Há muito tempo que os trabalhadores brasileiros vêm
sendo vítimas de perversa forma de discriminação, no momento da procura de um
emprego, por meio das chamadas “listas negras”. Através desse odioso ato
discriminatório, praticado por alguns empregadores inescrupulosos, os
trabalhadores somente têm acesso ao mercado de trabalho se não tiverem sido
autores em reclamações trabalhistas ajuizadas em face de antigos empregadores.
Com isso, a possibilidade de emprego fica
condicionada à inexistência de ações judiciais movidas pelos candidatos às
vagas existentes no mercado de trabalho, em evidente violação ao direito de
ação dos trabalhadores, constitucionalmente assegurado (CF, art. 5º, inciso
XXXV), bem como ao próprio direito ao trabalho, que é um direito social (CF,
art. 6º).
Casos há em que o candidato é discriminado pelo
simples fato de um parente – marido ou mulher, pai ou filho – ter ido à Justiça
do Trabalho reclamar seus direitos violados, certamente por esses mesmos
empregadores que discriminam os candidatos às vagas de emprego, afrontando,
assim, o art. 7º, inciso XXX, que proíbe qualquer critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou outra discriminação que não
encontre respaldo constitucional ou legal.
No uso dessa odiosa discriminação, alguns maus
empregadores vêm-se utilizando de várias práticas fraudulentas, que a cada dia
mais se aprimoram. São exemplos das mesmas: busca de informações processuais
disponibilizadas na homepage dos
Tribunais Trabalhistas, com consulta formulada através do nome da parte;
solicitação ou pedido aos candidatos que peçam certidões negativas nos
distribuidores trabalhistas; formação de listas, copiando nomes nas pautas de
audiências das Varas do Trabalho; compra de listas prontas confeccionas por
empresas especializadas no assunto; obtenção de informações nas empresas
anteriores onde o candidato trabalhou, além de outras formas que não se
consegue sequer detectá-las.
A crueldade dessas formas de discriminação está na
dificuldade – para não dizer impossibilidade – de materialização ou comprovação
do ato, em muitos casos, o que impede que a matéria seja levada à apreciação do
Poder Judiciário para a necessária reparação das lesões de direitos sofridas
pelos trabalhadores discriminados, o que inviabiliza, também, a quantificação
dos trabalhadores prejudicados.
Sobre essa forma de discriminação, o Ministério
Público do Trabalho tem recebido denúncias nas suas várias Regionais,
permitindo concluir-se que são muitos os trabalhadores prejudicados,
principalmente em momentos de crise de emprego em que há mão-de-obra sobrando,
pelo que entende o órgão ministerial, como defensor da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF,
art. 127), que medidas fortes precisam ser tomadas pelos Poderes constituídos.
Quanto à primeira forma de discriminação acima
aludida, por meio de consultas aos sites
dos tribunais, essa triste realidade está a demonstrar, mais uma vez, que os
avanços da ciência e o desenvolvimento tecnológico estão sendo utilizados para
fins espúrios, diversos daqueles esperados pelos homens de bem.
Não se desconhece, de outra parte, que a
Constituição da República, no seu artigo 5º, inciso XXXIII, estabelece que
todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular. Porém, tal garantia não é absoluta, na medida em que, no mesmo
dispositivo, há ressalva quanto às informações cujo sigilo seja imprescindível
à segurança da sociedade, conforme se vê do texto do referido dispositivo:
“Art. 5º – … XXXIII – todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado
(grifado);
Na mesma linha, o inciso LX do artigo 5º também
excepciona a publicidade dos atos processuais, verbis:
“Art. 5º – … LX – a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;”
A propósito do direito à intimidade a todos
assegurado constitucionalmente, vale citar o quanto estabelecem os incisos V e
X também do artigo 5º da Constituição da República:
“V – é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”;
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;”
Assim sendo, à luz dos dispositivos constitucionais
citados, se é certo que todo cidadão tem direito à informação, também é
pacífico que deve ter protegido tanto o seu direito de acesso ao mercado de
trabalho como a sua intimidade.
Por tais razões, com o objetivo de evitar que essa
deletéria forma de discriminação continue a ocorrer, o Ministério Público do
Trabalho, na dianteira do problema e na defesa do interesse público primário
indisponível dos trabalhadores indefesos, requereu a alguns Tribunais Regionais
do Trabalho o bloqueio de consulta pelo nome das partes às informações
processuais disponibilizadas na homepage
dos mesmos, o que foi negado por alguns, sob argumentos, entre outros, da
existência de problemas técnicos, como foi o caso do 15º regional, razão porque
requeremos ao Excelentíssimo Procurador-Geral do Trabalho Dr. Guilherme
Mastrichi Basso que tomasse providências perante o Colendo Tribunal Superior do
Trabalho, o que foi feito prontamente com obtenção de solução positiva,
determinando o Excelentíssimo Ministro Presidente daquela Corte Ministro
Francisco Fausto a retirada imediata de tais informações da sua página, além de
emitir recomendação a todos os Tribunais Regionais para assim também
procederem.
Convém
ressaltar que não se pretendeu com isso dificultar o direito dos
jurisdicionados de terem acesso a informações processuais pela Internet, mas apenas evitar que a
coletividade de trabalhadores continue a ser prejudicada pela ação
discriminatória de alguns maus empregadores, podendo a consulta ser efetuada
através do nome do advogado, número de inscrição da OAB e pelo número do
processo.
Quanto à
segunda forma de discriminação – por meio de certidões dos distribuidores –
ações vêm sendo ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho para coibir tal
prática, razão que levou, certamente, o Presidente do TST a recomendar também
aos TRTs que somente emitam tais certidões mediante expressa indicação do
motivo para o qual se destina.
No
tocante às outras práticas imorais, ilegais e inconstitucionais, vem o
Ministério Público do Trabalho, já há algum tempo, atuando em todo o Brasil
mediante a instauração de Inquéritos Civis para apuração das denúncias e
obtenção de termos de ajustamento de conduta por parte dos empregadores responsáveis
e, não sendo possíveis estes, ajuizando Ações Civis Públicas em que busca o
cumprimento de obrigação de não fazer e indenização coletiva genérica por danos
materiais e morais causados aos direitos e interesses difusos e coletivos .
Sem
prejuízo dessas indenizações, podem ainda e devem os trabalhadores lesados,
mediante prova do dano, requerer indenizações individuais por danos materiais e
morais perante a Justiça do Trabalho.
Inserido
nessa batalha, o Ministério do Trabalho e Emprego também está articulando-se
para ajudar na coibição dessa pratica discriminatória, pois não é possível que
entre tantas fraudes contra os direitos dos trabalhadores, admita-se que aquele
que busca perante o Judiciário a solução de um conflito provocado pelo
descumprimento da legislação trabalhista, usando do direito fundamental de
ação, seja punido quando procura usufruir de outro fundamental direito – o
direito ao emprego –, pois deve-se punir qualquer forma de discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, como assegura a
Constituição Federal (art. 5º, inciso. XLI).
É por
demais necessário ressaltar o importante papel desempenhado pela imprensa
brasileira que passou a divulgar essa vexatória ofensa aos direitos dos
trabalhadores, inicialmente com matéria publicada pela Folha de São Paulo no
último dia 20 (Caderno Dinheiro), seguida por várias outros órgão de
comunicação, pois até então tudo estava restrito ao âmbito de atuação do
Ministério Público do Trabalho e de algumas ações judiciais.
A
solução do grave problema não é fácil, como sabem muito bem os trabalhadores
discriminados (alguns sequer sabem que estão sendo perseguidos, sofrendo,
apenas, a amargura da dificuldade para arrumar emprego) e os “bravos” colegas
de Ministério Público que encontram as mais acirradas dificuldades para fazer
valer os direitos constitucionais fundamentais dos cidadãos, até mesmo perante
outros órgãos públicos, como ocorreu em tribunais regionais do trabalho que,
certamente sem calcularem as graves conseqüências oriundas da aludida
discriminação, negaram o pedido administrativamente feito pelo MPT para
bloquearem a consulta processual pelos nomes dos reclamantes. Felizmente, tão
logo a imprensa colocou a “boca no mundo”, divulgando um pouco do que ainda
ocorre no dia-a-dia de algumas ultrapassadas e vergonhosas formas de relações
da trabalho, as soluções começaram a surgir não somente por parte dos órgão
públicos, como também de entidades privadas, como as centrais sindicais, que
agora resolveram denunciar a prática e pedir soluções para o caso. É por isso
que, como todos reconhecem – ou pelo menos aqueles que defendem os direitos de
cidadania – não há falar em um Estado Democrático de Direito sem uma imprensa
livre e responsável.
Evidentemente
nem tudo está resolvido porque a fraude aos direitos fundamentais dos
trabalhadores em nosso país, principalmente em momentos de crise e de
desemprego alarmante, parece aumentar e cada vez mais se aprimorar. É preciso
que todos os órgãos públicos e entidades de defesa dos trabalhadores e da
cidadania contribuam para a eliminação desse tipo de discriminação, que pela
sua crueldade caracteriza-se como caso de polícia, requerendo, por isso, a
punição dos culpados nas esferas administrativa, civil e criminal.
Procurador Regional do Trabalho
Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Professor de Direito e Processo do Trabalho
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho
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