Tornou-se comum o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios, quando é certificado pelo Oficial de Justiça que a sociedade executada não foi localizada no endereço mencionado na inicial (Ag. no Resp. nº 11 27936/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5-10-2009).
O mesmo acontece em relação à sociedade em estado de insolvência, sem que houvesse o pedido de quebra (AGRG no AGRG no AG nº 690633/RS, Rel. Min. Luiz Fux DJ de 29-5-2006, p. 165).
Por construção pretoriana, o STJ tem entendido que nesses casos há dissolução irregular da sociedade para o efeito de enquadramento na hipótese no art. 135, III, do CTN in verbis:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contra social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
A tese, por si só, não destoa do bom direito. Pelo contrário, uma leitura atenta do dispositivo retrotranscrito conduz à existência de ato ilegal dos sócios gerentes, pois a ilegalidade não deriva apenas de atos comissivos. Ela pode resultar da omissão do sócio gerente a quem competia comunicar a alteração do endereço ou requerer a falência da sociedade ante o estado de insolvência.
O grande problema da jurisprudência e dos doutrinadores que se simpatizam com essa tese é a absoluta ausência do exame acurado dos requisitos exigidos pelo caput do art. 135, do CTN para a responsabilização dos sócios gerentes ou dos administradores, que podem ser pessoas de fora da sociedade. É comum a contratação do administrador de sociedade.
Os casos de responsabilidade elencados no art. 135 são os de responsabilização por substituição, porque caracterizada fica a responsabilidade pessoal por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
São os casos, por exemplo, de sócio gerente de uma empresa industrial que resolve promover operações de compra e venda de gado. O imposto resultante dessas operações atípicas é de responsabilidade daquele sócio gerente que excedeu aos poderes de administração da sociedade, violando os objetivos contratuais.
Logo, essa responsabilidade há de estar articulada com a ação ilegal do sócio gerente e a obrigação tributária dela decorrente. Essa responsabilidade não pode surgir do nada. Não há no nosso sistema jurídico a chamada responsabilidade objetiva, salvo em relação ao poder público e às concessionárias de serviço público (art. 37, § 6º da CF).
Por isso a responsabilidade solidária prevista no inciso II, do art. 124, do CTN há de ser motivada.
Do contrário, será inconstitucional a exemplo do art. 13, da Lei nº 8.620/93, cuja inconstitucionalidade foi pronunciada pelo STF, porque a responsabilidade pelo pagamento do tributo não pode ser de qualquer pessoa, mas daquela que tenha relação com o fato gerador (RE nº 562276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 12-11-2010).
Resulta do exposto que o sócio gerente ou administrador que age contra a lei ou contrato social, ou excede os limites da administração da sociedade é o responsável pessoal pelo pagamento do tributo que decorre dessa atividade ilegal ou excessiva. A ilegalidade cometida pelo sócio gerente não o torna responsável pessoal pelos tributos preexistentes à sua ação ilegal originários de operações regulares.
Logo, não cabe falar em redirecionamento da execução fiscal que objetiva a cobrança de créditos regularmente constituídos, decorrentes de operações normais, pelo simples fato de que no curso da execução deparou-se com uma situação fática equiparável à prática de ato ilegal: o não requerimento de falência ou a não comunicação do encerramento de sua atividade no local.
Somente o crédito tributário que surgiu do não requerimento de autofalência ou de não comunicação do encerramento de atividade no local é que pode ser cobrado do sócio gerente omisso. Não pode haver obrigação tributária sem ocorrência do fato gerador. Nem pode haver aplicação retroativa da lei tributária, salvo em caso de norma expressamente interpretativa, ou na hipótese de retroação benéfica (art. 106, do CTN e art. 5º, XL, da CF).
Para a caracterização da responsabilidade pessoal do sócio gerente é preciso atentar para o aspecto temporal do fato gerador de obrigação tributária. Aliás, a obrigação tributária somente vem à luz quando presentes os cinco elementos do fato gerador: o elemento material ou objetivo (descrição legislativa da hipótese em que é devido o tributo); o elemento subjetivo (sujeitos ativo e passivo); elemento quantitativo (base de cálculo e alíquota); elemento espacial (onde ocorre o fato gerdor); e o elemento temporal (quando ocorre o fato gerador). Esse último elemento é que irá definir a legislação tributária aplicável segundo o princípio tempus regit actum.
A jurisprudência sobre o tema enfocado faz tábula raza sobre o aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária, determinando o redirecionamento da execução contra o sócio sob o argumento de dissolução irregular da sociedade, para alcançar todo e qualquer tributo, com ou sem vinculação com a ação ou omissão do sócio.
É claro que esse posicionamento jurisprudencial implica inovação legislativa, criando, por via de interpretação do art. 135 do CTN, uma hipótese de responsabilidade objetiva superveniente.
Em outras palavras, art. 135, III do CTN vem sendo aplicado sem a culpa subjetiva e de forma retroativa, para abranger tributos do passado, que nada têm a ver com a conduta dos sócios. A infração de lei praticada pelo sócio após o surgimento da obrigação tributária pela ocorrência do fato gerador não faz dele devedor do tributo. Do contrário, todo tributo reconhecido e regulamermente escriturado, mas não recolhido tempestivamente, infringindo da legislação que dispõe sobre o prazo de recolhimento seria de responsabilidade do sócio. E a Súmula 530 do STJ repele essa interpretação, porque o inadimplemento da obrigação tributária não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
É preciso rever esse posicionamento que, data vênia, é equivocado.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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