nazismo alemão.


Além do mais, o direito penal conforme a teoria se divide em dois, o primeiro denominado direito penal do cidadão é cercado das garantias constitucionais vigentes no direito penal clássico, respeitando a dignidade da pessoa humana; enquanto que o segundo é chamado de direito penal do inimigo ou do autor, onde retiro a dignidade ontológica do ser humano como pessoa, por entender que ao praticar ou simplesmente ameaça a estrutura do Estado reiteradamente, infligirá o contrato social feito com ele, perdendo assim o status de cidadão.


Tal ideologia é inaplicável num Estado Democrático de Direito que é respaldado pelo principio da dignidade da pessoa humana que veio evoluindo durante toda a história da sociedade. Dessa forma não posso abrir mão dos direito conquistados nas lutas sociais pelos meios antepassados, bem como não posso tirar o status de cidadão de ninguém, mesmo que tenha cometido uma atrocidade, pois o direito penal clássico vai protegê-lo contra os abusos do Estado durante processo penal.


Apesar de termos vestígios do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico pátrio, tal teoria não encontra guarita, pois a Constituição Federal de 1988 consagra os direitos à vida, à igualdade, à liberdade como Cláusula Pétrea (art.60 §4º IV), logo não pode ser matéria os direitos e garantias individuais para abolição na Emenda à Constituição.


Concluo que o Estado Soberano não pode usar o direito penal como forma de combater à criminalidade, ferindo a sua principal característica o princípio da ultima ratio. Deve implementar uma política pública impondo limites a desigualdade social, mas sempre observando os direitos e a dignidade da pessoa humana.


DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO


QUESTÕES PRELIMINARES


O Direito Penal têm por finalidade à proteção dos bens relevantes para sobrevivência harmônica da sociedade – princípio da intervenção mínima. Sempre que a prática de uma conduta humana violar um bem jurídico tutelado, o Estado (exercer o poder constituinte) agindo em nome do povo (titular do poder constituinte) poderá comina, aplica e executa uma pena. Ao punir o individuo devesse observar todas as garantias inerentes ao Estado de Direito Democrático (GRECO, 2005, p.3).   


Com o aumento significante da criminalidade nas últimas décadas, a população assustada exige do Estado Soberano segurança a todo custo, até mesmo a criação de um Direito Penal excepcional, onde o infrator deixa de se denominado “pessoa” e passa a se um “inimigo” do Estado. Tal fato teve como conseqüência a conversão da aplicação do direito criminal da última ratio (princípio da subsidiariedade espécie do princípio da intervenção mínima) em instrumento de permanente utilização por parte dos detentores do poder (MUÑOZ e BUSATO, 2011, p.155).


Esses acontecimentos deram origem ao Direito Penal do Inimigo que foi evidenciado pelo ilustre penalista alemão Günther Jakobs, e têm como principal característica a retirada dos princípios liberais do Estado de direito e os princípios fundamentais reconhecidos nas constituições e Declarações Internacionais de Direitos Humanos, àqueles declarados inimigos pelo Estado. O modelo exposto prega veemente a Law and Order como fator único de segurança estatal (MUÑOZ e BUSATO, 2011, p.2).


Vale ressaltar que o direito excepcional, que constituí a figura de um inimigo, existiu durante toda a evolução da sociedade. Temos como exemplos históricos a santa inquisição; o nazismo alemão; o regime autoritário de Mussolini; as ditaduras na América do Sul (Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Brasil); o atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington; o assassinato do brasileiro Jean Charles de Meneses no metro em Londres, entre outros. Em todos os casos, o denominado inimigo, não teve direito de se defender perante o Estado, uma vez que, puniu antes mesmo do crime acontecer – Direito Penal do Autor (VALENTE, 2010, p. 64-65).  


DIREITO PENAL DO INIMIGO NA VISÃO DE GÜNTHER JAKOBS


 O professor penalista alemão Jakobs conceitua primeiramente a teoria do Direito Penal do Inimigo em 1985, com uma aplicação muito ampla, foi criticada por diversos autores da época. Após o atentado às torres do World Trade Center em Nova York, volta a discutir sobre a teoria, porém delimitando a sua aplicação a delitos graves praticados contra a estrutura do Estado (JAKOBS e MÉLIA, 2010, p. 94).


Atualmente o Direito Penal do Inimigo fundamenta-se em um contrato social entre o Estado e o individuo, caso esse venha descumpri-lo, cometerá um delito, e terá por conseqüência há não aplicação dos benefícios do Estado, ou seja, ao atacar o direito social entrará em guerra com o Estado e deixará de ser um membro dele. A idéia de contrato social foi invocada das teorias contratualistas, defendidas por Rousseau, Kant, Fitche e Hobbeas, que há muito tempo já conceituavam a figura do inimigo (ALENCAR, 2010, p.3).


Jakobs defende dois pólos no mesmo sistema jurídico criminal, de um lado tenho o direito penal voltado para o cidadão e do outro tenho um direito penal voltado ao inimigo do Estado.


O direito penal do cidadão ocorre quando um fato praticado por um cidadão viola uma norma e a ele é dada há oportunidade de restabelecer a vigência dessa norma, porque só a ‘pessoa’ oferece uma segurança cognitiva suficiente de comportamento pessoal. Dessa forma o Estado observa o cidadão apenas como autor de um delito, respeitando todas as garantias penais e processuais (CREMASCO, 2008, p.18).


Já o direito penal do inimigo é mais rigoroso, pois visa neutralizar o inimigo que é uma fonte de perigo para a sociedade. Logo inimigo vem há ser àquele que comete crimes econômicos, sexuais e se organiza criminosamente para prática do terrorismo, dentre outros. Além de pratica uma infração penal grave deve está afastado de modo permanente do Direito, pois almeja a destruição do ordenamento jurídico daquele Estado, sendo assim, não oferece garantias cognitivas suficientes de que vai continua fiel ao contrato social (RAMOS, 2005, p. 3).


Dessa forma perde o status de cidadão e passa a se tratado como inimigo, tendo como conseqüências: a inobservância dos princípios constitucionais básicos; o corte de garantias e direitos processuais fundamentais (ex. ampla defesa, contraditório, devido processo legal); aumento desproporcional das penas, dentre outras.     


A partir dessas reflexões, podemos concluir que a conversão do ‘cidadão’ em ‘inimigo’ se dá mediante a habitualidade, a reincidência dos delitos praticados através da organização criminosa que está vinculado, expondo a sua periculosidade (SAKAUE, 2009, p.5).


O autor fundamenta a separação do direito penal (cidadão X inimigo) em três argumentos: a) o Estado tem o direito de se proteger dos inimigos, ou seja, irá viabilizar a segurança aplicando medidas juridicamente válidas, contra os indivíduos que praticarem delitos de forma reiterada; b) os cidadãos têm direito de exigir do Estado medidas adequadas e eficientes para a preservação da segurança diante dos inimigos; c) melhor limitar o direito penal do inimigo do que permitir a contaminação do direito penal. Logo o Estado não poderá tratar o inimigo como pessoa, pois vulneraria o direito de segurança perante os denominados cidadãos (ALENCAR, 2010 p.2).


Observando a teoria do direito penal do inimigo, o mestre penalista Luiz Flávio Gomes (2004), aponta as principais características:


“a) o inimigo não pode ser punido com pena, e sim com medida de segurança; b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante a sua periculosidade; c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); d) não é um direito retrospectivo, sim, prospectivo; e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim um objeto de coação; f) o cidadão mesmo depois de delinqüir, continua com status de pessoa, já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); g) o direito penal do cidadão mantém a vigência da norma, já o direito penal do inimigo combate preponderantemente o perigo; h) o direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; i) mesmo que a pena seja intensa (desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (quem vem confirmar a vigência da norma), em relação ao inimigo deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.”


Ao analisar as características adotadas pelo Gomes concluir que o inimigo frente ao Estado é uma fonte de perigo, sendo assim, terá um tratamento de coação, onde será combatida a sua periculosidade aplicando medidas de segurança com o intuito de neutralizar o inimigo. Esse tratamento de coação é feito de forma antecipada com o objetivo de alcançar os atos preparatórios, logo à punibilidade avança o âmbito interno do agente, ou seja, as medidas aplicadas olharam para os fatos que não foram praticados, dessa forma, o direito penal se torna prospectivo, pois condeno o individuo ‘por quem é’ e não ‘pelo que fez’, caracterizando o direito penal do inimigo como direito penal do autor.


CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO


Inúmeros são os autores que criticam o Direito Penal do Inimigo. Basicamente todos eles constrõem seus argumentos na incompatibilidade da teoria com o Estado Democrático de Direito, e com a evolução histórica da sociedade, no que diz respeito às garantias e direitos fundamentais de todos os cidadãos.


Para compreender as críticas devemos denominar as vertentes do Direito Penal do Inimigo que são duas: o simbolismo e o punitivismo.


O direito penal simbólico de acordo com Roxin (2006) apud Santos (2009, p.42) é “caracterizado por dispositivos que não geram efeitos protetivos concretos, mas que servem à manifestação de grupos políticos ou ideológicos, pela afirmação de determinados valores”, ou seja, esses grupos políticos vão repudiar uma determinada atividade (fato), e também (sobretudo) um específico tipo de autor, que considerem lesivos, tendo como principal objetivo acalmar a sociedade aflita, dando a falsa impressão que por meio da expansão da lei penal, estariam suprindo as ações indesejadas.


Nesse sentido, ressaltamos que não bastaria a promulgação da norma penal meramente simbólica, mas também um processo de criminalização (punitivismo) nos moldes antigos, que introduzirá no ordenamento jurídico atual, normais penais novas, ou endurecerá de forma quantitativa ou qualitativa as penas já existentes. Nota-se que vai contra o movimento de reforma das últimas décadas, que foi o desaparecimento de diversas infrações penais. De tal forma que o direito simbólico e o punitivismo mantêm uma relação fraternal, e da junção surge o Direito Penal do Inimigo (JAKOBS e MELIÁ, 2010, p. 87).


O exercício do poder punitivo como cita Zaffaroni (2010) em seu livro ‘O Inimigo do Direito Penal’, deixou marcas irreversíveis na história da sociedade, pois quando as idéias ideológicas para a manutenção do poder eram desobedecidas, surgia à figura do inimigo. Este poder está intimamente ligado a um Estado autoritário e demonstra isso através da evolução do inimigo na sociedade: a) a essência do termo inimigo tem origem do Direito Romano, que diferenciava inimicus de hostis, o primeiro significa inimigo pessoa e o segundo inimigo público; b) na Revolução Mercantil, o Estado confisca o lugar da vítima, passando a dizer que a vítima era ele mesmo; c) no Colonialismo trazia uma repressão penal plural que se divida em: iguais ou inimigos. Os inimigos eram aqueles que iam contra os interesses da coroa e a pena de morte imposta era executada publicamente; d) na Revolução Inquisitorial, o Estado confisca o papel de Deus e aplica nos inimigos meios violentos e desumanos para suprir o apetite da verdade; e) na Revolução Industrial surge um aumento populacional nas cidades através da migração, o Estado observando o aumento da criminalidade legitima o poder punitivo, apelando ao valor meramente simbólico da pena; f) nas Ditaduras Militares nos países colonizados, o inimigo era considerado biologicamente inferior, logo era desestimulada a união de raças. Mesmo com a independência decreta continuavam limitados aos países colonizadores através de seus descendentes reais que exerciam um poder altamente seletivo e discricionário; g) Autoritarismo Nazista, com a derrota da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha entra numa ditadura comandada por Adolf Hitler, com o objetivo principal de aniquilação de todos que não fossem da raça ariana, para não ocorrer mistura de raças no país. Dessa forma milhares de judeus, negros, homossexuais, dentre outros grupos, raças e etnias, foram mortos, pelo simples fato que a sua existência contaminava a raça ariana (Direito Penal do autor); h) Atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington nos Estados Unidos da América.   


 Posteriormente ao acidente, o Governo de George W. Bush aprovou a Lei Patriot Act que fortalece o poder de policia sobre a sociedade civil, e cria as prisões de segurança máxima de Guantánamo e Abud Ghraid, que correspondem a mini-estados que não respondem a lei alguma, exceto a ditadura imposta pelas agências militares de inteligências norte-americanas. Esses detentos foram enviados para esses tipos de prisões por tempo indeterminado sob um regime jurídico de exceção por meio de tortura e tratamentos de desumano, desrespeitando a dignidade da pessoa humana, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Apesar da promessa do atual presidente Barack Obama e das denúncias de violação dos direitos humanos a prisão de Guantánamo continua em pleno funcionamento (EICHENBERG, 2011, p.3).  


De acordo com as características apontadas na coluna cervical do direito penal do inimigo, o mesmo autor, Gomes (2004), inspirado no discurso crítico de Zaffaroni (2010) enumera sua censura à tese:


“a) o que Jakobs denomina de Direito penal do inimigo, como bem sublinhou Meliá, é nada mais que um exemplo de Direito penal do autor, que pune o sujeito pelo o que ‘é’ e faz oposição ao Direito penal do fato, que pune o agente pelo o que ‘fez’; b) se o Direito Penal (verdadeiro) só pode ser vinculado com a Constituição Democrática de cada Estado, urge concluir que o ‘Direito penal do cidadão é um pleonasmo, enquanto Direito penal do inimigo é uma contradição’. O Direito penal do inimigo é um não ‘direito’ que lamentavelmente está presente em muitas legislações penais; c) não se reprovaria (segundo Direito penal do inimigo) a culpabilidade do agente, sim, sua periculosidade. Com isso a pena e a medida de segurança deixam de serem realidades distintas (essa postulação conflita diametralmente com nossas leis vigentes, que só destinam a medida de segurança para agente inimputáveis, loucos ou semi-inimputáveis que necessitam de especial tratamento curativo); d) é um Direito penal prospectivo, em lugar do retrospectivo Direito penal da culpabilidade; e) o Direito penal do inimigo não repeliu a idéia de que as penas sejam desproporcionais, ao contrário, como se pune a periculosidade, não entra em jogo a questão da proporcionalidade em relação aos danos causados; f) não se segue o processo democrático (devido processo legal), sim, um verdadeiro procedimento de guerra; mas essa lógica ‘de guerra’ não se coaduna com o Estado de direito; g) perdem lugar as garantias penais e processuais; h) o Direito penal do inimigo constitui desse modo, um direito de terceira velocidade, que se caracteriza pela imposição da pena de prisão sem as garantias penais processuais; i) é fruto, ademais, do Direito penal simbólico somado ao Direito penal punitivista (Cancio Meliá); j) as manifestações do Direito penal do inimigo só se tornaram possíveis em razão do consenso que se obtém, na atualidade, entre a direita e a esquerda punitivas (houve época em que a esquerda aparecia como progressista e criticava a punitivista da direita; hoje a esquerda punitiva se aliou à direita repressiva, fruto disso é o Direito penal do Inimigo); l) Direito penal do inimigo é claramente inconstitucional, visto que só se podem combater medidas excepcionais em tempos anormais (estado de defesa e de sítio); m) a criminalidade etiquetada como inimiga não chega a colocar em risco o Estado vigente, nem suas instituições essenciais (afetam bens jurídicos relevantes, causar grande clamor midiático e às vezes popular, mas não chega a colocar em risco a própria existência do Estado); n) logo, contra ela só se justifica o Direito penal da normalidade – Estado de Direito; o) tratar o criminoso comum  como ‘criminoso de guerra’ é tudo que ele necessita, de outro lado, para questionar a legitimidade do sistema; temos que afirmar que seu crime é uma manifestação delitiva a mais, não um tão de guerra.Destrói a razoabilidade e coloca em risco o Estado Democrático”.


Apesar de ter transcrito as críticas do professor, há pontos que vou explicar individualmente para a melhor compreensão da idéia central do trabalho.


Em primeiro lugar vou explicar a acepção do termo ‘direito’ do conceito da tese exposta, que é contraria aos fundamentos do Direito penal garantista. O Direito penal tem como principal função assegurar a paz e da proteção social, não só a população não delinqüente, como também aos transgressores da norma, contra abusos do Estado. Entretanto o ‘Direito’ penal do inimigo, tenta a todo custo suprir essa garantias, logo, se torna um falso direito, visto que, é contrário ao Estado de Direito Democrático, não podendo ‘conviver’ com os conceitos próprios do Direito penal (MAGANHAES, 2010).


Em segundo lugar critico a diferenciação que o autor faz entre ‘pessoa’ e ‘inimigo’. A doutrina atual diz que essa diferenciação teve amparado na Teoria dos Sistemas de Luhman, que foi criticada “por sua despreocupação com os aspectos materiais dos conflitos que ocorrem no meio social e o seu desprezo pela desigualdade entre os membros da coletividade” (MORAES, 2010, p. 102). Assim sendo, o Estado de direito não tolera que uma pessoa seja privada de seus direitos fundamentais, por meio de uma simples finalidade preventiva, ou seja, a medida imposta ao individuo não leva em conta o injusto cometido e o grau de autodeterminação para a sua atuação.    


Em terceiro lugar demonstro à incompatibilidade do ‘Direito’ penal do inimigo com o princípio do Direito penal do fato. Conforme aduz Dotti (2005) citado por Moraes (2010, p. 259) a tese defendida por Jakobs representa “a ressurreição de uma concepção nazista sobre o ser humano, agora sob o foco do preconceito social”, logo, o Direito penal do inimigo é uma espécie do Direito penal do autor. Este por sua vez, vai de encontro com o Direito penal do fato, que nada mais é que a exclusão da responsabilidade jurídica penal dos atos preparatórios, visto que, estou punindo um ‘fato’ praticado pelo autor, e não, a figura do autor em si mesmo. Ao dizer que nossa sociedade possui as duas figuras (cidadão e inimigo) significa retroceder a um momento histórico que todos tentam apagar da memória.


Em quarto lugar menciono à divergência da função da pena. A teoria defendida pelo ilustre autor representa uma prevenção geral positiva, ou seja, a pena reage frente à dúvida da vigência da norma, através do delito reafirmará a confiança social do Estado, visto que, de acordo com a tese toda a infração criminal pressupõe a quebra de uma norma (JAKOBS e MELIÁ, 2010, p.102).   


O ponto mais importante a ser discutido em relação às criticas do Direito penal do inimigo é a quebra do Estado de Direito. O penalista alemão invoca o Estado de direito concreto em sua tese, porém, se torna inaplicável, visto que, o soberano vai designar como inimigo quem considerará oportuno, ficando este sem pode oferecer resistência. Dessa forma qualquer um pode ser considerado inimigo, ficando a sociedade num estado de alerta constante, esperando a nova denominação de inimigo, informado pelo Estado. Não respeitando os princípios constitucionais, bem como, devido processo legal, presunção de inocência, intervenção mínima, responsabilidade penal subjetiva, culpabilidade, legalidade, entre outros.  Ao observar a história brasileira nota-se que a aplicação do direito penal do inimigo ao ordenamento jurídico pátrio será um retrocesso aos anos da ditadura militar na década de 60 e 70.


VESTÍGIOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


O ordenamento jurídico pátrio não fica de fora da tendência mundial de expansão legislativa no âmbito penal que têm com objetivo combater ostensivamente à criminalidade, por meio da aplicação Direito penal do inimigo. Ao ser incorporado à norma, causa uma falsa ilusão de segurança à sociedade, pois não possui conseqüência prática e nem reduz à criminalidade.


A doutrina majoritária aponta como exemplos do Direito penal do inimigo no sistema jurídico brasileiro, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), a Lei 9.614/98 que trata do abate de aeronaves suspeitas, e a Lei de crimes hediondos antes da alteração da Lei 11.464 de 28 de março de 2007.


Em 2003 a Lei 10.792 alterou a Lei de Execução Penal, introduzindo o chamado Regime Disciplinar Diferenciado, que abrigará conforme o parágrafo 2º do artigo 52, “presos provisórios ou condenados sob o qual recai suspeita de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.


Segundo Pacheco de Carvalho (2005) citado por Moraes (2010, p.277) menciona que “a pratica do ato doloso (previsto no caput do artigo) é vago e impreciso e a lei não exige a existência da condenação, ferindo o princípio da presunção da inocência”, logo não se aplica à punição por fato típico, antijurídico e culpável (teoria tricotômica) e sim, pela periculosidade do autor. Em outras palavras o Regime Disciplinar Diferenciado vai muito além do controle de disciplina dentro do cárcere, pois pune o criminoso observando a sua essência humana.


No mesmo sentido, o professor Rômulo de Andrade Moreira (2006) afirma que o RDD é inconstitucional num todo:


“Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranqüilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituídas penais cruéis conforme artigo 5º, inciso XLVII, alínea ‘e’, assegurando ao preso sem qualquer distinção o respeito a integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX) e garantindo que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III).”


A Lei 9.614/98 chamada de Lei do Abate possibilita a destruição de aeronaves suspeitas de estarem transportando armas de fogo ou traficando entorpecente, no espaço aéreo brasileiro, desde que não descumpra a ordem de pouso da Força Aérea. Tal lei é inconstitucional, pois introduz uma execução sumária aos passageiros do avião, sem a observância do princípio do devido processo legal, visto que, para aplicar a norma basta uma simples suspeita (CREMASCO, 2008).


Dessa forma, conclui-se que o Direito penal do inimigo não encontra guarita explicita no ordenamento jurídico brasileiro, mas ao está em vigor o Regime Disciplinar Diferenciado e a Lei do Abate encontra-se presente o direito penal do autor mesmo que implicitamente.   


Outro exemplo seria a Lei de Crimes Hediondos (8.072/90) antes da alteração feita pela Lei 11.464/07. No inicio da década de 90, o Estado atendendo ao apelo do povo impõem um poder punitivo (cumprimento da pena em regime integralmente fechado) para inibir a violência, esquecendo que a base da violência está no modelo estatal de desigualdade social. Logo não se resolve a questão da segurança social promulgando leis severas sem antes combater a desigualdade social. Para combater a criminalidade é necessária uma intervenção efetiva do Estado mediante uma política pública, com o objetivo de dar dignidade humana às áreas pobres do país. Atualmente o dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82.959-7.


Conforme cita Alberto Silva Franco (2007) apud de Alencar (2010):


“A Lei de Crimes Hediondos cumpriu exatamente o papel que lhe foi reservado pelos meios de comunicação, ou seja, o de dar à população a falsa idéia de que, por meio de uma lei extremamente repressiva, reencontraria a almejada segurança”.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Atualmente o Direito Penal passou a ser visto, não só pelo Estado, mas também pela sociedade, como uma solução para resolver os problemas sociais que a humanidade enfrenta. O Direito penal do inimigo surge nessa visão da aplicação da lei de forma mais severa ao titulado ‘inimigo’, divorciando-a das garantias prevista na Constituição, bem como nos Tratados Internacionais, que possui como alicerce o direito garantista.


Com o estudo aprofundado sobre o tema concluo que em hipótese alguma podemos desprezar as conquista de cunho humanitário, visto que, milhares de pessoas morram para nos deixar esse legado e a liberdade não pode ser vista como um contra ponto à segurança pública. Logo as leis penais excessivamente repressivas não surtam efeito no combate à criminalidade, tornam-se simbólicas. Para tanto é necessário uma intervenção Estatal, com o planejamento de política pública nas áreas sócias com maiores desigualdades.


Nesse mesmo sentido o ilustre autor Admaldo Cesário dos Santos (2010) aduz que:


“No nosso ângulo de visada, propugnar um direito punitivo contra alguém, totalmente divorciado de garantias, ou de forma desumana, somente pelo fato de tal pessoa ter desrespeitado o direito, ou de ser-lhe uma ameaça, parece-nos incongruente. Além do que, pretender infligir pena a alguém, negando-lhe o direito de ser considerado como pessoa à luz do garantismo jurídico, por uma arcaica consolidação contratualista, em total afronta aos ditames do Estado Democrático de Direito, é-nos de todo irracional.”


Essa divisão do Direito Penal que de um lado tenho o cidadão e do outro o ‘inimigo’, além de afrontar o Estado de Direito, pois nego a dignidade ontológica do ser humano como pessoa, também vou ferir os princípios vigentes na nossa Constituição. Dessa forma concluo que não se pode valorizar a figura do inimigo de tal forma que desvalorize a dignidade da pessoa humana, visto que, a norma é feita para proteger o individuo dos abusos praticados pelo Estado, não o contrário; e além do mais, a Constituição Federal, impõem a igualdade a todos os seres, sem a distinção de qualquer natureza, por meio de Cláusula Pétrea.


 Ressalta-se ainda que o dilema agravasse em relação aos países subdesenvolvidos, pois como excluirá um individuo do conceito de pessoa, quando o próprio Estado impediu essa socialização desde o seu nascimento. No Brasil há história não é diferente, pois o nosso sistema é falho e corrupto, enquanto uma determinada classe de pessoas ao praticar algum delito sempre fica impune, há aquele que são punidos, mas após anos em prisão cautelar comprovasse a sua inocência. Ao se aplicar essa teoria no nosso ordenamento continuaríamos punindo inocentes, porém de forma mais dura, pois retiraríamos as garantias inerentes a eles.


Em minha opinião para que o combate à criminalidade tenha eficácia é necessário estabelecer uma política pública temperada por limites consolidados em uma legislação racional e observar os direitos e garantias, referentes à dignidade da pessoa humana, aplicando dessa forma, o Direito penal sancionador como ultima ratio.    


 


Referências

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MOREIRA, Rômulo de Andrade. Regime disciplinar diferenciado (RDD): inconstitucionalidade. Jurisprudência comentada. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1143, 18 ago. 2006. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/8817>. Acesso em: 21 jan. 2012.

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Nota:

[1] Trabalho orientado pelo prof. Leonardo Henrique da Silva

Informações Sobre o Autor

Flávia Regina Oliveira da Silva

Bacharel em Direito pela UNIFLU – Faculdade Direito de Campos/RJ, Pós- Graduação em Curso, Cienciais Penais – LFG Anhanguera -UNIDERP.


Equipe Âmbito Jurídico

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