O Novo Código Florestal ao custo de muitas expectativas e acirradas discussões, finalmente foi aprovado. Publicado no Diário Oficial da União do dia 28.05.2012, a Lei nº 12.651 veio para dar uma nova roupagem ao defasado e muitíssimo emendado Código Florestal de 1965, a Lei nº 4.771, que foi, expressamente, revogada.
Conforme maciçamente noticiado pela mídia, a nova lei não agrada a todos, pois os ambientalistas querem mais e os produtores querem menos. Então, coube a presidenta Dilma Rousseff exercer o seu desiderato de mandatária da nação e vetar aquilo que considerou ser inconstitucional ou contrário ao interesse público e o fez avidamente em vários dispositivos. Para preencher a lacuna, não se fez de rogada e concomitantemente à publicação do veto, editou a Medida Provisória de nº 571, também de 28.05.2012, e disciplinou os pontos obstados.
Sabemos que o Governo vive o clássico dilema em conjugar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico. Problema agravado em razão dos olhos do mundo estarem focados no assunto, principalmente porque o país será o anfitrião de importante evento ambiental a Rio + 20 (Conferência das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável). A decisão da presidenta, portanto, procurou comungar os vários interesses, embora não tenha alcançado.
Entretanto, chamamos atenção para um dispositivo da Lei n. 12.641 que, ao nosso entendimento, não beneficiou ninguém, que é a dispensa da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel.
Lembramos que a reserva legal, por definição de lei, é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
O § 8º do art. 16, do Código revogado, após redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001 determinava que, a área de reserva legal deveria ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente.
O intuito desse dispositivo era trazer ao fólio real importante informação quanto aos limites da reserva, uma vez que averbação no registro público garantiria publicidade irrestrita, oponível a todos, erga omnis.
De suma importância era a averbação da reserva do registro de imóveis, que o Decreto Federal n.º 6.686, de 2008 passou a tipificar como infração a omissão em não se averbar a reserva legal, prevendo a pena de advertência e escandalosa multa diária de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectares. O prazo final para averbação passou a ser prorrogado por várias vezes, o último assinalado veio com advento do Decreto n. 7.719, de 2012, que fixou em 11 de junho de 2012.
Contudo, o Novo Código Florestal inovou, negativamente quando se dispensou a averbação à margem da matrícula do imóvel:
“Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei. (…)
§ 4o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.” (grifei)
Depreende-se do texto acima que a averbação no Registro de Imóveis agora é facultativo. Esse dispositivo vai ao revesso da eficiência e da segurança jurídica que se teria caso se mantivesse a obrigatoriedade de averbar a reserva.
A sistemática registral no Brasil, a exemplo de outros ramos do direito, também é regida por princípios norteadores. Figura dentre eles um de grande importância, que tem o justo condão de trazer a eficiência e segurança, trata-se do princípio da concentração.
O princípio da concentração consiste na convergência de todas as relevantes informações sobre o imóvel em um único lugar, que no caso seria a sua matrícula, o que facilitaria a vida dos usuários, uma vez que teriam como uma única certidão, o conhecimento preciso da situação jurídica da propriedade.
Não nos olvidamos que os Registros Públicos visam justamente conceder essa publicidade e conhecimento geral da transcrição, portanto, é importante se concentrar na matrícula todas as informações atinentes à propriedade. Sobre o princípio:
“A segurança jurídica de um negócio imobiliário deveria ser dada apenas pelas situações constantes do registro, e não de outras situações que, mesmo se existentes no mundo administrativo ou processual, não fossem levadas e não constassem do registro do imóvel. Essa é a ideia e a finalidade da concentração dos atos na matrícula do imóvel, o chamado Princípio da Concentração. Os fatos que possam produzir efeitos no imóvel, no registro ou nos seus proprietários, devem ser lançados na matrícula do imóvel, sob pena de não serem considerados pelo mundo jurídico[1].”
Também sobre a importância da concentração João Pedro Lamana Pavia observa:
“Nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas, pode ficar indiferente à inscrição na matrícula. Além dos atos traslativos de propriedade, das instituições de direitos reais, a ela devem acorrer os atos judiciais, os atos que restringem a propriedade, os atos constritivos (penhoras, arrestos, sequestros, embargos), mesmo de caráter acautelatório, as declarações de indisponibilidade, as ações pessoais reipersecutórias e as reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bem, os arrendamentos, as parcerias, enfim, todos os atos e fatos que possam implicar na alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida”[2].
Quanto a dispensa da reserva legal, o Legislador foi infeliz ao romper completamente com a sistemática anterior, em manifesto prejuízo à segurança jurídica.
Relevantes indagações advém dessa mudança. Exemplificativamente, uma das muitas que poderiam ser suscitadas, seria: a obrigatoriedade determinada no art. 55 do Decreto n.º 6.686, de 2008, que tipifica como infração deixar de averbação a reserva legal estaria revogada?
Apesar de não haver revogação expressa, o Decreto nº 6.686, de 2008 não regulamenta o Código Florestal revogado e sim a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605, de 12.02.1998), entendemos que houve revogação tácita, havendo, portanto, incompatibilidade entre as normas.
O Novo Código Florestal, expressamente desobriga os proprietários a procederem à averbação. Agora, estão obrigados a praticarem o registro perante o órgão ambiental. Há, portanto, importante distinção terminológica, pois o Decreto fala em averbar (Art. 55: Deixar de averbar a reserva legal…), ao passo que o Novo Código Florestal preconiza em registrar (§ 4o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis).
Na seara registral, averbação e registro são espécies de atos praticados pelo registrador. Aquele seria um ato secundário à margem deste. E este, o ato registral por excelência. Só se procede a averbação se há um registro.
É evidente que, o Novo Código Florestal não estar a falar do registro imobiliário, até porque ele somente é praticado por oficial de registro público. O registro a que se refere seria um ato administrativo a cargo do órgão ambiental, consistente em declarar o que seria a reserva legal.
Mesmo assim, por ser um registro, em razão do princípio da tipicidade e legalidade, como também da proibição da aplicação analógica in malam partem, não pode se estender a infração administrativa tipificada no art. 55 do Decreto n. 6.686, de 2008, para os casos do Novo Código Florestal.
A Nova Lei não fixou prazo quanto à obrigatoriedade do registro, portanto, deve ser obrigatório a partir de sua vigência. No entanto, também não culminou sanção. Assim, se por um lado o proprietário é obrigado a registrar a reserva, por outro lado, não há nenhum prejuízo se não fazê-lo, exceto, o disposto no art. 78-A, incluído através da Medida Provisória 571, 2012, que proibiu as instituições financeiras, no prazo de cinco anos, a não concederem crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que comprovem estarem cumprindo a Lei.
Por fim, acreditamos que o Governo Federal deverá, através de decreto, estabelecer prazos e sanções quanto à obrigatoriedade do registro da reserva, a exemplo do que fez com o levantamento geodésico que, criado pela Lei nº. 10.267, de 2001, teve os prazos de exigência fixados pelo Decreto nº. 4.449, de 2002.
Enfim, concluímos que, o Legislador não agiu bem em não exigir a obrigatoriedade da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, indo de encontro à eficiência e a segurança jurídica, por violar o princípio da concentração no Registro Público.
Por outro lado, até que haja decreto regulamentar, entendemos que não há nenhuma sanção para o proprietário que não efetuar a averbação da reserva legal, notadamente a esculpida no art. 55 do Decreto n. 6.686, de 2008.
Titular do Cartório Santos – Ofício Único de Pacajá/PA
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