Resumo: No contexto contemporâneo, a discussão nos foros regionais e mundiais sobre a proteção dos direitos dos indivíduos ganhou maior força, a partir do momento em que os Estados nacionais aceitaram debater o assunto não mais como questão exclusivamente interna. Isto alavancou o desenvolvimento normativo e institucional do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário, ainda que em medidas diferentes, a um estágio inédito e elogiável. A aplicação das regras humanísticas na sociedade internacional mostra-se, contudo, ainda discriminatória e seletiva, o que ressalta o caráter peculiar do Direito Internacional, fortemente influenciado pelas Relações Internacionais e fundado no postulado da soberania dos Estados e nos princípios dela decorrentes. Com isso, o objetivo do artigo é situar a complexa relação que envolve os valores humanos no Direito Internacional, a partir de sua perspectiva westfaliana e realista-marxista que visa a contextualizá-los como produto de um processo histórico inserido em um sistema interestatal, regido pela lógica teoria da soberania e dinâmica prática do realismo político, o que difere diametralmente das estruturações jurídicas internas dos Estados.
Palavras-chave: Direito Internacional; Direitos Humanos; Soberania; Relações Internacionais.
Abstract: In the contemporary panorama, regional and worldwide debate was intensified up to the moment that national States accepted discussing the issue as a problem beyond their borders. Such a change boosted normative and institutional development of International Law of Human Rights and Humanitarian International Law, in different measures, however, making them reaching a remarkable and novel phase. The application of humanitarian rules in the international society reveals, however, its discriminatory and selective character. Such particularities reinforce the peculiar structure of International Law, which is influenced by International Relations and the value of State sovereignty and its derived principles. Therefore, this articles aims at understanding the complex context that involves human values in International Law, according to a realist-marxist approach, that contextualizes this rules as a product of historic interstate system trajectory, which distinguishes International Law from National Law of States.
Keywords: International Law, Human Rights, Sovereignty, International Relations.
Sumário: I- Introdução; II- Os Direitos Humanos no Sistema Interestatal; III- A peculiar lógica do sistema westfaliano do Direito Internacional; IV- O Direito no contexto das Relações Internacionais; V- Conclusão: A efetividade dos Direitos Humanos no Direito Internacional
I. Introdução
Os direitos humanos são um tema que ganha cada vez mais espaço na agenda global contemporânea. O fim da bipolaridade viabilizou o fortalecimento de outros temas relevantes nas relações internacionais que não apenas a segurança e o desenvolvimento. Se durante a Guerra Fria, a discussão interestatal orbitava em torno da nuclearização e da industrialização, atualmente, outros assuntos, como a proteção dos direitos humanos, aparecem como a nova ideologia posterior ao fim das ideologias políticas, acima quer de ideais socialistas, quer de ambições capitalistas. Douzinas explicita (DOUZINAS, 2009: p. 16):
“Politicamente, a retórica dos direitos humanos parece ter triunfado, pois ela pode ser adotada pela Esquerda ou pela Direita, pelo Norte ou pelo Sul, Estado ou púlpito, ministro ou rebelde. Essa é a característica que os torna a única ideologia na praça, a ideologia após o fim das ideologias, a ideologia no fim da história.”
O discurso sobre a necessidade de valorização das garantias básicas do indivíduo é consensual na esfera internacional. Todos os Estados e todas as organizações internacionais defendem a imprescindibilidade da proteção e do incremento das instituições garantidoras. Nesse sentido ambos os atores vêm ampliando a rede institucional e normativa de defesa das garantias humanistas. Em virtude disso, os direitos humanos conquistaram neste início de século XXI um desenvolvimento jurídico e uma difusão no campo da política internacional inéditos na trajetória do sistema interestatal capitalista.
O progresso teórico da matéria encontra, no entanto, obstáculos quando passa para sua aplicação prática, partindo da definição do amplo, vago e, por isso, modulável conteúdo dos direitos humanos, o que possibilita que, em um sistema, no qual prevalece a soberania estatal como valor jurídico basilar e a ordem política oriunda da vontade hegemônica das grandes potências, as garantias do indivíduo sejam implementadas de forma seletiva e discriminatória, de acordo com o interesse dos Estados. A pretensa e aclamada universalidade dos valores humanos esconde a política externa das nações que controlam o sistema internacional.
Alguns casos recentes ocorridos no contexto contemporâneo, após a Guerra Fria, ilustram essa tendência. A intervenção da OTAN, no Kosovo, em 1999, é colocada por Zizek para apontar as contradições que pautam a aplicação dos direitos humanos (ZIZEK apud ALVES, 2002: p. 92):
"… não vivemos nós na era dos direitos humanos universais, que se afirmam até mesmo contra a soberania estatal? O bombardeio da Iugoslávia pela OTAN não foi o primeiro caso de intervenção militar realizada em decorrência de pura preocupação normativa (ou, pelo menos, apresentando-se como assim realizada), sem referência a qualquer interesse político-econômico "patológico". Essa nova normatividade emergente para os `direitos humanos' é, entretanto, a forma em que aparece seu exato oposto"
A relação paradoxal entre teoria e prática evidencia a complexidade do tema. Os direitos humanos, em muitas vezes, são utilizados como retórica para legitimar a violação do direito internacional, como ocorreu recentemente na intervenção das Nações Unidas na Líbia. Por vezes, ainda, o interesse geopolítico e econômico se sobrepõe aos princípios primordiais de proteção do ser humano, como nos casos das execuções sumárias de Saddam Hussein, no Iraque, e de Muammar Kadhafi, na Líbia, e na crise que ocorre na Síria.
As imperfeições do sistema não significam, todavia, a total ineficácia do direito internacional de proteção do indivíduo, mas ressalta apenas sua complexa dinâmica, que não pode ser comparada com a aplicação dos direitos humanos nos ordenamentos jurídicos internos. Para compreender sua sistemática, é preciso não apenas um estudo que se esgote no Direito Internacional, mas que o perpasse e o extrapole, abarcando outras esferas para além da jurídica. Neste sentido, analisar aspectos históricos, políticos e econômicos é fundamental.
Dessa forma, propõe-se neste artigo um diálogo entre Direito Internacional e Relações Internacionais, sob as perspectivas marxista e realista. Sem a pretensão de esgotar o assunto, objetiva-se debater a proteção internacional dos direitos humanos sob os prismas que conduzem o Direito Internacional e as Relações Internacionais. Com isso, o artigo será dividido em quatro partes. Na primeira, será abordado o processo que pautou a construção dos direitos humanos até sua atual institucionalização. Na segunda, serão discutidas as particularidades do sistema westfaliano que embasa o Direito Internacional. Na terceira, o foco será as Relações Internacionais e sua interação com o direito.Por fim, na quarta e última, o artigo será concluído mediante a análise da interação entre os Direitos Humanos e o Direito Internacional e a visão realista das Relações Internacionais.
II- Os Direitos Humanos no Sistema Interestatal
Antes de qualquer análise sobre os direitos humanos, é preciso entender o significado desta expressão. Os direitos seriam as garantias, as formas de tutela, de proteção, que variam no tempo e no espaço e seriam devidos aos indivíduos por sua condição humana, ou seja, naturais; enquanto que a definição do que é humano se transforma de acordo com a sociedade. Para Marx, o homem seria, inevitavelmente, um ser histórico (MARX, 2010: p. 7):
“Mas ele também é um ser histórico, que vive em determinada época e assimila as ideias que predominam durante o período de sua vida, bem como as que o antecedem pois, ao nascer, ele se torna herdeiro de todo patrimônio cultural da humanidade.”
Com fulcro nesta concepção, percebe-se que os direitos humanos são frutos de um processo histórico, que se desenvolveu inserido nas nuances políticas e econômicas do sistema interestatal capitalista. Para Bobbio, seu conteúdo seria determinado pelas conjunturas sistêmicas (BOBBIO, 1990: p. 6): “Nascem quando podem ou devem nascer”.
Os direitos civis e políticos foram os que primeiro puderam nascer, consolidados a partir das conquistas burguesas, refletindo os valores caros a esta classe social emergente no século XVII. Essa primeira geração ou dimensão de direitos reverbera a reação burguesa, em sua luta por liberdade, igualdade e fraternidade, perante o Estado absolutista, que intervinha na esfera de discricionariedade individual. Não importava a condição econômica de cada um, mas apenas sua plena disponibilidade para usar, gozar e usufruir da vida privada e para participar da esfera política estatal, cabendo ao Estado garantir segurança e estabilidade. As Revoluções Americana e Francesa e os documentos delas irradiados ilustram a materialização das conquistas burguesas no contexto de enfraquecimento do poder aristocrático. Bobbio resume o momento que considera gestacional da evolução dos direitos em três premissas básicas (BOBBIO, 1990: p. 2): “1. Os direitos naturais são históricos; 2. Nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção individualista de sociedade; 3. Tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico.”
Inicialmente a preocupação com os indivíduos no sistema interestatal se limitava ao reconhecimento de limites, por meio do estabelecimento de direitos nos momentos de guerra entre Estados, como forma de diminuir o sofrimento gerado pela conflito bélico. Este mínimo necessário a ser cumprido pelas partes conflitantes detinha uma caráter mais solidário e assistencialista do que efetivamente garantidor de direitos. Ainda assim, a partir da vedação geral, expressa na Carta da ONU, que restringe a utilização da guerra como meio legítimo de solução de controvérsias a duas hipóteses excepcionais (direito à guerra), o direito da guerra foi consideravelmente ampliado.
II.1. O Direito Internacional Humanitário
O Direito Internacional Humanitário regula as situações de exceção, quando as partes se encontram em conflitos armados. Sua origem remonta ao contexto das guerras de unificação italiana, quando Henry Dunant, aristocrata helvético, chega a Solferino, ao norte da Itália, no dia 24 de junho de 1859, para obter ajuda de Napoleão III para investimentos que efetuara na Argélia, e depara-se batalha entre os exércitos Austríaco e Francês. A falta de serviços médicos adequados que assegurassem o tratamento das vítimas motiva Dunant a inicia o movimento humanitário, com a criação do Comitê da Cruz Vermelha, uma organização não governamental (ONG), constituída pelas leis civis suíças e prevista na Primeira Convenção de Genebra, de 1864, cujo intuito era prestar assistência médica aos envolvidos em combates.
A partir desse momento, o assunto ganhou relevância nos encontros internacionais, como ocorreu nas duas Conferências de Haia, de 1899 e de 1907, formando uma das primeiras fontes do direito internacional humanitário. O Direito de Haia é o que rege a conduta das operações militares (hostilidades), direitos e deveres dos militares participantes na conduta das operações militares e limita os meios de ferir o inimigo. Estas regras têm vista a necessidade de ter em conta necessidades militares das partes em conflito, nunca esquecendo, porém, os princípios de humanidade.
Com o final da trágica Segunda Guerra Mundial, o tema ganhou ainda mais relevância, com as Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos de 1977. O Direito de Genebra tem como objetivo conter os efeitos das armas e proteger as vítimas do conflito. Os instrumentos abarcam a proteção de feridos e doentes no campo de batalhas terrestres e marítimas, a prisioneiros de guerra, população civil, as vítimas de conflitos armados não internacionais que se desenrolem em território de um Estado. Vale, contudo, ressaltar que não há a extensão das garantias para situações de tensão e de perturbação internas, tais como motins, atos de violência isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não são considerados como conflitos armados.
No contexto contemporâneo, outros documentos vieram a ampliar as normas garantidoras. O Direito de Nova Iorque, cujo fundamento é a Convenção das Nações Unidas de 1990, é o responsável pela proteção dos direitos em conflitos armados das crianças envolvidas. O Direito de Roma, cujo pilar é o Estatuto de Roma de 1998, adensa e reforça os princípios humanitários, e prevê a punição de crimes atentatórios da humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, que, no entanto, não é um tribunal universal humanitário ou de direitos humanos, apesar da próxima relação axiológica.
Em suma, verifica-se a ampliação do rol das fontes do Direito Internacional Humanitário. Apesar da expansão normativa, não existe um tribunal universal de direito humanitário específico para efetivá-las. Sua observância é garantida pela Corte Internacional de Justiça, cuja competência contenciosa envolve apenas a relação entre Estados, como entes legitimados para a jurisdição, sem qualquer acesso ao indivíduo vitimado.
A excepcionalidade da aplicação do Direito Internacional Humanitário não garantia aos direitos humanos uma proteção ampla, haja vista as constantes violações ocorridas também em tempos de paz. A não observância dos direitos humanos não é exceção, mas, infelizmente, a regra. Em virtude disto, adveio a necessidade da tutela em tempo integral que complementasse o direito da guerra. Desta conscientização o Direito Internacional dos Direitos Humanos passou a ser sistematizado, a partir de suas distintas dimensões, paralelamente com o Direito Internacional Humanitário.
II.2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos
A primeira geração ou dimensão de direitos reverbera a reação burguesa, em sua luta por liberdade, igualdade e fraternidade, perante o Estado absolutista, que intervinha na esfera de discricionariedade individual. Com fulcro nesta concepção, Fábio Konder Comparato resume a estratégia burguesa (COMPARATO, 2004: p. 50):
“Em sentido contrário, a democracia moderna, reinventada quase ao mesmo tempo na América do Norte e na França, foi a fórmula política encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos dois principais estamentos do ancien regime– o clero e a nobreza- e tornar o governo responsável perante a classe burguesa. O espírito original da democracia moderna não foi, portanto, a defesa do povo pobre contra a minoria rica, mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governo irresponsável.”
A trajetória dos direitos revela o processo dialético de conquistas e fracassos das classes dominantes. Wolker destaca o processo que levou ao triunfo da burguesia (WOLKER, 2004: pp. 25-26):
“Importa ter presente que, para os revolucionários de 1789, a concepção dos direitos humanos expressava uma idéia que fundamentava um discurso político. Contudo, na medida em que a burguesia chega ao poder e sedimenta sua hegemonia, os direitos humanos deixam de ser aspirações teóricas idealizadas para adquirirem formalização política e justificativas específicas incorporadas ao Estado.”.
Apenas os ideais de igualdade (formal) e de liberdade (parcial) provaram não ser suficientes para garantir a estabilização das sociedades, alteradas pelos rumos do crescimento industrial que arrastava os países para a urbanização e, com isso, para a complexificação das relações sociais e econômicas. Resultados destas transformações, os direitos sociais, econômicos e culturais emergem como uma segunda dimensão ou geração, que veio a ser consolidada após a Segunda Guerra Mundial, já na organização hegemônica estadunidense. A criação da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal de Direitos Humanos são exemplos da tentativa, ainda que em medidas diferentes, de consagrar os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais para além das fronteiras do Estado nacional. Comparato explica o elemento histórico da luta de classes por detrás da trajetória de conquistas do ser humano (COMPARATO, 2004: p. 53):
“Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas. Os direitos humanos de proteção ao trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores.”.
A partir desse momento, entendeu-se pela consolidação de um sistema geral de proteção do indivíduo, conhecido como Direito Internacional dos Direitos Humanos, matéria responsável por regular as garantias do ser humano, independentemente de conflitos. Internacionais, o que a diferencia do Direito Internacional Humanitário. Suas fontes, além da Carta da ONU e da Declaração Universal de Direitos Humanos, são os Pactos Internacionais de 1966, Convenções específicas e Carta da ONU e as Cartas Regionais (Interamericana, Europeia e Africana). No sistema global, também não há um tribunal específico para os direitos humanos, o cumprimento dos tratados é monitorado por Comitês específicos e por Relatórios do Conselho de Direitos Humanos da ONU; nos sistemas regionais, nos quais o cumprimento dos tratados é julgado por Cortes de Direitos Humanos, cujo acesso é feito mediante Estados partes ou indivíduos, indiretamente por meio da Comissão Interamericana da OEA, no caso americano, ou diretamente, como nos casos europeu (por meio do sistema do Conselho da Europa) e africano (ainda que sobre este pairem algumas dúvida, tendo em vista que o sistema de proteção ainda não entrou em funcionamento).
O contexto de Guerra Fria polarizou os direitos entre capitalistas e socialistas e, consequentemente, engessou um diálogo internacional mais amplo e produtivo, que só foi retomado com a dissolução da União Soviética. O fim do conflito ideológico abriu espaço para o debate de temas de interesse de toda sociedade internacional e que afetavam diretamente a noção absoluta de soberania estatal. Neste panorama de transformações acrescentou-se outra dimensão aos direitos humanos, abarcando os direitos considerados coletivos (com destinatários determinados, a coletividade) e os difusos (com destinatários indeterminados ou determináveis). A Declaração de Viena, as diversas conferências e tratados internacionais sobre os novos temas da agenda internacional e o aperfeiçoamento dos sistemas global e regionais de proteção dos direitos humanos conferiram à sociedade internacional uma falsa euforia e um horizonte otimista, no qual o fim das ideologias traria um valor consensual, o de proteger o ser humano.
Douzinas trata destas mudanças, ressaltando as distorções que as utopias e os conteúdos genéricos de conceitos universais podem sofrer (DOUZINAS, 2009: p.13):
“Quando os apologistas do pragmatismo decretam o fim da ideologia, da história ou da utopia, eles não assinalam o triunfo dos direitos chega quando eles perdem seu fim utópico (…). Os direitos humanos perdem seu fim, argumentava-se, quando deixam de ser o discurso e a prática da resistência contra a dominação e a opressão públicas e privadas para se transformar em instrumentos de política externa das grandes potências do momento, a ética de uma missão civilizatória contemporânea que espalha o capitalismo e a democracia nos rincões mais escuros do planeta.”
Ao evidenciar a influência que os Estados, ainda hodiernamente, exercem sobre os direitos humanos, Douzinas mostra que, apesar das diferentes dimensões históricas, a aplicação dos direitos na sociedade internacional não foi substancialmente alterada em comparação os momentos anteriores. A maior ou menor efetividade da proteção internacional dos direitos humanos dependeu das relações entre os Estados e dos interesses que as grandes potências ambicionavam a impor, o que é legitimado pela dinâmica particular que rege o Direito Internacional.
III- A peculiar lógica do sistema westfaliano do Direito Internacional
Entender a formação da ordem contemporânea perpassa a história política e normativa do sistema interestatal. Alain Pellet aponta a Reforma como precursor das ideias westfalianas (PELLET, 2003: p. 50): “O vínculo religioso quebrado pela Reforma é substituída por uma nova comunidade internacional alargada, fundada no humanismo do Renascimento.”.
A transição entre Idade Média e Idade Moderna é marcada pelo fim da influência da Igreja nas monarquias. Em meio à lógica feudal, desenvolvia-se o poder da burguesia, cujos interesses se contrapunham àqueles dos proprietários de terras. A concepção católica de mundo, que embasava o modo de produção feudal, já não atendia plenamente aos interesses comerciais da nova classe. Com isso, os Estados modernos foram sendo constituídos a partir da visão jurídica de mundo da burguesia, que secularizava a perspectiva teológica, libertando a monarquia da tutela do Papa. Engels e Kautsky ilustram a transformação (ENGELS e KAUTSKY, 2012: p.18):
“O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado. As relações econômicas e sociais, anteriormente representadas como criações do dogma e da Igreja, porque esta as sancionava, agora se representam fundadas no direito e criadas pelo Estado.”
O suporte jurídico deste movimento de enfraquecimento do direito divino e de fortalecimento do poder político foi o postulado da soberania do Estado, que, segundo Jean Bodin, deveria ser uma prerrogativa uma e indivisível, perpétua e suprema, monopolizada pela monarca, e de reflexos internos (dentro das fronteiras territoriais) e externos (sem questionamentos por outros monarcas).
Inicialmente difundida na França, para resolver o conflito interno em torno da centralização, o postulado da soberania veio a constituir o pilar das relações internacionais após a Guerra dos Trinta Anos. Conflitos de cunho político e religioso que devastaram os reinos germânicos da parte central da Europa e que envolveram as grandes potências da época, ao final, foram marcados pela vitória dos países protestantes e pelo enfraquecimento da Igreja Católica. Os tratados que celebraram a paz, em 1648, firmados em Osnabrück e em Münster, duas cidades da região de Westfália, expressaram os valores que passariam a nortear a ordem jurídica interestatal.
O postulado da soberania seria a premissa maior da qual irradiariam dois princípios básicos, o da igualdade (jurídica, formal) entre os Estados e o da inexistência de um poder central que detivesse o monopólio do uso da força, a conhecida anarquia sistêmica. De acordo com este sistema, apenas os Estados seriam os detentores de direitos e de deveres, cujas fontes seriam oriunda do direito positivo (tratados internacionais) e do direito natural (costumes e princípios gerais de direito), devendo ter sua integridade respeitada por seus pares (não intervenção), a não ser em caso de conflito, no qual a guerra poderia ser considerada um meio legítimo de solução de controvérsias.
Com as transformações do sistema internacional, o direito internacional refletiu as modificações, sem ter sua essência alterada. A guerra foi vedada, deixando de ser a regra e passando a ser a exceção, autorizada apenas em casos de legítima defesa ou de segurança coletiva. A unicidade de sujeitos foi superada, havendo atualmente uma pluralidade de destinatários de direitos e deveres na esfera internacional, como as organizações internacionais e os indivíduos. Novos valores, como os protetivos da pessoa humana, ganharam relevância, aguçando, em uma perspectiva otimista, o potencial transformador do Direito Internacional para uma direção mais humanizada, como lecionada Cançado Trindade (TRINDADE, 2002: p. 1087):
“Isto se tornou possível na medida em que o Direito Internacional, a partir de meados do século XX, logrou desvencilhar-se das amarras do positivismo voluntarista que teve influência nefasta na disciplina e bloqueou por muito tempo sua evolução. O Direito não é estático, e tampouco opera no vácuo. Não há como deixar de tomar em conta os valores que formam o “Substratum” das normas jurídicas. O direito internacional superou o voluntarismo ao buscar a realização de “valores superiores comuns” premido pelas necessidades da comunidade internacional.”
Com fulcro nessa linha de raciocínio, Wagner Menezes resume o direito internacional contemporâneo, haja vista a relativa expansão de seu aparelho normativo, obtida no contexto de pós- Guerra Fria (MENEZES, 2008: p. 986):
“Se todo o direito é expressão da vida social de uma dada sociedade, na sociedade internacional contemporânea caracterizada pela multiplicidade de inter-relações e por uma dialética permanente entre o local e o global, o Direito Internacional pode ser caracterizado pela sua grande expansão e pelo envolvimento crescente de muitos temas, antes não adstritos à sua competência, com forte repercussão no plano interno dos Estados que compõem a comunidade internacional.”.
Ainda assim, em que pese o reconhecimento da difusão das normas internacionais, que reflete a emergência de valores importantes, como os direitos humanos, a lógica westfaliana continua vigente. Não é o indivíduo o centro do sistema jurídico, mas o Estado nacional, que interage entre seus pares por meio da coordenação e da horizontalidade das normas jurídicas. Esta manutenção da estrutura jurídica é que proporciona o levantamento frequente de indagações, feitas na vigência do positivismo clássico, sobre a juridicidade do direito internacional, quando se trata da efetivação das normas que regulam temas sensíveis, como os direitos humanos. Para podermos compreender a peculiaridade do cerne jurídico do Direito Internacional, é preciso, portanto, analisar o sistema interestatal capitalista, objeto de sua regulação.
IV- O Direito no contexto das Relações Internacionais
Assim como o Direito Internacional, as Relações Internacionais encontram na Paz de Westfália o marco de estruturação do sistema interestatal, mas enfocam aspectos distintos. Sobretudo a perspectiva teórica realista que explica a convivência entre Estados por meio dos interesses nacionais e das relações de força e de poder. O Estado é colocado no centro das discussões, sempre atuando em favor do interesse nacional, que imediatamente é o de sobreviver e impor sua vontade em um ambiente descentralizado e horizontal por meio do acumulo de poder. Não há como pensar a sociedade internacional fora de um sistema de equilíbrio de poder, que coordena o ambiente anárquico (sem um poder hierarquicamente superior) dos Estados. Essa aparente “ordenação” não segue a semântica convencional. Não há ordem na acepção clássica do termo, mas uma disposição dos Estados, ao mesmo tempo rígida e precária, que necessita da desordem, para que continue se fortalecendo e se perpetuando.
A essência desse comportamento egoístico, muitas vezes contraditório ao sistema de poder cimentado pelo próprio hegemon, não é escolhida, tampouco planejada, é imposta pela estrutura sistêmica, que se consolidou no longo século XVI, marco da exitosa expansão europeia sobre o mundo. A unidade estatal hegemônica convive na lógica do sistema interestatal capitalista, criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, segundo seus interesses mediatos e imediatos (FIORI, 2007). Isso porque, nesse ambiente de constante luta pela acumulação, a ordem leva à entropia e, consequentemente, à perda da capacidade coercitiva do líder.
As evidências históricas apontam para os entes estatais como organismos, em incessante e permanente pressão competitiva, que são levados a defenderem-se e a desenvolverem-se mediante movimentos expansivos. Essa necessidade de transbordamento das fronteiras nacionais norteia a imperiosidade da acumulação interminável de poder e de riqueza, que, em uma perspectiva marxista, seria determinada internamente pela classe detentora do poder político. Aquele organismo estatal, que consegue maior influência sobre os outros, e isso se torna consenso, dita a lógica do sistema, que somente sobrevive com a promoção constante da desordem, ora interrompida, ora ocasionada pelas explosões expansivas, momentos de mudanças sistêmicas. Essa premissa de que a desordem leva à ampliação do poder estatal, dentro da esfera de intensa pressão competitiva, contribui para o entendimento de todo o desenrolar histórico desse processo, desde o período da formação dos Estados nacionais europeus até seus desdobramentos atuais.
A atual configuração da política internacional gravita de dois pilares: um econômico, cujo núcleo é o dólar como moeda internacional, e um político, cujo epicentro é a Organização das Nações Unidas, ambos constituídos pela hegemonia estadunidense no contexto do pós- Segunda Guerra Mundial. A dominação financeira é exercida de forma exclusiva pelos estadunidenses, enquanto a política institucionalizada opera em função de um condomínio que reúne as potências vencedoras do conflito mundial, conhecido como o Conselho de Segurança da ONU, único órgão detentor da prerrogativa excepcional de autorização do uso da força na seara internacional, em nome de uma pretensa segurança coletiva, a qual serve aos desígnios daqueles cinco países possuidores do poder de veto (Estados Unidos, China, Rússia, França e Grã-Bretanha).
Dentro deste contexto, a prática internacional, pautada pela política, contradiz frequentemente sua própria institucionalização, regulada pelo direito, mostrando a simbiótica relação, a qual Malcom Shaw faz referência (SHAW, 2008: pp.67-68):
“Law is not the only way in which issues transcending borders are negotiated and settled or indeed fought over. It is one of a number of methods for dealing with an existing complex and shifting system, but it is a way of some prestige and influence for it is of its very nature in the form of mutually accepted obligations. Law and politics cannot be divorced. They are not identical, but they do interact on several levels. They are engaged in a crucial symbiotic relationship.”.
A interação entre política e direito é reverberada na relevância que os direitos humanos alcançaram no panorama geopolítico atual. O discurso consensual que envolve a necessidade de proteção dos valores humanos leva Koskenniemi a afirmar o caráter ideológico que os cerca, como se fossem a nova religião da modernidade agnóstica (KOSKENIEMMI, 2004: p.15): “Human rights, it is often said, are the religion of (an agnostic) modernity.”. Com fulcro numa perspectiva que mescla elementos do realismo com outros do marxismo, Fiori escancara a contradição entre teoria e prática, ao explicar a proeminência que valores ditos universais, como os direitos humanos, ganharam no contexto hodierno, como garantias amplas e vagas, passíveis de distorção pelos Estados em prol da efetivação de seus interesses nacionais, que são, na grande maioria das vezes, determinados pelas elites que controlam os governos internos (FIORI, 2011):
“Em última instância, este também é o motivo pelo qual a discussão sobre Direitos Humanos, no campo internacional, se transformou – depois do fim da Guerra Fria – num terreno cercado de boas intenções, mas minado pelo oportunismo e pela hipocrisia. Porque existe, de fato, uma fronteira muito tênue e imprecisa entre a defesa do princípio geral, como projeto e como utopia, e a arrogância de alguns estados e governos que se autoatribuem o “direito natural” de arbitrar e difundir, pela força, a taboa ocidental dos direitos humanos.”.
O autor complementa o pensamento, destacando a política por trás do argumenta da universalidade na aplicação das normas protetoras de direitos humanos (FIORI, 2011):
“Independentemente do que se pense sobre o fundamento e a universalidade dos direitos humanos, não há a menor dúvida que, do ponto de vista das relações entre os Estados dentro do sistema mundial, eles sempre são esgrimidos e utilizados como instrumento de legitimação das decisões geopolíticas e geoeconômicas das grandes potencias. Por isto, as decisões sobre este assunto nos foros internacionais são sempre políticas e instrumentais e variam segundo a vontade e segundo os interesses estratégicos destas grandes potências.”
A identificação da presença explícita da política na aplicação do direito leva autores que tendem a valorizar o normativismo (o poder efetivo da norma, independentemente das relações sociais) e, por isso, comparam o direito internacional ao direito interno dos Estados, a encontrar antinomias irresolúveis entre o direito e a soberania estatal, advogando sempre pela mudança dos paradigmas da ordem internacional. Ferrajoli, ao analisar o fenômeno que considera a crise da soberania no mundo atual, chega a esta conclusão (FERRAJOLI, 2010: p. 126):
“Voy a defender la tesis de una antinomia irresoluble entre soberanía y derecho: una antinomia no sólo en el ámbito del derecho interno de los ordenamientos avanzados, donde la soberanía se encuentra en conflicto con el paradigma del Estado de derecho y de la sujeción a la ley de cualquier poder, sino también en el ámbito del derecho internacional, donde ha encontrado en contradicción con las moderna cartas constitucionales internacionales y, en particular, con la Carta de la ONU de 1945 y con la Declaración universal de derechos humanos de 1948.”
Alain Pellet ressalta a incompatibilidade, que entende haver, entre a proteção dos direitos humanos (das vítimas) ante o Estado (violador), haja vista a estrutura westfaliana, que só permite a responsabilização do indivíduo em casos específicos, previstos no Estatuto de Roma (PELLET, 2003: p. 673):
“A proteção internacional do indivíduo acarreta uma grave ameaça à soberania do Estado. (…) Por outro lado, os Estados reconhecem dificilmente a ideia de uma proteção internacional que jogaria em definitivo contra eles próprios. Nestas condições, é previsível que eles, na qualidade de legisladores internacionais, não aceitem sem reticências o estabelecimento de uma intervenção exterior neste domínio ainda que fosse a da comunidade internacional. Sem recusarem publicamente, eles manifestam dúvidas sobre a sua necessidade ou veem aí um risco de manipulação política.”
Ao abordar as contradições que o postulado da soberania gera no direito internacional, o Ferrajoli vai mais longe e atesta o fracasso e a inefetividade das instituições internacionais, pois as considera terceiros impotentes nas relações de poder interestatais (FERRAJOLI, 2010: p.147): “Quiere decir, em otras palabras, que el ordenamiento internacional actual es ineficaz por el hecho de que sus órganos non son ya um tercero ausente, sino um tercero importente.”.
A política que pauta as relações internacionais e, por consequência, reflete no produto deste meio social, o Direito Internacional, ainda é vista por muitos juristas como um defeito, uma imperfeição, uma assimetria. A proclamada ineficácia da institucionalização não é novidade para o Direito Internacional, outrora criticado pelas mesmas razões, que questionam sua efetividade, uma vez que persistem a noção weberiana de coercibilidade e a comparação com o direito interno, que reclamam a existência de um poder hierarquicamente superior dotado do monopólio do poder de coerção, capaz, assim, de dar juridicidade ao direito. Ao contrário, o elemento político, que parece distorcer a efetividade do direito, precisa ser analisado como um aspecto inerente à estrutura que rege o ramo jurídico internacional, cuja lógica é completamente distinta do regime jurídico dos Estados. Dessa forma, a aplicação dos direitos humanos no direito internacional ilustra o raciocínio que concluirá este artigo.
V- Conclusão: A efetividade dos Direitos Humanos no Direito Internacional
Diante do que foi exposto ao longo do texto, é possível chegar a algumas considerações a título de conclusão.
Em primeiro lugar, ao se tratar de direitos humanos no cenário internacional, é imperioso considerar seu histórico processo de construção. Estas garantias do ser humano não lhe são inerentes ou naturais, mas moldadas ao logo da trajetória da luta de classes, inicialmente dentro dos territórios do Estado nação e, posteriormente, refletidos na esfera internacional. Por terem um conteúdo relativo e modulável, que varia no tempo e no espaço geográfico, sua concepção varia de acordo com os interesses das elites que controlam o poder político nos Estados. Internacionalmente, os direitos humanos são a expressão das vontades das potências que detêm o controle do sistema internacional e seu discurso pode justificar tanto a proteção quanto à violação das garantias. Em virtude desta complexidade, sustenta Douzinas que (DOUZINAS, 2009: p. 17): “Permitam-me repetir: os direitos humanos têm apenas paradoxos a oferecer.”.
Em segundo lugar, após o final da Segunda Guerra Mundial e com a decadência do pensamento positivista clássico, o indivíduo passou a ganhar espaço na ordem westfaliana, tendo sua relevância aumentada exponencialmente com a desmobilização da Guerra Fria. As transformações e as novas tendências incorporadas pelo Direito Internacional contemporâneo seguem a direção da expansão do sistema de proteção do indivíduo. O maior e inédito desenvolvimento normativo e institucional galgado pela matéria não conseguiram, no entanto, evitar as violações sistemáticas das garantias humanísticas dentro dos territórios internos e pelos Estados. As constantes distorções jurídicas, perpetradas na maioria das vezes pelas grandes potências, fazem ressurgir os questionamentos sobre a efetividade do Direito Internacional, tendo em vista que a maior tutela dos direitos humanos não alterou a estrutura regulatória sob a qual reside o postulado da soberania, do qual decorrem o princípio da igualdade jurídica entre os Estados e o da inexistência de um poder central hierarquicamente superior. Assim, surgem indagações revestidas de falsos enigmas, como a de Koskenniemi (KOSKENNIEMI, 2009: p. 271-272): “Como é possível (a aplicação d)o direito entre Estados soberanos?”.
Para respondê-las, portanto, é preciso ter entender que não se pode comparar noções semelhantes de efetividade em ordens jurídicas distintas. Para além da noção weberiana da coerção, cabe analisar o centro para o qual o direito busca atingir. Enquanto que o direito interno tem como objeto a relação entre Estado e sociedade, conjunto de indivíduos; o direito internacional tem como núcleo a relação entre os Estados soberanos, os principais destinatários das normas. Ainda que na perspectiva marxista adotada por este artigo ambos os regimes jurídicos tenham a mesma origem, a luta de classes (dentro de território e o reflexo que tem na formação do interesse nacional, bem como entre os Estados), é imperioso distinguir cada esfera, sob pena do direito internacional ter sua natureza jurídica contestada.
Em terceiro lugar, as normas e as instituições internacionais têm sua efetividade que, entretanto, não se manifesta como aquela nos limites do Estado nacional. A forte e explícita influência que a política internacional exerce sobre a organização das relações interestatais ocasiona uma margem maior do não cumprimento ou de violação do direito por parte dos países dominantes, o que não descaracteriza o valor jurídico das normas. Ulrich Preuss, neste sentido, ressalta a juridicidade da regulação internacional, chamando a atenção para a história do direito, comparada com a do Estado soberano (PREUSS, 2009: p. 73):
“Parece que os Estados, mesmo quando não se importam com uma norma jurídica, tratam o fato da violação do direito com tal inteiramente como um ponto de vista importante em suas ponderações. Todavia, isto é menos surpreendente do que geralmente suposto, pois os Estados, desde os primórdios de sua aparição histórica como membros de uma sociedade internacional, ordenaram suas relações preponderantemente por meio do direito. O fato que entre eles não havia, e até hoje também não, um mecanismo institucionalizado de coerção, uma analogia ao soberano poder de coerção intraestatal, não os impediu de ver o caráter de suas relações uns com os outros como algo cunhado, não de forma exclusiva, mas em grandes proporções, pelo direito internacional. De fato, como comentado acima, é também errônea a concepção de que ao conceito de direito pertenceria a coercibilidade através de um soberano. Quando muito, e desprezando-se exceções, isto pode ser afirmado para o direito positivo. Mas, como se sabe, o direito como meio de ordem social existia há muito tempo antes do surgimento do Estado moderno e de seu poder autoritativo legislativo e executivo. Observando-se a história da humanidade, os últimos 350 anos- a era da estabilidade soberana- surgem como exceção que foge à regra.”.
Se o direito internacional pode ser comparado em alguma medida com o interno, caberá fazê-lo em relação a seu fundamento, a luta de classes. O complexo papel do direito internacional, que vai muito além da capacidade de coagir, pode ser ilustrado na transplantação do pensamento de Márcio Bilharinho Naves para a esfera internacional (NAVES, 2012: p. 15). O direito é fruto da dialética entre alienação e resistência, entre opressor e oprimido, e serve, ao mesmo tempo, como instrumento de reprodução da dominação de uma classe, mas também como plataforma, na qual são pautadas as reivindicações de mudanças, de alteração da ordem vigente. Assim com vige na esfera interna, também demonstra seu valor internacionalmente, quer quando utilizado pelas grandes potências para atingir seus interesses, quer quando reclamado pelos outros Estados em caso de violações e de pleitos por mudanças.
Por fim, dessa forma, é imperioso entender a lógica que pauta a aplicação da proteção internacional dos direitos humanos para não subestimá-la nem supervalorizá-la. Os direitos humanos são conquistas dos homens, em meio à luta de classes, cujo conteúdo é determinado pelo momento histórico e pelos valores impostos pela classe dominante. Tendo em vista sua aplicação em um contexto jurídico, regido pelo postulado da soberania e dos princípios dela decorrentes, os quais permitem grande influência da política dos Estados na organização institucional, e em um panorama político, no qual prevalece o equilíbrio de poder, buscando cada ator estatal a materialização de seus interesses nacionais, é perfeitamente plausível admitir sua efetivação peculiar, que pode atender quer à justiça social, quer aos interesses das grandes potências.
O caráter explícito que a política desempenha na disciplina jurídica internacional não reflete uma debilidade institucional, é parte da dinâmica. Em virtude disso, o inédito desenvolvimento normativo da proteção dos direitos humanos precisa ser louvado, sobretudo no tocante à sua juridicização, como expressa a otimista e realista posição de Cançado Trindade (TRINDADE, 1997: p. 176):
Enfim, ao voltar os olhos tanto para trás como para frente, apercebemo-nos de que efetivamente houve, nestas cinco décadas de experiência acumulada nesta área, um claro progresso, sobretudo na jurisdicionalização da proteção internacional dos direitos humanos, – mas, ainda assim, também nos damos conta de que este progresso não tem sido linear. Tem havido momentos históricos de avanços, mas lamentavelmente também de retrocessos, quando não deveria haver aqui espaço para retrocessos.
Diante do que foi exposto, pode-se concluir que análise da efetividade da proteção internacional dos direitos humanos passa pela percepção da lógica peculiar do Direito Internacional, diversa daquela do direito interno. Em um contexto complexo de incessante busca pela acumulação de poder, no qual a política das nações possui um papel explícito na efetivação jurídica, a (des) ordem pode funcionar melhor que um ordenamento jurídico hierarquizado (ZOLO, 2002: p. 443): “In situations of high complexity and turbulence of environmental variables, it is more functional to live with a certain degree of disorder than to seek to impose a perfect order.”.
Professor de Direito Internacional dos Cursos de Graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional e em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social. Mestre e Doutorando em Economia Política Internacional
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