Resumo: O acesso à justiça caracteriza-se como um dos maiores mecanismos para garantir uma ordem jurídica justa e, portanto, efetivar o pleno exercício da cidadania. Contudo, é imprescindível trazer à baila que o simples acesso não é o bastante, ou seja, deve haver uma garantia de que a tutela daquele que reclama por justiça, no caso concreto, seja analisada em tempo razoável. Caso contrário, decisões, despachos, sentenças, remédios concedidos por juízes e tribunais não incidiriam em resultados práticos, capazes de preservar a integridade dos bens jurídicos. Faz-se necessário aludir que o progresso da sociedade caminha conjuntamente com o acesso à justiça a todos os cidadãos, sendo irrelevante sua condição econômica e social. Nesta senda, é mister apregoar que tal acesso compõe o rol de direitos fundamentais assegurado pela Constituição Federal de 1988. Diante disto, urge expor que o direito de acesso à justiça não está atrelado a simples ideia de acesso às dependências físicas do Poder Judiciário, sequer da isenção das custas processuais e da permissão de assistência jurídica gratuita aos hipossuficientes, mas sim a efetividade de uma justiça indispensável à existência humana.[1]
Palavras Chave: Acesso à justiça; Acesso ao Poder Judiciário; Direito Fundamental.
Abstract: Access to justice is characterized as one of the mechanisms to ensure fair legal system and thus effect the full exercise of citizenship. However, it is essential to bring up that easy access is not enough, that is, there must be a guarantee that the protection of Him who calls for justice in this case, to be discussed in reasonable time. Otherwise, decisions, orders, judgments, remedies granted by judges and courts do not would focus on practical, able to preserve the integrity of the legal goods results. It is necessary to mention that the progress of society goes along with access to justice for all citizens, irrelevant to its economic and social condition. In this vein, it is necessary to proclaim that such access makes up the list of fundamental rights guaranteed by the Constitution of 1988. In view of this, it is urgent to expose the right of access to justice is not tied to simple idea of access to physical facilities of the judiciary, even the exemption from court costs and legal aid permission to hyposufficient, but the effectiveness of a justice indispensable to human existence.
Keywords: Access to justice; Access to the Courts; Fundamental Right.
Sumário: Breves Esclarecimentos Iniciais; 1 Acesso à Justiça ou Acesso ao Poder Judiciário? Eis a questão diante de um sinônimo descabido; 2 Do Acesso à Justiça como direito fundamental; 3 Ponderações ao papel desempenhado pela Constituição Cidadão de 1988 como instrumento axiológico de concreção de acesso à justiça; Ponderações Finais.
BREVES ESCLARECIMENTOS INICIAIS
De início, ao dispensar um exame acerca do tema trazido à lume, patente se faz arrazoar sobre a repercussão que o termo “acesso à justiça” revela. Uma vez que, está inserido no rol de direitos fundamentais sustentados pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, o Estado é responsável pela efetivação deste direito. Tendo em vista que por meio dele há abertura para o exercício dos demais direitos. Calha trazer à tona que tal acesso não se configura apenas pelo direito público subjetivo a propositura de uma ação, mas também por vedar que o legislador edite uma lei que exclua o Poder Judiciário da apreciação de todo e qualquer direito que venha ser lesionado ou ameaçado.
Com efeito disso, tal expressão vai além da simples possibilidade do cidadão fazer uso do instrumento jurídico, sobretudo versa sobre uma justa composição do litígio para os conflitos de interesses o qual se encontra, em tempo razoável, de modo universal, alcançando o maior número possível de situações conflituosas. Nesta senda, cabe salientar que um justo processo é a espinha dorsal que movimenta toda ideia mais hodierna de acesso aos canais da jurisdição, consagrando, portanto, as condições insupríveis e mínimas sem as quais não seria possível aplicar o direito material com justiça.
Diante do quadro gizado, o controle jurisdicional deve ser analisado em função das garantias fundamentais e dos princípios que são assegurados ao indivíduo, bem como à coletividade. Destarte, a tutela jurisdicional deve ser capaz de resolver os conflitos de modo adequado, como também correspondendo aos valores primordiais do Estado Democrático de Direito. Já é passível de entendimento que acessar a justiça transpõe a noção de individualismo liberal, ou seja, de que está restrito a garantia da via judiciária, pois sua dimensão demonstra-se, com clareza solar, ser muito ampla. Logo, esse acesso representa a garantia universal de que o Judiciário tem que ter aptidão de sustentar a defesa dos direitos, não vendo quem lhe bata à porta, o poder público ou o particular, a empregada doméstica ou o empresário, o branco ou o afrodescendente, em posição de igualdade com seus contendores, ofertando um provimento equilibrado, tempestivo, legítimo e efetivo.
À guisa de estruturação lógica dos assuntos abordados, sem pretensão de esgotamento das seções a serem explanadas, tem-se que o prezado artigo está voltado à análise do acesso à justiça enquanto direito fundamental, assegurado pela Carta Política de 1988, bem como dando um destaque especial em toda sua elaboração para mostrar que o acesso à justiça transpõe o mero acesso ao Judiciário. Pois, não há como apresentar uma definição fechada e axiomática de justiça, visto que se deve fazer um estudo pormenorizado de diversas transformações na seara social. Insta aclarar que a articulação das ideias contou com uma exposição das ondas renovatórias de Mauro Cappelletti, que, por sua vez, conceitua e evidencia os obstáculos e possíveis soluções para a efetivação do acesso à justiça.
1 ACESSO À JUSTIÇA OU ACESSO AO PODER JUDICÁRIO? EIS A QUESTÃO DIANTE DE UM SINÔNIMO DESCABIDO
O acesso à justiça é sempre um tema que está em pauta, devido à balbúrdia que se faz ao empregar a ele o sinônimo de Poder Judiciário. Contudo, urge dizer que não é verossímil, nem tampouco cabível, visto que as expressões não possuem um significado uníssono. Acesso à justiça é vislumbrado como direito fundamental de sentido amplo, de modo que exige uma interpretação atualizadora, sendo não exequível reduzi-lo ao acesso a um poder estatal. Com espeque em tais premissas, há de apregoar que ocorre materialização deste direito quando se tem uma ordem jurídica justa, célere e efetiva (OLIVEIRA NETO; VIANA, 2015, p. 170). Partindo desse pressuposto, Cappelletti e Garth (1988, p. 5), na obra “Acesso à Justiça”, traduzida para o português, por Ellen Gracie Northllet, já ostentavam de um conhecimento muito específico e esclarecedor de que, apesar de tal acesso ser algo de difícil conceituação, serve para determinar duas finalidades basilares do ordenamento jurídico: o sistema pelo qual os indivíduos podem reivindicar seus direitos e/ou sanar suas lides. Em primeiro plano, o sistema deve vestir o manto da igualdade, impedindo que seja feita qualquer distinção entre as pessoas em conflito; segundo, seus resultados devem ser individuais e socialmente justos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.8)
Consoante realçado acima, “para definir justiça é preciso considerar uma série de outros direitos inerentes a cada ser humano sejam respeitados como, por exemplo, o acesso à informação, à saúde, à segurança, de forma que não basta elencar em leis os direitos das pessoas se não há decisão e ação para que as leis sejam aplicadas” (MACHADO; NOMIZO, 2015, p. 28). Por isso, não se admite estudar justiça nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais, trata-se, então, de proporcionar uma justiça que seja sinônimo direito real e tangível. Permite-se retirar ainda mais as escamas que norteiam os olhos de muitos sobre o assunto em comento, pois, vale mencionar que, segundo Paroski (2008), para um efetivo acesso à justiça não basta que o Estado possibilite o ajuizamento de uma demanda, há que se ressaltar que a prestação jurisdicional deve assegurar a participação do jurisdicionado, uma análise adequada de cada caso concreto e possibilitar a igualdade formal entre os litigantes. Por este motivo, é notória impossibilidade de limitar o conceito de direito ao acesso à justiça, até porque, “ainda nos dias atuais, inúmeros são os estudos sobre diversas formas de solução extrajudicial de conflitos, o que demonstra a atualidade e a importância do presente trabalho” (MACHADO; NOMIZO, 2015, p. 32).
“O acesso à justiça, quando se pensa em processo jurisdicional, significa, ainda, romper barreiras e introduzir mecanismos de facilitação não apenas do ingresso em juízo, mas também de fornecimentos de meios (materiais, financeiros etc) adequados durante todo o desenvolvimento do procedimento; significa redução de custos, encurtamento das distâncias, duração razoável do processo, diminuição de oportunidades de impugnação às decisões jurisdicionais (otimização do sistema recursal) e efetiva participação na relação processual, dentre tantos aspectos que podem ser ressaltados” (PAROSKI, 2008, p. 138).
Quanto ao Poder Judiciário, incumbido de manter o efetivo cumprimento da segurança de todos os direitos garantidos pela Carta Magna de 1988, é salutar exibir a visão de Marshall (2000, p.65) de que “o Poder Judiciário é o responsável pela tutela jurisdicional, a ele competindo à solução de conflitos, nos seus vários níveis de atuação”. Bem como, faz-se necessário perspirar a ponderação feita por Torres (2007, p.68), “a Constituição de 1988 ampliou o acesso ao Judiciário no momento em que previu a utilização deste para garantir não só os direitos pura e simplesmente, mas também prevenir a simples ameaça ou lesão aos mesmos”. Cabe explanar que, “ao contrário das constituições anteriores, a Carta Magna de 1988 ampliou significativamente o espectro de atuação do Poder Judiciário, na medida em que não houve a limitação de quais direitos estariam submetidos, como o fez a Constituição de 1946 que considerava lesão a ‘direito individual’” (GONÇALVES, s.d., s.p.).
Deste modo, os procedimentos do acesso ao Judiciário são encapados por procedimentos mais objetivos tratando da aplicação da lei, ou seja, envolvendo a aplicação da norma pura do Direito. No entanto, o Judiciário, através de mecanismos de ingresso na justiça, tenta descongestionar os litígios, por este motivo a “Constituição em seu artigo 5º LXXIV prevê que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos, sendo que esse artigo traz uma imposição constitucional, nomeadamente o Estado tem a obrigação de prestá-la e não a faculdade de fazê-lo” (TORRES, 2007, p.69).
O acesso ao Judiciário envolve os órgãos competentes da justiça, através de juízes naturais ou imparciais responsáveis por aplicar os direitos garantidos a todos os cidadãos, assim como aduz Leal (s.d., p.3), “representado pela figura do julgador, o conhecimento dos fatos sobre os quais aplicará a norma jurídica incidente”. Deste modo o acesso ao Judiciário ocorre por provocação da parte interessada por meio do mecanismo chamado processo que conterá todos os fundamentos cabíveis. O processo é, destarte, o instrumento pelo qual se tem o acesso ao poder juridicamente competente de julgar, proporcionando, desta forma, a resposta para o caso concreto apresentado.
“Por meio do exercício da jurisdição o Estado substitui a atuação privada na solução de conflitos de interesse, com a finalidade de manutenção ou restabelecimento da paz social. Seu escopo, portanto, é a pacificação social, juntamente com seu caráter educativo quanto ao exercício e ao respeito a direitos e deveres, e a preservação da liberdade e do ordenamento jurídico, bem como da autoridade estatal, preservando-se, ainda, a efetivação do próprio Direito” (LEAL, s.d, p.2).
Neste certame, vê-se também que a dificuldade não se reduz ao simples fato de ingresso ao Judiciário, mas em dele sair, bem como na maneira pela qual o indivíduo sai, se a demanda alcançou a pretensão almejada. “Os outputs dele emanados têm efetividade, é dizer, tem-se a utilidade prática do processo? Portanto, confundir o acesso à justiça com o mero acesso ao Judiciário seria adversar a essência da própria justiça, uma vez que esta nega veementemente a injustiça, o seu oposto” (OLIVEIRA NETO; VIANA, 2015, p.178). Daí se extrai a necessidade de amplificar a conceituação de acesso à justiça, uma vez que o puro direito ao processo já não supre todas as lacunas da sociedade (OLIVEIRA NETO; VIANA, 2015, p.178). Cabe assinalar o ensinamento trazido por Castilho:
“Se ficarmos na concepção subjetiva, chegaremos a múltiplas definições. Para os seguidores de São Tomás de Aquino, por exemplo, justiça é dar a cada um segundo suas necessidades. Para os liberais, é dar a cada um segundo seus méritos. Para os socialistas, dar a todos, sem distinção, o que necessitem. Kelsen simplificou: abstraiu os valores e disse que a justiça é dar a cada um conforme os direitos legais. Nada mais positivista. Um pensamento que, modernamente, vem sendo reavaliado, porque não há como discutir que a justiça não pode ser reduzida a qualquer um desses pensamentos, somente. A justiça é complexa, como a sociedade é complexa” (CASTILHO, 2010, p. 233).
Por essa correta visada, segundo Cappelletti e Garth (1998, p. 3), o acesso à justiça é “o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”. Ter acesso à Justiça não significa o singelo ingresso em juízo, mas também ter acesso a uma completa prestação jurisdicional, em todas as fases do processo, melhor dizendo, tanto nas instâncias ordinárias, quanto nas extraordinárias, respeitando obviamente, critérios específicos (SILVA, 2016, s.p.). Por conseguinte, imperioso se faz reforçar a ideia de que o “acesso à justiça é mais do que a mera possibilidade de ingresso perante o Judiciário, apresenta-se como uma espécie de desdobramento de vários outros direitos, todos imprescindíveis a uma tutela plena por parte do Estado” (RODRIGUES; BOLESINA, 2014, s.p.). E desfrutar deste direito se torna uma possibilidade de chegar aos órgãos jurisdicionais que irão prestar a efetiva tutela objetiva.
“Acesso à justiça é modernamente entendido como sendo acesso à justiça social. O próprio Conselho Nacional de Justiça já reconheceu referido sentido através de Resolução. Esse sentido, malgrado tenha uso recente no Brasil, há tempos foi defendido na Itália por Mauro Cappelletti. As outras funções estatais, como a legislativa e a executiva, também têm legitimidade e poder para contribuírem diretamente com o acesso à justiça. O agir da administração pública, por exemplo, é mais apto a proporcionar um acesso à justiça rápido, equânime e efetivo do que o agir do Judiciário. Nesse diapasão basta a implementação de uma política pública de massa, como a construção e o aparelhamento de um hospital e ter-se-á uma medida de justiça social de largo alcance, ademais de desprovida de formalidade” (OLIVEIRA NETO; VIANA, 2015, p.199).
O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido, como sendo de importância capital, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentidos na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 5). “Assim, é de se afirmar que o Judiciário nem sempre corporifica, por seus atos, a Justiça tão decantada desde Aristóteles até os tempos hodiernos, pois está sujeito a ser ilaqueado e destarte incorrer em injustiças, agravadas quando perpetradas em detrimento dos mais carentes” (NETO; VIANA, 2015, p.178). Neste sentido, o mestre Cappelletti, no afã de encontrar soluções práticas para a problemática de acesso à justiça e, assim, melhor defini-la, suscita três ondas desenvolvimentistas.
Isto posto, a primeira onda renovatória, no território brasileiro, teve como sustentáculo a Lei Complementar nº 80 e a Lei nº 1.060/50, versa sobre assistência judiciária aos menos abastados. A segunda onda tem fulcro no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/1990) e na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), ou seja, tem por necessidade o reconhecimento de representação em juízo dos direitos difusos, tendo como instrumentos a ação governamental, a técnica do procurador-geral privado e a técnica do advogado particular do interesse público (OLIVEIRA NETO; VIANA, 2015, p.181). Em sede de continuidade, há de se falar da incrível relevância dos Juizados Especiais Cíveis no cenário de um país que sonha com trâmites legais que sejam mais céleres e menos onerosos, sendo estes incorporados pela perspectiva da terceira onda. Todas essas ondas são monta para o entendimento de acesso à justiça que, “afinal, constitui a principal garantia dos direitos subjetivos, em torno do qual gravitam todas as garantias destinadas a promover a efetiva tutela dos direitos fundamentais, amparados pelo ordenamento jurídico” (HUMBERT, s.d, s.p).
2 DO ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Em primeiro plano, diante das ponderações apresentadas, faz-se imperiosa uma sucinta observação sobre o conceito de direitos fundamentais. Neste alamiré, “os direitos fundamentais têm sido considerados produto da História” (FACHIN, 2001, p.1). Essa peculiaridade é diagnosticada a partir do estudo acerca das lutas por condições dignas de vida, que buscavam suprir as carências humanas que iam surgindo em meio às sociedades. Isso assente que esses direitos se ramifiquem em várias dimensões. Cabe salientar a distinção entre Direitos do Homem, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Os primeiros fazem referência aos direitos que possuem conotação intrínseca à natureza humana. Quando tais direitos são positivados por meio de texto constitucional, tornam-se direitos fundamentais. Agora, entende-se por direitos humanos aqueles do homem e/ou fundamentais que evoluíram e, dessa maneira, estão assegurados em tratados internacionais (SARLET, 2003, p.36).
É imprescindível discorrer que a República Federativa do Brasil de 1988 reconhece os direitos fundamentais com o intento de resguardar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Esse princípio é declarado como norma das normas dos direitos fundamentais, tendo uma alta posição na hierarquia jurídica. Por conferir-lhe densidade máxima no texto constitucional, impõe limites à atuação do Estado, consequentemente, protege a liberdade humana frente a qualquer forma de abuso das autoridades estatais. Neste diapasão, Cretella Júnior esclarece que “o vocábulo persona deriva do etrusco phersu e significava o homem capaz de direitos e obrigações” (CRETELLA JÚNIOR, 2001, p. 53-54). Todavia, pessoa e homem possuíam significados distintos para os romanos, sendo o primeiro jurídico e o segundo biológico. De outro modo, vale trazer a lume a etimologia da palavra dignidade, que deriva do latim dignus, melhor dizendo, “aquele que merece estima e honra aquele que é importante” (MORAES, 2006, p. 112).
Subentende-se que dignidade da pessoa humana cumpre o desígnio de guia da ordem constitucional, além de operar como valor unificador dos direitos fundamentais. Em assim sendo é necessário acentuar o que venha ser viver com dignidade, considerando sempre a conjuntura social iminente. Isto é, a definição consiste em um mínimo existencial que atenda as demandas dos cidadãos, tendo em vista a constante mutação que a sociedade sofre devido a inúmeras variáveis, como evolução tecnológica, mudança de comportamento, introdução de novas culturas, dentre outras.
Atribui-se à Revolução Francesa a gênese dos direitos fundamentais, uma vez que carregava em seu bojo os princípios liberdade, igualdade e fraternidade (liberté, egalité e fraternité), que a posteriori constituiriam a ordem cronológica da expressão de tais direitos. Esse movimento revolucionário decorreu da insatisfação dos camponeses e burgueses que pagavam elevados impostos cobrados com o fito de custear a forma ostentosa de vida do Clero e da Monarquia. Desta forma, os direitos fundamentais despontam como sinônimo de óbice, ou seja, através da proteção que visa conceder àqueles que são desprotegidos de qualquer regalia, os cidadãos, acabam desempenhando um papel de barreiras de defesa do povo frente ao poder arbitrário do Estado. É salutar expor as palavras do mestre Dirley da Cunha Júnior:
“As gerações dos direitos revelam a ordem cronológica de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das condições sociais. A dizer, o desenvolvimento, a técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão causar substanciais alterações na organização da vida humana e das relações sociais a propiciar o surgimento de novas carências, suscitando novas reivindicações de liberdade e poder” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p.588).
Seguindo essa perspectiva, a primeira dimensão dos direitos fundamentais se projeta exatamente como direitos de defesa traçados com a propositura de ir contra a interferência do Estado na individualidade de cada cidadão, daí, podem ser vistos como direitos “negativos” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 590). Também denominados direitos de liberdade, isto é, direitos civis e políticos, já que tem o indivíduo como seu titular. Comportam-se como direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, à livre iniciativa, à liberdade de opinião, à autonomia para escolha de sua profissão, ao voto. Em assim sendo, o indivíduo passa a ser construtor de seu próprio destino, usufruindo suas aspirações sem que haja intervenção estatal. Neste caso, conclui-se que os direitos de liberdade são assegurados a todos sendo característico de um governo democrático que concede ampla miscigenação de ideias e opiniões populares.
Partindo dessa premissa, poderá surgir a seguinte indagação: Como o Estado se posiciona nesse momento? O Estado respeita a condição de livre de cada indivíduo. Isso significa dizer que aquele Estado que tem por objetivo a consagração de direitos de primeira dimensão é liberal, ou seja, simplesmente se abstém de intervir na liberdade da pessoa humana. Por isso não têm políticas públicas para a atuação em um contexto social. Cria-se aí uma nítida distinção quanto, o que é Estado, e o que é sociedade. As garantias frente ao domínio do Estado na vida particular de cada um ainda são sustentadas com vigor. Isto é percebido pela inserção dos direitos individuais e coletivos, no artigo 5º da Carta Magna de 1988, que foram dispostos como espécies do gênero direitos fundamentais, sendo esses ainda apresentados como cláusula pétrea (só podem ser emendados com o sentido de expansão, nunca com o objetivo de restrição). Pedro Lenza pondera:
“[…] alguns documentos históricos são marcantes para a configuração e emergência do que os autores chamam de direitos humanos de primeira geração (século XVII, XVIII e XIX): (1) Magna Carta de 1215, assinada pelo rei “ João Sem Terra”; (2) Paz de Wastfália (1648); (3) Habeas Corpus Act (1679); (4) Bill of Rights (1688); (5) Declarações, seja a americana (1776), seja a francesa (1789). Mencionados direitos dizem, respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzirem o valor de liberdade” (LENZA, 2008, p. 588).
Direitos: à higiene no local de trabalho, ao descanso semanal, ao trabalho remunerado e, principalmente, ao acesso à saúde e à educação, são os chamados direitos fundamentais de segunda dimensão, ligados intrinsecamente a igualdade do lema supracitado da Revolução Francesa. Circundam a órbita dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesta linha de exposição, segundo Dirley da Cunha Júnior (2013, p. 595), “são denominados de direitos de igualdade, porque são animados pelo propósito de reduzir material e concretamente as desigualdades sociais e econômicas até então existentes, que debilitavam a dignidade humana”. Nesta senda, torna-se pertinente verificar o ensino de Zulmar Fachin e Deise Marcelino da Silva:
“Têm como ponto central a igualdade e exigem a atuação do poder estatal. Já não é apenas a liberdade de locomoção, mas também a liberdade de usufruir dos benefícios do progresso e do desenvolvimento econômico e cultural. Nesse novo contexto, para ser alcançada, a liberdade exige a intervenção do Estado a fim de que as pessoas possam ter acesso a um mínimo de bens para sua própria subsistência” (FACHIN; SILVA, 2012, p.68).
Conforme Pedro Lenza (2008, p.588), “o momento histórico que os inspira e impulsiona é a Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX”. Isso decorre das condições indignas de trabalho que levaram às reivindicações dos trabalhadores. Cumpre explanar que o Estado nesta dimensão possui um papel dessemelhante do anterior, ou seja, agora ele passa a agir e garantir o mínimo necessário para que o indivíduo possa ter condições materiais de gozar os direitos que lhe são consagrados. É a figura do Estado do Bem- Estar Social (WelfareState) em busca da diminuição das desigualdades sociais, proporcionando até mesmo proteção aos mais fracos. Cunha Júnior sustenta:
“O liberalismo, portanto, tinha como traço característico o dispensar, tanto quanto possível, a presença do Estado na vida do homem. Seu propósito, assim, era excluir o Estado do domínio privado, interditando-lhe plenamente a ingerência nesse campo, em prol das liberdades públicas. Nesse contexto, sobressai-se a teoria liberal dos direitos fundamentais, segundo a qual estes são direitos de liberdade frente ao Estado, cumprindo ao ente estatal tão-somente garantir-lhes o exercício, sem qualquer embaraço” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p.591).
Vale ressaltar que esta dimensão não substitui à anterior, ao avesso disso, permite um acréscimo ao rol dos direitos já conferidos. Isto é, conforme novas necessidades vão surgindo, novos direitos são gerados. Bem como assevera Dirley da Cunha Júnior (2013, p. 586), “o progressivo reconhecimento de novos direitos fundamentais consiste num processo cumulativo, de complementaridade, onde não há alternância, substituição ou suspensão temporal de direitos anteriormente reconhecidos”. Também é magnífica a ponderação feita por Fachin e Silva (2012, p.63), “à medida que esses direitos são reconhecidos passam a fazer parte do acervo de conquistas humanas”.
A terceira dimensão trata-se de direitos fundamentais conhecidos como metaindividuais, de solidariedade e fraternidade. Recebem tais títulos, pois, em concordância com as palavras de Cunha Júnior (2013, p. 599), “caracterizam-se por destinarem-se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa”. Por conseguinte, detém de maior amplitude, por serem direitos que se estendem a todos e não somente uma pessoa de forma individualizada. Eclodiram em pleno século XX, logo após a Segunda Guerra Mundial (FACHIN; SILVA, 2012, p.69). O cenário foi propício para os novos direitos alcançados: direito à paz, à solidariedade universal, ao reconhecimento recíproco de direitos entre vários países, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, e à comunicação. Com base na ilustre concepção de Cunha Júnior (2013, p.599), esses direitos “não têm por fim a liberdade ou a igualdade, e sim preservar a própria existência do grupo”.
Como os direitos surgem através das carências humanas que geram novos anseios, clamando, então, que sejam supridas, não podia ser diferente com os direitos fundamentais de quarta dimensão, já que foram decorrentes do desenvolvimento da biotecnologia. Nesta ocasião, o direito passa a averiguar a forma como o homem pode manipular a vida e a herança genética. Emerge-se de imediato a preocupação com temas como direitos ao embrião e ao feto anencefálico, células para tratamento terapêutico e clonagem humana (FACHIN; SILVA, 2012, p.72). De outro lado, postula Paulo Bonavides citado por Cunha (2013, p. 600), essa dimensão salvaguarda direitos como “à democracia direta, ao pluralismo e à informação, que constituem a base de legitimação de uma possível globalização política e deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro”. Instaura-se, deste modo, um debate emblemático no qual o Direito fica forçado a estipular limites às pesquisas do ramo da engenharia genética, tendo em vista a proteção da dignidade humana, fundamento primordial da República, e os direitos da personalidade. Bem como evidencia a Constituição Federal vigente, em seu artigo 1º, § 1º, que a dignidade do ser humano é inviolável. Ora, em consonância com os argumentos dispostos, o patrimônio genético deve ser protegido, pois se analisa o indivíduo não só como homem, mas, essencialmente, como membro de uma espécie.
A quinta dimensão dos direitos fundamentais é algo mais recente e compreende-se pelo direito à paz (BONAVIDES apud CUNHA JÚNIOR, 2013, p.600). Esse direito foi transladado da terceira para a quinta dimensão, pois para Bonavides tal direito requer maior apreço e percepção, logo é mister retirá-lo da categoria que o colocou de forma indivisível. Neste cotejo a paz desponta com o intento de tornar-se premissa necessária e verdadeira da democracia. Para Gaspari e Duarte (2013, p.6-7) “são os chamados direitos virtuais […] pode-se citar por via de exemplo, a honra, a imagem, etc. São os bens protegidos pela quinta geração, entretanto com uma especificidade, qual seja proteger tais valores face ao uso dos meios de comunicação eletrônica em massa”.
Com base no que fora explanado, há de se sustentar que “o direito fundamental ao acesso à justiça constitui meio imprescindível para a segurança jurídica na consecução da tutela jurisdicional que o indivíduo pretende em razão da violação de seus direitos, visto ser ele o motivador principal da ruptura da inércia Estatal” (OLIVEIRA, s.d., s.p.). Bem como, “do ponto de vista histórico, o direito ao acesso à justiça é expressamente elevado à categoria de direitos fundamentais através da Constituição de 1946” (RODRIGUES, BOLESIANA, 2014, s.p.). “Assim, o direito fundamental de acesso à justiça estaria incluso entre as prestações mínimas a serem concretizadas pelo Estado na medida em que constitui conteúdo do princípio da dignidade humana” (ARANTES, 2011, p.91).
Neste sentido, afirma Cappelletti e Garth (1988, p. 12), que “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. Ainda nesta trilha de argumentação, tem- se que o “acesso à justiça, bem como todos os demais direitos fundamentais sofre alterações ao longo dos tempos, vez que precisa se adequar aos anseios sociais de cada período histórico, o que justifica a dificuldade em se estabelecer um conceito adequado para a terminologia” (MACHADO; NOMIZO, 2015, p. 32).
“O acesso à justiça constitui-se, sem dúvida, em um direito fundamental de todo e qualquer cidadão. Em contrapartida, sabe-se que não bastam […] haverem direitos previstos e assegurados, se eles não forem efetivamente aplicados. É de suma importância que a efetividade da justiça se concretize como forma de tornar efetivo todos os demais direitos humanos e fundamentais garantidos” (ALVEZ; HUNDERTMARCH, s.d,, s.p).
Conforme o substrato expositivo, “pode-se dizer, atualmente, em âmbito nacional é o texto do inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal e o conteúdo dos tratados internacionais eu o Brasil ratifica, que trazem o direito ao acesso à justiça como direito fundamental, inerentes a todas as pessoas indistintamente” (MACHADO; NOMIZO, 2015, p. 41). Tal fato decorre do período pós Ditadura Militar, que conduziu os constituintes a uma posição garantista, amparada, precipuamente, no princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Com isto, a Carta Cidadã de 1988 reestrutura a ordem democrática e amplia o rol dos direitos fundamentais, fazendo com que o direito de acesso à justiça fosse elevado à categoria de direito fundamental. Dando continuidade a amplitude e relevância do direito de acesso à justiça no sistema jurídico, Cappelletti e Garth vai defender o entendimento que:
“O ‘acesso’ não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica” (CAPPELLETI; GARTH. 1988 p. 13).
É crucial ter claro entendimento das obrigações de manter todos os direitos existenciais resguardados para uma melhor aplicação dos mecanismos judiciais, para manter todos os certames aludidos na Constituição Federal de 1988, como preconiza Rodrigues e Bolesiana (2014, s.p.) “o direito fundamental ao acesso à justiça, mais do que apenas um direito fundamental, é o grande responsável por possibilitar a todo aquele que tenha um direito ameaçado ou queira reivindicar seus direitos, que possa valer-se do Poder Judiciário”. Portanto, a efetividade do acesso à justiça como direito fundamental de todo aquele que busca a concretização dos seus direitos deve estar cravado nos parâmetros legais na busca pela efetiva tutela jurisdicional.
3 PONDERAÇÕES AO PAPEL DESEMPENHADO PELA CONSTITUIÇÃO CIDADÃO DE 1988 COMO INSTRUMENTO AXIOLÓGICO DE CONCREÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA
A República Federativa do Brasil estruturada como Estado Democrático de Direito traz consigo a necessidade de que sejam repensados inúmeros institutos jurídicos, “a fim de que se lhes dê roupagem compatível com a essência e com os fins preconizados por essa configuração estatal, que prima, sobremodo, pela concretização dos direitos fundamentais” (BARREIROS, s.d., s.p.). Malgrado a sua condição de direito fundamental, o acesso à justiça está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXV, ipsis litteris, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Neste sentido, o Estado é responsável pela efetivação deste direito. Tendo em vista que por meio dele há abertura para o exercício dos demais direitos. Calha trazer à tona que tal acesso não se configura apenas pelo direito público subjetivo a propositura de uma ação, mas também por vedar que o legislador edite uma lei que exclua o Poder Judiciário da apreciação de todo e qualquer direito que venha ser lesionado ou ameaçado.
Antes de qualquer análise pormenorizada, cabe reafirmar o que outrora já fora explanado: o acesso à justiça transpõe o mero acesso ao Poder Judiciário. Neste jaez, o Estado não pode se resignar a prestar a tutela jurisdicional requerida, uma vez que o direito de ação está umbilicalmente ligado à noção de Estado. Isto porque, é vedada a autotutela, então compete à figura do ente estatal tal prestação, ou seja, dizer o direito no caso concreto, mais ainda, fazer com que este direito posto e dito sejam efetivos em meio à sociedade, para que, desta forma, se torne reais os princípios, fundamentos e valores sustentados pela Carta Política de 1988 (MACHADO; NOMIZO. 2015 p.43).
Em assim sendo, “não basta o Judiciário para que se tenha o acesso à justiça. Aos poucos, esse conceito vai se agigantando, entremeado de ideias e de possibilidades antes sequer cogitadas” (BARREIROS, s. d., p. 3). “O escopo último do acesso à justiça é o que é: acessar a justiça, não utilizado este termo como sinônimo de poder jurisdicional, mas, sim, aquela justiça que se revela com a redução das desigualdades sociais, com a igualdade material, com a concretização de direitos, pois” (BARREIROS, s. d., p. 3). Em alinho ao expendido, Paroski vai enunciar que:
“Desta feita, para que o acesso à justiça seja concretizado, o próprio ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional confere mecanismos para a sua efetivação que são colocados à disposição de todos os indivíduos para o resguardo de seus direitos, como, por exemplo, o mandado de segurança que pode ser individual ou coletivo, cuja previsão constitucional pode ser constatada no artigo 5º, inciso LXIX e LXX, o habeas data disposto no artigo 5º, LXXII, as ações civis públicas, artigo 129, inciso III, o mandado de injunção, artigo 5º, inciso LXXI, todos eles positivados na Carta Magna de 1988”. (PAROSKI, 2008, p. 144).
Como é sabido o direito de acesso à justiça conduz o entendimento de que nada afastará a intervenção do Poder Judiciário quando houver ameaça ou lesão a direito. Em assim sendo, este corolário constitucional está acoplado ao acompanhamento da parte por um profissional habilitado. “Adiantando o tema, caso não possa arcar a parte com os custos advindos da contratação de um profissional, cabe ao Estado arcar com este ônus” (PARANAGUÁ, s.d., s.p.), em consonância com o art. 5º, LXXIV, da Carta Magna de 1988.
“[…] sobrevém um outro questionamento acerca do direito fundamental estudado, qual seja: o papel do advogado na sua efetivação. É dizer: a exigência geralmente imposta aos cidadãos de veiculação de sua pretensão judicial por intermédio de um advogado (capacidade postulatória) é fator que mais se qualifica como benéfico ao acesso à justiça ou como impeditivo deste? Sem assistência jurídica se alcança o verdadeiro acesso à justiça? […] Não é raro ouvir-se, tanto entre leigos como entre juristas, a afirmação de que a exigência de capacidade postulatória a quem deseje ingressar em juízo (entendida ela como a necessidade de fazê-lo acompanhada de um advogado) seria descabida, irrazoável, uma vez visaria apenas à manutenção da reserva de mercado dos profissionais da advocacia, em detrimento do acesso à justiça. Uma tal opinião, todavia, somente pode ser concebida se olvidado o próprio conteúdo do princípio do acesso à justiça, que preconiza não o mero ingresso no Poder Judiciário, mas, sim, a concretização de direitos fundamentais” (BARREIROS, s. d, p. 12).
Sabe-se que o formalismo e o conhecimento técnico- jurídico é bem complexo, pois envolve uma gama extensa de leis, bem como posicionamentos advindos de fontes doutrinárias, jurisprudenciais. Partindo desta premissa, o universo jurídico requer uma instrução profissional para que seja compreendido da melhor forma possível, isto é, de modo a atender as demandas, que retiram o estado-juiz da inércia, atendendo todas as regras e princípios pertinentes ao processo. O “leigo jurídico” teria que se ater a prazos prescricionais e decadenciais, requisitos para interposição de recursos, alegações de nulidade, prazos processuais, circunstâncias de suspeição ou impedimento do magistrado, assim como de suspensão e extinção processual, acompanhamento das alterações feitas por tribunais competentes (BARREIROS, s. d, p. 16). Pois bem, antes de chegar a tentativa de exaurir a amplitude dos procedimentos processuais, já se faz notório que um processo justo, legal e coeso é inalcançável àquele que não tem um olhar técnico- especializado.
Segundo Cappelletti e Garth (1998, p. 3) “na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa”. O auxílio de um procurador é crucial para o desenvolvimento de meios hábeis à formalização do pedido, sendo ele o caminho a decifrar os complexos procedimentos sedimentados pela ciência processual. Não é por outra razão que a Constituição Cidadã de 88, em seu art. 133, assevera que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Destarte, traz Barreiros:
“Vê-se, pois, que a atuação do causídico é fator que aprimora o acesso à justiça, sendo indispensável à sua consecução, especialmente quando se tem em mente, repita-se, a noção ampla de acesso à justiça, em seus aspectos formal e material antes elucidados. Por conseguinte, sem subsídio de um profissional do direito (seja advogado, público ou privado, seja um defensor público), isto é, sem assistência jurídica a parte dificilmente alcançará o verdadeiro acesso à justiça” (BARREIROS, s. d, p. 14).
Neste alamiré, a presença da Defensoria Pública e da contratação de advogados ad hoc remunerados pelo Estado, quando inexiste defensoria na Comarca, é primordial na solução de litígios voltados aos indivíduos que não possuem recursos financeiros para custear honorários advocatícios.“Feita esta contextualização, não há como tratar do ‘Acesso à Justiça’ sem que se faça referência à Defensoria Pública. Isto porque a instituição tem por objetivo a garantia a uma ordem jurídica justa, que garanta aos necessitados não só acesso formal aos órgãos do Poder Judiciário, mas também o acesso real e a proteção efetiva e dos seus interesses” (VALE, 2009, p. 33). A instituição trabalha no sentido de transpor os obstáculos relacionados à efetividade e ao acesso da tutela jurisdicional, desde a implantação da Lei Complementar de nº. 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Com base no artigo 4º da supracitada lei, tem-se que uma das funções da Defensoria Pública é de prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus(redação conferida pela Lei Complementar nº. 132, 2009).
Urge acrescentar que, conforme pondera Alvim (2003), a Lei nº 1.060/50, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, facilita o acesso de tal forma que considera necessitado, para fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (artigo 2º, parágrafo único, redação conferida pela Lei Complementar nº. 132, 2009). Inclusive, esta traz consigo a figura do advogado dativo, que, por sinal, tem lugar onde não há o atendimento da Defensoria Pública ou similares. “A mudança no ordenamento proporcionou, para aquelas pessoas que não possuíam meios de garantir seus direitos, a oportunidade de reivindicá-los por eles sem comprometer o sustento de suas famílias” (PIZETA; PIZETTA; RANGEL, 2014, s.p.). Em complemento ao expendido, Barreiros vai apresentar escólio no sentido que:
“Mas tal afirmação põe em foco uma outra questão: sendo a assistência jurídica um direito do cidadão (a menos a gratuita o é de relação aos indivíduos que não possam dispor de recursos para contratação de causídicos particulares sem prejuízo do próprio sustento ou da sua família), como se concebe, dentro desse quadro, o dever, de regra, de ter um advogado que lhe confira capacidade postulatória?Uma primeira reflexão é necessária: é contraditória a convivência simultânea de um direito e de um dever concernentes à mesma matéria? Não. Veja-se, por exemplo, a cidadania que, sendo um direito, gera, ao menos no Brasil, o dever do voto, que neste país é obrigatório. Ou o direito à segurança pública das pessoas contra invasões externas, o que traz ínsito também, ao menos aos cidadãos do sexo masculino, o dever de prestação de serviço militar obrigatório etc. De mais a mais, é cediço que a propriedade não se confunde com o direito de propriedade, já que este corresponde à propriedade condicionada por limites impostos pelo ordenamento, a exemplo da necessidade do atendimento à sua função social. De igual modo, analisando-se especificamente o direito à assistência jurídica, chega-se à conclusão de que ele almeja o fim de proporcionar, da forma mais completa e efetiva possível, judicial ou extrajudicialmente, o acesso à justiça” (BARREIROS, s. d, p. 16).
Tem-se que: para exercer a medicina, médicos; para construir arranha-céus, engenheiros e arquitetos; para buscar a solução justa em um caso concreto, a concretização de direitos fundamentais desrespeitados e para fazê-lo protegendo o cidadão do arbítrio do poder, tem-se o advogado (lato sensu) (BARREIROS, s. d, p. 16). Desta maneira, “a mesma sociedade que compreende que determinados medicamentos de uso restrito somente podem ser adquiridos por prescrição médica deve também ser capaz de apreender que o problema jurídico exige atuação de um profissional qualificado, preparado e especificamente voltado àquele fim” (BARREIROS, s. d, p. 16). Com espeque nisto, tem-se que com um auxílio de um profissional o cidadão não será entregue à própria sorte nos árduos caminhos de prestação da tutela jurisdicional.
PONDERAÇÕES FINAIS
É notável, desta sorte, que o acesso à justiça é um assunto de grande repercussão no mundo jurídico, visto que, negá-lo é sinônimo de andar em desacordo com os fundamentos apregoados pelo Estado Democrático de Direito. O que se verifica é que o acesso à Justiça perpassa o mero conceito de acesso ao Poder Judiciário, uma vez que, analisa a efetividade do processo, tendo como pano de fundo a realização da cidadania. Ora, os tribunais têm sido conclamados a solucionar questões típicas de sociedades de massa, motivo pelo qual a prestação jurisdicional não pode ser atributo de uma era superada e pautada em padrões distanciados da instantaneidade das comunicações.
“A coletividade deve se conscientizar, que acesso à justiça, não é acesso ao prédio do Judiciário, às suas dependências físicas, tampouco da isenção de custas processuais, emolumentos e assessoria jurídica gratuita, mas de efetividade da justiça, primordial à existência humana” (TERHORST, s.d, s.p).
Apesar de toda confusão que possa gerar em torno do conceito de acesso à justiça, não se pode deixar de expor que este é um direito fundamental de sentido amplo e que precisa de uma interpretação atualizadora. Conforme o cenário abalizado, há algum tempo, o processualista italiano Mauro Cappelletti alertava sobre a necessidade de analisar o acesso à justiça com base em novos enfoques, e, por isso, desenvolveu o que é chamado de ondas, buscando uma definição mais certeira, assim como, ilustra os obstáculos a serem derrubados e as possíveis soluções para efetivação do acesso à justiça. Através delas, existe a possibilidade de averiguar os métodos antigos que se utiliza para solucionar os conflitos de interesses da contemporaneidade.
O anseio por justiça é algo quase intrínseco ao ser humano. Deste modo, o acesso à justiça revela-se de imensurável relevância, visto que ao acessá-la cumpre-se os direitos constitucionais assegurados, trazendo a paz social desejada desde os primórdios da humanidade. Diante disto, a amplitude de tal acesso demonstra ser, inexoravelmente, um fator a contribuir para o descongestionamento do Judiciário, tendo por consequência maior: a mobilidade/efetividade processual, a qualidade da prestação jurisdicional, como também a redução do número de ações em juízo. Por conseguinte, permite ao processo um tempo razoável de duração. Salta aos olhos que o acesso à justiça vai muito além do que se pode suscitar, pois reclama uma postura mais sensível do intérprete e do operador do Direito.
Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeira de Itapemirim
Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeiro de Itapemirim
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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