Do critério de julgamento “menor preço por lote”. Uma ofensa ao Princípio da Economicidade nas Licitações

Resumo: O presente artigo tem por objetivo fazer uma abordagem crítica ao tipo de licitação “menor preço por lote”, utilizado em larga escala, atualmente, principalmente na modalidade Pregão, demonstrando sua desvantagem para a Administração Pública, por ofender os princípios da isonomia, competitividade e economicidade, bem como por não se traduzir, efetivamente, no desiderato da licitação, qual seja a obtenção da proposta mais vantajosa, além de não previsto legalmente.


Palavras-Chave: Licitação, julgamento, menor preço, lote.


Abstract: This article aims to make a critical approach to the type of bid price per lot smaller, widely used today, mainly for proclamation, showing their disadvantage for Public Administration for offending the principles of equality, economy and competitiveness, as not translate effectively on the desirability of bidding, which is obtaining the highest bidder, and not legally provided.


Keywords: Bidding trial, lowest price, the lot.


Sumário: 1. Introdução; 2. Do Menor Preço Por Lote e suas desvantagens; 3. O Entendimento do TCU; 4. Conclusão.


1. Introdução.


Sabemos que a Administração Pública, no desempenho de suas funções institucionais, ante a impossibilidade de atender seus objetivos administrativos e sociais por si só, necessita contratar com terceiros para a consecução dos seus fins. A Constituição Federal de 1988 instituiu a realização de normas e procedimentos para tornar legal essa contratação, denominada de Licitação, e insculpida no art. 37, XXI daquela Carta Política. Assim, se a Administração necessita de meios que permitam atingir seus objetivos através da contratação alheia, para isso deve fazê-lo, obrigatoriamente, mediante procedimento de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas em Lei, ex vi do disposto no art. 2° da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamentou o supra-referido art. 37, inciso XXI, do Texto Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública.


A licitação corresponde, assim, ao procedimento administrativo destinado à seleção da proposta mais vantajosa para a contratação desejada pela Administração Pública, e necessária ao atendimento do interesse público, assegurando igualdade de competição a todos os interessados, na forma estabelecida no art. 3° da Lei n° 8.666/93. Portanto, o procedimento licitatório, regulamentado pela Lei nº 8.666, também denominada de Estatuto das Licitações, visa à contratação de obras, serviços e compras, dentre outros, quando realizada com terceiros.


A referida Lei instituiu as modalidades de licitação, assim definidas: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, sendo as três primeiras as mais especificamente direcionadas às contratações e aquisições, e definindo, também, os requisitos para contratações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis de licitação, reservadas pelo constituinte ao legislador ordinário e, ainda, estabelecendo os valores limites para determinação da modalidade, tendo em vista as estimativas da contratação, além de outros procedimentos específicos, que, no momento, não se revelam essenciais ao texto e que, portanto, não nos deteremos em tais. A Lei de Licitações estabeleceu, ainda, em seu bojo, mais precisamente no art. 45, §1° e incisos, os tipos de licitação, sendo esse o critério de seleção da proposta mais vantajosa e, dentre esses, inclui-se o “Menor Preço”.


Com o advento da modalidade licitatória denominada Pregão, instituída através da Lei n° 10.520, de 17 de julho de 2002 – a Lei do Pregão, e destinada à aquisição de bens e serviços comuns, é cada vez maior o número de contratações e, principalmente, de compras governamentais que se têm efetuado por essa modalidade, posto que se adéqüem à definição de bem comum estabelecida no parágrafo único do art. 1° da mencionada Lei n° 10.520/02, e, também, frente à economia que essa modalidade proporciona, além do que, considere-se que essa modalidade estabeleceu como único critério de julgamento o tipo “Menor Preço”, de acordo com o disposto no art. 4°, X da mesma Lei.


2. Do Menor Preço Por Lote e suas desvantagens.


Todavia, é cada vez mais freqüente se perceber, em alguns procedimentos licitatórios, especialmente quando na modalidade Pregão, a adoção do obrigatório critério de julgamento do “Menor Preço” estabelecendo-se, entretanto, um complemento, na forma de “Lote” e se criando, assim, o “Menor Preço por Lote”, onde se agrupam determinados itens em um só lote e aí se promove o julgamento, com base no preço total dos itens agrupados, ou do lote, e não no preço de cada item!


Desta forma, percebe-se que esse tipo de julgamento do “Menor Preço por Lote” fere, frontalmente, o Princípio da Economicidade, não se traduzindo, em hipótese alguma, na obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, posto que essa só seria obtida com o critério “Menor Preço por Item”, na aplicação (subsidiária, para a modalidade Pregão) do art. 15, IV da Lei n° 8.666/93, que estabelece que “as compras, sempre que possível, deverão ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade”; assim, mais do que um princípio constitucional, previsto no art. 70 da Carta Federal e aplicado às licitações, a economicidade é um ponto basilar, estruturante e fundamental das licitações, e dever da Administração, sendo que a sua violação, além de se traduzir em prejuízo para o Poder Público, também afronta ao Princípio da Legalidade, bem como a eficiência dos atos da Administração, impedindo-a da busca do seu fim maior, que tem como base, dentre outros princípios, o atendimento do interesse público, ou seja, o Princípio da Supremacia do Interesse Público!


Seguindo essa linha principiológica, percebe-se, ainda, a relação entre os princípios regedores do procedimento licitatório, pois os mesmos não funcionam isoladamente, incólumes; pelo contrário: são parcelas de uma engrenagem que rege a Administração Pública, sendo estreita a relação entre economicidade, legalidade e eficiência, pois não basta, apenas, a persecução da melhor proposta, mas esta tem que ser atingida, também, de forma prevista legalmente e de maneira eficiente na gestão dos recursos, tendo em vista o binômio custo-benefício. Nessa toada, verifica-se, assim, que, efetiva, legal e formalmente, não se recomenda esse critério de “Menor Preço por Lote”, sendo possível, apenas, menor preço unitário; a utilização do menor preço por lote demanda a necessidade de razões técnicas e econômicas, devidamente justificadas, que, de fato, raramente se aplicam aos casos concretos, como veremos adiante.


Assim, esse pseudo-critério de julgamento estabelecido como “Menor Preço por Lote” demonstra-se danoso ao erário, pelos seguintes motivos: primeiramente, em se tratando de diversos itens, dever-se-ia ser estabelecido menor preço por item, já que nas compras, a licitação sempre deverá, obrigatoriamente, ser do tipo menor preço, sendo que a licitação por itens opera como se diversas licitações fossem, agrupadas em uma só, devendo, assim, estabelecer-se como critério de julgamento o menor preço por item, face à individualidade de procedimentos (art. 4°, X da Lei n° 10.520/02 c/c art. 8°, V do Dec. n° 3.555/00 e, subsidiariamente, art. 15, IV c/c art. 45, §1°, I da Lei n° 8.666/93); em segundo lugar, para a adoção do critério do menor preço por lote, como no caso em estudo, deve-se, antecipada e necessariamente, justificar o motivo para tal (a exemplo de prejuízo, devidamente comprovado, se a licitação fosse por item, ou perda de economia de escala, etc.), ao que, em não havendo justificativa técnica e economicamente viável, além de plausível para isso, jamais se deveria adotar tal critério; e, por derradeiro, há, ainda, o fato de que, em se estabelecendo o critério do menor preço por lote, em não se cotando todos os itens do lote, deverá ser a proposta, necessariamente, desclassificada, de acordo com a intelecção do que deve constar como critério de desclassificação, já que não se atendeu ao, certamente, exigido em Edital, além de, obviamente, o valor daquele licitante que não cotar todos os itens ser obrigatoriamente inferior ao do que cotou todos os itens, havendo, assim, disparidade no objeto e ofensa à isonomia!


De forma prosaica, explicaremos o acima explanado, exemplificando: ocorre que, hipoteticamente, numa licitação com 100 (cem) itens, estabelecem-se lotes de, digamos, 20 (vinte) unidades, que, ao menos, devem possuir certa correlação entre si, num total de 05 (cinco) lotes, e que, num desses lotes encontram-se os itens Material “A” e Material “B”, além dos demais itens. Determinado licitante “X” cotou, nesse lote, o Material “A” a R$ 10,00 (dez reais) e o Material “B” a R$ 15,00 (quinze reais), totalizando, com os demais itens, ao final, seu lote, o valor de R$ 200,00 (duzentos reais) e o licitante “Y” cotou os mesmos itens (Material “A” e Material “B”) a R$ 8,00 (oito reais) e R$ 17,00 (dezessete reais), respectivamente, totalizando seu lote, com os demais itens, ao final, o valor de R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais); ora, no critério de julgamento utilizado, do “Menor Preço por Lote”, o licitante “X”, certa e indubitavelmente, sairia vencedor no lote, mesmo tendo cotado o item Material “A” com preço superior ao do que o licitante “Y” cotou (R$ 10,00 e R$ 8,00 respectivamente, cada um); e aí se pergunta: não seria mais vantajoso para a Administração adquirir o Material “A” do licitante “Y” e o Material “B” do licitante “X” (o que ocorreria, se assim tivesse estabelecido-se o critério de julgamento menor preço por item!), traduzindo-se a aquisição em maior economia para a Administração? Ao que, prontamente, se responde: certamente que sim, até mesmo porque a própria Lei assim o estabelece!


Entretanto, não é o que ocorre, e esse tipo de julgamento vem acontecendo cada vez com mais freqüência, mesmo tendo-se demonstrado prejudicial à Administração, e contrário ao desiderato da licitação, qual seja a obtenção da proposta mais vantajosa, mediante isonomia que assegure a competitividade entre os licitantes, pela afronta à economicidade, e especialmente, pela exclusão da competitividade, devido ao fato da desclassificação do licitante, acaso não cote determinado item do lote. Todavia, o que se tem alegado é que o procedimento realizado com o julgamento por item, a depender da quantidade desses, torna a licitação inviável, ou demasiadamente longa; contudo, é bem de perceber, a Lei não estabeleceu predeterminação de tempo, ou prazo, para julgamento de propostas… Cabe à discricionariedade da Administração verificar, e, efetivamente, se utilizar o tempo que for necessário, ou se crie uma comissão auxiliar para julgamento, etc., desde que se atinja o escopo da licitação, ou seja, que se obtenha a proposta mais vantajosa para a Administração! Outro ponto alegado é a celeridade, praticidade, razoabilidade, etc., ao que, prontamente, se discorda, remetendo-se aos princípios: é razoável clamar pelos correlatos princípios da razoabilidade, ou da celeridade, ou finalidade, ou, até mesmo, à praticidade em si, para preencher a lacuna deixada pelo princípio da economicidade e, quiçá, o da legalidade? Ou seja, é aceitável, em nome desses princípios, entender-se por afastar disposição legalmente prevista no art. 15, IV da Lei n° 8.666/93? Evidentemente que não!


3. O Entendimento do TCU.


Portanto, verifica-se que o critério de julgamento de “Menor Preço por Lote”, ao invés de menor preço unitário, é danoso ao erário e, nesse sentido, cada vez mais os Órgãos de Controle têm-se posicionado contra esse critério. O Tribunal de Contas da União – TCU sumulou[1]: “É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. SÚMULA 247”[2]. (destaque nosso).


E, nesse esteio, o mesmo TCU, em suas orientações[3], já estabeleceu o seguinte: “Em compras, a divisão do objeto em itens torna-se quase obrigatória, a não ser que fique comprovado prejuízo para o conjunto. Geralmente são comprados itens distintos de materiais de expediente, de móveis, de equipamentos, de suprimentos etc. A divisão do objeto em lotes ou grupos como se itens individuais fossem, deve ser vista com cautela pelo agente público, porque pode afastar licitantes que não possam habilitar-se a fornecer a totalidade dos itens especificados nos lotes ou grupos, com prejuízo para a Administração”. (destaque nosso).


Assim, como se não fosse suficiente o TCU ter sumulado e orientado sobre o assunto, decisões recentes, e reiteradas, nesse sentido, daquela Egrégia Corte de Contas, só vêm a consolidar o entendimento acerca da irregularidade e prejudicialidade do critério de julgamento estabelecido como “Menor Preço Por Lote”; senão vejamos:


Em 2006, o TCU, seguindo sua linha de entendimento, decidiu em conhecer de uma representação[4], considerando-a procedente, determinando a conversão em Tomada de Contas Especial e ouvindo em audiência prévia o responsável “pelo fato dos quantitativos de medicamentos da Concorrência 042/2004 terem sido elaborados por lotes e não por itens, limitando a participação de laboratórios fabricantes e distribuidores de outros pontos do território nacional, frustrando o caráter competitivo do certame e o princípio da isonomia, previstos no art. 37, inciso XXI da CF/88 e art. 3º, caput, e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93;


Mais à frente, em outro procedimento[5], o TCU reitera seu entendimento de que o agrupamento de itens em lotes é prejudicial à competitividade, ao recomendar “que, em futuras licitações sob a sistemática de Registro de Preços, proceda à análise mais detida no tocante aos agrupamentos de itens em lotes, de modo a evitar a reunião em mesmo lote de produtos que poderiam ser licitados isoladamente ou compondo lote distinto, de modo a possibilitar maior competitividade no certame e obtenção de proposta mais vantajosa para a administração, fazendo constar dos autos do procedimento o estudo que demonstre a inviabilidade técnica e/ou econômica do parcelamento;


Em procedimento recente[6], o Relator, em seu voto, considerou pertinente a expedição de recomendação ao órgão no sentido de que “efetue estudos avaliando, dentre outros aspectos julgados pertinentes, o resultado das licitações realizadas (por lotes e por item) em relação aos preços finais propostos, a execução contratual, a situação do mercado local e regional e a necessidade ou oportunidade de compra de câmaras frigoríficas, objetivando identificar, a partir dos elementos objetivos colhidos, a melhor opção para a aquisição de gêneros alimentícios com foco em fatores técnicos e econômicos”. Em outro trecho, destacou que “Este Tribunal já se posicionou pela possibilidade de o objeto licitado ser adjudicado por lote, uma vez justificada técnica e economicamente a inviabilidade da adjudicação por itens (Acórdão 1590/2004-Plenário).”, demonstrando, assim, o já aqui exposto, da inescusável necessidade de justificativa para se preterir o menor preço por item. E por fim, deixa claro o prejuízo à Administração, quando da utilização do menor preço por lote: “A unidade técnica, não obstante acolher tais argumentos, verificou que, no caso concreto, se fosse efetivada a adjudicação por itens, haveria uma redução de preço de R$ 41.150,00, ou seja, de 21,5% no valor final apurado no Grupo 9.”


Por fim, em outro julgado mais recente, o TCU reconheceu que o critério de menor preço por lote é uma criação, ao determinar à Prefeitura de determinado município que adote providências no sentido de “definir o tipo de licitação dentro dos parâmetros do art. 45, §1º, incisos I a IV, evitando criar tipo de licitação como, por exemplo, ‘menor preço por lote’;”[7].


4. Conclusão.


Desta forma, diante do exposto, deve-se, por conseguinte, nas licitações realizadas pela Administração, sempre ser adotado o critério de julgamento do “Menor Preço Por Item”, já que é com evidência solar que se pode concluir que a utilização de critério diverso de julgamento, como o “Menor Preço Por Lote”, é inviável ao Poder Público, por se demonstrar, hialinamente, como antieconômico e prejudicial à competitividade, ferindo, assim, princípios basilares regedores da Administração Pública e das licitações, não se podendo traduzir, desta forma, na possibilidade de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, mediante a isonomia entre os competidores, fim único de toda licitação!


 


Notas:

[1] Brasil. Tribunal de Contas da União. BTCU – Boletim do Tribunal de Contas da União – Especial: Súmulas – Ed. Especial. Ano XL – n° 6. Brasília: TCU, Secretaria-Geral de Administração, 2007.

[2] Súmula nº 247, aprovada na Sessão Ordinária de 10.11.2004, “in” D.O.U. de 23.11.2004.

[3] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos: orientações básicas / Tribunal de Contas da União. – 3. ed, rev. atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006.

[4] Processo TC-011.662/2005-5, Acórdão n° 257/2006-2ª Câmara – TCU.

[5] Processo TC-014.020/2009-9, Acórdão n° 2.410/2009-Plenário – TCU.

[6] Processo TC-025.557/2009-4, Acórdão n° 501/2010-Plenário – TCU.

[7] Processo TC-009.538/2010-0, Acórdão n° 1.715/2010-Plenário – TCU.

Informações Sobre o Autor

Antonio Augusto Rolim Araruna Neto

Advogado; Coordenador do Setor de Licitações da CAT – Consultoria, Assessoria e Contabilidade Pública Ltda.; Assessor e Consultor Técnico-Jurídico na área de Licitações e Contratos Administrativos em diversos Municípios do Estado de Sergipe; Professor de cursos de Pós-Graduação em Auditoria Governamental, Gestão Pública e Licitações e Contratos Administrativos.


Equipe Âmbito Jurídico

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