Resumo: A proteção dos Direitos Humanos, a questão ambiental, a luta pela erradicação da pobreza e o Direito ao Desenvolvimento dos povos constituem a grande prioridade da agenda internacional contemporânea. Requerem tanto da ciência jurídica como da ciência econômica em processos de contínua expansão, soluções aos problemas globais, além de um enriquecimento conceitual para fazer face às novas demandas. Assim, é importante dar maior centralidade e tratamento sistematizado nas três dimensões: Direitos Humanos (proteção do ser humano), Economia [Desenvolvimento e (de) crescimento] e Meio Ambiente (proteção ambiental versus recursos naturais), porquanto correspondem aos principais desafios da humanidade em nossa época. Faremos neste artigo, paralelos e interseções entre essas dimensões com intuito de contribuir para o fortalecimento da humanidade contra seus próprios impulsos, manifestados na violência em suas múltiplas formas, desde a degradação ambiental, os atentados contra os Direitos Humanos até o crescimento da pobreza extrema em todo mundo. Em termos de metodologia, foi basicamente usado o método dedutivo, com auxílio das técnicas do referente e da revisão bibliográfica. O estudo conclui que a proteção ambiental é uma forma de se conseguir o cumprimento dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento, uma vez que o Meio Ambiente se lesado influencia diretamente o bem-estar do ser humano.
Palavras-Chave: Direitos Humanos, Desenvolvimento, Economia, Meio Ambiente.
Abstract: The protection of Human Rights, the environmental issues, the fight for the eradication of poverty and the Right to Development of peoples constitute a major priority of the international agenda. Require both legal science or economics in the process of continuous expansion, solutions to global problems beyond a conceptual enrichment to meet the new demands. Thus, it is important to give greater centrality and systematic treatment in three dimensions: Human Rights Protection, Economics and Environment environmental protection, because correspond to the major challenges facing humanity in our time. We will in this article, parallels and intersections between these dimensions in order to contribute to the strengthening of humanity against their own impulses, manifested in violence in its many forms, from environmental degradation, attacks on Human Rights to the growth of extreme poverty in world. In terms of methodology, was basically used the deductive method, with the aid of techniques and related literature review. The study concludes that environmental protection is a way to achieve compliance with the Human Rights and Development, once the Environment is injured directly influences the well- being of humankind.
Keywords: Human Rights, Development, Economy, Environment.
Sumário: 1.Considerações Iniciais: uma aproximação necessária entre Direitos Humanos Meio Ambiente e Desenvolvimento; 2. Direitos Humanos e Desenvolvimento sob a ótica dos economistas; 2.1. O Desenvolvimento como um Direito Humano; 2.2.O Índice de Desenvolvimento Humano IDH como uma forma alternativa de mensurar o Desenvolvimento; 2.3.Decrescimento e Desenvolvimento na ótica de Serge Latouche e a questão da Sustentabilidade Ambiental; 3.Recursos Naturais Economia e Meio Ambiente; Considerações Finais.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: UMA APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE DIREITOS HUMANOS, MEIO-AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
Embora haja estudos paralelos entre Direito Humanos, Meio-Ambiente e Desenvolvimento, no plano da elaboração conceitual persiste até o momento a insuficiência de estudos aprofundados que enfocam especificamente a relação entre os regimes de proteção (proteção do ser humano e proteção ambiental) [1] e a questão do desenvolvimento, não obstante a vasta bibliografia especializada em um e em outro, separadamente. Portanto, cabe promover a justa harmonia nas relações dos seres humanos entre si, e a plena integração destes com a natureza.
Dessa forma procuraremos neste artigo fazer interseções entre essas três dimensões Direito (proteção do ser humano), Economia [Desenvolvimento e (de) crescimento] e Meio Ambiente (proteção ambiental versus recursos naturais) por corresponderem aos principais desafios da humanidade em nossa época. O objetivo é trazer elementos para que se possam fazer reflexões a fim de se contribuir para o fortalecimento da humanidade contra seus próprios impulsos, manifestados na violência em suas múltiplas formas, desde os arsenais de armas de destruição em massa, o alarmante crescimento da pobreza extrema em todo mundo até nos atentados na violação dos Direitos Humanos.
O foco de atenção como diz Cançado Trindade, deverá transcender neste propósito a questão dos recursos naturais e sua exploração, pela qual tendem a inclinar-se muitos governos, para alcançar o tema crucial das condições de vida e do bem estar da população[2].
No plano histórico, existe já desde a década de 1960 registros de preocupação na proteção desses domínios de forma interligada, embora ainda não com a necessária conexão, exceto o caso especial da cientista norte-americana Rachel Carson, que em seu trabalho silint spring (primavera silenciosa) – reconhecido geralmente como o principal impulsionador do movimento global de proteção do Meio Ambiente – chamou atenção para o perigo do uso de pesticidas e asseverou a necessidade de todos os cidadãos saberem sobre os produtos que contêm venenos[3].
O conceito de direito foi integrado no Meio Ambiente no dia 22 de abril de 1970, portanto, no primeiro Dia da Terra, depois de uma manifestação levada a cabo pelo Movimento de Proteção Ambiental, uma vez que tinha se percebido que a poluição e a degradação ambiental não poderiam ser mais somente uma questão política.
Essa manifestação culminou com a criação da Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental) e em decorrência, a realização da primeira Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente em 1972 na cidade de Estocolmo, na Suécia.
A partir daí, a Declaração de Estocolmo resultante dessa Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente enfatizou pela primeira vez e em seu primeiro princípio que a preservação do Meio Ambiente é essencial para o gozo dos Direitos Humanos. Foi assim que vários documentos internacionais passaram a consagrar a proteção ambiental como uma pré-condição para o gozo dos Direitos Humanos.
Em sua resolução 45/94, a Assembléia Geral das Nações Unidas também recordou o estabelecimento em Estocolmo, determinando que todas pessoas têm o direito de viver em um ambiente adequado para sua saúde e bem-estar.
Na seqüência, em 1992, decorreu na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, outra Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, já integrando a dimensão do Desenvolvimento. Essa conferência ficou conhecida por ECO92 e adotou uma abordagem um pouco distinta e mais aprofundada do que aquela disposta na Declaração de Estocolmo. De acordo com a Declaração da ECO92:
“O exercício de determinados Direitos Humanos são necessários para a proteção do Meio Ambiente. O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano internacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluindo a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo as comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões”[4].
Portanto, a ECO92 chama atenção aos Estados para que facilitem e fomentem a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Advoga também o acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos pertinentes.
Já em relação aos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, cumpre ressaltar que o Sistema Europeu não consagra o Meio Ambiente como um Direito Humano. Porém, o Sistema Africano consagra-o dispondo que "para o seu desenvolvimento, todos os povos têm o direito a um Meio Ambiente satisfatório e sadio" [5]. Por sua vez, o Sistema Interamericano, foi o primeiro Sistema de Proteção dos Direitos Humanos a consagrar o Meio Ambiente como um Direito, estabelecendo que toda pessoa tem direito a viver em Meio Ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos e que os Estados partes promoverão a proteção, preservação e melhoramento do Meio Ambiente[6].
2. DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO SUB A ÓTICA DOS ECONOMISTAS
Muitas vezes, no dia-a-dia, quando se pretende falar de Desenvolvimento, usam-se várias expressões, tais como, crescimento, progresso, transformação, industrialização, e outras. Do ponto de vista da ciência econômica, o desenvolvimento é, basicamente, “o aumento do fluxo da renda, isto é, o incremento na quantidade de bens e serviços por unidade de tempo à disposição de determinada coletividade” [7].
Uma das principais discussões que existe no meio acadêmico é quanto à separação entre o Desenvolvimento e o crescimento econômico[8]. Sobre esse aspecto, Sachs diz que “é importante deixar bem claro que o Desenvolvimento não se confunde com o crescimento econômico, que constitui apenas a sua condição necessária, porém não suficiente” [9].
No entanto, alguns economistas atribuem apenas os incrementos constantes no nível de renda como condição para se chegar ao Desenvolvimento, sem, no entanto, se preocupar como tais incrementos são distribuídos[10]. O economista Paulo Sandroni, por exemplo, considera Desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, isto é, os incrementos positivos nos produtos, acompanhado por melhorias de nível de vida dos cidadãos e por alterações estruturais na economia[11].
De outro lado, David Ricardo um dos fundadores da Escola Clássica Inglesa da Economia Política tem como preocupação central o crescimento econômico e não o Desenvolvimento. Este economista defende a concentração da renda a favor dos capitalistas urbanos industriais, por serem responsáveis pela acumulação que determina o crescimento econômico, gerando mais emprego e Desenvolvimento. Portanto, observa-se uma preocupação com o crescimento da economia, e não necessariamente no processo de Desenvolvimento[12].
Já Adam Smith, o precursor da Teoria Econômica Moderna, no seu mais famoso trabalho Riqueza das Nações defende que a riqueza de uma nação constitui-se a partir do trabalho produtivo, com o aumento dos investimentos em capitais produtivos, a especialização da mão-de-obra e a divisão do trabalho. Para este economista o interesse coletivo é resultado das ações individuais privadas, e os indivíduos buscam atender ao seu interesse próprio e ao fazerem isso de forma indireta, acabam por atender aos interesses da coletividade, portanto o Desenvolvimento[13].
De qualquer das formas Vasconcelos e Garcia dizem que o Desenvolvimento deve resultar do crescimento econômico acompanhado de melhoria na qualidade de vida, ou seja, deve incluir as alterações da composição do produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social, como a pobreza, o desemprego, as desigualdades, a educação, saúde, alimentação, habitação, transporte e segurança[14]. Assim, há então a necessidade de se elaborar um modelo de Desenvolvimento que englobe todas as variáveis econômicas e sociais.
Milone ao tentar trazer um conceito sólido de Desenvolvimento, interligado aos Direitos Humanos, afirma que para se caracterizar o desenvolvimento econômico deve-se observar ao longo do tempo a existência de variação positiva de crescimento econômico, medido pelos indicadores de renda, renda per capita, PIB e PIB per capita, acompanhado de redução dos níveis de pobreza, desemprego, desigualdade e melhoria dos níveis de saúde, nutrição, educação, moradia e transporte[15].
As discussões sobre o Desenvolvimento foram crescendo principalmente no período posterior a segunda guerra mundial. Como fruto dessas discussões vislumbra-se a primeira declaração inter aliada de 1941 e a Carta do Atlântico do mesmo ano, na qual os aliados da segunda guerra mundial (EUA, URSS, Império Britânico, França, República da China, Polônia e Brasil), estabeleciam o compromisso que visava livrarem o mundo e obviamente seus próprios territórios, dos problemas que os perseguiam (e ainda hoje os perseguem), como o desemprego, as desigualdades sociais, políticas e econômicas, a miséria, descriminação racial, etc. Portanto, a intenção era criar condições e assegurar que todos os homens pudessem desfrutar de seguridade social e econômica [16].
Outro documento de maior importância no tocante a questões do Desenvolvimento é a Carta da ONU, divulgada em abril de 1945, composta inicialmente por 51 países, cujo objetivo era a melhoria dos níveis de qualidade de vida e a contribuição para a elevação dos níveis de Desenvolvimento em todos os sentidos do termo[17].
Desde a sua criação, a ONU está empenhada em:
– Promover o crescimento e melhorar a qualidade de vida;
– Utilizar as instituições internacionais para a promoção do avanço econômico e social;
– Conseguir cooperação internacional necessária para resolver os problemas internacionais de ordem econômica, social, cultural ou de caráter humanitário e;
– Promover e estimular o respeito aos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais de toda a população mundial[18].
Com a ONU intensificaram-se os debates em torno do conceito e dos meios para se alcançar o Desenvolvimento, sendo criados vários programas e organizações ligadas a questões monetárias, como o Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial, Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, o Programa das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, Organização Mundial da Saúde e outros, cada um com funções e instrumentos específicos de atuação, mas com um objetivo comum: melhorar a qualidade de vida das pessoas em escala global.
2.1. O DESENVOLVIMENTO COMO UM DIREITO HUMANO
A noção sobre o Direito ao Desenvolvimento coincide com o surgimento dos movimentos pró-proteção ambiental, portanto, a década de 1960, embora em contextos diferentes. A questão do Direito de Desenvolvimento dos povos surge no contexto de descolonização dos países africanos. Seu conceito foi abordado pela primeira vez em 1972 por dois eminentes acadêmicos, primeiramente por Keba Mbaye chefe de justiça do Senegal que considerou o Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano e depois pelo jurista Tcheco-francês Karel Vasak, que sustentou que o Direito ao Desenvolvimento é parte da terceira geração de Direitos Humanos[19].
No entanto, conforme Garcia o Direito ao Desenvolvimento dos povos foi um pouco esquecido pela doutrina, mas se trata de um tema fundamental para o futuro da humanidade e do planeta[20].
Já para Mohammed Bedjaoui, este direito constitui uma exigência afirmada pelos países do terceiro mundo, principalmente os países africanos, que almejam consolidar sua independência política através de uma libertação econômica[21].
O expert independente sobre os Direitos Humanos e Pobreza Extrema da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas Arjun Sengupta considera que
“O Direito ao Desenvolvimento é um processo no qual todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais são realizados plenamente, traduzindo-se no melhoramento de um vetor dos Direitos Humanos que é composto por vários elementos que representam tanto os direitos econômicos, sociais e culturais quanto os direitos civis e políticos” [22].
Essa opinião é também corroborada por Garcia que afirma:
“O Direito ao Desenvolvimento internamente se traduz em direitos sociais vistos desde uma perspectiva global e são os direitos sociais como a uma vida digna, a uma moradia descente, a saúde pública, à previdência social, à educação, etc. É o chamado direito coletivo de povos e nações e que por culpa da pobreza, da ignorância, da imigração econômica para os países mais ricos, das guerras por motivos algumas vezes étnicos ou por outros tipos de intolerâncias radicais que levam a genocídios e matanças sem precedentes, da exploração econômica de forma primitiva da natureza que leva a um deterioro das últimas reservas que o planeta possui etc., certamente é um direito difuso, transfronteiriço e por isso uma questão de direito transnacional”[23].
A Declaração de Viena, fruto da Conferência Internacional sobre Direitos Humanos que decorreu na cidade de Viena, Áustria entre 14 e 25 de Junho de 1993 destacou um aspecto importante, que é a interdependência entre Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos. Esta Declaração alerta também para o fato de que a falta de Desenvolvimento não pode ser invocada para justificar a redução dos Direitos Humanos internacionalmente reconhecidos.
2.2. O ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO – IDH COMO UMA FORMA ALTERNATIVA DE MENSURAR O DESENVOLVIMENTO
O conceito de Desenvolvimento Humano foi introduzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com o objetivo de combater a pobreza no mundo[24]. O arquiteto do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano que vem sendo publicado desde 1990 é o paquistanês (então funcionário do Banco Mundial) Mahbud ul Haq, cujo maior desejo era o de criar um indicador sintético capaz de fornecer a seus usuários uma espécie de hodômetro do Desenvolvimento[25].
Para tanto, ul Haq convocou dez Consultores Internacionais, sendo um deles o Prêmio Nobel de Economia de 1998, o indiano Amartya Sen. O tratamento dado a idéia de Desenvolvimento na passagem do séc. XXI por Amartya Sen foi um aperfeiçoamento da contribuição que pode oferecer no final dos anos de 1980 ao PNUD[26].
Depois de vários embates, Sen e Mahbud formaram a convicção de que só há Desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à aplicação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das coisas que as pessoas podem ser, ou fazer na vida e, são basicamente quatro nomeadamente:
– Ter uma vida longa e saudável;
– Ser instruído;
– Ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e;
– Ser capaz de participar da vida da comunidade[27].
Na ausência destas quatro, estarão indisponíveis todas as outras possíveis escolhas, sendo que muitas oportunidades na vida permanecerão inacessíveis. Além disso, há um fundamental pré-requisito que precisa ser explicado: as pessoas têm de ser livres para que suas escolhas possam ser exercidas, para que garantam seus direitos e se envolvam nas decisões que afetarão suas vidas, ou seja, a liberdade deve ser tida como sinônimo de desenvolvimento e, o desenvolvimento por sua vez visto enquanto liberdade, para usar uma expressão mais próxima a de Amartya Sen[28].
Com o mesmo objetivo, foi introduzido o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que procura viabilizar uma visualização dos graus de Desenvolvimento Humano das diferentes regiões do mundo, fazendo um contra peso ao Produto Interno Bruto – PIB.
Assim, o PNUD procura dar centralidade ao ser humano, tendo como propósito do desenvolvimento do homem e não a acumulação de riquezas, ao contrário do ideal do Desenvolvimento praticado após a II Guerra Mundial que colocava o progresso econômico como principal objetivo dos modelos de Desenvolvimento, sendo, no entanto, que as desigualdades sociais, as assimetrias mundiais e as catástrofes ambientais fizeram emergir a necessidade de construir novos modelos mais justos tanto para o homem como para o ambiente.
No entanto, o PNUD admite que o IDH tem algumas fragilidades, afirmando que o processo de Desenvolvimento é muito mais amplo e complexo do que qualquer medida sumária conseguiria captar, mesmo quando completada com outros índices. Ao mesmo tempo constata que o conceito do IDH não abrange todos os aspetos de Desenvolvimento, pois, não é uma representação da felicidade das pessoas, nem indica o melhor lugar no mundo para se viver. Todavia, a medição é baseada em três critérios: saúde, educação e renda, sendo que, os critérios possuem pesos e medidas iguais, ou seja, todos têm igual importância[29].
Também o IDH não é uma medida compreensiva, pois não inclui, por exemplo, a capacidade de participar nas decisões que afetam a vida das pessoas e de gozar do respeito dos outros na comunidade[30].
Porém o próprio PNDU admite que o IDH é um ponto de partida e uma forma alternativa de mensurar o Desenvolvimento, uma vez que o Desenvolvimento Humano procura deslocar os esforços para a esfera humana do Desenvolvimento, para além das esferas econômica, política, social. Por isso ela carrega a idéia de expandir, através da promoção de políticas públicas, as escolhas e oportunidades de cada pessoa[31].
Com o surgimento do debate sobre o Desenvolvimento Sustentável abre-se espaço para se equilibrar as principais dimensões dos modelos de desenvolvimento, mormente, o social, o econômico e o ambiental de forma a assegurar a sobrevivência das gerações atuais e das futuras, e o Desenvolvimento Humano como uma questão fundamental para os modelos de desenvolvimento das sociedades, que se pretendem sustentáveis.
Desde os anos de 1960 que as Nações Unidas tomaram consciência das assimetrias econômicas do mundo. Face e essa situação durante a década de 90 foram promovidas cimeiras e encontros para se debaterem as transformações a que o planeta terra estava a enfrentar. O processo de industrialização originou fatores desestabilizadores das identidades, em vários âmbitos [32].
O Desenvolvimento Humano dependerá de condições de sustentabilidade do processo de Desenvolvimento, isto é, dependerá de condições de responsabilidades cívicas de cada individuo.
O Desenvolvimento Humano tem a ver com pessoas, com a expansão das suas opções para viverem vidas plenas e criativas com liberdade e dignidade. O processo de Desenvolvimento das sociedades segundo o relatório do Desenvolvimento Humano deve ter como diretriz a formação de sistemas democráticos que permitam a participação de todas as pessoas, de modo a que se sintam parte integrante e que contribuam para a sociedade em que vivem [33].
De acordo com os economistas Griffim & Mckinley, uma abordagem baseada no Desenvolvimento Humano tem várias vantagens: primeiro, porque contribui diretamente para o bem-estar das pessoas; segundo porque é construído tendo por base a igualdade de oportunidades; terceiro, porque ajuda a criar uma distribuição mais igual dos benefícios do Desenvolvimento; em quarto lugar, porque permite explorar os vários tipos de benefícios de investimento nas pessoas, e finalmente a vantagem de complementar o capital físico com o capital humano [34].
A liberdade individual é a base e o meio mais eficaz para a sustentabilidade da vida econômica. Diz Amartya Sem que liberdade é sinônimo de desenvolvimento, e o desenvolvimento é visto como liberdade, de tal modo que existe um movimento recíproco entre ambos. Assim, conclui Amartya Sem, a ação livre e sustentada surge como motor essencial do Desenvolvimento e, o Desenvolvimento tem de ser mais referido á promoção da vida que construímos e as liberdades que usufruímos[35].
2.3. (DE)CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NA ÓTICA DE SERGE LATOUCHE E A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
Embora, a teoria do decrescimento tenha sobressaído recentemente, o movimento que Latouche representa nasceu em finais dos anos 70 a partir de pensadores críticos do Desenvolvimento e da sociedade de consumo como Iván Illich, André Gorz, Cornelius Castoriadis e François Partant. De fato, nos últimos anos, o francês Serge Latouche converteu-se no porta-voz e na referência mais conhecida da filosofia do (de)crescimento que é uma crítica construtiva ao paradigma dominante de crescimento ilimitado.
Para Latouche, são muitas as razões que no momento atual questionam a lógica do crescimento econômico. Diz ele que,
“Por um lado, sofremos crises de várias índoles, tais como econômica, financeira, ecológica, social, cultural e por outro, o aumento dos rendimentos per capita nas últimas décadas aconteceu em paralelo com uma aparente diminuição do grau de satisfação com a vida. Para dar um exemplo, só em 2005 os franceses adquiriram 41 milhões de caixas de antidepressivos, enquanto 49% dos norte-americanos asseguravam que a felicidade está no retrocesso, ao passo que 26% consideravam o contrário” [36].
O movimento do (de)crescimento é um slogan que junta os ateus da religião do crescimento e os agnósticos do progresso com o objetivo de quebrar a linguagem estereotipada dos viciados em produtividade.
Já o Desenvolvimento na ótica de Latouche é um conjunto de técnicas modernas colocando em operação máquinas, cuja conseqüência é permitir o crescimento da produção e a redução do custo humano. De acordo com este autor, pode-se dizer que a industrialização é a condição sine qua non do Desenvolvimento[37]. Diz ele que:
“Se pensarmos que a industrialização não passa da integração do progresso técnico, e que este não passa de um meio de aumentar a produtividade do trabalho humano, o Desenvolvimento, sob a forma da industrialização massiva é o ponto de passagem obrigatório de toda a sociedade desejosa de melhorar a sorte de seus membros” [38].
Porém, alerta que “a experiência nos permite constatar que a industrialização seja quais forem os juízos de valor que se possa fazer a seu respeito, tem um papel extraordinariamente destrutivo para a sociedade e a sociabilidade tradicional” [39].
De fato, com o crescimento das indústrias, fruto do desenvolvimento da ciência e da técnica permitida pela Revolução Industrial iniciada nos princípios do séc. XVIII e expandida até aos dias de hoje, houve um profundo impacto nos processos produtivos em nível econômico e social e ocorreu uma mudança nos padrões de consumo[40], sendo que daí começa tornar-se visível a desvantagem da industrialização, notando-se o empobrecimento da biodiversidade, poluição e alterações climáticas, a explosão dos grandes centros urbanos, a escassez de recursos naturais e a incapacidade do ecossistema planetário para reciclar resíduos sólidos.
Foi em decorrência desse processo de industrialização que se deu o primeiro passo para a emergência de uma consciência ambiental. Esse primeiro passo deu-se com o tema ecodesenvolvimento, a partir dos movimentos ecológicos como a Greenpeace onde os Estados foram sensibilizados para a necessidade de se mobilizarem para fazerem face às catástrofes naturais de grandes dimensões por todo o mundo.
Começou então a se pensar na noção de Desenvolvimento Sustentável. Foram, portanto, definidos valores comuns ao nível da sobrevivência no planeta, a necessidade de uma estratégica global que pudesse travar o rumo atual do desenvolvimento econômico para um futuro ecológico do planeta.
Em termos históricos, embora as questões ligadas ao Desenvolvimento Sustentável não sejam estranhas a humanidade, seus antecedentes mais recentes estão ligados ao Clube de Roma, sobre a inviabilidade do crescimento econômico contínuo. É assim que em 1971 foi publicado um informe com o título os Limites do Crescimento, cujo mesmo advertia sobre a necessidade do crescimento zero.
Na sequência, em 1974 no México foi realizado um encontro das Nações Unidas. Do encontro elaborou-se uma declaração, que ficou conhecida por Declaração de Cocoyoc em que se fazia menção ao termo Sustentabilidade. Este termo passou a ser assumido definitivamente em 1980 com a publicação da Estratégia Mundial da Conservação da Natureza.
O projeto de Desenvolvimento Sustentável ganhou destaque em 1987 com a elaboração do Relatório Brudtland, que definia o Desenvolvimento Sustentável como sendo “aquele Desenvolvimento que visa satisfazer as necessidades das gerações presentes, sem, no entanto, comprometer a sobrevivência das gerações futuras” [41].
Camargo entende que o Relatório Brudtland também conhecido por Our Common Future (nosso futuro comum) fundamentou-se numa análise comparativa entre a situação do mundo no começo e no final do século XX, declarando que no princípio do século XX o número de pessoas existentes e a tecnologia vigente não prejudicavam significativamente os sistemas de apoio a vida na terra e que, ao findar aquele século a situação havia mudado radicalmente [42].
A preocupação para com o Desenvolvimento Sustentável representa a possibilidade de garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que sustentam as comunidades.
3. RECURSOS NATURAIS, ECONOMIA E MEIO AMBIENTE
Recurso[43] significa algo a que se possa recorrer para a obtenção de alguma coisa. O homem recorre aos recursos que se encontram na natureza, os designados recursos naturais para satisfazer suas necessidades de consumo[44]. De acordo com Henry Art o recurso pode ser: componente do ambiente relacionado com freqüência à energia que é utilizado por um organismo e ou qualquer coisa que se obtém do ambiente vivo e não vivo para satisfazer as necessidades e desejos dos Homens[45].
Randall[46] e Rees[47] constatam que para que qualquer material seja classificado como recurso, deve atender duas condições: a primeira que esse material seja necessariamente útil ao homem, devendo existir, portanto, conhecimento técnico e ferramentas que permitam sua extração e utilização; a segunda que haja demanda tanto para esse material como para os produtos produzidos a partir deles. A exploração e consumo de recursos naturais podem se conectar diretamente com o crescimento econômico.
Economistas como Thomas Malthus e John Stuart Mill, em seus estudos tinham como objetivo a busca do aumento da riqueza nacional, através do crescimento da produtividade e, conseqüentemente, da produção. Igualmente, estes economistas se preocupavam com a obtenção da eficiência econômica, com a mobilização ótima dos fatores de produção, na busca de vantagens comparativas, como destacam Oliveira e Júnior, não se percebia a acuidade nas obras desses autores, pelo menos em sua maior parte, em relação às conseqüências do crescimento econômico sobre o desgaste e esgotamento dos recursos naturais [48].
Todavia, houve autores que procuraram demonstrar a relação existente entre o crescimento econômico e o desgaste ou mesmo esgotamento dos recursos naturais.
David Ricardo, por exemplo, apontou a queda da taxa do lucro e a tendência ao estado estacionário como o resultado da infertilidade dos solos[49]. Este economista deu um grande passo no reconhecimento da dimensão ambiental como condicionante do processo de Desenvolvimento e de crescimento econômico. Entrementes, Oser e Blanchfield, constatam que anos muito antes da contribuição de David Ricardo, o economista francês Turgot, cuja obra Observations sur un Mémorie de M. de Saint-Péravy em 1767 é considerada o elo entre a fisiocracia e a escola britânica da economia clássica, já havia pronunciado sobre a lei dos rendimentos decrescentes[50].
A relação entre os problemas socioambientais e os processos de crescimento econômico, sobre tudo, a urbanização, o crescimento das cidades, o consumo excessivo de recursos não renováveis, impactam a opinião de muitos estudiosos da Economia e do Direito, especialmente os pesquisadores do Direito Ambiental, conforme ressaltou Sachs[51].
É assim que os anos de 1970 figuram como um marco de emergência de questionamentos e manifestações ecológicas, a nível mundial, surgindo autores que defendem a inclusão dos problemas ambientais na agenda do desenvolvimento das nações e das relações internacionais como um todo, conforme já visto anteriormente.
Tais preocupações refletem a percepção de um conflito crescente entre a expansão do modelo de crescimento econômico, de base industrial, e o volume de efeitos desagregadores sobre os recursos e ecossistemas naturais.
O trabalho mais significativo que serviu de base para a reflexão sobre a conexão existente entre os problemas socioambientais e os processos de crescimento econômico foi o relatório Limites do Crescimento publicado no Massachussets Institute of Technologi (MIT), em 1972 por uma equipe multidisciplinar.
Foi esse documento, que juntamente com a manifestação levada a cabo pelo Movimento de Proteção Ambiental que propiciou a realização no mesmo ano do primeiro fórum de caráter global, envolvendo a maioria dos países da comunidade internacional, que ficou conhecido por Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente que teve lugar em Estocolmo – Suécia, cujo objetivo era de estimular os países de todo mundo o debate sobre a questão socioeconômica e ambiental do planeta, incluindo as problemáticas do passado, do presente e alternativas para o futuro, conforme já referido anteriormente[52].
Como resultado desta conferência surge o debate teórico quanto às conexões entre a Economia e o Meio Ambiente. Igualmente, foi adotado o termo ecodesenvolvimento que veio a se popularizar mais tarde.
O conceito de ecodesenvolvimento pressupõe a viabilidade de um modelo de Desenvolvimento que equilibra os conflitos entre crescimento econômico e a conservação e utilização racional dos recursos naturais. Isso só se dá por meio de uma boa governança socioambiental, isto é, uma gestão ambiental socialmente responsável e interessada no bem-estar não só das gerações atuais, como também das futuras gerações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Direitos Humanos representam uma forma abreviada de mencionar os Direitos Fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não é capaz de alcançar o Desenvolvimento.
A relação entre Direitos Humanos, Desenvolvimento e Meio Ambiente se centra basicamente em dois aspectos: Em um primeiro momento, a efetivação dos Direitos Humanos em ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é uma forma de se alcançar o Desenvolvimento, uma vez que juntos (Direitos Humanos e Meio Ambiente sadio) constituem a base para um padrão digno de vida como a saúde, moradia, à água, alojamento, e outros. Em um segundo momento a proteção do Meio Ambiente é uma forma de se conseguir o cumprimento dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento, uma vez que o Meio Ambiental se lesado contribui diretamente para a infração de direitos reconhecidos internacionalmente e ao bem-estar do ser humano.
Assim, a proteção do Meio Ambiente deve ser encarada como parte do processo de Desenvolvimento e sua incidência na vida do ser humano, como aspecto decisivo ao próprio Desenvolvimento justifica a inclusão do Meio Ambiente ao rol de Direitos Humanos.
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI com bolsa do Programa CNPq/MCT-Mz Pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco UCDB Licenciado em Ciências Policiais pela Academia de Ciências Policiais de Moçambique ACIPOL Funcionário Público do Ministério do Interior de Moçambique MINT Professor do Curso de Licenciatura em Direito do ISGECOF – Moçambique Pesquisador do Grupo de Pesquisa: Sustentabilidade Ambiental no Direito e nas Políticas Públicas CNPq
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