Resumo: O presente trabalho apresenta elementos de discussão acerca da avaliação periódica de desempenho, como um dos efeitos da efetivação do princípio da eficiência na administração pública brasileira. Apresenta ainda, as distinções existentes entre as avaliações previstas na Constituição Federal, os efeitos práticos dos resultados dessas avaliações, bem como a discussão sobre medidas preventivas para a melhoria da eficiência no serviço público, a partir da qualificação e aperfeiçoamento do servidor público.
Palavras-chave : Princípio da eficiência. Estabilidade do servidor. Avaliação peródica de desempenho.
Sumário : 1.Introdução; 2. Avaliação Periódica de Desempenho e Avaliação Especial de Desempenho; 3. Objetivos da Avaliação Periódica de Desempenho; 4. O Princípio da Eficiência como Parâmetro da Avaliação Periódica de Desempenho; 5. Efeitos do Resultado Negativo da Avaliação Periódica de Desempenho de Servidor Público Estável; 6. Escolas de Governo e o Aperfeiçoamento do Servidor como Requisito da Avaliação Periódica de Desempenho.
1. INTRODUÇÃO
A Avaliação periódica de desempenho surgiu no ordenamento constitucional como uma forma de representação do princípio da eficiência. Tal avaliação, que também foi inserida na Constituição através da EC nº 19/98, é pouco discutida na doutrina pátria, isso porque, nem todos os entes públicos possuem disciplina legal para procedimentalizar a mesma, logo, não existindo muitas discussões acerca do assunto.
Trata-se da norma constitucional que mais afastou o instituto da estabilidade do servidor público, haja vista que o mesmo na hipótese em que já adquiriu a estabilidade, depois de ter passado pelo estágio probatório, ainda terá que passar anualmente ou semestralmente por avaliação, para ratificar a sua continuidade no serviço público.
2. AVALIAÇÃO Periódica de Desempenho E AVALIAÇÃO ESPECIAL DE DESEMPENHO
Do ponto de vista prático, a avaliação periódica de desempenho carece de fundamentos para a sua própria existência. Tentou o legislador fazer uma analogia à avaliação especial ou final de desempenho, que é realizada geralmente, de acordo com as leis que dispõem sobre os estatutos dos servidores públicos, nos quatro últimos meses, antes de se completar os 3 (três) anos exigidos de efetivo exercício. Esta avaliação possui razão de ser, no sentido em que é analisada do servidor a sua aptidão, bem como as condições para a sua permanência no funcionalismo público, sendo um dos requisitos para a aquisição da estabilidade.
Com relação à avaliação periódica de desempenho, o legislador é merecedor de severas críticas. O mesmo atuou com bom senso ao não determinar o aumento do período de 2 (dois) para 5 (cinco) para aquisição da estabilidade, mas faltou-lhe ao permitir a inclusão da avaliação supramencionada na Constituição. Isso porque, anteriormente à emenda, o servidor poderia ser demitido em virtude de processo administrativo disciplinar, observando-se alguns requisitos.
Acontece que, esse processo administrativo, dando-se o exemplo da Lei nº 8112/90, que trata do estatuto do servidores públicos da União, poderia ocorrer se o servidor praticasse alguma das infrações previstas no art. 132, sendo que, constatado a sua efetiva responsabilidade, seria desligado do serviço público por intermédio da demissão.
Indaga-se: da análise do artigo citado da lei infraconstitucional, não está claro que se o servidor praticar as infrações elencadas, atuará de maneira que traga a ineficiência para a Administração? Seja por abandonar o cargo, por ser inassíduo ou por improbidade administrativa.
Observa-se que a realidade da conjuntura política no fim do século passado influenciou o legislador na formulação das emendas à proposta de Emenda Constitucional, resultando numa modificação de institutos já consagrados no nosso ordenamento jurídico, como a estabilidade, bem como fez surgir o fenômeno da instabilidade do servidor público dentro dos quadros públicos. Mas já que houveram essas modificações, certas distinções devem ser feitas, a partir de conceituações próprias.
A avaliação especial de desempenho, também chamada de avaliação final de desempenho, caracteriza-se como condição para a “conquista” da estabilidade, sendo que em caso de não ser alcançada a avaliação necessária, o servidor será exonerado do cargo, mas antes disso, mediante processo administrativo simplificado, em que deve ser respeitada a ampla defesa.
A inobservância do devido processo legal invalida o ato de exoneração do servidor, na fase probatória, ainda que não preencha os requisitos indispensáveis à conquista da estabilidade.[1] Este entendimento está consolidado na súmula nº 21 do STF.
No período de três anos, pode-se verificar se realmente o servidor está apto a continuar no serviço público ou não. Para isso, deverá ser acompanhado de perto pelos agentes competentes, com vistas a verificar a sua aptidão para o cargo, bem como o desempenho das suas funções.
No caso da avaliação periódica de desempenho, verifica-se uma contradição nos próprios termos: como poderia ser realizada uma efetiva análise da eficiência do servidor, adotando-se como base o período de um ano? Que critérios norteariam as leis que regulamentassem a referida avaliação?
A priori, esta avaliação é caracterizada como ato declaratório, em que a baixa produtividade e a insuficiência de desempenho do servidor serão declarados por ato da autoridade competente, partindo-se da análise de certos critérios.
Com referência a tais critérios, Edmir Netto de Araújo leciona sobre a avaliação periódica de desempenho:
“Seu objetivo é avaliar periodicamente, por critérios técnicos e supostamente objetivos, as condições de aptidão, desenvolvimento funcional e a eficiência dos serviços realizados pelo servidor.
O perigo é que tais critérios objetivos se transformem em subjetivos, pessoais ou políticos, como tantas vezes já se viu em procedimentos de avaliação para promoções realizados pela Administração.”[2]
Também discorre sobre tal procedimento Marçal Justen Filho, defendendo que:
“A Redação constitucional do art. 41, §1º, é deficiente e exige intrepretação adequada. É evidente que a alternativa de avaliação periódica de desempenho corresponde a uma modalidade de processo administrativo. A relevância do dispositivo reside em estabelecer que a demissão poderá fundar-se não apenas na prática de infrações graves, mas também na ausência de aptidão ou capacidade para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo. A avaliação periódica destina-se não propriamente a verificar se o sujeito infringiu seus deveres, mas a apurar se dispõe de condições para cumpri-los”.[3]
A investigação deste trabalho reside justamente na compreensão da elaboração desses critérios para a análise do servidor. Quando as câmaras de vereadores e assembléias legislativas pelo país começarem a formular as leis específicas sobre o tema, cuja previsão está inserida no art. 41 da CF, disciplinando sobre os critérios de avaliação, será que os mesmos serão apenas objetivos? Será que a eficiência administrativa será atingida com a eliminação dos quadros públicos do servidor que obteve resultado negativo na referida avaliação?
3. OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO PERIÓDICA DE DESEMPENHO
A avaliação periódica de desempenho, no plano ideal, caracteriza-se como uma importante ferramenta de aprimoramento dos recursos humanos da Administração Pública. Se efetivamente, não existissem interesses obscuros quanto à institucionalização de tal procedimento, certamente, com uma outra abordagem, o serviço público sairia ganhando no pós-reforma administrativa de 1998, dando um salto na busca pela eficiência.
Um dos principais objetivos da avaliação é o levantamento de informações dos servidores, quanto à sua eficiência diante do serviço público. Como a estruturação desta avaliação está se formando para que ocorra anualmente, pode-se perceber que os resultados práticos do ano anterior podem influenciar a avalição subsequente, daí poder afirmar que tal avaliação se contradiz nos seus próprios termos.
Possui como característica, a relação de controle de resultados no serviço público, é dizer, tal procedimento, como bem explicitado no inciso III, § 1º, do art. 41 da CF/88, visa garantir a plena e execução de qualidade dos serviços públicos, na maneira em que provoca a instabilidade do servidor, que terá receio de praticar as suas atividades de forma desidiosa. Desta forma, pode-se averiguar o “quantum” cada servidor disponibiliza da sua eficiência para a Administração.
Se por um lado a avaliação permite fazer um diagnóstico fidedigno de como estão procedendo os recursos humanos de uma organização, por outro, em virtude de critérios subjetivos e com fins estranhos à Administração, pode-se praticar injustiças ao servidor público, que poderá ser exonerado por simples perseguições políticas-partidárias, característica tão comum na realidade administrativa brasileira.
As chefias geralmente são ocupadas por pessoas estranhas à Administração, ou seja, através dos cargos comissionados ocupados por terceiros em relação ao vínculo estatutário, que ingressam na Administração, tornando-se “servidores” até que a vontade e a confiança dos seus superiores se mantiverem. Como pode então, uma autoridade competente, ocupante de cargo comissionado exonerar o servidor baseado em avaliação periódica de desempenho?
A própria formação da comissão especial já se torna passível de crítica, visto que um dos membros será o próprio superior hierárquico do servidor. Em casos explícitos de conflito existente entre superior e o servidor estável, é quase que inafastável a ideia de que o primeiro possa não separar a relação profissional/pessoal, adotando para a realização da avaliação periódica de desempenho, critérios extremamente subjetivos.
Para isso, é de grande importância a divisão conceitual do desempenho e do comportamento do servidor público. Por desempenho, deve-se entender uma atividade que tem como consequência um resultado, sendo este de caráter objetivo. O desempenho seria uma relação prévia a determinado comportamento, que por sua vez, caracteriza-se como as ferramentas utilizadas para que se chegue a um determinado fim esperado, onde são verificadas as atitudes e condutas pessoais utilizadas por cada agente, no desenvolvimento de suas atividades.
Ocorre que, no âmbito da Administração Pública, tal avaliação está inserida como forma de se afastar o servidor da estabilidade, e por consequência do serviço público. Caso o servidor tenha sido reputado como ineficiente, a autoridade competente, através de ato exoneratório, formalizará o seu desligamento do serviço público.
No âmbito federal, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 248 – D, também de 1998, que atualmente tramita no Senado Federal. De acordo com o texto do Projeto, a avaliação terá por finalidade verificar o desempenho do sevidor quanto aos seguintes itens: a) cumprimento das normas de procedimento e de condutas no desempenho das atribuições do cargo; b) produtividade no trabalho, com base em padrões previamente estabelecidos de qualidade e de economicidade; c) assiduidade; d) pontualidade e e) disciplina.
Ainda versa o Projeto que a avaliação periódica de desempenho será realizada por comissão especial, instituída para essa finalidade, composta por quatro servidores, pelo menos três estáveis, que tenham pelo menos três anos de exercício no órgão ou entidade a que estejam vinculados. Todos devem ter nível hieráquico igual ou superior ao do servidor a ser avaliado.
A grande controvérsia reside na composição da comissão, em que o chefe do servidor avaliado fará parte da mesma, o que pode ocasionar, a depender do caso concreto, a interferência dos requisitos subjetivos, sejam eles positivos ou negativos. O chefe imediato, poderia ser ouvido pela comissão ou apresentar relatório à mesma, mas não figurar como um de seus membros. Certamente, não atuará de forma imparcial, fazendo com que a avaliação seja feita fora das idealizações anteriormente definidas, ou seja, com a adoção de critérios objetivos para a sua realização.
Verifica-se ainda que, o termo de avaliação deverá conter todas as deficiências do servidor avaliado e propor o treinamento necessário ao desempenho desejado, caso o respectivo ente público possua aparato para organizar as instituições de aperfeiçoamento do servidor público.
Por fim, observa-se que a própria Constituição determinou a existência da possível perda de cargo, mas não enquadrou a inaptidão para o desempenho das funções como penalidade, o que seria enquadrado como hipótese de demissão, e nem como exoneração, formas de exclusão do servidor que ocasiona a vacância de cargo público.
Tais modalidades de desvinculação do servidor da máquina administrativa podem ser visualizadas, como exemplos, na Lei nº 8.112/90, já mencionda anteriormente, em seus artigos infra:
“Art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de :
I- exoneração;[…]
Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á:
I- quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;[…]
Art. 127. São penalidades disciplinares:
III – demissão;[…].”
Há uma imprecisão em determinar de que forma o resultado da avaliação desvinculará o servidor público estável do serviço público. A Constituição, assim como a lei supracitada, preveem a exoneração em caso de não satisfeitas as exigências do estágio probatório, em que há a exoneração depois da ocorrência de uma avaliação especial de desempenho, após o três anos de período aquisitivo da estabilidade, deixando em aberto o entendimento quanto à avaliação periódica de desempenho, que está sendo considerada como espécie exoneratória.
4. O Princípio da Eficiência como parâmetro da Avaliação Periódica de Desempenho
O princípio da eficiência é o principal elemento de fundamentação da existência da avaliação periódica de desempenho. Caracteriza-se pois, tal avaliação, como uma representação da concretização do princípio em questão. Mas, será mesmo que o servidor que porventura venha a ser reprovado em avaliação periódica é realmente ineficiente?
Observa-se que a ineficiência do serviço público prestado por seus servidores pode decorrer de medidas dos administradores que ao invés de aperfeiçoar, qualificar e retribuir condignamente os servidores de carreira, oriundos de concurso público, empenham esforços em aumentar e criar cargos comissionados, os quais não detêm responsabilidade de continuidade do serviço público.
Além disso, tais cargos comissionados, muitas vezes são vinculados ao cenário político-partidário, em que partidos políticos dividem literalmente o número de cargos dispostos em um órgão ou até mesmo em um ente público, ou seja, são cargos ocupados pelo período de quatro anos, analisando-se que com o ingresso de um novo chefe do Poder Executivo, por exemplo, todas essas cadeiras são entregues à nova situação.
Isso ocasiona uma instabilidade dos órgãos públicos e, por consequência, uma grande instabilidade na realização dos serviços públicos, visto que projetos, ações, planos de estratégia administrativa, que porventura estejam em curso, muitas vezes são abandonados, para que haja a nova “roupagem” de acordo com os novos representantes da Administração Pública.
Desta forma, depreende-se que, o princípio da eficiência é abalado de períodos em períodos, muito mais por esse fator externo da Administração, mas que acaba sendo mais interno, visto que é por intermédio do cenário político, da negociação partidária, que esses cargos são ocupados, logo após a realização das eleições.
Vale ressaltar também que a noção de eficiência que foi instituída pela Emenda Constitucional nº 19/98 não se limita à qualidade do serviço prestado pela administração direta e indireta, mas também dos serviços que possam ser operacionalizados por terceiros mediante concessão ou permissão.
E como ocorre esse controle? Será que as agências reguladoras atuam com o devido controle de eficiência às empresas que estejam realizando serviços públicos?
Na realidade, o dever de eficiência era uma exigência para que a máquina estatal fosse afastada, por ser caracterizada como ineficiente, para a partir daí, institucionalizar as privatizações, bem como as contratações de empresas terceirizadas de recursos humanos, muitas vezes vinculadas ao cenário político, outrora mencionado, na conjuntura da política de desestatização ocorrida em meados da década de noventa, do século passado.
Tal dever de eficiência situa a produtividade como o principal fator na determinação do desempenho de um ente público. O legislador reconheceu que o melhor método para alcançar o incremento da produtividade passa pela promoção da melhoria permanente da qualidade.
A busca pela melhoria permanente do serviço público passou a ser elemento primordial, para que houvesse a satisfação das necessidades dos administrados.
Contudo, tal dever de eficiência não poderia estar totalmente vinculado à produtividade, haja vista, a busca pela produtividade vai mais além da atuação do servidor público, necessitando dos direcionamentos efetuados pelos ocupantes dos cargos de cúpula, ou seja, os administradores, gestores públicos.
Não se lembrou o legislador de que a produtividade está ligada a aspectos quantitativos, em que os aspectos qualitativos pouco importam para que se chegue ao fim esperado, que é a boa prestação do serviço destinado aos administrados.
Deve-se verificar se a atuação ineficiente do serviço público é mesmo em decorrência da própria estrutura de recursos humanos ou dos direcionamentos equicovados em se prestar o serviço à sociedade. E isso pode-se notar com maior probabilidade, visto que como tais gestores, geralmente são ocupantes de cargos comissionados, ou seja, demissíveis a “ad nutum”, não possuem um vínculo efetivo, contínuo e estável com a Administração, sendo que tal instituto é inerente ao servidor público propriamente dito, mas que pela flexibilização, viu sua garantia constitucional “escapar” definitivamente.
A própria exigência do dever de eficiência, pregado pela mesma Emenda, caracteriza-se com um ponto de contradição, a partir da análise da realidade. Desta forma, pode-se entender que a eficiência então buscada não era para os administrados, mas a eficiência da máquina para as parcerias privadas que ocorreriam em grande quantidade dali em diante.
Há aqui a necessidade de se fazer uma defesa: a estabilidade não é determinante para que haja a insuficiência das atividades públicas, sendo que, o servidor para adquiri-la, precisa submeter-se a um concurso público, ser nomeado para cargo de provimento efetivo, cumprir três anos de efetivo exercício e obter êxito em avaliação especial de desempenho, prevista no § 4º, do art. 41 da Constituição.
A avaliação periódica de desempenho surgiu como uma opção para evitar que o servidor depois de superado o período do estágio probatório de três anos, previstos no caput do art. 41, da Constituição Federal, sinta-se em pleno conforto por ter certeza de que não será demitido, caso negligencie suas funções, acobertado pela estabilidade, havendo pois, que atender ao requisito imposto pelo inciso III, §1º do mesmo artigo.
Já que o princípio da eficiência passou a ser explicitado, idealizações de como a sua aplicabilidade poderia ocorrer passaram a nortear o legislador, o que certamente, fundamentou a redação do inciso supracitado, com a possibilidade de afastamento de uma garantia do servidor público que é a estabilidade.
Observa-se que há um nítido choque entre a estabilidade, que é garantia dada ao servidor público e o princípio da eficiência, que é exigência da sociedade em relação ao Estado. Verificando esse choque, qual deles prepondera? De pronto a resposta seria o princípio da eficiência, que nesse caso, viria em conjunto com o princípio da supremacia do interesse público, tratando como “privado” a estabilidade do servidor público.
Contudo, fazendo-se uma análise mais aprofundada, o servidor instável passaria a partir de então, a ser um servidor ineficiente. Edimur Ferreira de Faria manifestou-se nesse sentido:
“A estabilidade do servidor público, modernamente criticada por alguns segmentos da sociedade, principalmente pelos governos nos três níveis da Administração Pública, é de fundamental importância para respaldar decisão de servidor de não cumprir ordem superior em desacordo com a lei ou com a moralidade administrativa. O servidor instável pode ser levado a praticar atos ilegais, embora em desacordo com a sua consciência, mas cumprindo ordem superior, por medo de perder o cargo. A instabilidade do servidor pode fragilizar a própria Administração e resultar em prejuízo para a sociedade. A estabilidade do servidor público é garantia do cidadão e não privilégio daquele”.[4]
Percebe-se, pois, que há prejuízo expresso para os administrados, a existência da flexibilização da estabilidade e, esta, é formalizada a partir da avaliação periódica de desempenho. Havendo a previsão de ordem constitucional de um instituto que afasta nitidamente a estabilidade, não é só o servidor que será instável, mas a própria Administração, visto que os gestores poderão utilizar-se de interesses particulares para a prática de seus atos, havendo forte receio de sofrerem represálias na própria avaliação de desempenho, cujo termo é avaliado e analisado por aqueles.
5. EFEITOS DO RESULTADO NEGATIVO DA AVALIAÇÃO PERIÓDICA DE DESEMPENHO DE SERVIDOR PÚBLICO ESTÁVEL
Continuando com a análise de prejuízos para a Administração Pública, nota-se logicamente que, caso o servidor seja declarado insuficiente no desempenho de suas funções, o mesmo passará por um processo administrativo, momento em que haverá a ampla defesa.
Note-se que o servidor passará por um processo administrativo, ou seja, não será exonerado de logo, como na hipótese do § 4º do art. 169 da CF, outra forma de flexibilização da estabilidade trazida pela EC 19/98. Sendo assim, ratifica-se o entendimento, ainda que sem previsão legal, mas que leva a visualizar o caráter punitivo de tal desligamento do servidor da Administração.
Apesar de que em tese, esta medida estaria em confluência com o princípio exigido constitucionalmente, que é o princípio da eficiência, a medida em análise mostra-se de maneira drástica e prejudicial ao Estado. Visualizando-se os desligamentos em massa de servidores que foram declarados ineficientes, por avaliação periódica de desepenho, outro princípio seria afetado, qual seja: o princípio da continuidade do serviço público.
É evidente que com o desligamento de um servidor da Administração, a mesma sai perdendo em quantidade. Às vezes, a execução de um ato administrativo não depende da sua qualidade, mas da quantidade de envolvidos para a sua realização.
Ainda assim, a Administração terá que promover de maneira periódica concursos públicos, fazendo com que a máquina estatal nunca se estabilize, atuando em plena rotatividade, o que às vezes não é interessante pela própria estrutura estatal, que se caracteriza pela estabilidade e pela continuidade dos seus serviços. Essa dinâmica encaixa-se perfeitamente no setor privado, em que num determinado dia a empresa existe, mas no dia seguinte, ela pode vir a entrar em processo de falência, podendo deixar de existir. Em contraposição, a menos que haja fusão entre Estados ou uma guerra de grandes proporções, o Estado deixa de existir.
Desta forma, entende-se que a avaliação periódica de desempenho, a ser desenvolvida desta maneira, surgiu como um instituto que além de ter afastado a estabilidade do servidor público, pode ocasionar a própria instabilidade do serviço público, sendo este um reflexo da avaliação em caso negativo.
6. ESCOLAS DE GOVERNO E O APERFEIÇOAMENTO DO SERVIDOR COMO REQUISITO DA AVALIAÇÃO PERIÓDICA DE DESEMPENHO
Além das alterações e inclusões de normas, supracitadas, a Reforma Administrativa também alterou o § 2º do art. 39 da Constituição, que assim versa: “ A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados”.
Esta previsão também se coaduna com a inclusão do princípio da eficiência na texto constitucional, haja vista prevê um direcionamento de grande valia para a Administração, que é o aperfeiçoamento, através de cursos específicos, dos servidores públicos. Isso pode ser entendido como uma preocupação significativa com a manutenção de um serviço público de qualidade, célere e atualizado, visto que sem os recursos humanos, a maquina estatal não pode funcionar.
Essas escolas podem ser entendidas como institutos responsáveis por reaparelhar e mordenizar o serviço público. É uma relação totalmente contrária à flexibilização da estabilidade: se por um lado o legislador derivado, determinou através da reforma, que o servidor poderia perder o cargo por insuficiência de desempenho, por outro instituiu a manutenção pelos entes supracitados de escola de governo, visando o pleno reaparelhamento e aperfeiçoamento dos recursos humanos da administração pública.
Pecou o legislador em não vincular a avaliação periódica de desempenho a tal aperfeiçoamento. É dizer: a frequência em cursos de capacitação específica, em escolas de governo, deveria ser requisito para que houvesse a avaliação periódica de desempenho. Esta não poderia ocorrer, caso o servidor não tivesse feito um curso ministrado por essas instituições.
Verificando este requisito como indispensável à realização da avaliação periódica de desempenho, tornar-se-ia mais justa a análise quanto a hipótese de insuficiência, que certamente diminuiria em grandes proporções, visto que a própria Administração teria dado subsídios para que houvesse uma melhora substancial do servidor, na realização de suas atividades no serviço público.
Há nesta norma, um evidente sinal de que o legislador pretendia dar maiores bases para a profissionalização funcionalismo público. Deu o legislador a possibilidade de ser implantada uma tecnoburocracia, em que o servidor qualificado, estaria preparado para a realização da atividade que lhe foi determinada, prestando um melhor serviço para os administrados.
Leciona sobre o tema, Régis Fernande de Oliveira:
“A máquina administrativa é jurássica. O problema não é o servidor. Este, simplesmente, em funçaõ do descaso dos administradores, deixa, de bem exercer sua função, exatamente por falta de qualquer incentivo. As empresas privadas mantêm, de forma permanente, cursos de aperfeiçoamento, melhoria dos aparelhos necessários para o desempenho das atividades, reciclagem, modernização, leitura etc., tudo com o obejtivo de melhorar o empregado e seu desempenho. No serviço público nada ou quase nada se faz. A determinação constitucional está prenhe de boas razões. Resta realizar, na prática, o contido na norma. É imprescindível que o servidor se sinta seguro no desempenho de suas atividades.”[5]
Assim, o servidor deve ser modernizado e suas potencialidades desenvolvidas, não sendo passível de direcionamentos equivocados pelos gestores, provocando prejuízos para a execução dos serviços públicos.
A partir daí, verificaria-se a avaliação periódica de desempenho, se caso o servidor passasse por este processo de aperfeiçoamento, como se fosse um estágio essencial para ser avaliado, haja vista, a análise de aperfeiçoamento insere-se apenas em caso de promoções dos servidores no serviço público.
CONCLUSÃO
O princípio da eficiência ficou implícito na Constituição Federal de 1988 por quase 10 anos. Apenas em 1998, com a EC nº 19, o legislador derivado incluiu tal princípio no rol dos princípios constitucionais da Administração Pública. Desde então, doutrina e jurisprudência não têm delimitado em definitivo qual o seu grau de interferência no âmbito da máquina administrativa e de quais as suas interferências práticas na prestação do serviço público de qualidade.
Muitos são os direcionamentos acerca da definição de tal princípio, mas que na verdade não chegam a uma conclusão lógica e acabada, sendo que muito doutrinadores confundem tal princípio com o dever de produtividade do servidor público. O equívoco já começa desta formulação. Não basta apenas o servidor ser eficiente. Os atos administrativos também devem ser. Se assim não fossem, a aplicabilidade dos mesmos não incidiria de maneira significativa na vida dos administrados. Por isso, entende-se que tal princípio sempre existiu no nosso ordenamento, sendo que já estava implícito no texto constitucional.
Ademais, verifica-se que o servidor público passa por uma prova, por um concurso. Daí pode-se depreender, caso a avaliação de ingresso tenha sido feita com critérios de análise intelectual, que a máquina pública é “oxigenada” de pessoas capacitadas para exercer as atribuições escolhidas, antes da submissão no certame.
Além disso, passam por um período de análise funcional, ou seja, são avaliadas as suas características e seu desempenho diante das atribuições que lhe foram delegadas.
Por isso, a defesa de que a avaliação periódica de desempenho caracteriza-se como um contra-senso criado pelo legislador, na medida em que flexibiliza a estabilidade, ou seja, torna o serviço público por conseqüência instável, além de potencializar a violação da continuidade do serviço público, com a retirada do servidor ineficiente.
Ademais, determinou o legislador derivado que a regulamentação de tal avaliação ocorreria por lei complementar, adotando-se critérios para a sua realização. Já há uma imprecisão interpretativa, visto que pode-se entender que todos os entes da Administração podem realizar a avaliação de desempenho, de acordo com a leis específicas.
Desta forma, na edição de tais leis, os critérios adotados poderão ser objetivos, mas a aplicação dos mesmos pode ganhar um viés subjetivo, em que a parcialidade da comissão de avaliação será prejudicial para o servidor, que certamente, mesmo com a previsão constitucional da existência da ampla defesa, ainda em âmbito administrativo, poderá sofrer prejuízos, com a saída injusta do serviço público, necessitando para isso, ingressar no Poder Judiciário, buscando a reintegração na administração, com o ônus de provar a nulidade do ato que gerou a sua exclusão.
A estabilidade dos servidores públicos representa uma forma de preservação do funcionamento da máquina administrativa contra a descontinuidade do serviço público, ao dispor da mudanças de grupos políticos, além de representar a independência dos mesmos, em respeito ao dever servir bem aos administrados.
Não se deve equipar os servidores ocupantes de cargo efetivo, que dedicaram momentos de suas vidas ao estudo, afastando-se muitas vezes das relações sociais, para ingressarem no serviço público, aos ocupantes de cargo comissionado, que sejam estranhos à administração, e como tais, possuem vínculo precário e momentâneo, vivendo das trocas de favores, muitas vezes político-partidários, caracterizando-se na maioria das vezes como uma verdadeira “doença institucional”. Cabe ressaltar também, como efeito da flexibilização da estabilidade, a equiparação dos servidores a um outro regime existente no país, que é o Regime Especial de Direito Administrativo, de caráter também precário e temporário, pois excepcional, sendo utilizado em muitas ocasiões como mais uma brecha de ingresso na máquina pública, sem a dificuldade de se fazer e passar em um concurso público.
A eficiência do servidor público passa pelo seu aperfeiçoamento em escolas de governo, realizando-se cursos para a melhoria da sua intelectualidade e capacidade de executar as suas atribuições. Além disso, antes de serem formuladas as leis específicas que tratam da avaliação periódica de desempenho, lei que obrigasse os entes citados no § 2º do art. 39 da CF, deveria ser formulada, tentando-se a partir daí, resolver a problemática em questão com uma solução e não com mais um problema, conduta quase que corriqueira do nosso sistema legislativo.
Desta forma, o Estado brasileiro poderia ser caracterizado como Estado eficiente e faria valer a inclusão expressa do princípio da eficiência no rol dos princípios gerais da administração pública, elencados no “caput” do art. 37 da CF, de maneira que estaria-se fortalecendo os verdadeiros pilares da máquina estatal, que são em verdade, os servidores públicos.
Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – Mestrando em Direito Público – UFBA – Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.- Professor de Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral e Direitos Humanos
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