1. Introdução.
No início de um novo milênio, busca-se cada vez mais o aprimoramento da prestação jurisdicional. A crise pela qual atravessa o Poder Judiciário é notória. Muitas são suas causas, das quais não nos cabe, neste trabalho, tecer comentários mais profundos.
Basta que fiquemos com a conclusão: a prestação jurisdicional é lenta e, por conseguinte, ineficaz.
Rui Barbosa já dizia que justiça tardia é injustiça; é, na verdade, denegação de Justiça. Quando a parte busca a satisfação do seu direito via processo, há um espaço de tempo ineliminável entre o início e o fim dessa realização, pois é no processo que os sujeitos praticarão os seus atos processuais tendentes a formar gradualmente a convicção do juiz. Esse espaço de tempo é de uma problemática impar.
Darci Guimarães Ribeiro[1], tratando do tema da morosidade da justiça, cita o jurista italiano Nocoló Trocker, para quem "a justiça realizada morosamente é sobretudo um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando bens capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo têm a perder. Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também num cômodo instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição” .
Alberto Luiz Marques dos Santos[2], diz que muito do atraso na prestação jurisdicional poderia ser invertido, se os juízes lessem a “lei com olhos progressistas, e despidos de preconceitos retrógrados que só contribuem para perpetuar a desatualização e a morosidade da Justiça, desprestigiando-a.”
O mesmo Alberto Luiz Marques dos Santos cita as palavras do Magistrado paulista Francisco de Paula Sena Rebouças, publicadas na ocasião em que se realizava a primeira experiência simulada da estenografia no Judiciário de São Paulo. Dizia o Magistrado:
"Quem conhece o Judiciário sabe que a sua verdadeira reforma há de implicar no abandono de praxes, sendo imprescindível renovar métodos, aniquilar tabus, romper com as ferrugens do teorismo que, invertendo valores, entrava a realização do direito, mas não se envergonha da chicana. Além disso, é preciso ser prático, isto é, alcançar rapidamente o resultado específico da atividade que se desenvolve, ao menos naquilo que é simples pela própria natureza, realizando o serviço público com prestigiamento do Poder. É necessário intuir, se vedada for a dedução, que o processo judicial não é mera burocracia, não é o instrumento da fraude, do dano e do engodo, não é seqüela do Estado cartorário, nem pode ser confundido com sintoma do Estado autocrático. Trata-se de simples extensão, viva e atuante, das garantias constitucionais. Quer na ciência, quer no texto do Código, a verdadeira idéia e a única norma de procedimento serão aquelas capazes de impedir essas confusões.”
Pois bem, a morosidade da Justiça é fato incontestável, tanto aqui, como em outros países. Flávio Ervino Schimidt[3] relata-nos que o Estado da Espanha fora condenado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por não ter julgado uma causa “dentro de um prazo razoável.” O Estado da Alemanha também sofrera condenação semelhante.
Contudo, muito embora a demora na prestação jurisdicional não seja exclusividade tupiniquim, em nossas terras ela parece ser ainda mais presente.
Busca-se, assim, uma efetividade processual, consubstanciada na prestação célere, eficaz e justa, que se materializa através de decisões judiciais amplas, capazes de tratar das questões da vida em concreto e evitando o "passar do tempo, que realmente é inimigo declarado e incansável do processo", como atesta Cândido Rangel Dinamarco[4].
Neste diapasão, a arejada doutrina e jurisprudência superaram a fase metodológica do Processo (quando precisou se impor como ramo autônomo do Direito cientificamente). Hoje, encara-se-o sob o prisma instrumentalista, destacando sua função precípua de meio de pacificação de conflitos individuais ou sociais, através da efetivação da ordem jurídica violada ou ameaçada de violação.
O processo não pode servir de óbice à aplicação do Direito Substantivo. Ao revés, deve ser meio, instrumento hábil, para se materializar nos conflitos de interesses concretamente existentes. Por isso, entre privilegiar formalismos processuais em detrimento da aplicação do direito e dar eficácia e efetividade à norma, olvidando-se procedimentos, opta-se por esta, fazendo valer o direito material, plano no qual se situam os interesses das partes.
Como corolário de todos estes argumentos, exsurge a idéia de que a efetividade é o escopo precípuo do processo, que nada mais é senão instrumento para a garantia do Direito Material, dando a cada um o que é seu, através de um provimento célere e eficaz.
No dizer de Chiovenda, há de se reconhecer essa proximidade entre o processo e o direito nele controvertido, devendo aquele estar "a serviço do homem, com o instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço de sua técnica".[5]
2. Da Discricionariedade
Ao encontro do anseio de um processo mais eficaz, surgem os defensores de que se conceda ao juiz poderes maiores.
O conceito acadêmico de que a relação processual é tripartite, conforme a figura abaixo, formando-se pelo Autor, Réu e Juiz, dentro de uma triangulação equidistante, não poderia mais medrar. Eis o gráfico:
Reclama-se, portanto, que o Juiz não seja mais impassível diante do caso concreto. Na busca da verdade, sempre real, deve o juiz disponibilizar de poderes maiores, a fim de que eventualmente supra a deficiência de uma das partes. Ao contrário de uma relação triangular, existiria, sim, uma relação linear, em que o Juiz desceria de seu pedestal equidistante, e desenvolveria sua função constitucional, realisticamente.
Exemplo 01: Relação linear em que o juiz mostra-se equidistante das partes.
Autor_____________________Juiz______________________Réu
Exemplo 02: Relação linear em que o juiz aproxima-se mais do autor, uma vez que sua ação fora apresentada defeituosamente
Autor_____________Juiz______________________________Réu
Exemplo 03: Relação processual linear em que o juiz aproxima-se mais do réu, dada sua deficiência de defesa.
Autor____________________________________Juiz_______Réu
Em todos os exemplos acima busca-se a verdade real, mesmo dentro do processo civil. Nesta toada, se as partes estão bem representadas, mediante advogados e expedientes processuais adequados, sérios e plausíveis, não se fará necessário que o juiz exceda sua função de mero espectador e julgador. O exemplo 01 é retrato disto, e neste caso, o juiz permanece inerte, apenas como destinatário de fatos, fundamentos e provas.
Porém, se uma das partes não possui instrumentos técnicos e monetários à suficiência, o juiz tem o dever de zelar pela manutenção da estrita igualdade processual, ainda que, para tanto, deva pender para um dos lados, suprindo, destarte, a falha de postulação.
José Renato Nalini[6] dá um exemplo: “O desiquilibrio da balança é evidente quando, de um lado, situa-se empresa provida de infindáveis arsenais para um litígio que lhe convém, muitas vezes, institucionalizar ao invés de pacificar. De outro o indivíduo isoladamente considerado, carecedor de armas compatíveis para enfrentar a pugna, onde começa já na condição de perdedor.”
O juiz não pode se recusar ao exercício de sua responsabilidade política e ética, sob o velho pretexto de uma mais agnóstica “neutralidade”[7]. Exige-se-lhe não apenas reequilibrar as situações díspares, mas ainda oferecer seu talento, desforço pessoal e inteligência, para ampliação real do rol dos atendidos pela Justiça
Nem se diga que isto fere o princípio da isonomia. Ao contrário!, tal diligência lhe assegura. Lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho que “o princípio da isonomia oferece na sua aplicação à vida inúmeras e sérias dificuldades. De fato, conduziria a inomináveis injustiças se importasse em tratamento igual para os que se acham em desigualdade de situações. [8]
Eis um rápido esboço da discricionariedade jurídica, que se revela bastante presente, v.g., na instrução processual e na decretação de liminares, como abaixo veremos.
3. Discricionariedade e arbitrariedade
Segundo Aurélio Buarque de Holanda[9], discricionariedade é:
“Que procede, ou se exerce, à discrição, sem restrições, sem condições; arbitrário, caprichoso, discricional”.
Portanto, numa visão eminentemente gramatical, discricionariedade confunde-se com arbitrariedade. Ambas teriam, pois, o mesmo significado.
Todavia, no mundo jurídico, discricionariedade e arbitrariedade são conceitos que se distinguem.
A tese de discricionariedade sem limites, esta sim, abre campo à arbitrariedade e à corrupção dos encarregados do deferimento do benefício, haja vista a possibilidade de critérios subjetivos menores e inconfessáveis ditarem diferenças entre os agraciados.
A discricionariedade, a real e propalada discricionariedade, assenta-se em critérios de conveniência e oportunidade de índole objetiva e juridicamente defensáveis, não podendo resvalar na subjetiva e odiosa discriminação.
Eis por que estudaremos a discricionariedade dentro de um poder jurisdicional, relativa contudo, a fim de evitar-se arbitrariedades.
O professor Carlos Maximiliano, em feliz comentário, dita:
"Assim como um químico põe em combinação elementos diversos e chega a um resultado independente da sua vontade, assim, também, o juiz, ante certas relações de fatos e normas jurídicas gerais, obtém solução feliz não filha do arbítrio".
A discricionariedade seria, pois, um poder judicial, de em determinados casos, o juiz ter liberdade de opção, sempre no interesse objetivo da eficácia da prestação jurídica.
A discricionariedade não é o resultado da mera possibilidade de fato da escolha entre duas condutas possíveis. Resulta, isto sim, da possibilidade jurídica da realização dessa escolha, que se revelará ser a mais apropriada aos anseios da Justiça. Por que não dizer, seria a inconformação do juiz “com uma atuação meramente burocrática e que repensa continuamente os aspectos institucionais de seu mister, e não se acomoda perante este quadro. Procura contribuir para a reflexão que não é só dele, mas de todos os interessados na preservação da democracia…”[10]
4. Juízes Legisladores[11]
Segundo José Renato Nalini[12], há um sopro de busca ao judiciário. A sociedade reclama, e o poder político tende a promover formas de facilitação ao ingresso no Poder Judiciário, permitindo que vasta legião de excluídos a ele tenha acesso. A tal movimento denomina de “Aceso à Justiça.”
Todavia, Nalini prega que o sucesso deste movimento repousa em mudanças legislativas, institucionais e processuais.
No âmbito institucional, os juízes podem adotar postura mais progressista, pugnando pela humanização do direito, mediante a busca de novos caminhos de compreensão do papel do juiz.
Este dinamismo do juiz reflete-se, sobretudo, no bom andar do processo.
Mas, pode-se falar em discricionariedade judicial?
Esta pergunta é tema de um trabalho de Teresa Arruda Alvim Pinto[13], que, em apertada síntese, diz ser a discricionariedade é a possibilidade de haver diversas soluções, diversos caminhos possíveis, para um mesmo fato.
Que, contudo, para alguns, esta liberdade em sede judicial não seria discricionariedade, pois o judiciário apresenta a melhor solução, a correta solução, dentro de várias hipóteses. Este fenômeno, “diferente da discricionariedade propriamente dita, deve dar-se o nome de liberdade de investigação crítica.”[14]
Mauro Capeletti[15] ensina que por decênios, verificou-se a evolução no sentido de abandonar-se a concepção do processo civil como mero negócio entre as partes, sendo um juiz simples árbitro passivo, “privado de poderes sobre o desenvolvimento do processo.”
Continua o autor dizendo que o movimento pela oralidade no processo, desencadeado desde os fins do século XIX, conduziu naturalmente ao aumento da função do juiz na direção do processo, “assegurando a efetiva, e não meramente formal, igualdade das partes.”
Entretanto, como toda modificação, sempre existem as vozes em contrário, pregando a manutenção do “status quo”, ainda que isto signifique um descompasso com a realidade.
Esses conservadores[16] pregam que ao se conceder poderes em demasia aos juízes, haveria usurpação de poderes, na medida em que o Judiciário imiscuir-se-ia na função legislativa.
Mauro Capaletti[17] indaga: o juiz é mero intérprete-aplicador do direito, ou, na sua judicatura, cria direito? Poder-se-ia dizer que o juiz participa da atividade legislativa?
Num país como o Brasil, à mercê de uma “orgia legislativa”, cuja capacidade legislativa é, na verdade, obsoleta, eventual atividade supletiva do juiz, criando direito, poderia ser considerada ingerência do Poder Judiciário no Legislativo?
Capeletti lembra que o “uso da mais simples e precisa linguagem legislativa, sempre deixam, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre permitem ambigüidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas na via judiciária.”
Esta resolução, mediante a interpretação pessoal do órgão judicial, é fenômeno criativo de direito, por excelência.
Tem-se, pois, que dentro do caso concreto, o juiz, enquanto parte ativa do processo, e não mero espectador, possui poder para, mediante sua interpretação, dar ao fato solução que lhe parece mais justa, embora outra decisão eventualmente fosse possível.
Assim, quando julga, quando interpreta a lei aplicável ao caso concreto, está inegavelmente criando direito.
Por conseguinte, o juiz, embora supletivamente, possui carga legislativa própria, sem que, com isto, fira a divisão de poderes consagrados na Constituição Federal, artigo 2.[18]
5. Poder discricionário instrutório.
A palavra prova, etimologicamente falando, deriva do latim “probae”, do verbo “probo”, denominativo de “probus”, que significa originalmente que marcha reta, buo, honesta, proba. A própria lei emprega-a com variedade de significações, pois prova designa ao mesmo tempo:
a) a atividade processual (equivalente a instrução) que se destina a demonstrar aquilo que se afirma, verbi gratia, quando diz que, no artigo 448 do Código de Processo Civil, antes de iniciar a instrução o juiz tentará conciliar as partes;
b) a própria convicção da verdade adquirida pelo julgador como resultado do ato de provar, é o elemento subjetivo do conceito de prova, exempli gratia, quando se afirma eu vou provar para o juiz o meu direito;
c) os motivos da prova, quer dizer, as causas, as razões pelas quais o julgador chegou àquela conclusão formando o seu convencimento, verbi gratia, quando a lei obriga o magistrado a colocar na sentença os motivos, as provas que lhe formaram o convencimento, artigo 131 do Código de Processo Civil;
d) os meios de prova, que são as fontes probantes de demonstração da verdade, ou seja, é o elemento objetivo do conceito de prova, e está esculpido no artigo 332 do Código de Processo Civil, quando diz que todos os meios legítimos são hábeis para provar a verdade dos fatos, exempli gratia, a prova documental, a prova testemunhal, etc.(23)
Ao se conceituar prova dever-se-á ter por certo que, segundo a Constituição Federal, artigo 5º, LVI, não serão admitidas no processo as provas obtidas através de meios ilícitos. Deste modo, os fatos alegados pelas partes só poderão ser considerados legitimamente provados se a demonstração da veracidade destes for obtida por meios admitidos ou impostos pela lei, decorrendo daí uma divisão criteriológica que visualizará a prova sob o seu aspecto objetivo ou sob o seu aspecto subjetivo.
O Código de Processo Civil consagrou nítida ampliação dos poderes instrutórios do juiz, dispondo no artigo 130:
“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”
Esta tendência não é recente, uma vez que o Código de Processo Civil de 1.939, já tinha disposição semelhante em sua exposição de motivos:
“A direção do processo deve caber ao juiz; a este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas também o de intervir no processo de maneira que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos fatos e descoberta da verdade.”
Segundo Aureliano de Gusmão, citado por José Renato Nalini[19], “o juiz, órgão atuante do direito, não pode ser uma pura máquina, uma figura inerte e sem iniciativa própria na marcha e andamento do processo, só agindo polr provocação, requerimento ou insistência das partes.”
Todavia, não obstante toda a doutrina aclamar os poderes instrutórios do juiz, são escassos os exemplos de sua efetiva aplicabilidade. Isto, indubitavelmente, leva a casos de injustiça. Sim, pois mediante a atividade instrutória “ex officio”, o juiz pode corrigir o desiquilibrio evidente entre as partes e se não o faz, relega o mais fraco (processualmente falando) à sua própria sorte.
O poder instrutório do juiz assegura a efetiva igualdade das partes, tornando o processo instrumento público e oficial de realização de Justiça. Manter-se passivo, deixar o processo a mercê das partes, apenas propicia um embate civilizado, mas injusto na medida em que pode vencer o mais forte ou mais perspicaz e não aquele que efetivamente tinha razão.
Mas, como compatibilizar a existência em uma mesma sistemática processual de poderes dispositivos (art. 333, I e II – CPC) com poderes instrutórios do juiz (art. 130 CPC) ? Sim, pois o artigo 333, I e II, carreia às partes o “onus probandi”.
Na verdade esta aparente contradição entre os art. 130 e art. 333, I e II, não existe, pois se conclui que o art. 333 nada mais é que a complementação do colorário do chamado Princípio Dispositivo da Demanda ou Princípio da Substanciação da Peça Inicial. Assim, à parte cabe deduzir os fatos e fundamentos jurídicos que dão amparo à sua ação.
O que o art. 333 do CPC exige do autor é que este prove o fato constitutivo de seu direito através dos elementos probatórios. O autor, desta forma, comprovará que o direito que alega é existente. Por sua vez, o réu, ao se contrapor ao pedido do autor, através da contestação ou nas contraposições previstas pela Lei do Juizados Especiais, deverá provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Portanto, todas estas especificações previstas no art. 333, do CPC, as quais estão, umbilicalmente, ligadas ao Princípio Dispositivo ou da Demanda, não afetam em nada o estabelecido no art. 130 do mesmo diploma legal. Se o autor não indicar elementos probatórios da existência dos fatos alegados em sua proemial, a sua petição será considerada inepta e, portanto, inviável a receber a chancela jurisdicional da admissiblidade.
O legislador tem se mostrado atento ao entendimento de que o juiz não pode ser inerte. V.g., no artigo 440 do Código de Processo Civil, consagrou-se o emprego da inspeção judicial. Reza este artigo:
“Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.”
Para alguns, tal meio de prova é valiosíssimo, na medida em que pode ser o vetor máximo de captação da verdade. Outros, mais conservadores, ainda trilhando pelo dogma da inércia do juiz, pregam que a inspeção judicial pode envolver o magistrado no calor da refrega, comprometendo sua imparcialidade e, por conseguinte, seu julgamento.[20]
Outrossim, a Lei 8.455/92 trouxe nova redação ao artigo 427, a saber:
"O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes."
Estas modificações ressaltam o consagrado princípio do livre convencimento (artigo 131). O juiz, utilizando-se do poder discricionário, apreciará os pareceres técnicos e os documentos trazidos e, verificará se os mesmos foram suficientes ou se necessitará de outros esclarecimentos para julgar[21].
Nem se diga que o poder instrutório do juiz quebra sua imparcialidade, como pretende, entre outros, o emérito Vicente Greco Filho[22]. Segundo tal processualista, “o juiz tem podres investigatórios, mas limitados em face do princípio dispositivo. A atividade do juiz não pode substituir ou suprimir a atividade das partes, inclusive a fim de que se mantenha equisitante das partes para a decisão.”
É utopia, senão hipocrisia, acreditar que um juiz, enquanto ser humano que é, seja absolutamente neutral, ideologicamente indefinido, alheio à valores sociais.
O juiz é sim ser humano como qualquer outro, passível, portanto, de sofrer influências religiosas, econômicas e sociais.
Demais, quando o juiz determina de ofício a produção de uma prova, não está necessariamente tomando partindo para uma das partes. Estará apenas procurando melhor se convencer, tornando-se apto a bem julgar, na busca da efetiva Justiça.
Repita-se à exaustão: é em favor da Justiça e da sociedade que o juiz julga; não em favor do individual. Logo, se oficiosamente determina procedimentos probatórios, estará apenas e tão-somente velando pelo seu mister constitucionalmente consagrado.
José Roberto dos Santos Bedaque[23] assim delimita o confronto entre o princípio da imparcialidade e o poder instrutório do juiz:
“Esse temor de perder a imparcialidade tem contribuído de maneira decisiva para que nossos magistrados, infeizmente, deixem de utilizar dos poderes instrutórios que lhes são conferidos pelo legislador processual. Criou-se uma tradição do juiz passivo, espectador, temeroso de que qualquer iniciativa sua possa torná-lo imparcial. A escassez de iniciativas probatórias oficiais, mesmo quando manifesta a sua conveniência, tem sido apontada como uma das causas do mau funcionamento do mecanismo judiciário. Essa mentalidade necessita ser alterada, a fim de que o magistrado assuma seu papel na relação processual. Juiz imparcial é aquele que aplica a norma de direito material a fatos efetivamente verificados, sem que se deixe influenciar por outros fatores que não seus conhecimentos jurídicos. Para manter sua imparcialidade, bastq qe o magistrado se limite ao exame objetivo dos fatos, cuja reprodução nos autos se faz mediante as provas. Não importa quem as traga. Importa, sim, que o provimento jurisdicional não sofra influência de outros elementos.
José Renato Nalini[24] é peremptório: “Nenhum postulado clássico é desrespeitado se o magistrado se utilizar da regra do artigo 130 do CPC…”
Para um julgamento, dois juízes, ante o mesmo fato, podem dar decisões conflitentantes, pois o intelectual-subjetivo é elemento imanente do ato de julgar, na medida em que sempre deverá haver interpretação quando da aplicação da lei ao caso concreto.
O ato de sentenciar é, pois, eminentemente intelectual. E se assim o é, resta inegável que a carga subjetiva de seu aplicador se faz presente.
Lembra o Prof. Kazuo Watanabe que "a cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo". Ora, se a cognição é ato de inteligência, o julgamento que lhe sucede, com maior razão, também o será.
Mas o que vem a ser o chamado poder discricionário próprio do ato de julgar? Existe tal poder?
Segundo Darci Guimarães Ribeiro[25], quem o define melhor é Karl Engish quando diz que "o autêntico poder discricionário é atribuído pelo direito e pela lei quando a decisão última sobre o justo (correto, conveniente, apropriado) no caso concreto é confiada à responsabilidade de alguém, é deferida à concepção (em particular, à valoração) individual da personalidade chamada a decidir em concreto, porque se considera ser melhor solução aquela em que, dentro de determinados limites, alguém olhando como pessoa consciente da sua responsabilidade, faça valer o seu próprio ponto de vista".
E Darci Guimarães Ribeiro completa: “sem sombra de dúvida, o ato judicial é discricionário, em nada se confundindo com um ato arbitrário, pois a discricionariedade está calcada dentro da legalidade e exige, obrigatoriamente, uma motivação na tomada da decisão considerada mais justa ao caso concreto; fundamentação esta que inocorre no ato arbitrário, pois é adotada uma posição não permitida pelo ordenamento jurídico para aquele caso em concreto.”
Alerta, Galeno Lacerda[26], que "discrição, portanto, resulta de ato necessário de confiança do legislador ao juiz, ou, em geral, ao agente destinatário da norma. O legislador se confessa impotente para prever e prover, em face da riqueza infinda do real e por isso confia no aplicador da lei".
O mesmo autor conclui da seguinte forma:
"Na norma genérica está contudo prevista a intenção clara de que essa aplicação se faça a melhor possível, a mais certa possível, justa e adequada, às exigências do caso. Eis por que discrição não se confunde com arbítrio desordenado ou com arbitrariedade".
Todavia, há quem diga que em qualquer situação, o ato de julgar será sempre vinculado, na medida em que não há como se negar que na atividade jurisdicional existe apenas uma solução jurídica, a um determinado caso concreto. Não há várias decisões juridicamente possíveis, ou meios possíveis para a consecução da aplicação da lei.
O que ocorre, via de regra, é que dois Juízes podem ter opiniões distintas, até mesmo opostas, sobre uma mesma questão de fato e de direito. Ainda assim, a verdade jurídica escolhida ao caso concreto afigura-se como a única solução justa “a priori”, ainda que venha a ser substituída em grau de recurso. Essa realidade não desnatura a decisão judicial como decisão vinculada.
Toda a norma jurídica deixa certa margem de apreciação e, em maior ou menor grau, consiste de conceitos jurídicos indeterminados. Existe, excepcionalmente, a possibilidade, no exercício da jurisdição, de se elegerem caminhos possíveis em típica atividade discricionária. Como exemplo, a determinação de prazo que varia de vinte a sessenta dias para citação por edital, nos termos do artigo 232, inciso IV, do Código de Processo Civil, a possibilidade de fixação de multa ou prisão quando a norma prevê a aplicação de uma ou de outra, a possibilidade de determinação do meio pelo qual se cumprirá a prestação de alimentos (artigo 403, parágrafo único, do Código Civil), a fixação do rumo da passagem forçada em benefício de prédio encravado (artigo 559, fine, do Código Civil)(8). Em todos esses exemplos a lei prevê, na atividade jurisdicional, algumas formas ou meios possíveis para aplicação da lei. Não dizem respeito, no entanto, à apreciação subjetiva da aplicação de conceitos jurídicos.
Deste modo, os que defendem ser o ato de julgar um poder vinculado, sustentam sua tese no fato de que apesar de várias possibilidades, apenas uma aplicação do conceito jurídico indeterminado apresenta-se como a melhor.
O poder discricionário, porém, seria a existência de vários caminhos possíveis para várias soluções possíveis.
Dessarte, há poder discricionário na atividade jurisdicional administrativa quando há liberdade de escolha entre vários caminhos ou soluções previstas em lei.
Em que pesem estes argumentos, parece que o ato de julgar é, sim, atividade discricionária. Ao Juiz cabe optar pela melhor exegese do texto legal, e tal opção, de per si, já é indicativo de discricionariedade.
E se ato discricionário é, resta evidente ser uma grande responsabilidade do juiz. Neste sentido escreveu Mauro Capeletti[27]:
“Os juízes exercitam um poder. Onde há poder deve haver responsabilidade: em uma sociedade organizada racionalmente, haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade. De consequência, o problema da responsabilidade judicial torna-se mais ou menos importante, conforme o maior ou menor poder dos juízes em questão”.
7. A discricionariedade nas medidas cautelares.
Segundo Humberto Theodoro Júnior[28], “a liminar não se confunde com medida cautelar. A diferença reside em que a liminar pode apresentar natureza cautelar, mas não é de sua essência a natureza cautelar (a liminar no processo possessório, por exemplo, não tem natureza cautelar). As medidas liminares, de outra forma, podem ser deferidas nos mais diversos tipos de ação, como, por exemplo, nas ações possessórias, na ação civil pública, no mandado de segurança, na ação de nunciação de obra nova, e não só no processo cautelar”.
São características das liminares a urgência e a cognição sumária, que vale dizer: as liminares somente serão deferidas em casos de relevante urgência, onde se fizerem presentes o “periculum in mora” e o “fumus bonis juris.”
A cognição sumária é uma cognição menos aprofundada em sentido vertical, onde o juiz terá em mira não o fato, mas a afirmação do fato e sua prova. É a cognição própria das situações de aparência (juízos de probabilidade). Esse tipo de cognição não determina a solução definitiva da lide, o que, de conseguinte, não induz coisa julgada material, posto não permitir o aprofundamento no objeto litigioso.
A cognição sumária, pois, conduz sempre a um juízo de probabilidade que se dá em confronto com as provas compatíveis com uma dada situação. , ocorrendo, v.g., nas ações em que a cognição é sumarizada pela redução de provas permitidas, posto que as situações de urgência (perigo) não permitem uma cognição exauriente do objeto cognoscível.
Há, contudo, de se diferenciar medida liminar, de providência liminar. Tem natureza jurisdicional a medida liminar que soluciona uma lide, ou seja, um conflito de interesses ou uma pretensão resistida. São exemplos a medida liminar em mandado de segurança e a medida liminar na ação civil pública.
Têm natureza administrativa a providência cautelar e, naturalmente, a liminar que seja medida cautelar, o provimento que vise a assegurar o poder de polícia do magistrado no processo. São exemplos desse poder cautelar o seqüestro de coisa móvel ou imóvel para evitar rixa ou violência, o depósito de filhos no caso de separação ou anulação de casamento, o poder de trazer testemunha sob vara, a reserva de bens de inventário, busca e apreensão para compelir o inventariante removido a entregar imediatamente ao substituto os bens do espólio, a arrecadação dos bens de ausente e a faculdade de resguardo da prova penal.
Quanto às medidas cautelares de natureza administrativa, não há como negar-se que se trata de poder discricionário, por excelência. Com efeito, a possibilidade de se determinar o depósito de filhos sob guarda de um dos cônjuges, ou a possibilidade de se determinar o seqüestro de bens para evitar seu perecimento configura-se um dos meios possíveis que o poder de cautela, expressamente previsto em lei, coloca à disposição do magistrado para a condução do processo.
A celeuma de vulto gira em torno das liminares, enquanto provimento jurisdicional propriamente dito. Se a liminar for poder vinculado, transmuda-se na verdade em um dever. Assim, se a parte apresenta os requisitos exigidos em lei (“fumus bonis juris” e “periculum in mora”), o juiz estaria obrigado a conceder a liminar. Tereza Celina de Arruda Alvim Pinto[29] defende tal tese.
De outra banda, se se entender que se trata de poder discricionário, ainda que a parte reúna todos os mesmos requisitos, o juiz poderá deixar de conceder a medida.
A primeira teoria é a que encontra maior penetração na doutrina e jurisprudência. Assim, presentes os requisitos para a concessão liminar, ela deverá ser concedida, não havendo discricionariedade para sua não-concessão.
8. Tutela antecipada,
Há quem defenda que, no âmbito de antecipação de tutela, o espaço de liberdade do juiz é quase nenhum. Somente o que for requerido pela parte poderá ser concedido dentro do permissivo contido no artigo 273 do Código de Processo Civil. E se configurados os pressupostos legais, não há discricionariedade para o juiz. A antecipação é direito da parte.
Da mesma forma, se o interessado não fornece ao juiz os comprovantes dos pressupostos do artigo 273, não lhe resta margem para propiciar benesses ao requerente. O pedido de antecipação terá de ser irremediavelmente denegado.
Todavia, não é o que tem prevalecido nos Tribunais. O Pretório de São Paulo, por exemplo, já decidiu ser discricionária a concessão desta medida. A propósito:
“Ficam ao critério discricionário do juiz, que ele exercerá prudente e motivadamente em cada caso, a outorga da tutela antecipada total ou parcial. A exigência de prova inequívoca significa que a mera aparência não basta e que a verossimilhança exigida é mais do que o “fumus boni juris” exigido para a cautelar”[30]
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também entendeu o deferimento da tutela antecipada, “como poder discricionário e de livre convencimento do juiz.”[31]
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso é ainda mais enfático: “A redação do artigo 273 do CPC é clara : o juiz poderá…, e não o juiz deverá…, redação que confere ao julgador amplo poder discricionário. Não se concede tutela antecipada, inclusive inaudita altera parte, se os fatos são controvertidos, com acusações recíprocas de infração contratual.”[32]
Tem-se, pois, que dada a redação do artigo 237, do Código de Processo Civil, a concessão da tutela antecipada é ato discricionário.
O artigo 798 do Código de Processo Civil prevê a concessão de medidas cautelares inominadas. Eis a íntegra deste artigo:
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
As inominadas, verdadeiras cautelares, regidas por uma cognição vertical sumária, submetem-se aos mesmos requisitos já expostos, a saber: “fumus bonis juris” e “periculum in mora”. Sua concessão insere-se dentro do que se usou chamar de poder geral de cautela do juiz.
Mas, pergunta-se: poderá o juiz, valendo-se deste poder geral de cautela, determinar de ofício as medidas que entender adequadas para o caso concreto a fim de assegurar a eficácia do processo de conhecimento ou de execução?
Segundo Nélson Nery Júnior[33], há três correntes principais. A primeira, defende a idéia de que é vedado ao juiz proceder ex officio atinentemente às medidas cautelares, somente podendo concedê-las de ofício se houver expressa autorização legal para tanto (artigo 797, Código de Processo Civil). Seria a posição do Ministro Sydney Sanches.
Uma segunda posição admite irrestritamente a determinação ex officio de medidas cautelares, sob o fundamento de que o artigo 797, Código de Processo Civil, não conteria nenhuma vedação para que se lhe desse essa interpretação, que deveria ter alargado o seu âmbito.
A terceira corrente admite que o juiz conceda providência cautelar de ofício, somente em se tratando de cautelar incidente.
Segundo Nélson Néry Júnior[34], está correto este terceiro posicionamento, porquanto deve haver harmonia entre os artigos 2º, 797, 798 e 799, do Código de Processo Civil, no sentido de ser respeitado o princípio da demanda. “Uma vez já provocada a atividade jurisdicional com o ajuizamento da ação, no curso do processo poderá o juiz, ex officio, determinar medidas cautelares para assegurar a efetiva realização do processo de conhecimento ou de execução. O que não se nos afigura razoável é dar-se ao juiz o poder de, independentemente de requerimento da parte ou do ajuizamento de ação, iniciar a prestação da atividade jurisdicional com a concessão de providência cautelar.”
10. Da aquilatação dos Danos Morais e a discricionariedade judicial.
O Dano Moral, como sabido e consabido, é todo dano não patrimonial; que não causa reflexo de ordem econômica; que não produz nenhum tipo de prejuízo material. Atinge a vítima enquanto ser humano, no seu conforto espiritual e psíquico.
Pontes de Miranda, de há muito, já alertava da necessidade da indenização dos danos morais puros:
“Seria absurdo que não fosse indenizável o dano ao corpo e à psique, que não tivesse consequências não patrimoniais. Quem sofre dor ou mágoa foi ofendido em sua integridade física ou psíquica, e talvez precise que se lhe proporcione algo que preencha o branco que a dor ou a mágoa deixou na felicidade.”
Vilson Rodrigues Alves[35], citando o mesmo Pontes de Miranda, assevera que “no dano moral existe diminuição subjetiva do prestígio público, da estima geral”.
Paulo Lúcio Nogueira[36] alertava que o próprio conceito que temos de nossa honra pessoal é subjetivo, como, aliás, subjetivo é o conceito que fazemos de outas pessoas
Trazendo-se novamente à baila as lições de Pontes de Miranda, tem-se que os danos morais, para serem indenizáveis, não necessitam de nenhuma repercussão patrimonial ou mesmo demonstração minudente, posto que, se houvesse, tratar-se-ia de verdadeiro dano patrimonial. A propósito:
“Dano dito moral que resultou em dano patrimonial, dano patrimonial que é, e não dono moral. Provavelmente houve os dois.”
O dano puramente moral é indenizável de per si, não sendo necessário demonstrar sua ocorrência. Com o advento da Constituição Federal de 1.988, sobretudo pelos incisos V e X, todos do artigo 5., restou nocauteada toda e qualquer discussão a respeito deste tema. A jurisprudência é farta neste sentido.
Por outro lado, o dano exclusivamente moral não necessita de corroboração probatória. Este presume-se com a prática do ilícito. Ora, exigir o contrário é compelir à produção de prova impossível. Como alguém poderá aferir o íntimo de outrem? Como um juiz pode imiscuir-se no âmago alheio para avaliar sua real dor? A propósito, veja-se:
No caso concreto, o aponte a protesto não poderia ocorrer por falta de pagamento, uma vez que o sacado não estava obrigado cambiariamente, mas, sim, por falta de aceite. Isto acarretaria o direito de regresso do endossatário contra o endossante e em virtude da falta de documento hábil a demonstrar a causa debendi não surgiria executividade contra o sacado. Ante tais peculiaridades, imputa-se abusivo o ato do endossatário protestar duplicata sem aceite por falta de pagamento. Isto tomou pública informação desabonatória a respeito da pessoa do sacado, causando-lhe dano moral. Reconhecido dever de indenizar. O dano moral é presumido, por acontecer no íntimo do ser humano, sem que se possa demonstrá-lo materialmente, e porque qualquer homos medius, neste caso, sofreria emoção negativa por ver protesto indevido gerando restrição creditícia à sua pessoa. (TARS – AC 196190326 – 1ª C. Cív. – Rel. Juiz Ari Darci Wachholz – J. 19.08.97) – (grifou-se).
Gustavo Tepedino[37], numa nota de rodapé, assim comenta:
“Jamais poderia a vítima comprovar a dor, a tristeza, ou a humilhação através de documentos, perícia ou depoimentos. Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, de tal modo que, provado o fato danoso, “ipso facto” está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural.”
Portanto, em determinados casos é presumível o dano moral, dispensando a necessidade de prova. É o que ministra Yussef Said Cahali[38]:
“Pelo menos quando se trata de dano moral padecido pela pessoa física em razão do abalo de crédito decorrente de protesto indevido de título, tem prevalecido na jurisprudência o princípio geral da presunção do dano, afirmando-lhe a desnecessidade de uma demonstração específica, porquanto ela é inerente ao próprio evendo; é fato notório e independe de prova que um protesto comprovadamente indevido, acarreta transtornos para pessoa na sua vida em sociedade, ocasionando-lhe perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos, na auto-estima, no conceito e na credibilidade…”
Ao tecer comentários acerca do tema “Devolução Indevida de Cheques”, Carlos Alberto Bittar, em Reparação Civil Por Danos Morais, Ed. RT, 1.993, pág. 202, assim adverte:
“… na acepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilidade do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressuspostos de direito. Desta ponderação emergem duas consequências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova de prejuízo concreto.”
Segundo o emérito mestre, os danos morais imprescindem de prova, pois são, na verdade, impossíveis de se aquilatar.
O Segundo Grupo de Câmaras do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo[39], proferiu singular acórdão. Destaca-se alguns tópicos:
“Parece que a voz da natureza determina a convicção induvidosa da existência do sofrimento moral, dispensado-se a prova oral, ou seja, o depoimento de circunstantes e vizinhos a respeito do sangramento interior da infeliz genitora. Saliente-se que o fato notório independe de prova. .. O direito é vida e a hermenêutica da norma deve serguir-lhe os passos. Dispensa-se a prova da normalidade.
O dano moral, nesta caso, é, pois, fato notório, em virtude de sua evidência. E se fato notório é, dispensa prova.
Resta, somente, aquilatar-se este dano. E neste momento a figura da discricionariedade jurídica se faz bastante presente.
Modernamente se tem aceito como parâmetro de reparação dos danos morais a Teoria do Valor do Desistímulo, a fim de se arbitrar as indenizações de acordo com o poder reparador do ofensor, sobretudo como forma de desistimulá-lo a promover novamente os atos ilícitos, ainda que em sede de imprudência.
Araken de Assis, neste esteio, ensina[40]
Quando a lei, expressamente, não traçar diretrizes para a fixação do valor da indenização, a exemplo do que deriva do art. 1.547, parágrafo único, do Cód. Civil, caberá o arbitramento (art. 1.553), no qual se atenderá, de regra, à dupla finalidade: compensar a vítima, ou o lesado, e punir o ofensor.
Neste arbitramento, imposto por determinação legal, deverá o órgão judiciário mostrar prudência e severidade, tolhendo a reiteração de ilícitos análogos.
Dessarte, o “valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo. Não deve ser simbólico, como já acoteceu em outros tempos. Deve pesar sobre o bolso do ofensor como um fator de desistímulo a fim de que não reincida na ofensa”, escreve José Osório de Azevedo Júnior, MM Desembargador do TJSP, in O Dano Moral e sua Avaliação, Revista do Advogado, n. 49.
Enfim, uma vez que não existe previsão legal apropriada para quantificação do dano moral, o mesmo se dá mediante arbitramento judicial, dentro de critérios eminentemente discricionários.
Todavia, em se adotando a Teoria do Valor do Desistímulo, o Julgador teria como parâmetro dois critérios proeminentes: a) a gravidade do dano; b) a fortuna do ofensor. Neste desiderato:
"Causando o dano moral, fica o responsável sujeito às conseqüências de seu ato, a primeira das quais será essa de pagar uma soma que for arbitrada, conforme a gravidade do dano e a fortuna dele, responsável, a critério do Poder Judiciário, como justa reparação do prejuízo sofrido." (Rev. Forense 93/529).
Outrossim, ensina Yussef Said Cahali[41] que a sanção do dano moral, por sua vez, não se efeitva em uma indenização propriamente dita; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento, impondo-se ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa quantia em dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporciona ao lesado uma indenização satisfativa.
Para o esembargador paulista, a compensação pelo dano moral deve, necessariamente, pesar sobre o bolso do ofensor. E, no caso sub judicie, sendo o ofensor entidade bancária, reconhecidamente opulenta, a condenação devia ser de molde a causar-lhe algum agravamento em seu patrimônio. Entretanto, da forma como foi lançada a condenação, não se atingirá o fim colimado pela melhor doutrina e jurisprudência.
Deste modo, ao aquilatar os danos morais, o Juiz pode pautar-se pela Teoria do valor do desistímulo.
Contribuem para a postura, até certo ponto omissiva, o arcaísmo na concepção de seu papel político, à luz de rígida separação das funções estatais; o conservantismo axiológico; uma visão corporativista e a falta de treino cívico, tudo alimentado por uma formação jurídica tradicoinal. Ainda figura o postulado de que o Judiciário é órgão inerte, servil à lei, de cuja elaboração não deve participar, para não usurpar funções e de que contrariá-la importa em desestruturação da segurança jurídica.[42]
José Renato Nalini é enfático: “O processo tem uma finalidade social e os processualistas mais sensíveis não descuram de perseguir a maior humanização da Justiça. Para esse processo considerado sob o enfoque mais liberal e aberto, imprescindível a ampliação do papel do juiz e a intensificação de seus poderes.”[43]
Do exposto, podemos concluir:
a) há sim, poder discricionário judicial;
b) este se revela, por exemplo, no poder instrutório do juiz, que busca nivelar as partes, sempre no escopo da fiel Justiça;
c) a concessão das liminares nominadas é ato vinculado, e sempre quando preenchidos os requisitos, impõe-se sua concessão;
d) já as tutelas antecipadas, em face da própria redação do artigo 273, submetem-se à discricionariedade do julgador
e) a aquilatação dos danos morais é outro exemplo de discricionariedade jurídica.
Advogado, sócio do escritório Zanoti & Almeida Advogados Associados; Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; Pós-Graduado em Direito das Relações Sociais; Pós-Graduado em Direito Contratual; Prof. de Direito Civil e Processual Civil da Associação Educacional Toledo, de Presidente Prudente, da FEMA/IMESA, de Assis, e da FADAP/FAP, de Tupã; Prof. de Processo Civil Constitucional do curso de Pós-Graduação da PUC/PR; Prof da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná; Prof. da Escola Superior da Advocacia de Assis/SP e de Presidente Prudente/SP
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