Direitos Fundamentais e Direitos Humanos

Processo Histórico: Do surgimento aos dias atuais

Antes de se falar em Direitos Humanos e sua relação entre ordem interna e internacional, faz-se necessário não só a prática, como o entendimento dos próprios direitos em pauta: saber o motivo pelo qual existem, suas justificações e utilidades, para viabilizar maior possibilidade de efetivação.

Esse estuda justifica-se pela acertiva de que reconhecidas as instituições que denegam os direitos ao homem, entende-se melhor o processo que os constitui, tendo em vista que o desrespeito aos mesmos “constitui fonte para denegrir o próprio sistema legal, nos seus aspectos estruturais e conceituais”[1][1], contribuindo a quebra dos sistemas que estão, de alguma forma, interligados.

O conspícuo Rogério Gesta Leal, somatizando ao conhecimento do processo histórico de tais direitos, orienta-nos nesse sentido:

o conceito de direitos humanos é, pela tradição no Ocidente, tratado principalmente pelo marco do direito constitucional e do direito internacional, cujo propósito é construir instrumentos institucionais à defesa dos direitos dos seres humanos contra os abusos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, ao mesmo tempo em que busca a promoção de condições dignas de vida humana e de seu desenvolvimento ( … ) isso proporciona uma das bases importantes a saber: que os direitos humanos dizem respeito tanto ao homem, quanto ao cidadão; que os direitos humanos protegem o indivíduo que não está em conflito com o Estado, pois existe unicamente através de seus órgãos[2][2] (grifo nosso)

Primordial se faz, então, revisitarmos os momentos históricos, bem como alguns dos conceitos estabelecidos pelos povos, como hebreus ( e o significado dos Dez Mandamentos ), os judeus, o povo grego[3][3] ( que possui uma concepção de existência voltada para o humanismo ), o romano[4][4].

Ilustres pensadores preocupavam-se com os caminhos a serem galgados pela civilização. Tanto que, questões como ética, justiça, direito natural, trouxeram discussões fundamentais a cerca do tema. Nesse contexto surge o pensador Aristóteles (384-332 a.C.). entretanto, anteriormente, temos a contribuição da escola sofista do século V a.C., como inominável crítica a cerca do princípio da autoridade. Admitiam, mesmo por sua teoria individualista, a impossibilidade de se formar uma verdade universal (ciência objetiva universal), em virtude de cada ser possuir determinada visão acerca da realidade.

Além desse individualismo, possuíam o subjetivismo, por negarem terminantemente a verdade subjetiva (ex. negavam existência de uma justiça absoluta). Apesar de sua teoria crítica, atraíam a “atenção para problemas inerentes ao homem e ao pensamento humano”[5][5].

Platão, filósofo idealista, sua contribuição aos direitos humanos foi através do diálogo “As Leis”, no qual a justiça puniria os que burlassem o estabelecido pelo Direito Divino. Defende, não menos, a ética nas relações econômicas, que não deveriam servir de instrumento de enriquecimento através de atividades ilícitas, a solidariedade e a felicidade.

Criador da Tópica, técnica de pensar os problemas, Aristóteles tece um pensamento exatamente por dúvidas, galgando pelos caminhos do dever ser, dissociado da realidade. Para ele, o bem maior é a felicidade humana, realizável tão somente na pólis, já que o homem, por sua natureza, é animal feito para sociedade civil. daí surge a necessidade de um Estado, com intuito de fazer com que os homens vivam juntos e (vivam) bem, almejando a virtude e a felicidade universal. Associa a justiça com a idéia de igualdade, mesmo sendo ela restrita aos cidadãos da pólis[6][6].

Essas teorias se fundamentam em notáveis resquícios de violações e, por isso, a consequente necessidade de se resguardar tais direitos burlados, desde a Cidade Antiga, na qual o cidadão era nada independente, tanto que seu corpo e seus haveres estavam sempre à disposição da pólis. A vida privada não escapava à onipotência do soberano.

Essa disposição dos direitos é claramente demonstrada, no momento em que a cidade-estado podia, como regulado nos códigos de Esparta e Roma, dispor do direito a não permitir que seus cidadãos fossem disformes ou monstruosos, delegando aos pais que gerassem tais criaturas, a tarefa de matá-los, por se caracterizarem como aberrações.

A educação também estava restrita pelo total controle do Estado. A Cidade Antiga também não pensava em reconhecer o direito da criança. O direito à escolha de crenças era inconcebível, sendo o indivíduo obrigado a se submeter à religião da própria cidade. A pessoa humana tinha muito pouco valor frente a autoridade estatal, desconhecendo a mais longínqua noção de liberdade, tendo como impossível a existência de direitos em face da cidade e de seus deuses.

Engrenando ao contexto da Europa pré Declaração Francesa, constataremos o Estado Absoluto[7][7], composto pela ação conjunta do Estado e do Clero com o Cristianismo na forma religião oficial.

Foi a doutrina cristã que mais valorizou a pessoa humana.  Concebeu-se vínculo entre indivíduo e a divindade, superando a concepção do Estado como única unidade perfeita. O homem- cidadão foi substituído pelo homem- pessoa e, na escola Patrística de Santo Agostinho,

O direito natural era manifestação pura da vontade de Deus, à qual os direitos terrenos deveriam submeter-se.”[8][8]

Todavia, a Igreja condicionava o cidadão a ser submisso ao Estado, considerando os hereges como inimigos deste. A autoridade do soberano era vista como emanada diretamente de Deus[9][9].

Nessa fase história, emerge Tomás de Aquino e suas teorias cristãs. Dele advém a noção de que os direitos humanos se propagam com maior intensidade, tendo em vista que o postulado cristão emerge como religião privilegiadora do aspecto humanitário, com caráter universal, não estando centrada em um único povo, pois preceitua atingir a todos indistintamente. Vejamos:

a religião cristã, pelo seu universalismo, representa um código de posturas e condutas humanas que priorizam a questão dos direitos humanos em um nível de abstração tal que generaliza sem discriminações[10][10].

O sentido universalista cristão tomou vastas dimensões no período medieval. Tomás de Aquino inova ao classificar as leis em três tipos: a lex aeterna (advinda da razão divina); lex naturalis (conhecida pelos homens através da razão, é reprodução imperfeita e parcial da lex aeterna); lex humana (é produto do homem).

Afirma diferir o homem das criaturas irracionais justamente pela sua racionalidade, já que é imagem de Deus e é essa racionalidade que aproxima o homem de Deus, abrindo para um direito natural.

Surge a inquisição como sistema penal, com fins de subtrair confissões. A tortura, instrumento característico na Idade Média, continuava a ser utilizado no contexto dessa política governamental, principalmente contra os adversários de idéias e opiniões formulados pela Igreja juntamente com o Estado. As confissões obtidas eram forçadas e legitimadas pelo aparato jurídico trazido do direito romano. Com tanta produção de pavor e injustiças, surgem as críticas contra o Estado, baseadas na afirmação de uso do poder arbitrariamente por este.

De qualquer sorte, não serviu, o Cristianismo, para institucionalizar os direitos da personalidade contra o Estado. Ou seja, houve um poder advindo de Deus, valorizando a pessoa humana, mas não houve instrumentalização às garantias ou mecanismo a sua proteção.

Emerge, em meio a esse quadro, na Europa, “uma tradição de garantias do indivíduo que propiciou o surgimento da doutrina contratualista, a qual inverteu a fonte e origem do poder de Deus para os próprios homens”[11][11].

Movimentos com objetivo de promover mudanças (podemos citar o próprio Iluminismo) vem à tona. Aparece o conceito de Contrato Social. A teoria contratualista demarca uma primeira aproximação ( moderna ) sobre os direitos humanos, na qual os indivíduos passam a pactuar comportamentos e condutas individuais e coletivas, renunciando alguns direitos em prol da preservação de outros, como a vida, a propriedade, a liberdade, a igualdade, como forma de saírem de um estado primitivo. Com isso, tais direitos preservados vincular-se-iam a todo sistema estatal e social, tornando-se eternos e inalienáveis, existindo, para o Direito Natural, independentemente de seu reconhecimento pelo Estado, já que diretamente relacionados com a natureza do homem.

A burguesia, como nova classe social, ascende. O homem passa a ser visto como centro do Universo, há forte apelo à razão natural, considerando como base, não mais Deus, mas o próprio indivíduo. Surge uma nova concepção jurídica baseada no jusnaturalismo, com princípios da igualdade formal e da universalidade do Direito.

O Jusnaturalismo[12][12] espalhou-se  por toda a Europa e América ( a partir do século XVII ), servindo como base doutrinária para as declarações de direito da centúria seguinte, aonde tais documentos passaram a enunciar formal e solenemente os direitos fundamenteis dos individuais ( esses documentos representavam verdadeiros manifestos políticos das novas forças sociais emergentes ). Ou seja, surge como um do primeiros fundamentos filosóficos do direitos humanos, enquanto “corrente ideológica defensora de um direito existente além do direito positivo”[13][13].

Os direitos individuais não eram considerados advindos ou criados pelo Estado, mas somente declarados por ele, para existirem, já que eram deduzidos da natureza humana ( este era o sentido das declarações ). Visto isso, era vedado ao Estado intrometer-se na esfera dos direitos individuais, cabendo-lhe zelar por sua observância e conservação. Os principais direitos eram: a vida, liberdade, segurança, propriedade, resistência, opressão. A igualdade dos homens era reconhecida à medida que se conferia a titularidade de tais direitos a todos os indivíduos indistintamente.

A Idade Moderna caracteriza-se pela ruptura do direito natural e religião, posto que tal direito passa a figurar no plano da racionalidade, sendo considerando como migrado da razão humana e não mais de uma entidade divina. Assim, o direito passa a emanar da razão, tornando-se o homem objeto do pensamento jusnaturalista.

O direito natural é comparativo para formação do direito positivo como ordem jurídica do Estado.

É nesse contexto que o “os direitos humanos surgiram a partir do pensamento racional do próprio homem acerca da sua dignidade enquanto ser humano (…) surgem a s reflexões do alemão Immanuel Kant, principalmente em relação à problematização do saber e à perquirição do sobre o ser dos direitos humanos, ou seja, a gnoseologia e a ontologia destes”[14][14].

Kant tem a justiça como princípio universal. Suas idéias “permitiram o desenvolvimento posterior de legislações internacionais que culminaram na célebre Declaração Universal dos Direitos do Homem (…) que colocou suas bases para a transformação do indivíduo singular em sujeito de direito internacional. O desenvolvimento de um moderno direito internacional dos direitos humanos tem, saibam ou não os seus pregadores e defensores, uma forte influência do filósofo Konigsberg com a idéia de uma cidadania cosmopolita, abrangendo todos os seres humanos, potenciais cidadãos do mundo”[15][15].

O jusnaturalismo, entretanto, culminou com o denominado jusnaturalismo democrático, ou seja, legítima era aquela decisão da maioria. Com a conseqüente positivação de vários dos diretos humanos, houve a obrigação de se realizar aprofundado estudo sobre as leis que formavam o ordenamento jurídico dos Estados. Daí surgem as escolas filosóficas, como a Pandectística que surgiu no século XIX, tendo sua origem germânica, formada por juristas que realizavam estudos sobre as Pandectas ou Digesto de Justiniano.

Realça-se também o positivismo jurídico, que vem como ciência valorativa, tendo em vista a busca do direito pela realidade normativa, objetivando Ter-se conhecimento de uma norma efetivamente válida em determinada ordem. Nesse contexto, o direito dita qual a moral a ser aplicada dentre das várias existentes, saindo essa do plano fático, ingressando ao do direito positivo, com fim determinado.

Dentro desse pensamento positivista, destaca-se Hans Kelsen, o qual deu origem à Teoria Pura do Direito, a qual exclui tudo aquilo que esteja aquém  da ciência jurídica, isto é, tudo não determinável como direito. Assim  o objeto de estudo da ciência do direito é a norma. Nessas linhas, tem-se como centro o “dever ser” e não “o ser”, pois se a norma impõe determinada conduta, o indivíduo deveria em concordância a ela proceder.

Kelsen, também, não persevera uma correspondência entre direito natural e direito positivo, já que diferem em seus fundamentos. Bem como, não vislumbra um direito subjetivo como transcendente a ordem jurídica, posto que se caracteriza como algo precisamente técnico-jurídico. Admite ser este tão somente o reflexo de um dever jurídico. Não concebe tal ilustre direitos humanos que não estejam positivados no ordenamento. Ou seja, põe-se a limitar os direitos humanos, estando estes limitados ao espectro jurídico e não transcendental.

Contudo, como nos assegura Norberto Bobbio, o jusnaturalismo não atingiu seu ápice, posto que se apresenta mais como ideologia de querer o direito.

O Estado Absoluto passa por uma reconceituação. Com a secularização, o Estado e a Igreja dividem-se, percebendo-se, então, os primeiros documentos que estabelecem a existência de direitos independentes da vontade do Estado.

Fábio Comparato busca a concepção de direitos humanos depois da Idade Média. O direito comunal europeu, fundado na liberdade e igualdade opunha-se drasticamente à compartimentalização social e às servidões feudais. O absolutismo passou a ser contestado na reação dos barões ingleses que no século XIII impuseram a João Sem Terra o reconhecimento dos direitos fundamentais, inscritos na Magna Carta e que aperfeiçoara nas bill of rights que lhe seguiram.

Saltando aos antecedentes históricos recentes, teremos a Magna Carta Libertatum ( 1215 ), a Petiton of Right ( 1628 ), o Habeas Corpus Act ( 1679 ), a Bill of Right ( 1689 ), o Act of Seattlement ( 1701 ).

No entanto, é com as Revoluções Inglesa ( 1688 ), Americana ( 1776 ) e Francesa ( 1789 ), que se introduz uma preocupação em se construir elementos sólidos, efetivadores dos direitos humanos.

Em 1688, como consequência da Revolução Inglesa, surge a Declaração dos Direitos ( Bill of Rights ).

A Convenção de Virgínea, em 20 de junho de 1776, sanciona o que se pode considerar como a primeira declaração de direitos em sentido moderno e, em 04 de julho de 1776, A Declaração de Independência proclama alguns direitos já veiculados na Declaração de Virgínea, agregando outros, como a insurreição contra o poder arbitrário por parte dos governantes.

As Declarações Americana e Francesa universalizam os conceitos iluministas. A Revolução Francesa do séc. XVII absorveu em três os princípios basilares: “liberté, égualité, fraternité”.

Em 04 de julho de 1774, o Congresso Continental, nos EUA, formulou uma declaração. Em 1776, a Revolução Americana formulou a Declaração de Independência. A seguir, surgiram as várias “bill of rights” dos Estados independentes americanos, como a de Virgínea ( que introduziu em sua Carta a primeira Declaração de Direitos do Homem.

Em 26 de agosto de 1789, a Assembléia Nacional elaborou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[16][16], inspirada nos precedentes norte-americanos, proclamando que “todos homens nascem livres e iguais em direitos” e que “o fim de toda associação política é o da conservação  dos direitos naturais e imprescritíveis do homem, identificados como a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Como não deveria de ser, arrola, em seus arts. 3º, 5º, 7º e 16º o Princípio da Legalidade:

ARTIGO 3. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis dos homem. Estes Direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. (destacamos)

ARTIGO 5. A lei não tem direito de proibir a não ser nas ações prejudiciais para a sociedade. Não se pode impedir nada que não seja proibidos pela lei e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não determina. 

ARTIGO 7. Nenhum homem pode ser acusado, encarcerado nem detido, a não ser nos casos determinados pela lei e consoante as formas por ela prescritas. Os que solicitam, determinam, executam ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser castigados; porém, todo cidadão chamado ou detido em virtude da lei deve obedecer instantaneamente; torna-se culpado pela resistência.

ARTIGO 16. Toda sociedade em que não estiver assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.

O  art. 8º[17][17] resguarda o Princípio da Intervenção Mínima. Por sua vez, o artigo 9º[18][18]  tutela o Princípio da Presunção de Inocência. Já o artigo segundo[19][19] vem para garantir todos os princípios nessa declaração dispostos, contra qualquer violação. Foi a Declaração Francesa que universalizou esses princípio fundamentais, manifestando uma nova dimensão na vida jurídica e em suas relações povo/poder.

Em termos de documentos, dota-se, também da Constituição Mexicana de 31.01.1917, da Constituição de Weimar, de 11.08.1919, da Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 17.01.1918, seguida pela primeira Constituição Soviética ( Lei Fundamental ) de 10.07.1918 e da Carta do Trabalho, editada pelo Estado Fascista Italiano em 21.04. 1927[20][20].

Durante a II Guerra Mundial ( 1939-1945 ), verifica-se os direitos promulgados pelas ditaduras que se instalaram na Alemanha, Itália e Japão.

Com a promulgação da Carta das Nações Unidas, em São Francisco, em 26.06.1945, a comunidade internacional nela organizada comprometeu-se a implementar o propósito de “promover e encorajar o respeitos aos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de cor, raça, sexo língua ou religião”. Para tal fim, a Comissão de Direitos Humanos, principal órgão das Nações Unidas dobre a matéria, foi incumbida a elaborar uma Carta Internacional de Direitos.

Então, em 10 de dezembro de 1948, abre-se a discussão a cerca dos Direitos Humanos, que alcançou seu apogeu com a aprovação, em Paris, da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, fomentando, em seu artigo 1º, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, eclodindo o ápice da igualdade. Tais princípios revitalizam os pressupostos da dignidade da pessoa humana e do respeito à integridade. Este foi o documento que definiu os direitos humanos e as liberdades fundamentais pela primeira vez na esfera internacional.

Todavia, é importante lembrar que, além da Declaração da ONU sobre Direitos Humanos, temos outros documentos. Dentre eles, podemos enumerar:

1.  Declaração dos Direitos do povo trabalhador e explorado, do Congresso Soviético Panruso de 1918;

2.  a Carta das Nações Unidas de 1945;

3.  as resoluções da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas;

4.  Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966;

5.  Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950;

6.  Carta Social Européia de 1961;

7.  Convenção Americana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981;

8.  Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de 1991.

A partir daí, percebe-se destaque por parte da Comissão de Direitos Humanos da ONU, no sentido da chamada internacionalização e universalização dos direitos humanos. Em 1993, com a Conferência de Viena, buscou-se assegurar as três gerações ( até então ) de direitos. Contudo, o ápice de tal conferência foi o reconhecimento da universalização dos direitos definidos na Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

A proteção internacional dos Direitos Humanos

Como visto anteriormente, no que toca aos antecedentes históricos de maior conotação a respeito do tema é a Carta Internacional de Direitos Humanos, constituída pela Carta das Nações Unidas, na qual tanto  a ONU, quanto os Estados partes comprometem-se a assumir compromisso em promover as liberdades fundamentais e os direitos humanos; pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 10 de dezembro de 1948; e pelos Pactos de Direitos Humanos que passaram a vigorar em 1976 (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos).

Entretanto, o rol de instrumentos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas é mais vasto. Nele, encontramos a Convenção para a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio de 1948; a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965; a Convenção sobre Direitos Políticos da Mulher de 1953; a Convenção Internacional sobre a Repressão e o Castigo de Crime de Apartheid (1973).

Mister, contudo se faz, ressaltar a existência de sistemas regionais, tema dos tópicos a seguir.

1. Sistema Europeu de proteção aos Direitos Humanos

Esse sistema, regulado pela Convenção Européia de Direitos Humanos, assinada pelos países Conselho da Europa em 04 de novembro de 1950, entrando em vigor à data de 03 de setembro de 1953, funciona dentro da estrutura da Comunidade Européia. É o mais adiantado no concernente aos direitos humanos e sua proteção. Seus órgãos podem ser divididos na Comissão Européia de Direitos Humanos[21][21] e na Corte Européia de Direitos Humanos[22][22].

2. Sistema Interamericano de proteção aos Direitos Humanos

No sistema interamericano, a Carta da OEA e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969[23][23] funcionam como fontes de tal conjunto, sendo que esta  prevê dois órgãos de proteção: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana é composta por 7 membros eleitos  pelo Conselho da OEA, com mandato de 4 anos. Tem função consultiva em caso de violações aos direitos humanos, bem como fazer recomendações sobre a matéria e elaborar relações e estudos.

Além dessas, enquanto órgão da Carta da OEA e da Convenção, recebe denúncias de pessoas, sejam físicas ou jurídicas, quanto à violação dos direitos humanos, decidindo ser esta aceitável ou não, prepara informes sobre os países e segue com investigações in loco. Cabe à Comissão, também, investigar, sem ter recebido petições[24][24] individuais ou estatais, a situação dos direitos humanos nos Estados- membro da Convenção.

No que toca à Corte Interamericana de Direitos Humanos[25][25], composta por sete membros eleitos pelos Estados- parte da Convenção, com mandato de seis anos, possui competência consultiva e contenciosa.

Aqui, tanto os Estados que tenham ou não ratificado à Convenção, se membros da OEA, bem como os órgão desta, poderão encaminhar consultas à Corte para que esta emita pareceres. Entretanto, como partes só poderão ser configurar os Estados e a Comissão, ou seja, indivíduo não pode ser parte em um litígio perante a Corte. A sentença proferida é definitiva e inapelável.

3. Sistema Africano de proteção aos Direitos Humanos

Esse sistema é configurado pela Carta Africana sobre os Direitos do Homem e dos Povos, adotada pela OUA em 1981, entrou em vigor em 1986.

Tal documento prevê a criação de uma Corte de Direitos Humanos, bem como estabelece uma Comissão, com faculdade a reconhecer petições individuais ou interestatais.

Acesso aos Tribunais Internacionais pelo indivíduo

O Direito Internacional nem sempre tem reconhecido o acesso aos tribunais internacionais pelo homem. Tal prerrogativa não é pacífica e tem acarretado diversas discussões Tanto é verdade, que a Corte Internacional de Justiça, caracterizado como principal órgão do judiciário da comunidade internacional, não reconhece o comparecimento deste como parte legítima.

Em tal contexto, podemos elencar diversos argumentos controversos ao direito do homem de comparecer perante a Corte. Dentre eles temos: o fato de não serem os indivíduos sujeitos internacionais; os indivíduos obtém proteção dos tribunais nacionais; na esfera internacional a proteção conferida aos indivíduos é a diplomática.

Mas a história também nos demonstra o contrário, tendo em vista que o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e o de Tóquio permitiu comparecimento do mesmo, enquanto réu de crimes de guerra, contra paz e contra humanidade. Não difere a Corte de Justiça Centro- Americana (1907-1918), os projetos de Tribunais Internacionais da Corte Internacional de Presas (1907) e a Corte de Justiça Criminal (1937)[26][26], os tribunais arbitrais mistos instituídos após a Primeira Guerra Mundial e a Corte de Justiça das Comunidades Européias[27][27].

Nesse sentido, existem os argumentos em proveito do indivíduo enquanto parte da Corte. Dentre elas, o fato de ser da competência do Comitê estabelecer o âmbito do Direito Internacional; o homem poder reclamar contra seu Estado, cabendo ai Direito Internacional fiscalizar os Estados no que concerne a tal domínio; o apátrida não ser respaldado por proteção diplomática.

Sistemas regionais de proteção e o acesso pelos indivíduos aos Tribunais Internacionais

O acesso dos indivíduos às Cortes Européias[28][28] e Interamericana[29][29] também não foi reconhecido quando da elaboração e adoção das Convenções Européia (1950) e Americana (1969) sobre Direitos Humanos. Sendo esse contexto, gradualmente modificado, principalmente no âmbito do sistema europeu.

A Corte Européia, ao aderir à Convenção Européia o Protocolo de n.º 9, também facultou ao indivíduo interpor perante à ela dados casos anteriormente admitidos pela Comissão, configurando assim , um relação direta com seus demandantes. Esse ato foi derradeiro à configuração do locus standis dos indivíduos perante a Corte. Contudo, ainda não lhes é conferida a égalité des armes com os Estados demandados e o pleno bônus de fazer uso do mecanismo da Convenção Européia para a reivindicação de seus direitos garantidos. E isso só foi perfectível no momento que o Protocolo n.º 11, substituto do two-tier system de controle, entrou em vigor à data de 01 de fevereiro de 1998, o indivíduo passou a Ter acesso direito a um Tribunal Internacional, tendo configurado seu jus standi, como verdadeiro sujeito e com plena capacidade jurídica de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Das Gerações de Direitos

Explanado, prolixamente, o roteiro histórico no que concerne aos direitos humanos, tornando-se evidente seu caráter de independência à vontade humana, e de universalidade[30][30], advinda de expressões históricas da humanidade, afirma-se ter sido conteúdo desses direitos constituídos e modificados ao longo do tempo, ensejando, assim, a classificação por as gerações[31][31] de Direitos Humanos.

O conspícuo Ingo Sarlet[32][32] nos orienta nesse sentido:

“(…) a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem”.

O referido aspecto de “universalidade” dos direitos humanos é peculiar a essa modalidade de direitos e se manifesta primeiramente na promulgação da Declaração Francesa de 1789 e no momento da Declaração da ONU[33][33]. Nas palavras de BONAVIDES, esta Declaração   ” procura, enfim, subjetivar de forma concreta  e positiva os direitos da tríplice geração (ainda não existiam os direitos de 4ª geração) na titularidade de um indivíduo que antes de ser homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por uma pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade”[34][34].

Assim, partindo dessa reflexão histórica, e a partir do que nos lega Norberto Bobbio, podemos classificar os Direitos Humanos em gerações[35][35]:

a)   direitos de primeira geração;

b)   direitos de segunda geração; e

c)   direitos de terceira geração.

Contudo, mister se faz esclarecer ser a doutrina divergente quanto a essa classificação, tendo em vista a divisão de alguns doutrinadores extender-se à quarta ou, até mesmo, quinta geração.

1.  Direitos Humanos de Primeira Geração:

Os direitos fundamentais de primeira geração[36][36], inspirados nas doutrinas iluminista e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII[37][37], são aqueles chamados de direitos civis e políticos, que englobam os direitos à vida, à liberdade, a propriedade, à igualdade formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva[38][38], os direitos de participação política[39][39] e, ainda, algumas garantias processuais.

São os direitos relacionados a questão do próprio indivíduo como tal (direitos à liberdade e à vida), Ou seja, direitos  que limitam a ação do Estado, consequência direta da luta anti-absolutista e do projeto burguês, que tendem a evitar a intervenção do estado na liberdade individual, caracterizando uma atitude “negativa” por parte dos poderes públicos.

Podem ser classificados como Direitos Civis e Políticos, também chamados de Direitos de Liberdade, sendo estes os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional e que em enorme parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente[40][40].

2.  Direitos Humanos de Segunda Geração:

Surgem no final do século XIX, tendo um cunho histórico-trabalhista embasados no marxismo, devido a busca de se instigar o Estado a agir positivamente para favorecer as liberdades, que anteriormente eram apenas formais.

Tem por objetivo conduzir os indivíduos desprovidos das condições de ascender aos conteúdos dos Direitos através de mecanismos e da intervenção estatal (por isso chamados de Direitos sociais). Postulam, dessa forma, a igualdade material pedindo a intervenção positiva do Estado para sua concretização.

Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas” ou Direitos Socio-políticos e econômicos. Aqui, ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração, exige-se uma conduta “positiva” do Estado, pelo fato de tratar da busca ao bem-estar social, por intermédio do Estado[41][41], fazendo parte dessa classificação, também, as chamadas “liberdades sociais”[42][42].

Ingo W. Sarlet[43][43],  transmite-nos que

a expressão “social” encontra justificativa, entre outros aspectos (…), na circunstância de que os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico”. 

3. Direitos de Humanos de Terceira Geração[44][44]

Também denominados de direitos de solidariedade fraternidade, foram desenvolvidos no século XX, compondo os Direitos que pertencem a todos os indivíduos, constituindo um interesse difuso e comum, transcendendo a titularidade do indivíduo, para a titularidade coletiva ou difusa, ou sejam, tendem a proteger os grupos humanos[45][45]. São os denominados Direitos Transindividuais[46][46].

Podemos referir, como direitos de terceira geração, os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente, qualidade de vida, à utilização e conservação do patrimônio histórico e cultural e o direito à comunicação.

Em tal contexto, cabe dizer que a maior parte dos direitos que englobam esta classificação, não encontram respaldo no texto constitucional, sendo consagrados com mais intensidade no âmbito internacional, principalmente no que diz respeito a direitos à paz e ao desenvolvimento e progresso social.

4.  Direitos Humanos de Quarta e Quinta Geração[47][47]

São aqueles em que seu surgidos se dá dentro da última década, devido ao grau avançado de desenvolvimento tecnológico da humanidade, sendo estes ainda apenas pretensões de direitos.

No caso da Quarta Geração, poderíamos colocar que seriam os direitos ligados a pesquisa genética, surgidos da necessidade de se impor um controle a manipulação do genótipo dos seres em especial o do ser humano. No caso dos Direitos da Quinta Geração, poderíamos ligá-los aos direitos que surgem com o avanço da Cibernética.

Entretanto, o precursor da idéia de existência de uma quarta geração de direitos fundamentais foi Paulo Bonavides[48][48], em resposta à globalização dos direitos fundamentais. Dentro dessa geração, estão inseridos os direitos à democracia, ao pluralismo e à informação.

Entretanto, longínquo está o tempo da positivação desses direitos, que, nas palavras do supra referido autor, “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política”[49][49].

Direitos Humanos e Direitos Fundamentais[50][50]

Os Direitos Humanos, como “referencial ético dos homens”[51][51], são aqueles inerentes à pessoa humana, não necessitando que os legislem, ou mesmo que os queiram, são direitos naturais universais. Também são vistos como pretensões de direitos. O conspícuo Carl Schmitt conceituou-os como “direitos do homem livre e isolado, direitos que possuem em face do Estado”[52][52]. Para Bobbio, “por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos”[53][53] e nascem de modo gradativo em virtude de determinadas situações.

Por sua vez, os Direitos Fundamentais, como “delineadores do perfil ético do Direito e definidores da ação estatal em seus diversos setores (executivo, legislativo e judiciário)”[54][54], caracterizam-se como “aqueles que cada ordenamento jurídico específico os considera como tais, variando segundo a normatização de cada Estado. São direitos absolutos e imutáveis”[55][55], visando tutelar, como os direitos humanos, a liberdade, a vida e a dignidade da pessoa humana.

No entanto, temos que perceber que a idéia de direitos fundamentais, “concebidos como um sistema ou ordem”, sofre uma ruptura, como referencia CANOTILHO[56][56], separando-os em duas fases: “uma anterior ao Virginia Bill of Rights e a Declaration des Detróids de I’Homme et du Citoyem, caracterizada por uma relativa cegueira em relação à idéia de direitos do homem; outra, posterior a esses documentos, fundamentalmente marcada pela chamada constitucionalização ou positivação dos direitos do homem nos documentos constitucionais”.[57][57]

Coloca-nos, ainda,  mestre J.J. CANOTILHO, ao invés da terminologia direitos humanos, utiliza “direitos formalmente constitucionais” (“são os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição”, por serem “enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal- normas que têm a forma constitucional) e “direitos materialmente formais” (seriam “outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, sendo denominadas de “materialmente formais” porque as normas que os reconhecem e protegem não têm a forma constitucional)[58][58], sem aludir à existência de direitos inerentes ao ser humano, direitos naturais, mas aos direitos positivos no âmbito nacional e internacional.

Em outra vertente, JOSÉ AFONSO DA SILVA[59][59] orienta que a terminologia “direitos humanos” é a preferida pelos documentos internacionais. Contudo, para ele, a expressão mais apropriada seria a de “direitos fundamentais do homem”, pois “além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.

Já NORBERTO BOBBIO realiza uma distinção entre direitos do homem unicamente naturais (que equivalem aos direitos humanos) e direitos do homem positivados (que equivalem aos direitos fundamentais), prelecionando que “quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência”.

Nesse contexto, apresenta-nos a “conversão universal em direito positivo dos direitos do homem”, realçando a diferença entre os direitos do homem inerentes a todo ser humano e direitos do homem efetivamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico-positivo de um determinado Estado[60][60].

ALEXANDRE DE MORAES assume a terminologia “direitos humanos fundamentais”, definindo-os “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”[61][61].

INGO SARLET delimeia uma distinção entre direitos do homem (como direitos naturais ainda não positivados), direitos humanos (como os direitos positivados na esfera do direito internaciona) e direitos fundamentais(como os últimos os “direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado”). Destaca, ainda, que o critério mais apropriado para diferenciar direitos humanos e direitos fundamentais é o da concreção positiva, tendo em vista que os direitos humanos têm contornos mais amplos e imprecisos que a terminologia direitos fundamentais, tendo esta em última um sentido mais preciso e restrito, na medida em que constitui o “conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito”[62][62].


 


 

Informações Sobre o Autor

 

Vanessa Flain dos Santos

 

Acadêmica de Direito na Unissinos/RS

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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