Direitos humanos e direitos fundamentais: conceito, genese e algumas notas históricas para a contribuição do surgimento dos novos direitos

Resumo: Os direitos humanos representam uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana e correspondem ao conjunto de faculdades e instituições que em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem e são reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida social e política. Este artigo tem por escopo trazer o conceito, a gênese e alguns aspectos gerais e históricos dos direitos humanos e direitos fundamentais com objetivo de contribuir para a reflexão sobre a importância do direito na organização da vida social e o surgimento dos chamados ‘novos direitos’. Em termos de metodologia, foi usado o método dedutivo, com auxílio das técnicas do referente, dos conceitos operacionais e da revisão bibliográfica.

Palavras-Chave: Direitos Humanos, Direitos Fundamentais, Novos Direitos.

Abstract: Human rights represent a shorthand way to mention the fundamental rights of the human person and correspond to the number of colleges and institutions in each historical moment, embodying the requirements of dignity, freedom and human equality, which should positively and are recognized by jurisdictions at national and international level. These rights are considered fundamental because without them the human person cannot exist or is not able to develop and to participate fully in social and political life. This article has the purpose to bring the concept of the genesis and some general and historical human rights and fundamental rights in order to contribute to the reflection on the importance of law in the organization of social life and the emergence of so-called 'new rights' aspects. In terms of methodology, we used the deductive method, using the techniques of the referent, the operational concepts and literature review. For discussion the paper is structured as follows: 1. Initial considerations: Some historical notes on human rights; 2. The concept of human rights; 3. Genesis of human rights; 4. Classification of the list of fundamental rights; 5.  Liberty, equality and solidarity as fundamental rights; 6. New rights: the fourth and fifth generation of fundamental rights.

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Keywords: Human Rights, Fundamental Rights, New Rights.

Sumário: 1. Considerações iniciais: algumas notas históricas sobre os direitos humanos; 2. O conceito de direitos humanos; 3. Gênese dos direitos humanos; 4. A classificação do rol de direitos fundamentais; 5. Liberdade, igualdade e solidariedade como direitos fundamentais; 6. Os novos direitos: a quarta e a quinta geração dos direitos fundamentais. 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: ALGUMAS NOTAS HISTÓRICAS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

A consagração dos direitos humanos ou direitos fundamentais[1] é fruto de mudanças ocorridas ao longo do tempo em relação à estrutura da sociedade, bem como de diversas lutas e revoluções. Ferrajoli (1999) diz que os direitos fundamentais surgem na história sempre como reivindicações dos mais débeis, dos mais fracos. Já Arendt (1997) considera que os direitos humanos não são um dado, mas sim um construído.

É nessa lógica que Garcia (2008) esteando-se em Peces-Barba (1982) afirma que os direitos fundamentais são um conceito histórico do mundo moderno que surge progressivamente a partir do ‘trânsito a modernidade’[2]. É no período do transito a modernidade que nasceu uma nova mentalidade, que preparou o caminho para o surgimento de um novo homem e de uma nova sociedade que brotou progressivamente até a positivação das demandas jusnaturalistas dos direitos do homem nos documentos das chamadas revoluções burguesas[3].

O presente artigo tem por objetivo trazer alguns aspectos gerais e históricos dos direitos humanos e direitos fundamentais com o intuito de contribuir para a reflexão sobre a importância do direito na organização da vida social e o surgimento dos chamados “novos direitos”.

2. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS

De acordo com Peres Luño (1995, p. 22), há três tipos de definição dos direitos humanos: a primeira é a definição tautológica, que não aporta nenhum elemento novo que permite caracterizar tais direitos. Como exemplo, temos a definição segundo a qual os direitos humanos são todos aqueles que correspondem ao homem pelo fato de ser homem. Todavia, diz Carvalho Ramos (2005) que como se sabe, todos os direitos são titularizados pelo homem ou por pessoas jurídicas, de modo que a definição acima citada encerra uma certa repetição de princípio.

A segunda definição é a formal, que, ao não especificar o conteúdo dos direitos humanos, limita-se a alguma indicação sobre o seu regime jurídico especial. Esse tipo de definição consiste em estabelecer que os direitos humanos são aqueles que pertencem a todos os homens e que não podem ser deles privado, em virtude de seu regime indisponível e sui generis. Para Miranda (1993, p. 9), tal definição formal estabelece que “direitos humanos é toda posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagradas na lei fundamental”.

A terceira e última definição é a finalística ou teleológica, na qual se utiliza o objetivo ou fim para definir o conjunto de direitos humanos. Tal definição diz que os direitos humanos são aqueles essenciais para o desenvolvimento digno da pessoa humana. Para essa definição, Dallari (1998, p. 7) considera que os direitos humanos representam uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são fundamentais porque sem eles o ser humano não conseguirá existir ou não será capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida social e política.   

Na mesma esfera temos a definição de Peces-Barba (1982, p. 7) que consideramos mais completa, e, por conseguinte, adotamos para este artigo. Essa definição diz que, direitos humanos

“são faculdades que o direito atribui a pessoa e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação”.

Com o mesmo intuito, Peres Luño (1995, p. 48) compatibilizando a evolução histórica dos direitos humanos com a necessidade de definição de seu conteúdo, considera direitos humanos como o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. 

3. GENESE DOS DIREITOS HUMANOS

A pergunta que se coloca é: qual é a gênese dos direitos humanos? Esta é uma questão bastante complexa, cujo debate é adjacente ao surgimento do próprio direito.

Porém, Spieler (2010) diz que alguns autores vêem nas primeiras instituições democráticas em Atenas o princípio da primazia da lei, isto é, do nomos, (que constitui a regra que emana da prudência da razão, e não da simples vontade do povo ou dos governantes) e da participação ativa do cidadão nas funções do governo – o primórdio dos direitos políticos. Ainda na idade antiga, a República Romana, por sua vez instituiu um complexo sistema de controles recíprocos entre órgãos políticos e um complexo mecanismo que visava à proteção dos direitos individuais. 

Convém salientar como ressalta Spieler (2010) que na passagem do séc. XI ao séc. XII, ou seja, da baixa idade média para a alta idade média, voltava a tomar força à idéia de limitação do poder dos governantes, pressuposto do reconhecimento, séculos depois, da consagração de direitos comuns a todos os indivíduos, do clero, da nobreza e do povo.

A partir do séc. XI há um movimento de reconstrução da unidade política perdida com o feudalismo. O imperador e o papa disputavam a hegemonia suprema em relação a todo o território europeu, enquanto que os reis – até então considerados nobres – reivindicavam os direitos pertencentes à nobreza e ao clero. Nesse sentido, a elaboração da Carta Magna em 1215[4] foi uma resposta a essa tentativa de reconcentração do poder (limitou a atuação do Estado).

Alguns autores tratam esse momento como o embrionário dos direitos humanos. Outros asseveram sua natureza como meramente contratual, acordado entre determinados atores sociais e, referente exclusivamente aos limites aos limites do poder real em tributar.

É importante salientar, que durante a idade média, a noção de direito subjetivo estava ligada ao conceito de privilégios, uma vez que, até a Revolução Francesa, a sociedade européia se organizava em ordens ou estamentos. (SPIELER, 2010).

A reforma protestante é vista como a passagem das prerrogativas estamentais para os direitos do homem, uma vez que a ruptura da unidade religiosa fez surgir um dos primeiros direitos individuais: o da tolerância e liberdade de opção religiosa[5].

Dentre as conseqüências da reforma, destaque-se: a laicização do direito natural a partir de Grócio e o apelo à razão como fundamento do Direito. Como resultado da difusão do direito natural e no contexto das revoluções burguesas, são impostos limites ao poder real por meio da linguagem dos direitos. Destacam-se aqui: na Inglaterra, o Habeas Corpus Act de 1679[6] e o Bill of Rights de 1689[7]; nos Estados Unidos, a Declaração de Independência[8] e a Declaração de Virgínia de 1776; e na França, a Declaração dos Direitos dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, todas inspiradas no direito natural. (SPIELER, 2010).  

É importante ressaltar que ambas as Declarações consagraram os direitos de primeira geração, ao passo que os direitos de segunda geração (embora a Constituição francesa de 1791 já estipulasse deveres sociais do Estado, não dispunha sobre os direitos correlativos dos cidadãos) só tiveram sua plena afirmação com a elaboração da Constituição mexicana, em decorrência da Revolução Mexicana em 1917, e da Constituição de Weimar em 1919. Entre essas, atende-se para o ponto comum: a insuficiência da abstenção estatal como forma de garantia de direitos (SPIELER, 2010).

Em face de alguns direitos, como é o caso do direito ao trabalho, à educação e à saúde, somente a intervenção estatal é capaz de garanti-los. Já os direitos de terceira geração só foram consagrados após a Segunda Guerra Mundial, com base na idéia de que existem direitos baseados na coletividade.

Quanto ao momento histórico em que os direitos humanos foram galgados ao patamar internacional, embora o direito humanitário e a Organização Internacional do Trabalho – OIT, já indicassem a necessidade de uma proteção de direitos que se sobrepusesse aos ordenamentos internos, as atrocidades cometidas durantes as Guerras Mundiais, notadamente na Segunda, deixou transparente a necessidade de se estabelecerem marcos inderrogáveis de direitos a serem obedecidos por todos Estados na concertação estabelecida no pós-guerra.

Nesse contexto, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, em 1948, significou um marco da consagração da universalidade dos direitos humanos.

Por sua vez, o final da década de 80 foi marcado pela derrocada do socialismo real. No decorrer da década de 90, ganha força o discurso de que os direitos humanos não eram mais discursos dos blocos, mas tema que deveria compor a agenda global. É nesse contexto que se desenvolveram as grandes conferências da década de 90, destacando-se a Conferência de Viena de 1993, a qual consagrou os paradigmas da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. (CANÇADO TRINDADE, 1997).

4. A CLASSIFICAÇÃO DO ROL DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Sempre que se pretende falar da classificação do rol de direitos humanos, é importante referir-se a uma das principais discussões, que é quanto ao uso do termo geração ou dimensão. Alguns autores preferem o uso do termo geração, outros consideram correto o termo dimensão. Neste trabalho, não é importante discutir essas denominações, porém optamos por utilizar o termo geração, não significando, no entanto, que olvidamos o uso do outro termo, até porque levamos em conta a lição de Flávia Piovesan (1998), quando ensina que uma geração não substitui a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação.

No mesmo diapasão, Garcia (2008) ressalta que uma geração não supera a outra como querem alguns críticos, uma geração traz novos elementos aos direitos fundamentais e complementa a anterior geração.

Alguns autores classificam os direitos fundamentais em três gerações, outros adotam quatro gerações de direitos humanos e, outros ainda defendem a existência de cinco gerações.

Quanto a nós, apesar de sermos de preferência da divisão mais tradicional, lançada por Karel Vasak em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos no ano de 1979 que classificou os direitos humanos em três gerações, reconhecemos também a importância das outras gerações de direitos fundamentais (portanto, a quarta e a quinta) para o surgimento dos chamados novos direitos, que apresentaremos posteriormente, ainda neste trabalho.  

Assim, de acordo com Carvalho Ramos (2005, p. 82-83), a primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos as chamadas prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo.

Diz Canotilho (1993, p. 505), que estes são os direitos de defesa e possuem o caráter de distribuição de competências (limitação) entre o Estado e o ser Humano, sendo denominados direitos civis e políticos.

Por isso são conhecidos como direitos ou liberdades individuais que têm como marco as revoluções liberais do séc. XVIII na Europa e Estados Unidos, que visavam restringir o poder absoluto do monarca, impingindo limites à ação estatal. São entre outros o direito à liberdade, igualdade perante a lei, propriedade, intimidade e segurança, traduzindo o valor da liberdade.

Bonavides (1993, p. 475) assevera que “os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico”; em fim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.   

A segunda geração dos direitos humanos são os direitos sociais nos quais o sujeito de direito é visto enquanto inserido no contexto social, isto quando analisado em uma situação concreta.

Trata-se da passagem das liberdades negativas de religião e opinião, por exemplo, para os direitos políticos e sociais, que requerem uma intervenção direta do Estado, representando, portanto, a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Esse papel ativo diz Carvalho Ramos (2005, p. 84) embora necessário para proteger os direitos de primeira geração, era visto, anteriormente com desconfiança, por se considerar uma ameaça aos direitos do individuo.

Contudo, sob influencia das doutrinas socialistas, constatou-se que as inserções formais de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para realizar aquilo que Lafer (1991, p. 127) chamou de “direito de participar do bem estar social”.

Cabe frisar que, tal como os direitos da primeira geração, os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo contra o Estado. Nesse momento, são reconhecidos os chamados direitos sociais como o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados “direitos de igualdade” por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos.  

Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamas lutas sócias da Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917, que regulou o direito ao trabalho e à previdência social; A Constituição alemã de Weimar de 1919, que em sua parte II estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais e; no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores.

Já os direitos de terceira geração são os trans-individuais, também conhecidos por direitos coletivos e difusos, aqueles que de acordo com Sarlet (1998, p. 50) trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos.  

Tratam-se daqueles direitos de titularidade da comunidade, como o direito ao desenvolvimento, o direito do consumidor, o direito à paz, o direito a autodeterminação, principalmente o direito ligado as questões ecológicas, o que Carvalho Ramos (2005, p. 84) denomina de “direitos de solidariedade” por resultarem da descoberta do homem vinculado ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana.

5. LIBERDADE, IGUALDADE, E SOLIDARIEDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Revolução Francesa de 1789 trouxe a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sob a tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade ou Solidariedade, que marcou a primeira vitória pelo reconhecimento dos Direitos Humanos.

Assim o séc. XIX pode ser designado como o século da Liberdade. Ainda que a história da luta pela liberdade seja adjacente a própria história humana, será nessa quadra civilizatória que o ideal libertário se materializará. Como exemplo disso, cai os grilhões da escravidão. (ABREU, 2011, p. 142).

Esta liberdade corporal – revelada no direito de ir e vir e de permanecer – é a mais primária de todas as suas formas de expressão e a mais fundamental, já que todas as outras nela se amparam.  Entretanto, acrescenta Abreu (2011, p.142):

“a Liberdade tem sentidos muito mais amplos do que apenas os direitos de locomoção, de liberdade de pensamento, de expressão, de consciência, de crença, de informação, de decisão, de reunião, de associação, em fim, todas estas e outras que afiançam uma vida digna a pessoa humana. Para que a pessoa seja de fato livre, é imperioso, inicialmente, que seja ela liberta da miséria, do analfabetismo, do subemprego, da subalimentação, da submoradia, etc”.

Assim, a luta pela liberdade continua não só para manter os direitos já conquistados, mas, sobretudo, para afirmar a liberdade àqueles que ainda a perseguem.

Se o séc. XIX foi denominado o século da liberdade, o séc. XX foi cognominado como o séc. da igualdade, pois, desde os seus primórdios, houve movimentos pelo reconhecimento da igualdade política entre homens e mulheres, brancos e negros.

No seu transcurso se desenvolverá todo o ideário contra a discriminação fundada em sexo, raça, cor, origem, credo religioso, estado civil, condição social ou orientação sexual, chegando-se assim, portanto, à igualdade como uma medida de discriminação positiva, ou seja, a proibição de agravamento de desigualdades ou diferenças já existentes. (Alexy, 1997). Daí a luta contínua contra outras formas de injustiça marcadas pela desigualdade entre os indivíduos.

Do mesmo modo Hobsbown (2007) cognominou o séc. XX como ‘a era dos extremos’, pretendendo denominar a época mais extraordinária da humanidade, uma era caracterizada por grandes avanços de ordem científica, tecnológica, conquistas materiais expressivas, além da capacidade de transformar e quiçá de destruir o planeta e uma combinação de exclusão social, criminalidade violenta e calamidades humanas de dimensões sem precedentes.

Já o séc. XXI inaugura um novo milênio e levanta a última bandeira da Revolução Francesa: a Fraternidade ou Solidariedade. Nesse novo pórtico civilizatório, impõe-se a Solidariedade como uma ferramenta para as ações governamentais, empresariais e interpessoais. Portanto a proteção dos direitos parte do âmbito individual para o coletivo, impondo-se a consciência de que os direitos fundamentais (especificamente os de liberdade e igualdade) só serão efetivamente assegurados se forem garantidos a todos. É a época de concretização do bem comum onde se sobrelevam os direitos inerentes a pessoa humana não considerada particularmente, mas como coletividade, tais como: o direito ao meio ambiente, a paz, a segurança, a moradia, ao desenvolvimento e outros. (ABREU, 2011).

6. OS NOVOS DIREITOS: A QUARTA E A QUINTA GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme dito anteriormente, o séc. XXI inaugura um novo milênio e nele abre-se espaço para a realização do último signo da Revolução Francesa: a Fraternidade ou Solidariedade. Trata-se de um tempo de mudança ou época da informação, conforme prefere Manuel Castells (2003), uma época em que a globalização e a revolução da informação transformaram os homens na sua forma de viver, de produzir, de consumir, de negociar e de se comunicar.

Esses fatores propiciaram novas formas de ser e estar do ser humano, que por sua vez, propiciou o surgimento de novos direitos como resultado da judicialização das relações sociais.

De acordo com Werneck Vianna (1999), a judicialização das relações sociais corresponde justamente à crescente difusão do direito na organização da vida social.  O Estado regula as relações, ditando normas de conduta com o objetivo de proteger desde as mulheres vitimizadas, os pobres, o meio ambiente, passando pelas crianças e pelos adolescentes em situação de risco, pelos dependentes de drogas e pelos consumidores inadvertidos. Trata-se de novos objetos sobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais, enredadas na semântica da justiça.

Para entendermos o que são esses nos novos direitos, bem como para compreender a condição de direito e de cidadão é importante se debruçarmos sobre a quarta e a quinta geração de direitos humanos.

Assim, a quarta geração dos direitos humanos seriam os chamados direitos de manipulação genética, relacionados à biotecnologia e a bioengenharia, e que tratam de questões sobre a vida e a morte e que requerem uma discussão ética prévia. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2000, p. 85-86).

Bonavides (1997, p. 527) apoiando-se nas lições de Karel Vasak diz que esses direitos de quarta geração resultam da globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação democrática, informação, direito ao pluralismo, bem como ao direito de comunicação. Acrescenta ele que há também o reconhecimento de novos direitos, como os nascidos da chamada bioética e limites à manipulação genética, fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado (direitos de defesa, associados à primeira geração de direitos humanos).

Finalmente os direitos de quinta geração, surgem como resultado da realidade virtual, que correspondem ao grande desenvolvimento da cibernética, implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas [9]

Como exemplo de novos direitos agregados ao rol de direitos humanos, menciona Celso Lafer (1991, p. 131) que

“O direito ao desenvolvimento, reivindicado pelos países em subdesenvolvimento nas negociações no âmbito do diálogo Norte/Sul sobre uma nova ordem econômica internacional; o direito a paz, pleiteado nas negociações sobre desarmamento; o direito ao meio ambiente argüido no debate ecológico; e o reconhecimento dos fundos oceânicos como patrimônio comum da humanidade, a ser administrado por uma autoridade internacional e em benefício da humanidade em geral”. 

Comenta Oliveira Júnior (2000), que nos últimos anos tem-se acelerado o processo de multiplicação dos direitos, por três razões principais, a saber:

“a) Pelo aumento de bens a serem tutelados;

b) Pelo crescimento do número de sujeitos de direito e;

c) Pela ampliação do tipo de status dos sujeitos.”

A titularidade de alguns desses direitos foi estendida dos sujeitos individuais aos grupos, conforme foi dito anteriormente e o homem passa a ser encarado na sua especificidade ou na sua concretude em sociedade, não mais como ser abstrato ou sujeito genérico, mas como trabalhador, idoso, criança ou mulher, e nesse enfoque ampliaram-se os status a serem protegidos pelo direito.  Esses novos direitos revelam, portanto o aumento da complexidade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos humanos constituem uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais do ser humano e correspondem ao conjunto de faculdades e instituições que em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem e são reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos nível nacionais e internacionais. Esses direitos são fundamentais é através deles que o individuo se desenvolve e participa plenamente da vida social e política. Esses direitos nascem em certas circunstâncias históricas, de modo gradual, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades que somente foram possíveis a partir de acontecimentos marcantes que levaram a uma mudança na estrutura da sociedade e na mentalidade do ser humano.

A globalização, os avanços da ciência, principalmente a medicina, as conquistas materiais e a revolução da informação transformaram os homens na sua forma de viver, propiciando o surgimento de novos direitos que vêm se difundindo nas relações sociais, incluindo aquelas de natureza puramente privadas.

 

Referências
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Notas
[1] Uma das principais discussões na doutrina específica é quanto à terminologia (Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais). Cumpre-nos ressaltar que não é objeto desta pesquisa discutir essas terminologias. Porém, respaldamos nossa opinião nas palavras de Garcia quando diz que “há um consenso geral existente entre alguns tratadistas da Teoria dos Direitos Fundamentais que consideram ambos os termos sinônimos ou utilizam o termo direitos humanos para fazerem referência aos direitos positivados nas declarações e convenções internacionais e os direitos fundamentais para aqueles direitos que aparecem positivados ou garantidos no ordenamento jurídico interno de um Estado, sendo que de entre eles estão Perez Lunõ, Barranco, Sarlet entre outros”. (Garcia, 2008).
[2] Com relação ao termo trânsito a modernidade (transito a la modernidad), Peces-Barba (1982, p. 4)  justifica sua utilização devido a ambigüidade do termo Renascimento, e prefere então o uso muito menos comprometedor da expressão transito a la modernidad. Que caracteriza sua tese de que os direitos fundamentais são um conceito da modernidade. (…). O transito à modernidade é um momento revolucionário, de profunda ruptura, mas ao mesmo tempo importantes elementos de sua realidade já se anunciavam na Idade Média, e outros elementos tipicamente Medievais sobreviveram ao fim da Idade Média. Deste o trânsito à modernidade e até ao séc. XVIII aparecerá à Filosofia dos Direitos Fundamentais, que como tal, é uma novidade histórica do mundo moderno, que tem sua gênese no trânsito a modernidade, e que, por conseguinte, participa de todos os componentes desse trânsito já sinalizados, ainda que sejam os novos, os especificamente modernos, os que lhe dão seu pleno sentido.
[3] O surgimento dos direitos fundamentais pode ser analisado sob mais de um aspeto. Sua história encontra-se também intrinsecamente ligada à evolução filosófica dos direitos humanos, como os direitos de liberdade, evoluindo das concepções naturalistas para a concepção positivista até a formação do chamado novo constitucionalismo ou pós-positivismo. A concepção jusnaturalista advoga a existência de um direito natural alheio à vontade estatal, tido como absoluto, perfeito e imutável. Com o surgimento das teorias contratualistas do Estado, o jusnaturalismo destaca-se com a teoria de John Locke que, partindo do pressuposto de que os homens se reúnem em sociedade para preservar a própria vida, a liberdade e a propriedade, torna esses bens (vida, liberdade e propriedade) conteúdos dos direitos oponíveis ao próprio Estado. Conforme Lock “a única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se em uma comunidade, para o gozo segundo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte”. (Lock, 1998, p. 468).
[4] A Carta Magna ou Magna Carta Libertatum seu Concordian inter regem Johannem et Barones pro Concessione libertatum ecclesiae et regni Anglicae – Carta Magna das Liberdades ou Concórdia entre o Rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino inglês, foi a declaração solene que o Rei João da Inglaterra, também conhecido como João Sem-Terra, assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barrões do reino. Embora o texto tenha sido redigido sem divisões nem parágrafos, ele é comumente apresentado como composto de um preâmbulo e de sessenta e três cláusulas e foi confirmada, com ligeiras alterações, por sete sucessores de João Sem-Terra.  (Comparato, 2008. p. 71).
[5] Sobre a tolerância e liberdade de opção religiosa, Voltaire escreveu quase 40 anos depois da morte de Thomasius o Tratado Sobre Tolerância. A obra foi escrita no contexto de uma sociedade em crise onde o Poder se arrogava normalmente o direito de atormentar os homens por suas crenças. Durante o seu exílio na Inglaterra, Voltaire ficou impressionado com o pluralismo religioso lá praticado em comparação com a situação de perseguição na antiga França. Motivado por esse contraste, ele tomou como ponto de partida para o seu trabalho um dos casos mais ilustres de coerções da legislação protestante que ocorreu em 9 de março de 1762. A acusação sofrida pela família Calas de ter morto um de seus filhos Marc-Antoine e com base em uma mera verossimilhança, o tribunal de Toulouse condenou à morte o pai da vítima, Jean Calas, protestante que, no dia seguinte à condenação, foi executado pelo suplício da roda perante uma multidão. O motivo que levou à morte de Jean Calas foi considerado por Voltaire pior que a fatalidade da guerra, justificando que na guerra os perigos e as vantagens são iguais e há possibilidades de defesa para os inimigos antes da morte. No cenário da intolerância daquela época, a queixa contra os abusos era geral. Eram executados todos aqueles que se manifestavam contra tantos atos de banditismo religiosos e políticos, protestos esses que impulsionaram a reforma no século XVI. Voltaire entendia que a controvérsia não deveria ser alimentada pelo Estado, pois, a tolerância não provoca a guerra, enquanto que a intolerância cobria a terra de chacinas e acarretava prejuízos, portanto, perseguir pessoas pela intolerância religiosa não deveria ser interesse do Estado. Para ele, a intolerância só poderia ser considerada um direito humano quando a sociedade fosse perturbada pela inspiração do fanatismo: “para que um governo não tenha o direito de punir os erros dos homens é necessário que esses erros não sejam crimes; eles só são crimes quando perturbam a sociedade. Para Voltaire a religião se torna útil para o Estado, diante da grande propensão do gênero humano para a fraqueza e para a maldade. Para o autor, onde quer que haja uma sociedade estabelecida, uma religião é necessária. As leis protegem contra os crismes conhecidos, e a religião contra os crimes secretos. Acredita-se que a religião evitaria que o povo se torna-se supersticioso, porque esta, além de inútil é também perigosa. E a mais perigosa de todas as superstições é odiar o próximo por suas opiniões. Quanto menos dogmas, menos disputas, quanto menos disputas menos infelicidades. (Voltaire, 2000. p. 180).
[6] Na verdade, o Habeas Corpus já existia na Inglaterra havia vários séculos (mesmo antes na Magna Carta), como mandado judicial (writ) em caso de prisão arbitrária. Mas a sua eficácia como remédio jurídico era muito reduzida devido à inexistência de adequadas regras processuais. A lei de 1679, cuja denominação oficial foi “uma lei para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar”, veio corrigir esse defeito e confirmar no povo inglês a verdade do brocardo remedies precede rights, isto é, são as garantias processuais que criam os direitos e não o contrário. A importância histórica do habeas-corpus, tal como regulada pela lei inglesa de 1679, constitui no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a proteção de outras liberdades fundamentais. (Comparato, 2008, p. 89).
[7] O Bill of Rights foi promulgado também na Inglaterra no ano de 1689, exatamente um século antes da Revolução Francesa. Esta declaração pôs fim, pela primeira vez, desde o seu surgimento na Europa renascentista, ao regime de monarquia absoluta, no qual todo poder emana do rei e em seu nome é exercido. A partir desse ano (1689) os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe do Estado. (Stern, 1998).  Embora não sendo uma declaração de direitos humanos, nos moldes das que viriam a ser aprovadas cem anos depois nos Estados Unidos e na França, o Bill of Rights criava, com a divisão de poderes, aquilo que a doutrina constitucionalista alemã do séc. XX viria denominar, sugestivamente, ‘uma garantia institucional’, isto é, uma forma de organização do Estado cuja função, em última análise, é  proteger os direitos fundamentais da pessoa huamana. O Bill of Rights enquanto lei fundamental permanece ainda hoje como um dos mais importantes textos constitucionais do Reino Unido. (Gough, 1955).
[8] A declaração de independência dos Estados Unidos culminou com a independência das antigas treze colônias britânicas da America do Norte, em 1776, reunidas primeiro sub a forma de uma conferederação e constituídas em seguida em Estado Federal em 1787. Este acontecimento veio representar o ato inaugural da democracia moderna, combinando sob o regime constitucional, a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos direitos humanos. A característica mais notável da Declaração de Independência dos Estados Unidos reside no fato de ser ela o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos, na história política moderna. A própria idéia de se publicar uma declaração das razões do ato de independência, por um ‘respeito devido às opiniões da humanidade’, constituiu uma novidade absoluta. Doravante, juízes supremos dos atos políticos deixam de ser os monarcas ou chefes religiosos, e passam a ser todos os homens, indiscriminadamente. Na verdade, a idéia de uma declaração à humanidade está intimamente ligada ao princípio da nova legitimidade política: a soberania popular. Uma nação só está legitimada a auto-afirmar sua independência, porque o povo que a constitui detém o poder político supremo. (Comparato, 2008, p. 99 – 106).
[9] Um exemplo muito recente desses conflitos é a polemica espionagem e coleta em massa de dados telefônicos e eletrônicos levada acabo pela Agência Nacional de Segurança Norte-Americana NSA contra cidadãos e empresas de vários países, incluindo o Brasil.

Informações Sobre o Autor

Amadeu Elves Miguel

Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI com bolsa do Programa CNPq/MCT-Mz Pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco UCDB Licenciado em Ciências Policiais pela Academia de Ciências Policiais de Moçambique ACIPOL Funcionário Público do Ministério do Interior de Moçambique MINT Professor do Curso de Licenciatura em Direito do ISGECOF – Moçambique Pesquisador do Grupo de Pesquisa: Sustentabilidade Ambiental no Direito e nas Políticas Públicas CNPq


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Equipe Âmbito Jurídico

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